Relacionamentos colaborativos e desempenho: uma análise sob a perspectiva dos
clientes
1. Introdução
Os relacionamentos colaborativos entre fornecedores e clientes têm sido uma das
formas encontradas pelas empresas para atuarem de maneira mais coesa, ao mesmo
tempo que procuram obter benefícios mútuos.
Dentro da perspectiva do Marketing de Relacionamento, diversos autores destacam
os efeitos positivos dos relacionamentos de longo prazo para as empresas
fornecedoras, tais como receitas maiores, custos reduzidos e melhoria da
performancefinanceira da empresa. Graca, Barry e Doney (2015) destacam que há
evidências de que comportamentos confiáveis entre parceiros conduzem a
parcerias bem sucedidas. No entanto, na perspectiva de uma relação ganha-ganha,
onde os benefícios devem ser para todos os envolvidos, os efeitos desses
relacionamentos para os clientes foram pouco estudados. Nesse sentido, esse
estudo procurou verificar, empiricamente, a existência de uma correlação
positiva entre relacionamento colaborativo com os fornecedores e o desempenho
das empresas produtoras de calçados, assim como os antecedentes desse
relacionamento. De forma mais específica, este trabalho analisou o
relacionamento entre indústrias calçadistas e seus fornecedores, tendo como
referência os trabalhos do IMP - Industrial Marketing and Purchasing. O IMP é
um grupo de pesquisa europeu, formado em 1976 por pesquisadores de cinco países
da Europa (Ford, Gadde, Håkansson & Snehota, 2011).
O trabalho buscou ainda identificar as variáveis preponderantes no
relacionamento entre as empresas produtoras de calçados e seus fornecedores,
assim como refinar as escalas utilizadas, além de validar e operacionalizar os
construtos identificados como preponderantes no relacionamento.
2. Referencial teórico
O modelo de pesquisa proposto utiliza, como variáveis que influenciam o
relacionamento colaborativo, a confiança, a adaptação, a dependência, a
comunicação e o comprometimento, e como consequência o desempenho. Esses
construtos são abordados a seguir, iniciando pelo construto dependência.
2.1 Dependência
O nível de dependência de uma parte em relação à outra é uma importante
característica dos relacionamentos entre empresas (Anderson & Narus, 1990).
Num relacionamento interfirmas os envolvidos normalmente precisam um do outro.
O relacionamento os ajuda a obter recursos e habilidades complementares, os
quais isoladamente dificilmente seriam obtidos (Heide & John, 1988).
Para Andaleeb (1996), a dependência será maior quando os recursos requeridos
não puderem ser encontrados facilmente e quando as metas puderem ser alcançadas
somente com o relacionamento. Assim, a dependência tende a aumentar quando os
resultados do relacionamento são comparativamente maiores ou melhores do que os
disponíveis em outros relacionamentos alternativos. As relações caracterizadas
por baixa dependência não garantem nem tempo nem esforço para interações mais
próximas. Desse modo, a baixa dependência pode reduzir o desenvolvimento de
confiança mútua entre parceiros. De outra forma, relações com alta e mútua
dependência normalmente envolvem extensas interações pessoais, troca de
informações e integração de recurso. Tais interações proveem da oportunidade
para que a colaboração surja e desenvolva (Gao, Sirgy & Bird, 2005).
2.2 Confiança
Nos relacionamentos entre empresas (B2B) o construto confiança tem recebido
significativa atenção. Para Day, Fawcett, Fawcett e Magnan (2013), confiança
compreende os atributos intangíveis construídos ao longo do tempo para lidar
com as vulnerabilidades comuns em relacionamentos comprador / fornecedor.
Segundo Mondini, Machado e Scarpin (2013) um dos instrumentos mais eficazes no
relacionamento é a confiança mútua. Quanto mais aberta e clara a negociação,
maiores serão as chances de um bom relacionamento.
Morgan e Hunt (1994) ressaltam que relacionamentos entre empresas
caracterizados pela confiança são tão altamente valorizados que as partes
envolvidas desejarão comprometer-se com tais relações. Já Claro e Claro (2004)
verificaram empiricamente que quando a confiança é alta os relacionamentos
tendem a ser mais colaborativos e que a repetição das transações fortalece a
confiança.
Leonidou, Palihawadana e Theodosiou (2006) salientam que a confiança encoraja o
desejo de continuar e fortalecer a relação, sendo um componente essencial para
relações mais próximas e colaborativas. Dessa forma, a confiança é uma condição
prévia importante para realçar a cooperação entre vendedores e compradores,
pois favorece a crença tanto da habilidade como da intenção dos envolvidos em
trabalharem próximos para juntos alcançarem seus objetivos. Quando as partes
envolvidas numa relação de negócios confiam entre si, é mais provável que ambas
se envolvam em comportamentos que levam a um resultado positivo e/ou previne
resultados negativos que, consequentemente, as façam sentir-se mais satisfeitas
uma com a outra.
2.3 Comprometimento
Morgan e Hunt (1994, p. 23) definem comprometimento como a crença que um dos
parceiros tem de que o relacionamento existente é tão importante que vale a
pena garantir máximos esforços para mantê-lo. Já para Moorman, Deshpande e
Zaltman (1993, p. 84), comprometimento é o desejo contínuo de manter um
relacionamento valioso. Para esses autores, o comprometimento é capaz de
fortalecer a resistência a mudanças e resultar em relacionamentos mais próximos
e colaborativos.
Hakansson e Snehota (1995) salientam que a construção do relacionamento entre
duas empresas está intimamente relacionada ao processo de desenvolvimento de
comprometimento mútuo. Como a visão da empresa para com seu parceiro está
sempre incompleta e incerta, o desenvolvimento do relacionamento sempre requer
certo grau de comprometimento. Assim, o comprometimento demonstra uma tendência
de manter o curso das ações, com base em expectativas, sendo, até certo ponto,
um "ato de fé" pelo qual os envolvidos lidam com as incertezas e as
complexidades das situações. Assim, o comprometimento só faz sentido se o
futuro for importante para a relação.
Para Sheth, Mittal e Newman (2008), no relacionamento entre empresas o
comprometimento dos envolvidos não se limita a cumprir determinadas obrigações
contratuais. Para esses autores, o comprometimento se manifesta em
comportamentos cooperativos, referindo-se a uma disposição mental de não fazer
nada que possa prejudicar o relacionamento e fazer todo o esforço necessário
para fortalecê-lo. Assim, para esses autores, a cooperação é influenciada pelo
comprometimento.
2.4 Comunicação
A comunicação é crítica para o sucesso organizacional (Mohr & Spekman,
1994). Para Duncan e Moriarty (1998), tudo que uma empresa faz ou não faz,
envia uma mensagem com diferentes impactos. Dessa forma, comunicação, ou troca
de informações, é um importante construto nos estudos sobre relacionamento
(Mohr & Spekman, 1994), já que não há como estabelecer nem manter um
relacionamento se as partes não se comunicarem. Segundo Duncan e Moriarty
(1998), a comunicação é o elemento primário de integração no gerenciamento de
uma relação, além de ser a plataforma na qual as relações são construídas.
A troca de informações pode ser útil para clientes e fornecedores, pois o maior
compartilhamento de informações pode indicar que as partes consideram o
relacionamento importante, sem haver exatamente um proprietário da informação.
A troca de informações pode incrementar a qualidade e facilitar o
desenvolvimento de novos produtos, bem como aumentar o comprometimento nos
relacionamentos. Nesse sentido, segundo Brito, Brito e Hashiba (2014), o
intercâmbio de informações é amplamente utilizado como uma proxy de cooperação.
Considera-se ainda que um sistema de comunicação pode aumentar a colaboração no
relacionamento, porque as partes envolvidas podem colaborar mais eficientemente
e discutir com maiores detalhes tópicos importantes de interesse comum (Weitz
& Jap, 1995). Uma comunicação efetiva também permite a vendedores e
compradores ter um entendimento claro das expectativas, do desempenho e das
normas inerentes ao relacionamento. Assim, altos níveis de comunicação irão
aumentar a colaboração. Dessa forma, Mohr e Spekman (1994) alegam que para se
obter os benefícios da colaboração uma comunicação efetiva entre os parceiros é
essencial.
2.5 Adaptação
Adaptação é uma característica central nos relacionamentos entre empresas
(Hallén, Johanson & Seyed-Mohamed, 1991). Normalmente, a questão de
coordenar atividades de parceiros heterogêneos pode envolver uma adaptação, por
alterar processos internos para acomodar a outra parte (Hallén et al., 1991;
Hakansson &. Snehota, 1995).
Quando fornecedores e clientes frequentemente estabelecem e desenvolvem
relacionamentos entre si e quando os negócios em tais relacionamentos
correspondem a consideráveis parcelas das vendas do fornecedor e/ou das
necessidades dos clientes, há razões para acreditar que significativas
adaptações ocorram. Consequentemente, é de se esperar que o fornecedor se
adapte às necessidades específicas de importantes clientes, ao mesmo tempo que
clientes se adaptem às capacidades de fornecedores específicos (Hallén et al.,
1991).
Para Hakansson e Snehota (1995), duas empresas num relacionamento tendem a
modificar e adaptar continuamente os produtos negociados, bem como rotinas e
regras de conduta para melhorarem seu desempenho. Assim, tanto adaptações
técnicas em características de produto ou no processo de produção, quanto
adaptações em atividades administrativas e logísticas são típicas de
relacionamento entre organizações. Nesse sentido, nas relações entre empresas,
onde a adaptação é grande, tanto compradores como vendedores farão um esforço
particular para assegurar a continuidade da relação.
2.6 Relacionamento colaborativo
Metcalf, Frear e Krishnan (1992) sustentam que compradores e vendedores,
pressionados a atender à demanda numa competição global, estão,
progressivamente, desenvolvendo esforços colaborativos para produzir produtos
de qualidade e, ao mesmo tempo, reduzir custos. Esse trabalho é focado em
relacionamentos colaborativos com fornecedores, definidos como um
reconhecimento mútuo e compreensivo de que o sucesso de cada firma depende em
parte da outra firma. Assim, cada firma toma ações para prover um esforço
coordenado, focado em satisfazer os requisitos do outro (Claro & Claro,
2004).
Estudos têm comprovado que relacionamentos de longo prazo com fornecedores
baseados na colaboração levam a desempenhos superiores (Chen, Paulraj &
Lado, 2004; Metcalf et al., 1992; Mondiniet al., 2013).
Para Cao e Zhang (2011), relacionamentos colaborativos podem ajudar as empresas
a compartilhar riscos, acessar recursos complementares, reduzir os custos de
transação, aumentar a produtividade, melhorar a lucratividade e obter vantagem
competitiva de longo prazo. Em mercados que a oferta de insumos é restrita, a
manutenção desses relacionamentos com fornecedores torna-se um importante fator
de competitividade.
Relacionamentos dessa forma devem estar embasados na cooperação mútua,
entendido que eles fazem parte de um sistema maior, em que as partes estão
inter-relacionadas, ou seja, as ações de um interferem na atuação do outro.
Assim, conforme afirmam Claro e Claro (2004), relacionamento colaborativo entre
fornecedor e comprador representa um ativo importante da empresa e deve ser
tratado com lógica similar àquela aplicada a qualquer outro tipo de
investimento.
2.7 Desempenho
A complexidade e a multidimensionalidade do desempenho empresarial trazem uma
dificuldade inerentemente difícil para a seleção de um esquema conceitual para
definir desempenho e na identificação de medidas disponíveis e acuradas para
operacionalizá-la (Venkatraman & Ramanujam, 1987; Perin & Sampaio,
1999).
Muitos dos trabalhos que avaliam desempenho utilizam dados secundários
provenientes de bases de pesquisa. Porém esses dados nem sempre estão
disponíveis. Segundo Perin e Sampaio (1999), os pesquisadores da área de
Administração encontram dificuldades em obter dados objetivos válidos para a
mensuração do desempenho empresarial. Quando se trata de pequenas empresas, os
problemas são ainda maiores, pois muitas vezes esses dados não são facilmente
obtidos, principalmente de forma secundária.
Outra alternativa, também muito usual, seria obter esses dados de forma
subjetiva. Diversos trabalhos (Venkatraman & Ramanujam, 1987; Perin &
Sampaio, 1999) já demonstraram as relações positivas e significativas entre
medidas objetivas e medidas subjetivas de desempenho. É certo que as medidas
objetivas, quando corretas e disponíveis, devem ter prioridades, no entanto as
medidas subjetivas de desempenho vêm sendo usadas com grande frequência por
pesquisadores da área de Administração.
3. Modelo de pesquisa
Com base nos construtos vistos anteriormente, chegou-se ao modelo de pesquisa
mostrado na Figura_1, por meio do qual buscou-se mapear as variáveis relevantes
do relacionamento colaborativo entre as empresas produtoras de calçados e seus
fornecedores.
A Figura_1 representa o modelo conceitual pesquisado, o qual assume que
dependência, confiança, comprometimento, comunicação e adaptação são
antecedentes de relacionamento colaborativo e o influenciam positivamente. Além
disso, considera-se que relacionamento colaborativo influencia positivamente o
desempenho. Tais hipóteses foram propostas com base nos trabalhos de Mohr e
Spekman (1994) {H1}, Leonidou et al. (2006) {H2, H3, H4}, Su, Song, Li e Dang
(2008) {H5} e Cao e Zhang (2011) {H6}.
Tal modelo foi desenvolvido especificamente para este trabalho, porém foi
baseado em outros já existentes, desenvolvidos por estudos similares, como os
de Claro e Claro (2004), Metcalf et al. (1992), Mohr e Spekaman (1994),
Anderson e Narus (1990) e Leonidou et al. (2006).
A seguir é apresentada a metodologia utilizada na pesquisa.
4. Metodologia
Esta pesquisa consistiu num estudo descritivo quantitativo, no qual se buscou
verificar relações entre determinadas variáveis. Para isso, optou-se por
realizar um levantamento do tipo survey, com base num corte transversal.
O questionário utilizado, desenvolvido com base nos trabalhos de Leonidou et
al. (2006), Mohr e Spekman (1994), Heide e John (1988) e Claro (2004), continha
cinco partes. A primeira abordou as características do entrevistado. A segunda
parte do questionário abordou as características do relacionamento entre os
fabricantes de calçados e seus fornecedores. A terceira parte procurou
caracterizar o principal fornecedor da empresa. A quarta e maior parte do
questionário continha os 42 itens referentes aos construtos do modelo. A quinta
e última parte do questionário abordou as características da empresa
pesquisada.
A coleta de dados foi conduzida ao longo de dois meses. A população da pesquisa
foram as indústrias de calçados associadas ao SINDINOVA que estavam instaladas
em Nova Serrana. Optou-se por esse critério de seleção para se ter uma amostra
mais homogênea. Dessa forma, o questionário foi distribuído a 293 empresas,
sendo que destes 211 foram respondidos, constituindo-se na amostra final.
Após a coleta, os dados foram tabulados e conferidos, corrigindo-se todas as
falhas encontradas. A partir de então, os dados passaram por diversos
tratamentos, a fim de atender aos objetivos do estudo.
Inicialmente, os dados passaram por uma análise preliminar, que incluiu a
análise de dados ausentes e valores extremos. Posteriormente, foram verificados
os pressupostos de normalidade, linearidade e multicolineariedade, importantes
para a análise multivariada. Na sequência foram tratadas as questões inerentes
ao teste do modelo de pesquisa, fazendo uso dos aplicativos AMOS 5.0, LISREL
8.3, SPSS 16 e SMARTPLS.
5. Análise dos dados e apresentação dos resultados
5.1 Características da amostra
Constatou-se que os respondentes, em sua maioria, ocupam cargos de decisão,
possuem ensino médio completo e têm até 40 anos de idade. Já com relação ao
perfil das empresas pesquisadas, verificou-se que grande parte delas estava no
mercado há mais de 12 anos, com a maioria fabricando de 300 a 1200 pares de
calçados diariamente, principalmente tênis e sandálias femininas adultas. A
maior parte delas era de micro ou de pequeno porte, considerando tanto o número
de funcionários como o seu faturamento.
Finalizando a caracterização da amostra, procurou-se compreender melhor a
relação das empresas fabricantes de calçados com seus principais fornecedores.
De forma geral, constatou-se que os fabricantes acreditam que são menores que
os fornecedores. Além disso, a maioria das empresas afirmou que compra tanto
das revendas localizadas na cidade como diretamente do fabricante da matéria-
prima. O fornecedor considerado mais importante fornece principalmente
materiais sintéticos ou couro. Normalmente, as empresas concentram de 30% a 70%
das compras desse produto em seu principal fornecedor.
5.2 Análise preliminar dos dados
Em relação aos dados ausentes, constatou-se a existência de 67 perguntas em
branco, representando 0,59% da matriz de dados. Considerando que a quantidade
de dados ausentes foi bastante reduzida e dispersa, e que a mera exclusão
poderia trazer um viés nos resultados (Hair, Anderson & Tatham, 2007),
propôs-se uma reposição dos dados ausentes com base nos valores observados das
variáveis presentes no estudo. Utilizando um procedimento Stepwise os dados
ausentes foram repostos por meio do procedimento de regressão. Dessa forma,
eliminaram-se os problemas de dados ausentes na base de dados.
Com relação aos valores extremos, usando um limite moderado segundo o intervalo
interquartil (IQ), 129 respostas foram consideradas extremas. Usando as
sugestões correntes (Tabachnick & Fidell, 2001), tais respostas foram
substituídas por valores menos ofensivos, tendo como limites os valores Q1 -
1,5 x IQ e Q3 + 1,5 x IQ. Assim, não permaneceram casos extremos no estudo.
Quanto à avaliação da normalidade, o teste de Jarque-Bera foi significativo
para 68% das variáveis (p < 0,01), demonstrando desvios expressivos da
normalidade. Buscando reduzir tais problemas, tentaram-se várias transformações
de variáveis. Escolhendo a alternativa que implica menor desvio global da
normalidade, obteve-se uma matriz cujos vetores ainda discrepavam
significativamente da normalidade. Considerando a inaptidão do procedimento,
decidiu-se manter as variáveis em seu formato original e proceder a análises
aceitando que os dados do estudo não seguem uma distribuição normal.
Já a linearidade dos relacionamentos dos indicadores foi testada por meio do
coeficiente de Pearson e de diagramas de dispersão, mas nenhum desvio
preocupante foi identificado. Assim, as variáveis podem ser vistas como se
comportando dentro do padrão de linearidade. Já o grau de redundância avaliado
pelos procedimentos de multicolinearidade entre as variáveis não indicou
correlações maiores que 0,90 em módulo.
5.3 Validação das Escalas
Considerando a necessidade de avaliar se houve congruência entre as medidas
efetuadas e a teoria subjacente, procedeu-se à avaliação da confiabilidade e da
validade das medidas, descritos nos tópicos a seguir.
5.3.1 Análise da dimensionalidade
A avaliação da dimensionalidade foi obtida por meio da análise fatorial
exploratória. O objetivo de se usar o critério de Kaiser foi verificar se,
segundo o critério mais tradicional de extração de fatores, ocorreria a
extração de somente um componente. Usando tal procedimento, obtiveram-se
valores unidimensionais para cinco das variáveis analisadas, com boas medidas
de ajuste em grande parte delas. Os resultados podem ser observados na Tabela
1.
Para o construto confiança, todos os indicadores entraram corretamente numa
solução de uma dimensão. Salienta-se que as condições para aplicação da AFE
foram consideradas satisfatórias, em especial devido ao elevado valor da medida
KMO, maior que 0,800. Já o construto comunicação é unidimensional e o fator
extraído explica 64% da variação observada. Além disso, a medida KMO, de 0,861,
pode ser considerada ótima (Hair et al.,2007). Assim, este construto também
teve atendido o pressuposto de unidimensionalidade.
Constatou-se que o construto adaptação apresentou dois fatores: um se refere a
modificações estruturais e o outro à flexibilidade, sendo que a condição
amostral não foi favorável à aplicação da AFE para este construto. Tais
condições desfavoráveis denotam que, possivelmente, o construto apresenta
resultados incoerentes, que podem determinar a eliminação de uma de suas
dimensões, ou ambas, nas etapas posteriores do estudo. O construto
comprometimento mostrou-se estável, com variação explicada de 58%. Além disso,
as medidas KMO se mostraram satisfatórias.
Já o construto relacionamento colaborativo só obteve uma solução unidimensional
após exclusão de três indicadores. O indicador unidimensional remanescente
demonstra variância explicada de 54% e medida KMO de 0,832.
Por fim, a análise do construto desempenho mostra que este é unidimensional,
com variância explicada de 51%.
Desse modo, pode-se dizer que os pressupostos de unidimensionalidade foram
atendidos ou que, nos casos de violação, encontrou-se uma dimensionalidade
correta dos construtos por meio da AFE.
5.3.2 Análise da confiabilidade
A próxima etapa do estudo foi avaliar a confiabilidade das medidas usando o
coeficiente alfa de Cronbach. A literatura cita que valores superiores a 0,80
são considerados adequados, mas um limite de 0,60 poderia ser aceitável sob
condições exploratórias (Malhotra, 2012). A Tabela_2 mostra a confiabilidade
das escalas deste estudo.
Considerando os limites de 0,60 para a adequação das medidas de confiabilidade
e usando o procedimento de correlação, pode-se dizer que as medidas de
adaptação e dependência (dimensão 2) apresentaram medidas de validade abaixo
dos limites aceitos. Considerando tais condições, preferiu-se excluir os
indicadores do construto dependência 2 das análises subsequentes de validade,
bem como se buscou na etapa seguinte identificar qual das duas dimensões de
adaptação apresenta melhores propriedades de mensuração.
5.3.3 Validade de construto: convergente, discriminante e nomológica
Considerando que parte significativa das escalas apresentou resultados
aceitáveis em termos de validade das suas medidas, foi feita a avaliação da
validade das medições. Para isso, aplicou-se o método de estimação por Mínimos
Quadrados Parciais (Partial Least Squares - PLS) para avaliar a primeira
componente da validade de construto (validade convergente). A despeito de a
amostra alcançar um patamar genérico aceitável de 200 casos (Hair Jr. et
al.,2007), usando o número de parâmetros na matriz de correlação seria
necessária uma amostra maior. Desse modo, para além de malogrado o uso de uma
estimativa por meios tradicionais, devido ao tamanho da amostra, tais condições
veem ainda deterioradas em razão do desvio da normalidade. Assim, uma opção
plausível foi o PLS, que não faz suposição sobre a distribuição das variáveis e
têm exigências bem inferiores em termos do tamanho da amostra.
Excluindo os indicadores que não atingiram o critério da significância das
cargas fatoriais, chegou-se a um modelo reduzido de validade aceitável,
demonstrando a aceitação da qualidade de mensuração. No entanto, uma dimensão
do construto dependência foi excluída, pois seus indicadores não passaram no
patamar mínimo de validade convergente. A dimensão 1 de adaptação também foi
excluída, devido a problemas de validade.
Com o objetivo de apresentar um resumo do quadro de mensuração, demonstrando as
medidas de confiabilidade composta e variância média extraída, tal como sugerem
Fornell e Larcker (1981), foi desenvolvida a Tabela_3.
As medidas de adequação da medição ficaram acima dos patamares aceitos de 0,70
para confiabilidade composta (Hair Jr. et al., 2007) e 0,40 para variância
extraída (Fornell & Larcker, 1981), indicando uma adequada
operacionalização conceitual dos construtos que suportam seu uso subsequente.
Na sequência, foi avaliada a validade discriminante das escalas. Empregou-se o
método sugerido por Fornell e Larcker (1981), averiguando se a variância média
extraída dos indicadores é maior que a variância compartilhada entre os
construtos teóricos (R2 é obtido por meio da correlação dos escores estimados
no SMARTPLS). Esses resultados encontram-se na Tabela_4.
Observa-se que houve uma ligeira violação da validade discriminante quando se
observam as variáveis relacionamento colaborativo e comprometimento. Atenta-se
que tal violação foi somente marginal, pois o percentual de variância
compartilhada é somente 3% superior à variância explicada dos indicadores de
relacionamento colaborativo. Para este caso, foi feito o teste de avaliação do
grau de correlação desatenuada, conforme sugerem Netemeyer, Bearden e Sharma
(2003). Neste caso, a correlação desatenuada foi de 0,867, demonstrando que
mesmo que os indicadores dos construtos fossem perfeitamente confiáveis a
correlação esperada entre as medidas seria menor que 1, apresentando evidências
da validade discriminante dos construtos comprometimento e relacionamento
colaborativo.
Como última etapa da validade de construto, procedeu-se ao teste do grau em que
os relacionamentos teoricamente previstos foram suportados pelos dados
empíricos. Os resultados encontram dispostos na Figura_2.
Pela Figura_2 constata-se que os principais antecedentes do relacionamento
colaborativo são comunicação e comprometimento. Além disso, relacionamento
colaborativo apresentou um R2 de 0,61. Ou seja, 61% da variação do
relacionamento colaborativo pode ser explicada pelas variáveis independentes do
modelo.
Constatou-se ainda uma relação significativa entre relacionamento colaborativo
e desempenho. Outrossim mostrasse um baixo percentual de variância explicada do
construto desempenho. Um resumo destes resultados pode ser visto na Tabela_5.
A Tabela_5 revela que foram encontradas correlações positivas entre
comprometimento e relacionamento colaborativo, entre comunicação e
relacionamento colaborativo e entre relacionamento colaborativo e desempenho,
ao nível de significância de 5% ou menor. No entanto, não foram encontradas
correlações positivas significativas entre confiança e relacionamento
colaborativo, entre dependência e relacionamento colaborativo e entre adaptação
e relacionamento colaborativo.
Esses resultados demonstram que, das seis hipóteses levantadas anteriormente,
três foram rejeitadas e três não foram rejeitadas. Dessa forma, pode-se afirmar
que houve validade nomológica parcial do modelo testado.
6. Conclusão
Quando se observa que o estudo foi realizado num setor produtivo constituído
principalmente de empresas de menor porte, onde a proximidade geográfica e os
laços sociais entre as pessoas envolvidas facilitam a disseminação de inovações
de produto e de práticas gerenciais, foi possível obter uma melhor compreensão
dos antecedentes e das consequências dos relacionamentos colaborativos
verticais das empresas de menor porte. Assim, a verificação de que
relacionamentos colaborativos contribuem para um melhor desempenho é um
importante resultado desse estudo e confirma o que já havia sido observado por
Mondiniet al. (2013), Brito et al. (2014) e Cao e Zhang (2011).
Essa constatação pode ser atribuída, em parte, ao fato de que as empresas que
se baseiam num relacionamento mais colaborativo com seus parceiros acabam
reduzindo tanto os custos ex-ante de obtenção de informações, redação e
negociação de contratos, por concentrar suas compras num grupo restrito de
fornecedores, como os custos ex-post de coordenação das atividades e resolução
de problemas, assim como os custos de desenvolvimento de novos produtos.
Outra conclusão do estudo foi que relações comumente encontradas em outras
pesquisas não se mostraram significativas para o setor estudado. Isso mostra
que nem sempre as constatações obtidas em outros estudos, em contextos
diferentes, podem ser consideradas para a realidade brasileira. Isso, porém,
não diminui a importância do estudo, já que a não aderência, no Brasil, de uma
teoria construída em outra realidade também traz contribuições para os estudos
acadêmicos brasileiros na área de Marketing. Assim, o modelo precisa ser mais
bem adequado à realidade brasileira - mais especificamente, ao setor
calçadista, que possui características distintas.
Outro objetivo do estudo foi refinar as escalas. É importante considerar que as
escalas utilizadas foram traduzidas, adaptadas e testadas para a realidade
brasileira. No entanto, foi necessária ainda a exclusão de alguns indicadores
ao longo das análises de dimensionalidade e validade de construto. Após esses
ajustes, observou-se que as escalas que compuserem o modelo final atingiram
valores aceitáveis de validade e confiabilidade. Assim, o desenvolvimento de
uma escala de mensuração do relacionamento colaborativo foi outro importante
subproduto deste trabalho.
Embora diversos fatores possam influenciar as trajetórias das empresas,
conclui-se que a forma de relacionamento entre as indústrias de calçados e seus
fornecedores influencia o desempenho delas.
Diante dessas considerações, conclui-se que para os fabricantes de calçados é
interessante que desenvolvam relacionamentos colaborativos com seus
fornecedores mais importantes. Verificou-se que mesmo num setor caracterizado
por empresas de pequeno e de médio porte a prática de relacionamentos
colaborativos tem se tornado mais comum. Essa pode ser uma importante
alternativa para o aumento da competitividade do setor, de forma a enfrentar a
concorrência internacional em melhores condições. Normalmente, os estudos
relacionados a esse tema têm como foco empresas de grande porte. Nesse sentido,
essas evidências contribuem para um melhor entendimento das relações entre
empresas de menor porte.
Cabe destacar ainda que a aplicação de um estudo como este constitui uma
oportunidade única para a avaliação da generalidade de um modelo teórico, bem
como para a certificação da validade do instrumento de pesquisa utilizado. O
estudo mostrou que o modelo proposto precisa ser mais bem refinado. Porém,
conforme frisam Gosling e Gonçalves (2003), os modelos são uma tentativa de se
explicar como a realidade se comporta. Assim, cabe verificar se realmente o
que se imagina (o modelo esboçado) traduz a realidade. Dessa forma, uma
verificação de outros construtos que tenham impacto maior no relacionamento
colaborativo e no desempenho talvez fosse interessante.
Os resultados obtidos são importantes ainda para comprovar que as variáveis
preponderantes no relacionamento entre as indústrias calçadistas e seus
fornecedores são comunicação e comprometimento e que as mesmas influenciam de
forma positiva e significativa no relacionamento colaborativo.
Apesar da importância das conclusões e das contribuições deste estudo, é
necessário reconhecer suas limitações e a necessidade de pesquisas adicionais.
A primeira limitação a ser ressaltada é que o modelo testado não apresentou um
ajuste adequado. Nem todas as relações propostas se mostraram significativas.
No entanto, como não se optou por partir de um modelo já testado, e sim por
testar um novo modelo, acredita-se que seja aceitável que ele não tenha
apresentado um ajuste adequado. Além disso, é importante reconhecer que o
modelo talvez não tenha contemplado todas as dimensões e variáveis que
influenciam o relacionamento colaborativo das empresas. Devido a isso, uma
sugestão para futuros trabalhos seria a inclusão de outras variáveis no modelo.
Outra limitação se deve à ausência de normalidade dos dados e ao tamanho da
amostra. Com os pressupostos de normalidade atendidos e amostras maiores, seria
possível utilizar o método de Estimação por Máxima Verossimilhança (MME), que
permitirá verificar melhor a adequação do modelo. Essa seria uma sugestão para
estudos futuros.