La relation médecins-malades: information et mensonge
Sylvie Fainzang,La relation médecins-malades: information et
mensonge,Paris,Presses Universitaires de France, 2006, 168 páginas.
Sylvie Fainzang habituou-nos à sua escrita, simultaneamente clara, precisa e
elegante. Nesta obra desvenda as razões que levam médicos e pacientes a
esconderem certas informações uns aos outros, a seleccionar e a revelar
informações. Da omissão à mentira, passando pelo eufemismo, a antropóloga
francesa captou o que dizem os profissionais de saúde aos seus pacientes e
vice-versa, ao longo de um trabalho de campo de quatro anos. A maioria das suas
observações efectuou-se em consultas de oncologia e nos serviços de medicina
interna, onde analisou os discursos dos médicos em função do estado de evolução
da doença dos seus pacientes.
Neste caso, as estratégias que os mesmos utilizam para contornar a verdade são
essencialmente a minimização do problema de saúde do paciente, o recurso ao
médico de família ou ainda a familiares do paciente para o anúncio do
diagnóstico e a simples omissão da informação clínica, sob o pretexto de que
quem não pergunta não quer saber.
Segundo as origens sociais e culturais, a idade e o sexo do paciente, os
médicos mentem mais ou menos, explicam de forma mais ou menos simples ou mais
ou menos concisa. A informação é mais facilmente cedida aos pacientes que os
médicos julgam de nível sociocultural mais elevado, tanto por suporem que estes
compreendem melhor a linguagem médica como por imaginarem que são mais aptos a
suportar psicologicamente uma má notícia, quando se trata de um diagnóstico ou
de um prognóstico inquietante. Os médicos dão, portanto, mais informação a quem
possui mais conhecimentos e meios para aceder à informação.
A verdade é muitas vezes elidida pelo médico, que considera que esta não é
benéfica para o doente, pois provoca-lhe sofrimento ou impede o paciente de
aderir à terapêutica. A omissão de informações pode também ser motivada pelo
pressuposto de que o paciente não entende a linguagem médica. Outros fornecem
informações apenas quando estas são solicitadas e consideram a ausência de
perguntas uma negação da doença por parte do paciente. Este, frequentemente,
cala as perguntas para não roubar um tempo precioso ao médico.
Certos médicos mentem sobre a doença ou os efeitos dos tratamentos porque
julgam desta forma proteger o paciente. Outros utilizam a mentira como
instrumento de poder para evitar contestações por parte do doente e tê--lo em
obediência e na sua dependência. Também há aqueles que não desejam que os
pacientes obtenham informações sobre a doença por outras vias, tal como a
internet. Além da preocupação com a qualidade da informação que adquirem, há
também o medo de verem o seu poder escapar-lhes...
Sylvie Faizang investigou com a mesma sagacidade a vertente da mentira dos
pacientes, dando conta das suas circunstâncias e motivações. Anunciar um novo
sintoma significa para alguns pacientes correr o risco de ter más notícias
quanto ao seu estado de saúde, enquanto calar o sintoma poderia retirar-lhe a
sua efectividade...
Além das mentiras, descobrimos, com este trabalho antropológico penetrante, as
incompreensões e os mal-entendidos da relação médico-paciente, assim como os
preconceitos sobre médicos e pacientes que interferem nesta relação.
A questão da informação dos pacientes sobre as suas doenças e sobre os cuidados
que recebem é um dos aspectos centrais que actualmente atravessam os debates
sobre os cuidados de saúde, o anúncio do diagnóstico, os tratamentos e os seus
efeitos, os seus riscos e os seus benefícios. Perante esta problemática
bastante actual, impunha-se efectuar uma investigação que tratasse dos lugares
desta informação e das práticas reais dos médicos neste campo, considerando os
seus mecanismos, as suas condições, as suas implicações e os seus limites.
A própria antropóloga não escapou à mentira... A fim de evitar que os sujeitos
modificassem os seus comportamentos devido à sua presença, afirmou a uns que o
seu interesse recaía sobre os pacientes e aos outros que se debruçava sobre as
atitudes dos profissionais de saúde...
Verdade seja dita, é um prazer ler este contributo para a antropologia da saúde
e da doença.
Marta Maia
Investigadora auxiliar do CRIA (Centro em Rede de Investigação em Antropologia)
ISCTE