Media Power in Politics
Doris A. Graber(ed. ), Media Power in Politics, 5.ª ed., Washington, CQ Press,
2007, 432 páginas.
A relação dos mediacom o poder político e os seus eventuais efeitos sobre os
receptores converteu-se num tema de debate desde o aparecimento dos mediade
massas, na segunda metade do século xix, e de análise académica desde as
primeiras décadas do século xx. Os Estados Unidos, onde a liberdade de imprensa
é um pilar do sistema constitucional e os mediativeram desde o início um papel
importante no espaço público, têm um invejável cânone de investigação nesta
área. Esta investigação é realizada a partir de diversas disciplinas, como a
sociologia, a ciência política, os estudos de comunicação e os de jornalismo.
Este livro é um manual, género que muita falta faz no mundo académico
português. Enquanto no nosso país as selectas com o estado da arte costumam ser
apenas compilações de comunicações em congressos ou conferências, os livros de
leitura no mundo editorial anglo-saxónico resultam preferencialmente da
escolha, por especialistas, de artigos ou capítulos no sentido de tentar cobrir
exaustivamente o tema seleccionado.
Assim acontece com a presente obra, que reúne 36 textos de origens e abordagens
muito diversas. A vivacidade deste género de manuais comprova-se com o êxito
obtido por este, que vai na sua 5.ª edição em apenas sete anos, sendo
reformulado a cada nova edição. Neste caso, metade dos textos é nova no reader.
O título, que pode traduzir-se por "poder mediático na política", não
abrange todas as perspectivas exploradas no seu interior porque, invertendo os
elementos do nome, não faltam nele textos sobre o poder da política nos media.
No entanto, e em geral, os textos aqui seleccionados tratam da relação entre o
mundo político (dos poderes executivo e legislativo, da sociedade civil, da
política externa, dos militares, dos grupos de pressão, da opinião pública) e o
mundo dos media(das empresas, da imprensa escrita, das empresas proprietárias,
da televisão). Graber, que assina outra obra de referência na matéria (Mass
Media and American Politics), afirma que este manual se destina, em primeiro
lugar, a cursos sobre os mediade massas em relação com a política e a
sociedade, sobre a opinião pública e a comunicação política, e também a cursos
para funcionários públicos e governamentais americanos, o que explica a
presença de textos de análise a partir do ponto de vista da administração.
A variedade dos textos é vibrante, quer quanto à origem dos seus autores,
provenientes das várias áreas disciplinares já referidas, quer quanto às
metodologias que são referenciadas e fornecem pistas aos leitores interessados
em enveredar pelos mesmos trilhos, desde a análise de conteúdo à análise
estatística, passando pelas entrevistas e análise textual. É também muito
significativa a variedade de pontos de vista no sentido em que, por exemplo,
encontramos textos que defendem a necessidade de os mediaserem alavancas de
contrapoder da sociedade civil e outros que defendem as campanhas manipuladoras
do poder para influenciar os media por serem consideradas essenciais à
governança efectiva.
Este livro encontra-se dividido em seis partes. Na primeira incluem-se textos
sobre os efeitos dos mediade massas em geral, entre os quais os clássicos de
Lippmann e Mcquail. Da segunda à quinta partes explora-se a influência dos
media: nas opiniões e preferências políticas ("Moldando a agenda política
e a opinião pública"); nas eleições para a presidência e o Congresso dos
EUA ("Influenciando os resultados eleitorais"); nos participantes
dentro e fora da estrutura do poder político ("Controlando o poder dos
media: actores políticos versusa imprensa"); na formação e implementação
de políticas públicas nacionais e estrangeiras ("Guiando políticas
públicas"). A última parte examina as acções privadas e públicas
desenvolvidas nos EUA e no estrangeiro para controlar o impacto dos mediade
massas e moldar as ofertas mediáticas ("Regulando e manipulando os efeitos
mediáticos").
A esmagadora maioria dos textos trata da realidade americana, o que, sendo
redutor, fornece, todavia, um panorama actual da investigação no país que
estabelece o exemplo no Ocidente quanto a modelos e paradigmas políticos,
mediáticos, etc. Há, mesmo assim, perspectivas que um leitor europeu poderá
considerar enviesadas pelo patriotismo, como na análise da política e dos
mediaem tempos de crise nacional e de guerra. Se bem que muitas das questões
americanas abordadas sejam válidas para qualquer cenário, é quase alheio a este
livro o panorama dos países em que existem meios de informação controlados ou
pertencentes directa ou indirectamente ao Estado e, por consequência, passíveis
de serem controlados pelos governos. Exceptua-se, porém, uma análise
actualíssima da estratégia de Vladimir Putin para neutralizar (quase) por
completo o escrutínio independente dos assuntos públicos pelos media. Masha
Lipman e Michael McFaul consideram que Putin ultrapassou os limites máximos
aceitáveis em democracia na perseguição e controlo à imprensa. Escrevem que
Putin fabricou acusações falsas para prender os seus inimigos e que estas
medidas duras intimidaram os restantes jornalistas. Este artigo ilumina a
possibilidade de no século xxi se fabricar o que podemos chamar um regime
democrático sem liberdades, isto é, com as garantias formais da democracia
(eleições, separação de poderes, etc.), mas sem aquela garantia que os
fundadores da América inscreveram na Constituição, num importante "after-
thought" (a expressão é de Gore Vidal): a primeira emenda, garantindo uma
extensíssima liberdade de imprensa. A experiência russa actual junta-se a outra
no passado, hoje unanimemente consideradas ditatoriais, em que se comprovou a
percepção dos fundadores dos EUA segundo a qual sem liberdade de imprensa
(garantindo a publicidade da expressão em liberdade) não pode existir uma
verdadeira democracia.
Não havendo espaço para referir, mesmo que resumidamente, o conteúdo de todos
os artigos, vale a pena, todavia, mencionar que o tema do agenda--setting,
fundamental na vida da esfera política, mediática e pública, é aqui amplamente
tratado, com diversas perspectivas, percorrendo praticamente todo o livro.
Também se nota uma tendência para confirmar a validade da ideia da televisão e
outros mediade entretenimento como veículos de debate de questões públicas e,
portanto, válidos também para a participação dos actores políticos. No geral,
resulta da leitura deste manual a complexidade da avaliação da relação dos
mediae da política, impossível de resumir numa análise de conteúdo ou numa
análise factorial. Há aqui textos com pontos de vista contrários e que resultam
de investigações empíricas válidas. Vários artigos criam um padrão de análise
segundo o qual os mediatêm efeitos inegáveis na opinião pública, na percepção e
assimilação de políticas, no estabelecimento da agenda política (?), etc. A
partir daí insinua-se a necessidade de uma pragmática que oriente os políticos,
mas também os jornalistas, nas relações mútuas e, para os primeiros, nas formas
de controlar, se não mesmo manipular, a informação e os media. Uma pragmática
quer dizer regras, uma techne que pode, por isso, ser válida para outras forças
sociais e políticas. Esta é a conclusão que se pode retirar do texto de Doug
McAdam, mostrando como os líderes do American Civil Rights Movement na década
de 1960 estruturaram as suas manifestações de modo a atrair uma grande
cobertura mediática favorável. Ao provocarem a repressão, provocaram também a
piedade na opinião pública, com o êxito que se conhece.
Eduardo Cintra Torres
Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa