A filosofia da religião em Portugal: (1850-1910)
RECENSÕES
A filosofia da religião em Portugal (1850-1910): Afonso Rocha, Porto,
Universidade Católica Editora, 2013, 696 pp. ISBN: 978-989-8366-56-6
Manuel Gama*
*Universidade do Minho, Instituto de Letras e Ciências Humanas, Departamento de
Filosofia, 4710-057 Braga, Portugal
d199@ilch.uminho.pt
Estamos na presença de uma bem pensada obra sobre a filosofia da religião em
Portugal, relativa às décadas que vão de 1850 a 1910, em que o autor, depois de
considerar que antes dos anos 50-60, do século XIX, Portugal é marcado por um
"pensamento antigo", vai centrar-se no período posterior, até 1910, em que,
entre nós, se dá a génese e o desenvolvimento do "pensamento moderno". Esta
forma de pensar só anteriormente teve alguns lampejos em Joaquim Maria
Rodrigues de Brito (1753-1831) e em Silvestre Pinheiro ferreira (1769-1846).
Nas suas quase setecentas páginas, o presente estudo, pioneiro e inovador no
âmbito do pensamento filosófico português, debruça-se em extensão e
profundidade sobre o domínio da filosofia da religião em Portugal, apresentando
sete substanciais capítulos, em que o autor carateriza outras tantas
orientações reflexivas, centradas nos principais pensadores portugueses dessa
época. O fruto das investigações é apresentado nas seguintes partes: Amorim
Viana e a religião como "catolicismo ilustrado": a religião nos limites da
razão; Cunha Seixas e a religião como um misticismo panteísta: um filosofismo
de sabor gnóstico-cristão; Teófilo Braga e a religião como fenómeno histórico-
social: um sincretismo de mitos, de crenças e de doutrinas antigas; Antero de
Quental e a religião como misticismo da razão e do transcendentalismo: fusão do
humano e do divino; Guerra Junqueiro e a religião como misticismo naturalista e
panteísta: a harmonia de Prometeu e de Jesus; Sampaio Bruno e a religião como
"misticismo idealista": uma religião racional e de redenção; Basílio Teles e a
religião como misticismo da divindade imanentista da natureza: um imanentismo
do divino universal.
Após exaustivas digressões investigativas sobre aqueles autores e as suas
ideias, devidamente integradas no contexto do pensamento filosófico da época, o
autor opta por, de forma sintética, mas penetrante, fazer três ordens de
conclusões, que nos parecem de toda a pertinência.
A primeira refere-se à reorientação do pensamento filosófico português da
segunda metade de Oitocentos – sobretudo com o questionamento de Amorim Viana
ao cristianismo católico -, que passou a perspetivar a religião num horizonte
de rutura com o cristianismo (especialmente a sua vertente católica), mas
também com qualquer outra religião de caráter organizado e institucional. Em
segundo lugar, relativamente àquele mesmo período temporal, o pensamento
filosófico português é espelho e agente na evolução transformativa da conceção
da religião, que o autor sintetiza em duas orientações de natureza mística: por
um lado, a conceção de Sampaio Bruno, de matriz gnóstica, próxima do misticismo
judaico da cabala, enfocado a partir da luz dada pela gnose perso-zoroastrista;
por outro lado, a conceção de Basílio Teles, da matriz greco-pagã, que se
aproxima de um misticismo imanentizado do Divino, concebido e apresentado como
um Deus marcado pela impessoalidade e universalidade. Em terceiro lugar, no
período referido (1850-1910), vislumbra-se uma vaga de fundo, gerada pela
filosofia da religião, em que a religião é transformada num misticismo racional
e universal, em que estão excluídas as vertentes da irreligiosidade ou do
ateísmo. Segundo o autor, tal representação liga-se fundamentalmente com o
facto de os pensadores portugueses, no âmbito da filosofia da religião,
assumirem uma atitude inserida no "pensamento moderno" pautado pelos "dogmas
sacratíssimos" da razão, da liberdade de consciência e do progresso.
No seguimento de vários outros livros e artigos sobre o pensamento filosófico
português, privilegiando as problemáticas do mal, do messianismo e da gnose,
Afonso Rocha, conceituado investigador do Centro de Estudos do Pensamento
Português da Universidade Católica Portuguesa, com a obra em apreço, dá um
decisivo avanço nos estudos do referido pensamento nacional, sobretudo na
marcante vertente, entre nós, da filosofia da religião. Fica aberto o caminho
para novos estudos sobre a temática em causa.
Campus de Gualtar
4710-057 Braga
Portugal
ceh@ilch.uminho.pt