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National varietyEu
Year2009
SourceScielo

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Clínica da psicossomática: Estudo de um caso 2) "(...) ou isto muda e eu passo-me e não respondo por mim! Olhe que se fosse dantes eu me tinha passado! Eu tenho medo de me passar e matar alguém!".

O Miguel parece cada vez mais capaz de mentalizar as suas angústias. Mas, o esbatimento da omnipotência e do controlo deixam o seu núcleo melancólico mais exposto. Traz, então, para a sessão, conteúdos suicidários, acompanhados pela fantasia de que morrendo pode marcar a sua presença nos outros: "(...) eu moro num terceiro andar e se eu me mando de abaixo. Ultimamente tenho pensado muito nisso. Ainda no outro dia estava no meu quarto; estava o meu irmão em casa e, eu pensei em ir chamá-lo para vir ver uma coisa e, quando ele entrasse no quarto eu subia para a varanda, para ver se ele me segurava e atirava-me. Mas, depois, deitei-me na cama e fiquei a olhar parao tecto e a pensar: a minha vida é uma merda, vou-me atirar! Oh , não, eu não me quero atirar! E fiquei nisto. Mas depois também penso, se eu algum dia fizer isto não pode ser sozinho.Tem de estar gente em casa. É para ver se me agarram, não sei".

Pela mesma altura traz para a relação terapêutica, as suas fantasias violentas, que intui poder imaginar sem as agir. Uma, porém, angustia-o, particularmente: fantasias de violência sexual sobre mulheres. Verbaliza que quanto mais tenta não pensar nisso, mais o faz de um modo compulsivo. O Miguel tolera a imagem, imagina com contrapartida objectal. Isto é, não capitula perante o quase-nada objectal, não coloca o corpo e a mente a protegerem-se um do outro perante a iminência do vazio. Agora existe um outro, que lhe permite sentir que a fantasia não fica à solta, indomada, ou o coloca na emergência destrutiva. Agora, podemos arriscar que o seu trajecto digestivo mental está a ser reposto. tem uma função simbólica. O Miguel, no âmago de toda a sua fealdade e sentimento de incapacidade, sente que não pode ambicionar amar uma mulher ou ser amado por ela. Como se o máximo que pudesse esperar fosse agarrá-la num beco e atacá-la. Mas, vai ser capaz de escrever uma carta de amor. Vai ser capaz de a entregar. E perante a rejeição, não soçobrar.

Algumas semanas depois, traz, pela primeira vez um sonho para a sessão: "A mãe dela não queria que nós falássemos. Não sei porquê. Entrei no prédio dela e, aquilo ficou enorme, enorme, aquilo é grande, mas ficou enorme, cheio de portas, portas, parecia um labirinto, parecia mesmo um labirinto. Eu tocava nas portas e não era o sétimo direito. Quanto mais andava, mais portas apareciam. Até que encontrei um senhor que me disse onde era. fui e consegui sair do labirinto e tocar à porta dela. Ela estava à minha espera. Entrei e ficámos a conversar na sala, todos contentes. Conversávamos sobre as coisas passadas e sobre a vida de agora". Um sonho que conta do carácter integrador da relação terapêutica, enquanto catalisador da construção da saída do labirinto da sua vida em que, tantas e tantas vezes, se foi sentindo completamente isolado, desamparado e entregue a um destino trágico, do pensar e integrar das "coisas passadas e sobre a vida de agora".

A sua capacidade crescente de metabolização permite-lhe, poder pensar-se, além da doença, além do vírus: "Mas oh doutor, então responda-me a uma pergunta: então isto de ser chato e aquilo de partir tudo que eu fazia não é da epilepsia; é do meu feitio? Mas eu antes tinha uma vida normal; tinha amigos, divertia-me. Era normal". Permite-lhe pensar as relações interpessoais; as razões do seu profundo isolamento, da sua profunda solidão e, esboçar movimentos de alguma aproximação aos outros.

Não podemos esquecer que todo e qualquer processo de integração mental poderá implicar, no limite, desintegração.

É a propósito destes conteúdos que um de nós (, 2009), se refere a um quadro que se chamou de psicose psicossomática, referindo-se à presença de reacções violentas (compagináveis com a psicose) a um sofrimento depressivo grave dos objectos internos, sentido como persecutório no próprio. Este sofrimento depressivo, mortificante da vida emocional, não podendo traduzir-se em episódios de violência reactiva, em relação a ele (em consequência de regras de contenção educativa major), pode provocar, a nível do sistema nervoso, uma reacção paradoxal, fazendo com que os indicadores emocionais de saúde sejam sentidos muito mais como desorganizadores do que como integrativos. Nestas circunstâncias, um sofrimento violento acompanhado por uma contenção emocional violenta poderá levar ou contribuir para somatizações graves (tais como acidentes vasculares cerebrais, doenças oncológicas ou doenças degenerativas), nos adolescentes, o que poderá ter sucedido com o Miguel.

O Miguel, entretanto voltou à escola. Mas a uma escola para crianças com deficiências adquiridas e atrasos de desenvolvimento graves, onde foi capaz, pela primeira vez, desde que acordou de coma, de manter uma relação de algum companheirismo com dois colegas da Escola. Não sem inseguranças ou angústias persecutórias! Mas com o valor potencial da passagem para novos investimentos relacionais.

Depois de um largo período em que as crises convulsivas foram quase extintas, o Miguel desenvolve algumas crises convulsivas no caminho para a Escola. Este incremento da frequência das convulsões coincide com o seu desejo em abandonar a instituição de ensino que frequenta, por muito ter aprendido toda a matéria e estar, algum tempo, sem nada para fazer nas aulas e, por, no dizer dele, " ver desgraças" (adolescentes com deficiências graves).

Quer voltar ao Ensino Regular: "Eu não sei se consigo ou não fazer o 12.º ano, mas euquero tentar! Eu sei que são muitas cadeiras e muita matéria. Mas se eu fizer três ou quatro cadeiras por ano, pode demorar muito, mas eu acho que consigo".

Entre uma encefalopatia que o dilacerou sem que se questionasse a sua etiologia, e as reacções psicopatológicas que trouxe, o Miguel está a reencontrar-se. Pensa de uma forma organizada, e a incidência dos sintomas esbateu-se significativamente. Foi por tudo isto que o entendemos como uma situação didáctica, a partir da qual mobilizámos uma compreensão clínica da psicossomática.


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