Editorial
Editorial
Maria de Lourdes Dionísio
O número de textos que integra este volume da Revista Portuguesa de Educação
espelha a intensidade da sua atividade editorial. No quadro de uma gestão não
profissional, tal intensidade, apesar de reflexo do estatuto consolidado da
Revista na comunidade académica, pode também vir a ser fator de interpelação da
sua existência. Não é apenas a alteração das práticas tradicionais de edição
suscitadas pelas ferramentas da edição electrónica que parece exigir a
interpelação, pelo menos, de procedimentos editoriais. Esta revisão começa a
ser também exigida pela distinta relação entre a publicação científica e os
sujeitos envolvidos nos seus processos de produção e recepção. Na verdade, se
até há relativamente pouco tempo, o vínculo primeiro das revistas académicas
podia ser visto como mantido, em muito, com os seus Leitores, no atual
paradigma de comunicação (e avaliação) científica não é absurdo dizer que tal
vínculo é prioritariamente com os Autores que as revistas publicam, dadas as
funções que os artigos científicos têm vindo a assumir na vida académica e com
todas as implicações que isso tem na rede social em que a revista se produz.
É pois no cumprimento desse "pacto" com os Autores, que alimentam
legítimas expectativas sobre o tempo e o modo de visibilização da sua
contribuição para o conhecimento científico, que a RPE dá hoje à estampa um
número que, por comparação a números anteriores, é excecional.
No primeiro, Leopoldo Mesquita, no âmbito do que considera ser um novo campo de
investigação em educação, reflete sobre as mudanças da atividade educativa, num
sentido que corresponderá aos "processos clássicos de transição
capitalista cujo ponto nodal reside na transformação do trabalho escolar".
Segundo o Autor, "impõe-se neste contexto um estudo detalhado das formas
de valorização dos capitais investidos na indústria educativa".
No segundo texto, Maria João Carvalho aborda a escola, de forma multifocada,
com o objetivo de distinguir entre várias formas de racionalidade, no quadro de
recusa de "uma concepção monista e absoluta". Neste sentido, constrói
um dispositivo conceptual que, nas palavras da Autora, "se articule com a
proposta de estudo das multirracionalidades que incorporam as decisões que
revelam diferentes formas de poder".
A equipa constituída por Susana Caires, Maria Alfredo Moreira, Carla Esteves e
Diana Vieira apresenta os resultados de um estudo sobre as vivências dos
supervisores cooperantes no contexto do estágio pedagógico de cursos de quatro
universidades portuguesas. O recurso ao Inventário de Vivências e Percepções do
Supervisor permitiu avaliar o impacto de algumas variáveis, nomeadamente a
Formação Específica em Supervisão que se concluiu ser a que mais influência tem
nas vivências e percepções dos cooperantes.
Instituindo também a supervisão de estágio, agora em Enfermagem, como objeto de
estudo, o quarto texto de Ana Paula Macedo reflete sobre este processo,
especificamente quanto aos fenómenos de articulação interorganizacional Escola
de Enfermagem e Hospital.
Adotando uma perspectiva social sobre a literacia, Maria da Conceição Fonseca e
Fernanda Simões apresentam os resultados de um estudo sobre como "adultos
em processo de escolarização básica analisam as suas práticas de leitura e
escrita, percebem as experiências de letramento vivenciadas na instituição
escola e avaliam seus possíveis impactos naquelas práticas". Das
entrevistas realizadas a quatro alunos de um curso de Educação de Jovens e
Adultos, concluem as Autoras que o papel da escola na promoção de práticas
letradas de uso social é relativizado, configurando-se as práticas do
quotidiano e as escolares como algo independentes, apesar da identificação, por
parte dos adultos, do alargamento e sofisticação das suas práticas de leitura e
de escrita devido à vivência escolar.
No sexto texto, Carlos Ribeiro, Rute Monteiro e José Carrillo, no âmbito do
ensino da Matemática no 1º ciclo do Ensino Básico, discutem o processo de
construção de um modelo que, tomando a prática dos professores, permite
analisar as cognições em jogo na sala de aula, de que modo elas se relacionam e
qual o seu papel no processo de ensino. O texto conclui com a discussão das
implicações do uso do modelo na formação inicial e contínua de professores.
Também sobre o ensino da Matemática na escola básica, agora no 3º ciclo,
Catarina Ribeiro e Leonor Santos apresentam um estudo sobre o modo como duas
professoras de uma mesma escola, a leccionar o mesmo ano de escolaridade e os
mesmos conteúdos programáticos, concretizam o currículo. A discussão institui
as diferenças entre as duas professoras para reforçar a tese de que a cada
professor corresponde um currículo.
Josimeire Julio e Arnaldo Vaz caracterizam, no oitavo texto, aspetos de
masculinidade que têm implicações na aprendizagem da Física. Na investigação de
tipo etnográfico que deu origem ao artigo, os Autores analisaram as interações
entre rapazes, tendo concluído que predominaram, por exemplo, situações
desafiadoras e de competição. Discutem ainda as circunstâncias em que tais
manifestações podem pôr em causa a aprendizagem e o funcionamento dos grupos.
Angelica Di Maio e Alberto Setzer relatam o estado de coisas no ensino da
Geografia quanto ao uso de novas tecnologias. Apesar do desenvolvimento neste
domínio, os Autores concluem que a informática ainda é uma ferramenta pouco
usada na escola, sendo necessário criar melhores condições para que professores
e alunos possam usar a tecnologia em benefício do ensino e da aprendizagem.
O décimo e último texto apresenta um estudo sobre o aproveitamento escolar de
alunos de Engenharia Civil sujeitos ao método Aprendizagem Baseada em
Problemas. Adriana Casale, Nidia Kuri e Antônio Silva avaliam e comparam os
resultados de aprendizagem destes alunos com os de outros que não estiveram
envolvidos na aprendizagem por recurso àquele método. Para a análise dos dados,
os Autores recorreram a mapas cognitivos que lhes permitiu concluir que o
aproveitamento escolar é significativamente melhor com aquele desenho didático.
Fecha este número uma nota de leitura, da responsabilidade de Ana Silva, de
duas obras de referência nos estudos sobre a literacia, a primeira delas
constituindo, inclusivamente, papel pioneiro dos New Literacy Studies,
perspectiva que se opõe à concepção dominante da literacia: a da avaliação e da
medida.
Centro de Investigação em Educação
Instituto de Educação
Universidade do Minho - Campus de Gualtar
4710 Braga - Portugal
rpe@iep.uminho.pt