Editorial
Editorial
Maria de Lourdes Dionísio, Fátima Antunes
Com este número fecha-se um ciclo de 25 anos de um projeto editorial que,
apesar de todas os desafios impostos pelas novas formas de edição académica, se
manteve fiel à sua missão e objetivos iniciais, difundindo conhecimento em
educação original e atual, participando no desenvolvimento de redes científicas
nacionais e internacionais, fortalecendo a comunidade científica de referência
e, sobretudo, dando voz a novos Autores, como este número que agora se edita
bem exemplifica.
Nos nove anos da direção que agora acaba o seu longo mandato, a revista foi
vendo o seu raio de influência alargado, reforçando o seu estatuto de periódico
verdadeiramente internacional, não exclusivamente do mundo lusófono: se aos
leitores chegaram apenas alguns textos em espanhol e em inglês, por exemplo,
muitos outros nos foram e continuam a ser submetidos. Com efeito, fez-se da RPE
um instrumento reconhecido e credível da construção do campo e da comunidade de
Ciências da Educação a caminho de se inscrever em múltiplas geografias e
escalas: institucional, nacional, europeu e pluricontinental. Este esforço de
afirmação foi prosseguido num terreno e numa época em que não raro as políticas
científicas e as regras de criação, comunicação e valorização da ciência iam
sendo definidas no próprio momento em que as opções deveriam ter lugar ou ser
apreciadas as consequências dessas opções. Mesmo num tempo de incerteza,
procurou-se nortear a Revista para fortalecer uma comunidade identitariamente
diversa: nos paradigmas, nas teorias, nas metodologias, nas temáticas, nas
línguas e nas geografias em que cria, comunica e valoriza o conhecimento
científico em educação.
E apesar da pressão que tal objetivo colocava, a Revista foi conseguindo
estabilizar a regularidade da sua publicação, cumprindo sempre escrupulosamente
a política editorial que se impôs e lhe era exigida pelas diversas bases de
dados em que ia sendo indexada: Latindex, Redalyc, DOAJ, SciELO. Também por
isto ela é agora uma das apenas seis revistas da SciELO de Portugal que, nas
várias avaliações internacionais a que esta plataforma tem sido submetida, tem
conseguido manter um estatuto capaz de a levar proximamente às indexações mais
valorizadas pelas agências de avaliação da produção científica.
Por isso, embora de um projeto editorial nunca se possa dizer que está
cumprido, é mesmo assim com um sentimento de missão cumprida que damos à
estampa este último número de 2012, um número que, pelos doze textos que
publica, é verdadeiramente excecional.
O primeiro texto, de Mônica Jinzenji, A. M. Galvão e Simone Silva, produzido no
âmbito de uma investigação sobre representações da infância de um grupo de
mulheres brasileiras de origem rural, conclui, como neste espaço de
subjetividade que é a memória, a infância não existiu para aquelas mulheres
porque associada a "riqueza" e "atualidade". Nestas memórias o trabalho é uma
categoria central e a educação ganha visibilidade em espaços de "socialização
não escolares" o que leva as Autoras à defesa da inclusão destas instâncias "no
estudo dos processos educativos do passado".
O segundo texto, de Mariana Gaio Alves e Teresa Varela, discute as relações
entre escola e comunidade educativa. Os dados de um estudo exploratório sobre o
que "as escolas entendem por relação com a comunidade", "como a praticam" e
"que articulações existem entre a cultura organizacional e o tipo de relação
com a comunidade educativa" evidenciam não só o valor dado pelas escolas a esta
relação com a comunidade, mas também a atuação da Direção das escolas, os pais
e encarregados de educação como principais atores. Mesmo assim, concluem as
Autoras, "adivinha-se [nessa relação] a existência de significativas
dificuldades e obstáculos nessas dinâmicas".
Em Práxis educativa: tempo, pensamento e sociedade, Wilson Correia e Iolanda
Carvalho defendem, numa atitude crítica, "alimentada pela inconformidade", uma
abordagem da práxis educativa pensada "em termos de uma conceção teórica e
prática que valorize uma pedagogia relacional, interacional e vinculadora de
seres humanos". Neste quadro, os professores e as professoras são sujeitos que,
a par da descrição do que é o mundo e a sociedade, são também capazes de
afirmar como estes não devem ser.
Helena Quintas e José Alberto Gonçalves, no quarto texto, caracterizam a
liderança das escolas e agrupamentos de escolas de três regiões portuguesas.
Com o objetivo de "compreender de que modo as organizações educativas põem em
prática a sua visão de escola", os Autores recorreram à análise de conteúdo dos
relatórios de avaliação externa produzidos pelas equipas da Inspeção-Geral da
Educação. Entre as conclusões destaca-se o facto de "a dimensão estratégica da
implementação da visão da escola [estar] praticamente ausente do conteúdo dos
relatórios", permitindo "inferir um certo sentido de gestão mais processual do
que verdadeiramente prospetivo e mais reativo do que ativo".
O quinto texto da autoria de Dirléia Sarmento, Paulo Fossatti e Fernando
Gonçalves discute processos de construção dos saberes docentes de professores
que participam num programa de formação contínua no Brasil. Este programa
constitui-se, segundo os Autores, como uma "proposta inovadora" de "reflexão-
investigação-ação" com capacidade para transformar a pedagogia dirigida às
crianças e "problematizar as concepções de criança e infância".
Maria Hermínia Laffin, por meio da análise de um processo de escolarização e
"letramento" com adultos idosos, reflete sobre os significados negativos
associados a "analfabeto" e, por extensão, a "alfabetização". A contrapor,
conceptualiza a condição de ser letrado na sua dimensão social, demonstrando
como os adultos idosos, na aprendizagem significativa da leitura e da escrita,
vão representando uma relação de pertença com o mundo letrado.
O sétimo texto, de Preciosa Silva, Ana Maria Morais e Isabel Pestana Neves,
toma como objeto de análise vários documentos reguladores do Ensino de Ciências
no 1º ciclo do Ensino Básico. A análise, sustentada na teoria do discurso
pedagógico de Basil Bernstein, sobre o que se ensina e sobre a forma como se
ensina, dá conta das diferenças nas mensagens desses documentos. Tais
diferenças, segundo as Autoras, podem influir negativamente tanto nas práticas
dos professores como na concepção dos manuais escolares.
No âmbito da "comunidade disciplinar" de História, Ana de Oliveira visa
compreender, por meio "da análise de textos e discursos", as políticas
curriculares que, no Brasil, "hegemonizaram a disciplina de Estudos Sociais".
Com este objetivo, a Autora articula os contributos da História das Disciplinas
Escolares e do Ciclo de Políticas com a Teoria do Discurso. Detendo-se também
sobre o caso português, são igualmente analisados os textos produzidos à volta
da legislação reguladora da habilitação profissional para a docência de
História e Geografia, afirmando-se, no final, uma "ampliação da perda do status
da disciplina de História em Portugal".
No mesmo campo dos estudos curriculares, Filipa Seabra traça, a partir de um
estudo de caso numa Região Autónoma de Portugal, a situação do ensino da
Expressão Musical e Dramática, particularmente no 1º Ciclo, mas também
referindo a Educação Artística do 2º Ciclo. O percurso pelo contexto, sujeitos,
conteúdos e processos de desenvolvimento curricular permitiu à Autora
"descrever um projeto com potencialidades e fragilidades ao nível curricular".
Lourdes Frison apresenta um estudo sobre tutoria entre estudantes de um curso
de ensino superior, no Brasil. A avaliação da estratégia possibilita concluir
que a tutoria proporcionou a autorregulação das aprendizagens e estimulou o
desempenho cognitivo, a autoestima e a autoimagem dos estudantes. A estratégia
aproxima professor e alunos e, segundo estes, as aprendizagens são mais
significativas. Face aos dados coligidos, defende-se o uso da estratégia como
"modo de romper com a lógica do professor como único depositário do saber".
No texto Os recursos educativos e a utilizaçãoo das TIC no Ensino Secundário na
Matemática, Maria Carmen Ricoy e Maria João Couto apresentam um estudo de caso
no âmbito da reflexão sobre formas alternativas de ensinar e aprender, no que
aos recursos utilizados para a realização das atividades diz respeito. No
estudo estão igualmente envolvidas as motivações e percepções dos alunos quanto
ao uso das tecnologias de informação e comunicação no ensino da Matemática.
Entre as principais conclusões destaca-se que o recurso mais utilizado continua
a ser o manual escolar. Recursos tecnológicos "quase não são mencionados".
No último texto, Claudia Bisol e Carla Valentini entrecruzam "o uso de
tecnologias digitais na educação e a inclusão", ao discutir o processo de
construção de um objeto digital de aprendizagem, intitulado Incluir.
Inicialmente desenvolvido para a promoção da inclusão de estudantes surdos, o
objeto construído concilia tecnologia e pedagogia e visa dar corpo a uma
"metodologia reflexiva e problematizadora, de base interacionista".
O volume inclui ainda a recensão da obra de Miguel Santos Rego e Mar Lorenzo
Moledo, intitulada Estudios de pedagogia intercultural, Campinas, Barcelona:
Octaedro, 2012, da responsabilidade de Manuel Barbosa.
Segue-se a listagem das publicações recebidas no âmbito das permutas que a
Revista Portuguesa de Educação tem estabelecidas.
O número encerra com a lista de avaliadores que com a Revista colaboraram na
emissão de pareceres nos dois últimos anos. Como é costume, esta lista
pretende-se expressão do nosso agradecimento público pelo espírito de missão
académica demonstrado por este vasto grupo de especialistas. Sem o seu
empenhamento, a Revista dificilmente teria conseguido manter o estatuto cedo
alcançado entre a comunidade académica.
Alargamos o nosso agradecimento aos membros do Comité Editorial José António
Moreno Afonso, Maria Alfredo Moreira, Maria Fernanda Martins e Maria João Gomes
pelo esforço desinteressado com que sempre desempenharam as tarefas editoriais.
Como é costume, também, em momento de passagem de testemunho, queremos
expressar os nossos sinceros agradecimentos às secretárias Ana Rita Guimarães e
Sandra Rodrigues e ao técnico João Gonçalves pela disponibilidade e gestão
eficiente deste projeto.
Centro de Investigação em Educação
Instituto de Educação
Universidade do Minho - Campus de Gualtar
4710 Braga - Portugal
rpe@iep.uminho.pt