Novas tecnologias, riscos e oportunidades na perspetiva das crianças
Introdução
Compreender o que é ser criança, nas denominadas sociedades ocidentais da
atualidade, requer um conhecimento profundo da sua relação com as novas
tecnologias e da mediação tecnológica das experiências de socialização, lazer,
comunicação e aprendizagem. Falar com amigos, ocupar os tempos livres e estudar
são atividades que parecem depender cada vez mais do acesso a tecnologia. Seja
enquanto ferramenta social ou educativa, a sua relevância está igualmente
espelhada no investimento que as famílias direcionam para o acesso à Internet.
Esta interação entre crianças e tecnologias está ainda investida de grandes
esperanças e receios. É fácil encontrar, sobretudo no tratamento que a
comunicação social faz deste tema, uma celebração das oportunidades a ela
associadas e uma dramatização dos perigos. São paradoxalmente populares a ideia
de que estamos perante uma geração digital, líder na exploração das
oportunidades que o digital encerra, e a previsão de que a infância está
destinada a desaparecer, corrompida pelas informações agora ao alcance das
crianças e comportamentos nelas provocados.
Este projeto surgiu neste contexto com dois propósitos centrais: i) numa
perspetiva mais sociológica, compreender a relação entre crianças e novas
tecnologias e os sentidos de que estas se revestem, na perspetiva das próprias
crianças; ii) numa ótica educativa, contribuir para a promoção de um equilíbrio
entre oportunidades e riscos das novas tecnologias que potencie as primeiras e
reduza as consequências negativas dos segundos. Partindo do pressuposto de que
as crianças são agentes sociais ativos que constroem as suas próprias culturas,
esta abordagem privilegia os seus pontos de vista. Procura, assim, compreender
estes fenómenos a partir dos significados e códigos socioculturais que as
próprias crianças constroem.
Neste texto são apresentados os resultados finais deste trabalho. Com base numa
abordagem etnográfica, ele realça como as crianças: desenvolvem sentidos de
pertença e identidade através da apropriação de novas tecnologias;
problematizam aspetos relativos à aceitação social e reputação; valorizam as
questões de segurança a partir de reinterpretações específicas e encaram com
ambiguidade conceitos como o de 'estranho' e 'vício';
não conceptualizam as suas práticas como oportunidade. Em conclusão, esta
pesquisa destaca, por um lado, como as crianças criam os seus próprios mundos
socioculturais e espaços de autonomia através das novas tecnologias; por outro,
como as medidas destinadas a beneficiar ou proteger as crianças online se
distanciam das suas próprias culturas, podendo tornar-se excessivamente
prescritivas e estigmatizantes. Defende-se uma abordagem mais situada destas
temáticas, capaz de valorizar as culturas das crianças e considerar as
circunstâncias e contextos socioculturais em que as suas experiências digitais
ocorrem e ganham sentido.
Enquadramento
Partindo do pressuposto de que as crianças são agentes sociais ativos que
constroem as suas próprias culturas, este trabalho desenvolve-se em torno da
conceção da infância como construção social e da criança como ator social
(James, Jenks, & Prout, 1998; James & Prout, 1997; Jenks, 1992, 1996;
Prout, 2005; Qvortrup, 1991). Trabalhadas no âmbito da designada Nova
Sociologia da Infância, isto é, de um foco sociológico mais recente na análise
da infância 'em si mesma' (Sarmento, 2008), estas noções vieram
contrariar o primado da natureza na compreensão do que é ser criança e do que
constitui a infância. Face a uma definição universal por referência a padrões
de desenvolvimento biológico e psicológico, elas destacam a sua autonomia
social e geracional, reconhecendo a agência social das crianças e a sua
capacidade de construir expressões culturais próprias. Este enfoque discute o
reconhecimento da infância como categoria social autónoma, que merece ser
estudada por si própria e não a partir das perspetivas dos adultos (James &
Prout, 1997; Sarmento, 2004). Desta ótica, as crianças são cidadãos plenos,
cujos direitos à participação e cidadania se colocam no presente, não apenas
com vista à preparação do seu futuro (Tomás, 2007).
Mais recentemente, alguns autores têm vindo a apontar excessos a estas
perspetivas, nomeadamente ao foco quase exclusivo da investigação sociológica
sobre a agência das crianças (Prout, 2005, 2011; Tisdall & Punch, 2012). A
investigação é, por estes investigadores, chamada a reconsiderar a complexidade
e ambiguidade da infância através de abordagens interdisciplinares, atentas às
interações entre estrutura e agência, dimensões biológicas e psicológicas,
entre outras dicotomias (Prout, 2005, 2011). Como escreve Prout (2005),
"a infância não deveria ser entendida como natural nem cultural, mas como
uma multiplicidade de 'naturezas-culturas', isto é, uma variedade
de híbridos complexos, constituídos por materiais heterogéneos que emergem
através do tempo" (p. 144). Realça-se aqui a necessidade de privilegiar a
investigação interdisciplinar, capaz de reconhecer tanto o estatuto social das
crianças como as suas especificidades biopsicossociais (Prout, 2005, 2010).
No que diz respeito à relação que as crianças têm vindo a estabelecer com as
novas tecnologias, a investigação mostra que estas são adotadas cada vez mais
cedo, de forma intensa, motivada e autónoma, como práticas de comunicação,
entretenimento, aprendizagem e outras. O apelo alargado pelo uso de redes
sociais e jogos é bem conhecido e está evidenciada a interligação entre estas
tendências, as questões de género, estatuto socioeconómico e condições de
acesso e uso das tecnologias, nomeadamente na reprodução de desigualdades
sociais (Almeida, Alves, & Delicado, 2011; Livingstone, Haddon, &
Gorzig, 2012; Livingstone & Haddon, 2009; Ponte, 2012).
Está também desmistificada a ideia de que há uma geração digital, naturalmente
apta para tirar partido das tecnologias digitais ou indefesa perante os seus
efeitos negativos (Buckingham, 2000). De uma forma geral, além de espelhar a
diversidade de usos, os estudos indicam que muitas oportunidades estão apenas
ao alcance de uma minoria e os riscos são menos alarmantes do que os discursos
mais críticos deixam antever (Livingstone et al., 2012; Livingstone &
Haddon, 2009). A insuficiência epistemológica do paradigma dos efeitos dos
media (Livingstone & Hargrave, 2006; Livingstone, 1996, 1999) é, aliás,
cada vez mais consensual. A imagem do consumidor passivo e acrítico que se
limita a absorver a mensagem mediática é hoje considerada lacunar. Neste
sentido, Lievrouw e Livingstone (2006) alertam para a necessidade de encarar o
desenvolvimento tecnológico e as práticas sociais como processos que se
constroem mutuamente. Nesta aceção, tanto o conceito de novas tecnologias, como
o de oportunidade e risco, são resultado de processos recíprocos e contínuos de
reconfiguração, sendo distinguidos, tendo em conta não só características
tecnológicas, mas também os contextos sociais em que estão integradas e a forma
como são adotadas.
Menos desenvolvido, sobretudo para o contexto português, está o conhecimento
sobre como estas práticas ocorrem e são construídas no dia a dia das próprias
crianças, no âmbito dos seus contextos socioculturais, significados e valores
específicos. Mais do que conhecer os padrões de difusão e apropriação das novas
tecnologias ou os impactos que estas possam exercer, trata-se de compreender a
forma como são usadas no quotidiano pelas crianças e o papel que ocupam nas
suas vidas, focando esta temática a partir da perspetiva das próprias crianças
e jovens, das suas agendas e do modo como se apropriam das novas tecnologias,
nos contextos em que o fazem. São referência nesta abordagem os trabalhos
coordenados por David Buckingham (1993, 1996, 2000; Buckingham & Bragg,
2004) e Sonia Livingstone (2002; Livingstone & Bovill, 2001), no Reino
Unido, e Danah Boyd (2007, 2008) e Mizuko Ito (2005, 2008; 2010), nos Estados
Unidos da América. Em Portugal, este espaço de pesquisa tem vindo a ser
explorado pelo projeto 'Crianças e Internet' (Almeida et al.,
2011).
Métodos e ética
Esta pesquisa pretendeu compreender o papel que as novas tecnologias têm na
vida das crianças na sua própria perspetiva, ou seja, do ponto de vista das
suas preferências, motivações, valores e formas de estar e comunicar entre
grupos de amigos/as. Centrou-se em particular na Internet e nas oportunidades
ou riscos que esta pode representar, procurando entender como as crianças dela
se apropriam e como encaram os seus desafios, positivos e negativos. Neste
sentido, foi desenhada uma abordagem qualitativa de teor etnográfico,
sustentada no que é designado na literatura como "investigação com
crianças" (Christensen & James, 2000a; Lobe, Simões, & Zaman,
2009). Este posicionamento reflete o reconhecimento da infância como categoria
social de estatuto próprio e das crianças como interlocutores indispensáveis e
competentes na investigação e ação sobre as suas vidas e mundos sociais
(Christensen & James, 2000b). Trata-se, em suma, de uma abordagem que
procura incluir as crianças no próprio desenho metodológico, de forma a adaptar
e potenciar a capacidade de os métodos e técnicas implementados darem conta das
suas culturas.
Especificamente, foram realizadas sessões de observação participante,
entrevistas e propostas práticas para a criação de conteúdos multimédia
(posters, vídeos, páginas do Facebook). Não obstante esta vertente,
implementada com base na literatura que discute a capacidade de os métodos
criativos permitirem que os utilizadores demonstrem nos seus próprios termos
aquilo que fazem com as novas tecnologias (Buckingham, 2009; Gauntlett, 2007;
Morrow, 2007), privilegiou-se a observação e o diálogo com as crianças. Foi
efetivamente nas sessões menos estruturadas que os participantes mais
facilmente expressaram a sua forma de estar e ver o mundo, bem como aceitaram a
presença e participação da investigadora. Esta abordagem exigiu ainda uma
avaliação detalhada do sentido ético da pesquisa e do papel da investigadora
enquanto participante (Alderson & Morrow, 2011). Considerando, por um lado,
as singulares preocupações éticas que a pesquisa com crianças convoca e, por
outro, a ética como prática contínua, e não apenas a observação de normas
definidas a priori, importa um questionamento constante, destinado a considerar
os dilemas e circunstâncias com que a investigação se depara à luz da dimensão
ética (Alderson & Morrow, 2011; Tisdall, Davis, & Gallagher, 2009).
Participaram neste estudo 22 crianças, 14 raparigas e 8 rapazes, com idades
compreendidas entre 9 e 14 anos. O trabalho de campo decorreu em dois centros
de atividades de tempos livres (ATL), na casa de 7 participantes e em dois
centros de inclusão digital do Programa 'Escolhas' (centros para a
promoção do uso de novas tecnologias em zonas desfavorecidas), num total de 90
encontros. Com o estatuto de Instituições Particulares de Solidariedade Social
(IPSS), os ATL situavam-se em zonas urbanas, nas imediações de escolas básicas,
sendo frequentados pelos alunos no final das aulas. O trabalho desenvolvido em
residências decorreu numa segunda fase, com um dos grupos de participantes de
um dos centros. Ambos os centros de inclusão digital se destinavam a crianças
de famílias desfavorecidas, sinalizadas pelos projetos como em risco de
exclusão, designadamente habitantes de periferias urbanas e membros de grupos
étnicos.
Apenas algumas das crianças frequentadoras dos centros de inclusão digital não
tinham acesso doméstico a tecnologias, não dispondo de computador próprio ou
ligação à Internet. Para os restantes participantes, o acesso nas próprias
casas estava sujeito a uma ou mais das seguintes limitações: restrições de
tempo impostas pelos pais; partilha de dispositivos com os pais e/ou irmãos;
ligações à Internet com capacidade limitada, em termos de velocidade e tempo.
Ainda que numa escala menor, estas aplicavam-se também ao número reduzido de
participantes que designava o computador portátil como sendo
"próprio", por lhes ter sido oferecido como prenda de anos ou
Natal.
Os dados foram submetidos a uma análise temática (Bogdan & Biklen, 2003;
Braun & Clarke, 2006). À exceção das sessões de participação nas atividades
habituais dos centros de inclusão digital, os encontros foram gravados e
integralmente transcritos. Do conjunto de dados fizeram ainda parte notas de
campo e memorandos. Através do software de análise qualitativa NVivo, estes
dados foram selecionados e organizados em três grandes temas (contextos, usos/
objetivos, problemas), 13 subtemas1 e 22 subcódigos2. Por fim, os temas foram
apresentados por escrito na tese de doutoramento que marcou o fim deste
percurso, sob os títulos: Novas tecnologias no quotidiano das crianças;
Sentidos do uso de tecnologias digitais; Problemas "online"
(Monteiro, 2013). A escrita foi, assim, a fase em que a organização e a
interpretação dos dados se materializou e finalizou (Richardson, 1994). Este
trabalho assume, então, uma orientação construtivista, sendo entendido como um
processo mutuamente construído pelo investigador, participantes, espaços e
tempos de pesquisa, não obstante o papel central que o investigador, enquanto
coprodutor, selecionador e intérprete dos dados, desempenha.
Resultados
Identidade e sociabilidade
Jogar, falar no Facebook, publicar e comentar fotos ou trocar mensagens de
telemóvel estão entre as poucas formas de diversão, comunicação e convivência
entre amigos/as que são exclusivas das crianças, ou seja, autónomas face ao
mundo em que são os adultos que comandam. E são realmente poucos os espaços
onde as crianças podem, atualmente, ter este tipo de autonomia, isto é, os
espaços que são apenas deles, mundos dos quais os adultos não fazem parte e
onde as crianças desenvolvem amizades e experiências de vida por si só. Neste
sentido, as crianças utilizam as novas tecnologias para criar as suas próprias
culturas, sendo estas atividades importantes para a integração nos grupos de
amigos/as (Ito et al., 2010). Jogos, redes sociais e telemóveis são um fator
central na integração entre pares, uma vez que quem não sabe ou não participa
dificilmente acompanha as atividades em que os/as amigos/as estão envolvidos,
os temas sobre os quais conversam, os/as novos/as amigos/as que conhecem, os
problemas que têm, entre outros. Há exceções, mas se os/as amigos/as são fãs de
um determinado jogo, usam o Facebook ou mensagens de telemóvel para
"conversar" (expressão usada por um dos participantes do estudo
para descrever a troca de comentários em fotos do Facebook) ou combinar
atividades, manter-se à parte dessas interações dificulta a integração no
grupo. O seguinte excerto exemplifica esta ideia:
Lollipop (rapariga, 14 anos): O teu Facebook? Como te chamas?
Movie (rapariga, 9 anos): Não tenho.
Lollipop: Não tens Facebook? Ó coitadinha!
Relativamente aos jogos, a motivação está relacionada com o desejo de competir,
mas também de colaborar. Há vários aspetos que as crianças, em particular os
rapazes, gostam nos jogos, como a sensação de conseguir ultrapassar um
obstáculo, fazer a escolha acertada, explorar mundos de ficção ou simplesmente
ter alguma coisa para fazer quando se está sozinho. No entanto, nenhum é tão
valorizado como a competição. As crianças gostam de entrar em disputas e
rivalizar pela posição do vencedor. Este é o que ganha, mas também o que sabe
jogar, é bom estratega e lutador, ou seja, não desiste facilmente perante os
obstáculos. Esta competitividade é, contudo, vivida num espírito de fair play e
colaboração. Importa ganhar de forma justa e por mérito próprio, o que faz do
jogo uma atividade intensamente partilhada. Jogar é acompanhado de conversas ou
trocas de informações sobre estratégias, bem ou mal sucedidas, conquistas,
pedidos de ajuda, risos, entre outros. Mesmo quem aparenta jogar sozinho está,
muitas vezes, a conversar com amigos/as através do jogo ou de outra plataforma
de comunicação online, ou faz disso motivo de conversa no dia de escola
seguinte. Como descreve a Lol (rapariga, 12 anos), a propósito de alguns dos
rapazes do seu grupo: "Eles passam a vida. Saem da sala (de aula) começam
logo a falar dos jogos". Além da sua forte componente de entretenimento,
os jogos são então uma atividade intensamente social, através da qual
identidade, reputação e estatuto entre amigos/as se definem. O seguinte
excerto, retirado da entrevista final com um dos grupos de rapazes, exemplifica
esta ideia:
Investigadora: Ah, agora acho que vocês gostam dos jogos mesmo pela
competição, quem é que joga melhor, quem fica à frente!
Xerife (rapaz, 12 anos): Eu é mesmo só para me distrair. De vez em
quando.
Investigadora: É? (Risos). Eu ouvi-vos várias vezes dizer: "Ai
eu tenho este monstro e tu não tens! Ai...".
Frize (rapaz, 12 anos): Não é Xerife?
Investigadora (rindo): "Ai, vamos fazer uma corrida, vou ficar
em primeiro!".
Xerife: Eu ganhei.
As raparigas gostam mais do Facebook, sobretudo da publicação de fotos e da
troca de comentários sobre essas imagens. Esta partilha de fotos pessoais,
individualmente ou em grupo, origina o que alguns participantes designaram de
conversas, referindo-se à sucessiva troca de comentários. "Conversa-
se" em particular sobre os atributos pessoais, físicos e de caráter da(s)
pessoa (s) retratada(s), mas também se comenta os acontecimentos ou contextos
que as imagens recordam. Assim, por exemplo, uma foto de um grupo de amigas
numa viagem pode motivar comentários sobre a sua aparência ou traços de
personalidade, mas também servir para voltar a rir por terem perdido o avião,
lembrar o sabor do crepe que provaram ou como era linda a vista da Torre
Eiffel. Nestas ou através destas conversas constroem-se ou fortalecem-se
amizades e (re)vivem-se experiências. Por outro lado, estas conversas fazem do
Facebook um espaço onde se define a popularidade e estatuto de cada um dentro
do grupo. Esta popularidade e estatuto estão associados à quantidade de
comentários e aos elogios que recebem. Os rapazes também participam nestas
interações, mas mais através da partilha de comentários do que da publicação de
fotos. As seguintes afirmações realçam a importância dos comentários, em
relação ao estatuto e à autoimagem:
Investigadora: Mas quando pedes para comentar (fotos), tipo, é
porquê?
Raio (rapariga, 12 anos): Porque nunca comentou e queria saber o que
é que ele acha.
Lol (rapariga, 12 anos): Eu gosto do Hi5 porque gosto de saber o que
as pessoas pensam de mim.
Publicar fotos e trocar comentários no Facebook são, assim, formas de
"conversar" e, à semelhança dos jogos, competir e colaborar.
As relações entre amigos/as estão, por outro lado, sujeitas a regras que se
torna importante respeitar. Relativamente às redes sociais, importa: i) ter o
perfil atualizado com fotos recentes, não necessariamente em grande número, mas
que identifiquem a pessoa e partilhem vivências; ii) deixar e retribuir
comentários positivos nas fotos dos/as amigos/as, reforçando assim a sua
reputação; iii) agradecer os comentários feitos às próprias fotos, com vista ao
reconhecimento mútuo. No caso dos jogos, interessa manter um nível competitivo
e um espírito de fair play e colaboração. Entre os jogadores, pode mesmo ser
mal visto partilhar e comentar fotos nas redes sociais, como nota o Xerife
(rapaz, 12 anos): "É gozo. Ir para o Facebook comentar pessoas. Tenho
mais que fazer!". As relações de amizade também se desenvolvem de acordo
ou através destas regras, podendo, por exemplo, um comentário negativo
despoletar uma zanga entre amigos ou o fim de uma amizade. Nas palavras da Raio
(rapariga, 12 anos): "(Quando) eu peço pa(ra) comentar e não comentam
nada de jeito (…) fico chateada!".
Respeitar os compromissos que se criam no contexto destas culturas
'digitais' exige, ainda, um uso intenso. No caso dos jogadores,
porque é necessário treinar mas sobretudo, tendo em conta a forma como
funcionam os jogos sociais3, jogar com regularidade. Nesta pesquisa foi
observada, em particular, a competição em torno do jogo 'Monster
Galaxy', ao qual um dos grupos de rapazes acedia através do Facebook.
Este consistia, genericamente, em percorrer mundos e capturar monstros por meio
de lutas. Os rapazes discutiam continuamente quem tinha maior quantidade ou os
monstros mais raros, trocavam dicas de onde os encontrar e como os capturar,
entusiasmavam-se perante os duelos mais difíceis e pesquisavam informações
online, usando o Google, o YouTube ou sites especializados, para descobrir
estratégias. Os jogadores ditos "mais viciados", ou seja, os que
dedicavam mais tempo aos jogos, eram também os que se mostravam mais capazes de
vencer as competições.
Para os fãs do Facebook, é importante estar constantemente em contacto, de
forma a acompanhar e reagir em tempo útil às conversas do grupo. Se alguém
publica e inicia uma conversa em torno de uma foto, torna-se mais interessante
e relevante comentar hoje do que fazê-lo amanhã, dois dias depois ou daqui a
uma semana. Por outro lado, há amigos/as mais próximos/as ou mais interessantes
de cujas conversas é importante fazer parte. Assim, interessa estar sempre em
contacto, de modo a saber o que se passa com os/as amigos/as e participar
nestes "encontros digitais" enquanto eles se mantêm atuais. O uso
do telemóvel foi pouco explorado neste estudo, mas surgiu neste contexto para
permitir um contacto permanente. Como descreve a Teclas (rapariga, 12 anos),
"falar com os amigos" para saber as "novidades". A Raio
(rapariga, 12 anos) usa o mesmo termo para descrever o uso que faz do Facebook:
Investigadora: E no Facebook normalmente vês o quê?
Raio: As novidades que há.
As novas tecnologias suportam, então, o desenvolvimento de relações sociais de
proximidade. Elas servem para conhecer novos/as amigos/as, algo que as crianças
apreciam, estabelecendo redes de comunicação alargadas. O grupo de amigos/as
não é de facto composto apenas por companheiros de turma ou escola, antes se
estende a contactos em escolas vizinhas, amigos/as de amigos/as ou familiares
distantes. Geografias mais distantes também se conectam a partir de interesses
comuns neste estudo, com destaque para o gosto pelos jogos. Os jogadores
competem, colaboram e trocam informações com jogadores de diferentes países e
continentes. Contudo, é no contexto das relações sociais de proximidade,
nomeadamente as que se criam com os colegas da própria escola, com quem se
convive presencialmente e com regularidade, que a utilização de novas
tecnologias se torna mais intensa. Efetivamente, é com estes que se realizam e
partilham as jogadas mais emocionantes, as conversas e os "encontros
digitais" descritos. Neste sentido, os laços sociais definem-se,
fortalecem-se e enfraquecem-se a partir de interações mediadas pelas novas
tecnologias, designadamente comentários em fotos ou competição nos jogos.
Cabe também referir, como se vai percebendo pelas práticas atrás descritas, a
forte inter-relação que se estabelece entre "real" e
"virtual". As amizades, os sentimentos entre amigos/as e mesmo os
acontecimentos são continuamente (re)vividos e (re)construídos, ora
presencialmente, ora através das tecnologias. "Real" e
"virtual", "offline" e "online" são
dimensões conexas, que se reproduzem e influenciam mutuamente. É neste sentido
que, neste artigo, se utilizam termos relativos ao espaço virtual
frequentemente entre aspas, uma vez que, na maior parte das interações
observadas, online e offline surgem sobrepostos. As conversas, amizades,
querelas ou atividades, nomeadamente jogar, que começam online, continuam ou
têm reflexos offline. O seguinte excerto expressa estas ligações:
SirX (rapaz, 13 anos): Por exemplo, eu uma vez, numa atividade (de
escuteiros), conheci uma rapariga que não a conhecia de lado nenhum.
Só depois é que percebi quem era, já tinha falado mais com ela e
assim.
Investigadora: Ahhh, percebeste quem era de ter falado no Facebook?
Ou teres visto o perfil?
SirX: No Facebook não foi tanto, foi mais na... realidade, se é assim
que se pode chamar.
Mesmo sendo muito importante, este tipo de vivências não é, contudo,
conceptualizado pelas crianças como uma oportunidade. Oportunidade acabou por
se destacar, nesta pesquisa, como um conceito vazio. Por um lado, porque surge
sempre a par do conceito de risco, o qual se sobrepõe, gerando reações
imediatas e dominando os discursos. Por outro lado, as crianças não o usam
espontaneamente. Neste sentido, oportunidade pode ser considerado um conceito
próprio dos adultos, associado à ideia de que a infância é um estádio de
desenvolvimento, uma fase quase exclusivamente dedicada à aprendizagem. Assim,
o conceito de oportunidade refere-se a benefícios educativos, o que contrasta
com as dimensões que as próprias crianças valorizam, nomeadamente
entretenimento, divertimento e identidade. Buckingham (2000, 2007, 2008)
descreve este contraste e destaca como os direitos das crianças incluem estas
vertentes. São efetivamente estes direitos que as próprias crianças acentuam,
ao encarar as tecnologias como os espaços sociais em que vivem e constroem as
suas próprias identidades.
Problemas online
Neste estudo foram definidas três áreas de problemas: identidade e
sociabilidade; risco e segurança; condições de acesso e uso das novas
tecnologias. Destes, são os relacionados com identidade e pertença social que
mais preocupam as crianças. Tal como descrito, jogar, estar no Facebook e
trocar mensagens de telemóvel são atividades através das quais as crianças
criam as suas próprias culturas, formas de estar, conviver e de se relacionar
entre amigos/as. Como tal, há uma preocupação relativamente à possibilidade ou
capacidade para participar nesses contextos, bem como corresponder às
expectativas que neles se estabelecem. Trata-se, em concreto, de ser capaz de
competir nos jogos, participar nas conversas que se desenrolam no Facebook,
estar a par das "novidades" que se partilham através do telemóvel e
conhecer e respeitar as regras estabelecidas. Uma participação efetiva nestas
culturas exige um acesso regular, podendo a dificuldade para acompanhar os/as
amigos/as originar problemas de integração.
Existem, por outro lado, expectativas sociais especificamente definidas em
relação à idade/maturidade, género e competência. Os participantes desta
pesquisa concordam com a perceção geral de que as raparigas gostam mais das
redes sociais e os rapazes dos jogos (Almeida et al., 2011). Esta divisão não é
estanque mas é considerada típica, alargando-se ainda à forma como feminino e
masculino são associados a apropriações, respetivamente, mais emotivas e
técnicas (Almeida, Carvalho, Delicado, & Alves, 2012). A dedicação que,
nesta pesquisa, as raparigas revelaram a gerir os seus perfis nas redes sociais
e os rapazes a jogar, sendo as opções dos mais velhos distintas das dos mais
novos, espelham esta performance identitária. Competência refere-se, no
contexto dos jogos, à capacidade de competir e, no caso da participação em
redes sociais, à reputação ou popularidade. Os seguintes excertos retratam
estas generalizações:
Tip (rapaz, 13 anos): Eles (rapazes mais novos) jogam muito os jogos
do Facebook. Eu não vou para o Facebook para jogar.
Raio (rapariga, 12 anos): Eles (rapazes) (tanto) estão a jogar como
estão nas redes sociais. Mas estão mais tempo a jogar do que... É,
por exemplo, eu tenho que falar com um rapaz, ele diz: escreve um
texto grande que depois vou jogar. (…) As amigas (pedem para
comentar). Os rapazes não.
Astérix (rapaz, 12 anos): Não consigo passar este nível.
Frize (rapaz, 12 anos): Ei Astérix! Que fraco. Uhhh!
Astérix: Não tenho culpa de ter as mãos mais pequenas.
Frize: Astérix, desculpa lá, és um fraco.
Astérix: Não tenho culpa de teres mais idade do que eu.
Lol (rapariga, 12 anos): Eu só tenho 200 e tal (comentários). Há
pessoas que têm 1000 e tal. E eu fico: dah! (…) Também sou a que tem
há menos tempo. Tenho pa(ra) aí há um ano. Os outros já têm pa(ra) aí
há cinco.
No contexto da família e dos centros educativos, as expectativas dizem respeito
às questões de aprendizagem, saúde e segurança. Neste sentido, os participantes
procuraram distanciar-se do que pode ser considerado como uma representação
patológica do viciado na Internet. A maior parte assegurou utilizar pouco o
computador e em particular para fins educativos, preferindo passar as horas de
lazer na companhia de amigos. Negaram ainda entrar em contacto com estranhos.
Um dos participantes equiparou também vício a sexting, prática com fortes
conotações negativas. Um viciado foi descrito como alguém que faz um uso
excessivo da Internet, descurando o trabalho escolar, a convivência com os
amigos e até a alimentação. Mas mesmo os utilizadores mais frequentes,
apelidados de viciados pelos colegas, negaram sê-lo. A Teclas (rapariga, 12
anos) faz mesmo uma associação direta entre os jogos de Facebook e benefícios
pedagógicos:
Teclas: Estou muito habituada a jogar jogos, porque eu também gosto e
passo, também tenho consola, tenho Nintendo, tenho PSP, e eu como sou
um bocado viciada em jogos didáticos e isso... É fácil, para mim,
depende, quem nunca experimentou e que não gosta muito!
Investigadora: Claro.
Teclas: É um bocado difícil.
Investigadora: Mas, (es)tavas a falar de jogos didáticos, que jogos?
Teclas: Ah, o Farmville, Petville, também gosto do Buzz.
Torna-se assim bastante difícil encontrar uma sintonia entre as esferas dos/as
amigos/as e da família, isto é, as expectativas que em ambos se estabelecem
relativamente ao uso de tecnologias digitais. Se a primeira valoriza uma
presença 'online' frequente e participação bastante ativa em jogos
e redes sociais, a segunda enaltece o distanciamento e reduz a validade dos
usos à dimensão educacional, na sua vertente mais formal. Esta diz respeito à
pesquisa de informação para trabalhos, nomeadamente criação de apresentações em
Powerpoint e relatórios sobre temas específicos. No entanto, o equilíbrio entre
estas perspetivas é algo que as crianças estimam, negando o que numa e noutra
esfera é considerado desviante, apesar das óbvias contradições. Discurso e
prática diferem, sendo a performance ou teatralização de identidades
(Buckingham, 2008) a principal estratégia de superação. Num esforço para
encontrar uma harmonia entre o que a família e os pares valorizam,
comportamentos e posturas são redefinidos consoante o desempenho exigido em
cada contexto. A Raio exemplifica esta tensão:
Raio (rapariga, 12 anos): A teoria dos meus pais e da minha irmã é
mais tipo: "Ah, na nossa altura não havia computadores e não
fazíamos nada disso. E tu tens treze anos, passas a vida no
computador, que é isso?, não sei quê (…)". Mas eu não era por
estar no computador, é porque não me apetecia mesmo (…). Agora digo
que vou ao PC, (peço para ir) pa(ra) me controlarem, pa(ra) verem que
não (es)tou assim tanto tempo.
No âmbito destas práticas e da tensão entre amigos/as e famílias, há vários
conceitos que se tornam ambíguos. Numa dimensão cultural, vício remete para as
preferências pessoais que distinguem cada um. É frequente ouvir as crianças
dizer que estão viciadas em determinado jogo, série, entre outros, sem que isso
se refira a um estado patológico. Como nota a Bolhas (rapariga, 12 anos):
"Houve uma altura em que fiquei viciada nuns quantos de jogos. Mas mesmo
viciada (…) Quando tinha que parar, parava, mas gostava muito de jogar
isto". Por seu lado, o conceito de estranho exclui os contactos
estabelecidos com outros jogadores dos jogos sociais, bem como os
'amigos/as de amigos/as'. Assim, este termo nem sempre acompanha
uma perceção de risco. Os seguintes excertos expressam estas múltiplas
significações, que se estendem a conceitos como o de amigo e falar: "Não
é meu amigo, meu amigo daqui (do jogo)" (Teclas, rapariga, 12 anos);
"Há pessoas que aceitam todos no Hi5, todos os pedidos de amizade. Eu
não, só aceito os que conheço. Os da escola, os que conheço de vista,
aceito" (Lol, rapariga, 12 anos); "Mas eu só lhe peço algumas
coisas, de resto. Eu só lhe peço coisas para o jogo. Não falo com ele, que ele
é inglês" (Xerife, rapaz, 12 anos). Por fim, o conceito de dados pessoais
diz mais respeito a nome ou morada do que às partilhas sobre a vida pessoal,
feitas através dos perfis de redes sociais.
Tendo em conta esta ambiguidade e, mais uma vez, as tensões entre as esferas da
família e amigos/os, falar de risco na Internet remete para cenários muito
específicos. Em particular, os casos de raparigas que conversam online e
aceitam encontrar-se pessoalmente com homens mais velhos, a possibilidade de
ser identificado nas redes sociais e perseguido por alguém ou o acesso a
imagens de teor sexual. Neste sentido, para estar em segurança, basta não
aceitar a amizade de pessoas desconhecidas, divulgar dados pessoais ou aceder a
sites de pornografia. Tendo em conta a ambiguidade de conceitos como o de
estranho e dados pessoais, estas noções preconcebidas dificilmente abarcam as
especificidades e circunstâncias que caracterizam o quotidiano das crianças. Um
caso contado pela Raio (rapariga, 12 anos) exemplifica estas limitações. Após
aceitar a proposta de conhecer pessoalmente o primo de uma amiga, com quem
tinha falado e trocado mensagens, a Raio veio a descobrir que se tratava de uma
pessoa falsa, criada por essa mesma amiga. Apesar de estar efetivamente a falar
com um estranho, a Raio não identificou essa experiência como tal, nem
considerou estar a correr algum risco. Este sobressai, assim, como conceito
estereotipado. No entender da Bolhas (rapariga, 12 anos), é, ainda, aborrecido:
"Também o que é que vamos falar dos riscos? (…) Não é um tema muito
interessante. (…) Até há palestras sobre isso". Esta noção de risco é
ainda impermeável à forma como os jogos ditos violentos, as histórias
assustadoras e, para os rapazes, as imagens de teor sexual são considerados
elementos ou práticas culturais.
Face a esta noção estereotipada, os participantes deste estudo consideraram que
só se envolve em situações de risco quem quer e está disposto a sofrer as
consequências, sendo estas do conhecimento comum. Desta forma, fazem recair
sobre si próprios o dever de o evitar, transformando-o numa questão de vontade
moral. Ainda que possa promover um educativo sentido de responsabilidade, esta
avaliação moral conduz a uma cultura de culpabilização e excesso de
autocrítica, porventura bloqueadora do acesso a medidas ou redes de apoio. A
Teclas (rapariga, 12 anos) sintetiza esta ideia de autorresponsabilização:
Investigadora: Há assim alguma coisa relacionado com a Internet que
te preocupe ou...
Teclas: Só se aceitar pessoas que não conheça e começarem a falar
para mim.
No que diz respeito ao risco, este trabalho vem então realçar o reduzido
alcance e até efeito contraproducente de algumas estratégias de sensibilização,
quando confrontadas com o quotidiano das crianças. Perante uma noção de risco
restrita, alarmista e estigmatizante, perde terreno uma disponibilidade para
pedir ajuda ou uma atitude de vigilância e aprendizagem. Tendo em conta estes
resultados, este estudo realça como as medidas destinadas a beneficiar ou
proteger as crianças online podem ser excessivamente prescritivas e
estigmatizantes. Ao desconsiderar as suas perspetivas e os significados que a
utilização de novas tecnologias tem nos seus quotidianos, exigem respostas que
podem tornar-se incompatíveis com as suas próprias culturas e as exigências que
enfrentam no âmbito dos grupos de amigos/as. A forma como risco e segurança
assumem interpretações ambíguas, consoante o prisma a partir do qual são
considerados, e oportunidade, como conceito vazio, reflete este antagonismo.
Este trabalho defende, assim, uma abordagem mais situada e concreta destas
temáticas, capaz de ter em conta as circunstâncias e contextos socioculturais
em que as experiências 'digitais' das crianças ocorrem, bem como a
identidade, expectativas e limites de cada criança. Falando de um conselho de
segurança segundo o qual as crianças devem substituir as fotos pessoais por
imagens de celebridades, animais, ou outros, a Lol (rapariga, 12 anos) sumariza
as contradições que se criam entre a cultura das crianças e a forma como os
adultos nela intervêm ou procuram intervir:
Lol: Imagine que eu tiro (tenho no Hi5) uma imagem de uma cantora. Se
estiver lá a dizer "Esta cantora é muito não sei quê", a
mim não me interessa nada. Eu quero lá saber. Tem é de ser de mim.
Com imagens e frases que dizem sobre mim. Para isso fica no Hi5
deles!
Conclusão
Num contexto em que se mantém a preocupação e a insegurança relativamente aos
benefícios e riscos que as novas tecnologias podem trazer às crianças e em que
aumentam as iniciativas de investigação (Livingstone et al., 2012) e
sensibilização, este estudo distingue-se por destacar a perspetiva das próprias
crianças. O seu contributo é o de reconhecer e respeitar o seu ponto de vista,
as suas culturas, expectativas e compromissos, contribuindo para que essa
perspetiva possa ser integrada na forma como lidamos com estas questões. Com a
convicção de que é necessário compreender as crianças para pôr em prática um
acompanhamento adequado, ele realça e exemplifica o que pode resultar de as
ouvir, estar familiarizado com as suas culturas e considerar com empatia as
suas experiências quotidianas. Em suma, trata-se de incluir as crianças na
forma como encaramos e procuramos potenciar os benefícios e minimizar os riscos
da era digital.
As crianças criam efetivamente os seus próprios mundos, fazendo-o cada vez mais
a partir do modo como usam as novas tecnologias. Compreender estas dimensões,
avaliando os usos de tecnologias face aos contextos em que ganham sentido,
potencia um conjunto de aspetos positivos: respeito pelos direitos das
crianças, nomeadamente à identidade e lazer; compreensão mútua e aproximação
entre distintas gerações, designadamente pais e filhos; promoção de medidas de
benefício e segurança adequadas às culturas infantis e perspetivas das crianças
sobre oportunidade e risco, à partida mais eficazes. Desta ótica, oportunidade
e risco não são conceitos dicotómicos, antes assumem múltiplos significados, de
acordo com diferentes costumes, valores e circunstâncias. Por fim, esta posição
passa por ter em conta como as próprias crianças avaliam a positividade ou
negatividade de determinadas práticas, necessitam efetivamente de
acompanhamento ou estão dispostas a recebê-lo.
Estar atento e disponível para reconhecer a perspetiva das crianças e as
experiências e problemas quotidianos não equivale, contudo, a saber como atuar.
É este o principal desafio que se coloca para dar continuidade a este trabalho:
saber como incluir as crianças nas decisões que tomamos relativamente aos seus
ambientes digitais. Trata-se, de forma resumida, de considerar como podem as
crianças participar efetivamente nas decisões que afetam as suas vidas,
nomeadamente no que diz respeito ao uso de novas tecnologias e às oportunidades
ou riscos que estas poderão potenciar. Só assim o interesse e a disponibilidade
para compreender as suas perspetivas poderão ter reflexos práticos.