Clivagens, conjuntura económica e comportamento eleitoral em Portugal: uma
análise das legislativas de 1995 com dados agregados
Introdução
Em maior ou menor grau, os actos eleitorais são sempre marcados por
determinadas conjunturas sociais, económicas e políticas. Para as Ciências
Sociais, o estudo das relações entre os sistemas sociais e os sistemas
político-partidários, nomeadamente através dos processos eleitorais, passa não
apenas por estudar os determinantes estruturais dos alinhamentos dos eleitores,
mas também por analisar os efeitos dos diferentes elementos conjunturais sobre
estes mesmos alinhamentos. Este artigo foi escrito antes de se terem realizado
as eleições legislativas de 1999. A sua reformulação, de molde a incorporar os
resultados destas últimas, implicaria a produção de um artigo praticamente
novo, desde logo porque toda a economia do texto teria de ser repensada; muitas
das análises aqui desenvolvidas teriam de ser postas de parte. Por isso, e
tendo em mente a importância de estudar os factores estruturais e conjunturais
que explicam os resultados em cada acto eleitoral particular, considerou-se
pertinente publicar o artigo, mesmo sem incorporar os resultados da mais
recente eleição legislativa.
Em 1995, o PS registou a sua maior votação de sempre, em relação a todas as
eleições legislativas anteriores: 43,7% dos votos (MAI/STAPE,1997: 11).1
Comparando com 1991, o PSD perdeu bastantes votos, ficando-se pelos 34,1% (MAI/
STAPE, 1997: 11). Em conjunto, os dois maiores partidos (PS e PSD) mantiveram
uma percentagem de quase 80%, ou seja, manteve-se a tendência bipartidarizante
do sistema político-partidário que se vem registado desde 1987.
A derrota do PSD, em 1995, tem de ser entendida, em primeiro lugar, no contexto
do desgaste que sofreu pela sua prolongada estada no poder executivo (10 anos).
Por outro lado, este partido concorreu às eleições de 1995 com uma nova
liderança (Fernando Nogueira), em resultado do abandono de Cavaco Silva, que
tinha representado uma "mais-valia" eleitoral do PSD (Lima, 1995a:
42-46), apesar do declínio dos seus índices de popularidade no final do
mandato. A conjuntura económica recessiva, o aumento do desemprego e as
dificuldades na gestão eleitoral das políticas macroeconómicas2 (Tufte, 1994)
terão também contribuído para a derrota do PSD (Frain, 1998: 207-209). Em
quarto lugar, algumas manifestações de descontentamento e contestação social3
foram respondidas com intervenções policiais bastante "musculadas". A
forte mediatização de alguns escândalos envolvendo membros do executivo terão
também contribuído para tal desgaste (Frain, 1998: 210).
Na oposição, o PS, liderado por António Guterres, ensaiou uma certa moderação
ideológica com o objectivo de captar o chamado "eleitorado
flutuante",4 estratégia que se revelou bem sucedida (Goldey, 1997: 247). O
CDS/PP, sob a liderança de Manuel Monteiro, apresentou-se como um partido de
direita renovado, populista e anti-federalista, tendo melhorado razoavelmente o
respectivo resultado: de 4,4% (1991) para 9, 0% (1995) (ver Robinson, 1996:
968-971). O PCP e seus aliados (CDU)5 terão tentado, sobretudo, preservar os
respectivos bastiões do Sul do país, tendo conseguido tal objectivo (Goldey,
1997: 247-248): desceram apenas de 8,8% dos votos (1991) para 8,6% (1995).
Neste artigo, propomo-nos avaliar quais os factores sociais e económicos que
melhor explicam os alinhamentos dos eleitores e a abstenção eleitoral nas
legislativas de 1995.
Modelos teóricos
Segundo o modelo das clivagens estruturais (Lipset e Rokkan, 1992), os
alinhamentos dos eleitores dependem basicamente do respectivo posicionamento no
sistema de clivagens. Esses diversos posicionamentos estão associados a
desiguais níveis de recursos, diferentes interesses socioeconómicos e/ou
valores socioculturais, que depois se traduzem (probabilisticamente) em
diversos comportamentos eleitorais. Tanto mais quanto esses posicionamentos
actuem no mesmo sentido, isto é, quanto os múltiplos grupos sociais a que o
indivíduo pertence sejam propensos a idêntico comportamento político. Por
exemplo, se a posição de classe do indivíduo o torna mais propenso a votar à
esquerda, esse elemento ficará reforçado se esse indivíduo for também ateu.
Pelo contrário, esse efeito da posição de classe ficará esbatido se ele for
fortemente religioso.
O referido modelo aponta para quatro clivagens básicas: centro-periferia;
religiosidade-secularização; urbano-rural e capital-trabalho.
A clivagem centro-periferia será operacionalizada através da oposição entre os
centros mais ricos (índice de rendimento e de desenvolvimento industrial),6
mais educados (escolarização) e com uma estrutura de classes mais modernizada
(maior peso das fracções de classe ligadas ao sector terciário) em relação às
áreas mais periféricas, onde têmmaior peso as fracções de classe ligadas ao
sector primário e as populações com as maiores taxas de analfabetismo. Em
Portugal, o contraste entre os concelhos com mais jovens (centro) e os mais
envelhecidos (periferia)pode também ser considerado um elemento daquela
oposição, sobretudo enquanto elemento diferenciador das áreas do litoral
(centrais) quando comparadas as do interior (periféricas).
Um elevado nível de recursos materiais e educacionais permite um maior domínio
do universo da política, das estratégias dos seus actores e das mundivisões
associadas, quer devido à maior familiariedade com conceptualizações abstractas
e ao maior tempo disponível, quer devido à disponibilidade mental que resulta
da satisfação das necessidades materiais básicas; por outro lado, a um maior
nível de recursos corresponde geralmente uma interiorização subjectiva desse
estatuto, que se traduz num maior sentido de eficácia política, isto é, o
indivíduo considera que a sua acção política é importante e eficaz (Bourdieu,
1979: 463-541), por isso, participa mais. Em suma, a um maior nível de recursos
materiais e educacionais está geralmente associada uma maior integração social
e política (Lipset, 1987: 155-190). A clivagem centro-periferia estará mais
ligada aos níveis de participação (centro) ou de abstenção (periferia) do que
ao sentido de voto dos eleitores.7 Isto é, não se nega que esta clivagem tenha
tido um papel na formação e consolidação da nacionalidade portuguesa (ver
Mattoso, 1993 e 1998), todavia, é duvidoso que, per se, tenha um impacte
relevante no sentido de voto dos eleitores: sabemos que as áreas periféricas do
Sul do país, nomeadamente o Alentejo, têm sido tradicionalmente mais
"progressistas"; pelo contrário, as áreas periféricas do Norte do
país têm sido tradicionalmente mais "conservadoras".
Por seu turno, em Portugal, a clivagem religiosa remete para a oposição entre
os católicos praticantes e os outros (católicos não praticantes e
secularizados). O indicador utilizado é a percentagem de indivíduos que
frequentam semanalmente a missa (missalizantes). Historicamente, as posições da
Igreja Católica foram, em regra, politicamente conservadoras: apoio ao Estado
Novo; apoio à reacção contra a radicalização do "Processo Revolucionário
em Curso" (PREC), em 1975; oposição à liberalização do aborto, etc. Por
outro lado, a socialização religiosa implica, regra geral, uma visão do mundo
tendencialmente legitimadora das desigualdades sociais e das instituições
tradicionais: o sistema de valores religioso assenta na crença sobre a
existência de uma ordem natural, justa e com origem divina; nesta medida,
constitui uma certa veleidade humana pretender transformar o mundo (ver
Michelat e Simon, 1979: 28-29, e 1989: 301-305). Em oposição, o sistema de
valores geralmente associado às forças secularizantes assenta na crença
(iluminista) sobre a capacidade humana de construir um mundo melhor (Michelat e
Simon, 1979: 29-33, e 1989: 301-305). Daí a maior propensão destes últimos para
aderir a partidos que dão prioridade à mudança social. Assim, a hipótese é que
os maiores níveis de prática religiosa estarão ligados ao voto de direita e a
secularização ao voto de esquerda.
Quanto à clivagem urbano-rural, será operacionalizada como a oposição entre as
zonas onde predomina o habitat urbano e aquelas onde prevalece o habitat rural.
Pelo menos em Portugal, está clivagem está algo sobreposta com a do centro-
periferia. Assim, parece-nos adequado formular a hipótese de uma maior
participação eleitoral nas zonas urbanas e de uma maior abstenção nas zonas
rurais, evitando fazer quaisquer predições em termos de sentido de voto.
Por outro lado, os indivíduos residentes em zonas urbanas, quer devido a
maiores recursos educacionais, quer a uma maior circulação da informação
política nesses meios, tenderão a ser mais voláteis: é expectável que os
indivíduos mais instruídos sejam menos leais aos partidos políticos, sobretudo
porque terão maior probabilidade de ter um estatuto social intermédio e um
maior nível de informação política, elementos que os tornam mais propensos a
oscilar o sentido de voto consoante as conjunturas (ver Franklin et al., 1992).
Adicionalmente, os indivíduos mais jovens geralmente mais numerosos fora das
zonas rurais quer devido a um estatuto social ainda pouco definido, quer a
uma mais curta ou inexistente "história" pessoal de voto, tenderão a
ter menores níveis de identificação partidária (Campbell et al., 1980: 146-167;
295-333, e Cabral, 1998a: 359-363). Consequentemente, serão também propensos a
maior mobilidade eleitoral.
São usados quatro tipos de indicadores de mobilidade eleitoral: as diferenças
percentuais8 (variações líquidas) na abstenção e no voto partidário, 1991/1995;
as taxas de variação9 (variações brutas) na abstenção e voto partidário, 1991/
1995; a volatilidade total10 (Pedersen, 1979: 3-6), que mede o total de
transferências líquidas entre todos os partidos que obtiveram votos, 1991/1995;
a volatilidade de bloco11 (Bartolini e Mair, 1990: 20-22), que mede as
transferências líquidas entre o "bloco" de partidos de direita (CDS/
PP, PSD, PDA, PG, PPM, PSN) e o "bloco" de partidos de esquerda (CDU,
PS, FER, PCTP, PRD, PSR, UDP), 1991/ 1995.
Por último, a clivagem capital-trabalho opõe os proprietários (burguesia e
pequena burguesia), mais propensos, em tese, a votar à direita, e os
assalariados (dos vários sectores de actividade), mais inclinados a votar à
esquerda, em resultado de interesses económicos divergentes e de orientações
valorativas associadas (ver Knutsen, 1998: 161-162 e 461-491). Contudo, as
fracções de classe associadas a um estatuto social intermédio (Erikson e
Goldthorpe, 1991: 43-44) têm posições mais afastadas de cada um dos pólos da
clivagem, pelo que terão maior propensão à mobilidade eleitoral (ver Franklin
et al., 1992, e Cabral, 1998b: 407-414).
Têm sido apontadas algumas insuficiências a este modelo, nomeadamente a fraca
capacidade para explicar as transferências de voto, pois as alterações
estruturais não permitem, devido à sua natural lentidão, dar conta desses
fenómenos (Campbell et al., 1966: 3-17, e Johnston, 1990). Por outro lado,
apesar de afirmar que os ocupantes de determinadas posições na estrutura de
clivagens são mais propensos à mobilidade eleitoral, tal perspectiva não
permite explicar por que razão os indivíduos nessas situações mudam o seu
comportamento eleitoral entre determinado par de eleições; por outras palavras,
apenas podemos dizer que eles são mais propensos a mudar, mas não por que razão
mudam. No sentido de superar tais limitações, tem sido proposta a combinação do
modelo das clivagens com o "modelo económico" do comportamento
eleitoral (ver Downs, 1973; Kiweit, 1983; Johnston, 1990; Lewis-Beck, 1990;
Anderson, 1995).
Quer seja em termos do resultado de uma determinada vivência pessoal (voto
egoísta) quer em resultado da avaliação das condições económicas nacionais
(voto sociotrópico), as questões do desemprego e da inflação assumem especial
relevo na vida dos indivíduos (Kiweit, 1983: 14-26; Lewis-Beck, 1990: 33-51 e
81-94).
Em geral, os partidos de esquerda atribuem maior prioridade ao combate ao
desemprego, enquanto os de direita concedem maior prioridade à manutenção da
estabilidade dos preços. Assim, os eleitores mais atingidos pelo desemprego
(voto egoísta) ou que o percepcionam como um importante problema nacional (voto
sociotrópico), em determinada conjuntura, tenderão a votar mais nos partidos de
esquerda. Pelo contrário, os indivíduos que encaram a inflação como um problema
mais importante, em termos de condições económicas pessoais e/ou nacionais,
tenderão a votar mais nos partidos de direita (hipótese das prioridades
políticas) (Anderson, 1995: 89, e Kiweit, 1983: 7-14).
Por outro lado, no fim de cada mandato, o governo cessante e o(s) partido(s)
que o apoia(m) "incumbentes" , também são julgados pelo desempenho
da economia. Segundo a hipótese da responsabilização (Kiweit, 1983: 5-7, Lewis-
Beck, 1990: 33-51 e 81-94, e Anderson, 1995: 89), os eleitores tenderão a
penalizar os "incumbentes" em períodos de mau desempenho da economia
e a votar neles em períodos de prosperidade económica.
Como indicadores da conjuntura económica, utilizámos a taxa de desemprego, em
Outubro de 1995, e as taxas de variação do desemprego e das remunerações médias
mensais dos trabalhadores por conta de outrem, de Outubro de 1994 a Outubro de
1995.12
Assim, partimos da hipótese de que nos concelhos onde se registam os piores
indicadores económicos (maiores níveis de desemprego, pior evolução do
desemprego e das remunerações) os eleitores tenderão a penalizar o partido
"incumbente" (PSD) (hipótese da responsabilização). Por outro lado,
os indivíduos mais fustigados pelo desemprego e/ou que atribuem grande
importância13 a esse problema optarão preferencialmente pelos partidos (PS e
CDU) que atribuem maior prioridade à questão, em termos de políticas
macroeconómicas (hipótese das prioridades políticas).
Em termos metodológicos, utilizámos a análise de dados agregados, também
conhecida por análise ecológica (Langbein e Lichtman, 1978). Isto é, as
unidades de análise são espácio-administrativas: os concelhos. Assim, quer as
variáveis políticas (abstenção e votações partidárias),14 quer os indicadores
das estruturas de clivagem e da conjuntura económica reportam-se a totais
concelhios. Embora mantendo sempre a mesma unidade de análise, serão usados
diferentes espaços de referência (ver Derivry e Dogan, 1971): Continente,
Região Norte (Região Norte e Região Centro) e Região Sul (Lisboa e Vale do
Tejo, Alentejo e Algarve).
São conhecidos os riscos de "falácia ecológica" (King, 1997: 12-17),
ou seja, os problemas que se colocam ao extrapolar para o comportamento
individual as conclusões retiradas a partir dos dados ecológicos (agregações de
comportamentos individuais). Portanto, as extrapolações para o comportamento
individual têm um carácter meramente aproximativo.
Resultados concelhios nas eleições legislativas de 1995
No espaço continental, em termos de percentagens médias concelhias, o PS
(43,0%) teve mais 7,5% de votos do que o PSD (35,5%)15 (ver quadro_1). Todavia,
na Região Norte, foi o PSD (43,3%) que teve mais 2,7% dos votos que o PS
(40,6%). Assim, apenas na Região Sul o Partido Socialista (46,4%) teve uma
média concelhia superior ao PSD (24,3%): mais 22,1% dos votos. Por outro lado,
repare-se que a máxima percentagem concelhia do PSD (71,1%, na Região Norte)
foi razoavelmente maior (+9%) que o maior resultado concelhio do PS (62,1%, na
Região Sul). Esta diferenciação Norte/Sul espelha bem a pertinência da divisão
efectuada, sobretudo por se tratar de uma conjuntura desfavorável para o
Partido Social-Democrata.
Quadro 1 Distribuição da abstenção e voto partidário por regiões, 1995
(percentagens)
Portanto, apesar da derrota do PSD, o domínio do Partido Socialista (em termos
de médias das percentagens concelhias) ficou circunscrito ao Sul do país e,
mesmo assim, nunca conseguiu alcançar o grau de predomínio que o PSD obteve
nalguns concelhos do Norte. Contudo, é preciso introduzir algumas
considerações. Em primeiro lugar, a vantagem do PS em relação ao PSD, na Região
Sul, foi muito maior que a vantagem do PSD sobre o PS, na Região Norte. Daí a
primazia do Partido Socialista, ao nível do espaço continental. Por outro lado,
ao tomarmos os concelhos como unidades de análise, temos de utilizar
frequências relativas (percentagens) para os poder comparar. Este procedimento
impede, contudo, que se levem em conta as diferenças populacionais entre
concelhos. Nomeadamente, se um partido tiver uma implantação mais urbana que
rural (caso do PS), a média das percentagens concelhias pode subestimar o seu
peso efectivo na sua quota de votos.
O contraste Norte/Sul teve também tradução ao nível dos outros dois partidos. O
CDS/PP teve maiores votações médias a Norte (9,5%) que a Sul (6,8%). Ao
contrário, o PCP tem votações médias bastante maiores no Sul (17, 0%) do que no
Norte (2,6%).
Portanto, nas eleições de 1995, manteve-se a tradicional divisão das
orientações políticas entre o Norte (mais "conservador") e o Sul
(mais "progressista") do território continental (para períodos
anteriores, ver Mattoso, 1993 e 1998; Cabral, 1992; Gaspar e André, 1990;
Gaspar et al., 1990; Aguiar, 1994; Freire, 2000). Nesta situação, temos desde
já uma clara indicação da actuação da estrutura de clivagens na distribuição
espacial do voto partidário: sobretudo a clivagem religiosa e a de capital-
trabalho, na sua dimensão rural, ou seja, a maior religiosidade e a
predominância da pequena burguesia agrícola explicam o maior peso dos partidos
de direita no Norte, mesmo numa conjuntura desfavorável. O partido no qual essa
divisão mais se fez sentir foi o PCP, ou seja, a elevada religiosidade e o peso
dos camponeses têm limitado fortemente a sua implantação no Norte do país.
Também as percentagens médias da abstenção são maiores a Norte (35,2%) que a
Sul (32,6%), mas a diferença é pequena: 2,6%. Estas diferenças, que também
representam um traço de continuidade em relação a anteriores eleições (ver
Gaspar e André, 1990; Gaspar et al., 1990; Aguiar, 1994; Montargil, 1995;
Freire, 1999), estão relacionadas com o maior peso do habitat rural no Norte do
país, assim como a presença maioritária da pequena burguesia agrícola.
Podemos constatar (quadro_2) que o Norte foi menos volátil que o Sul (médias de
19,4% e 22,4% do total de transferências líquidas, respectivamente). Contudo, o
peso da volatilidade de bloco na volatilidade total foi maior no Norte (72,7%),
que no Sul (69,1%), embora a diferença seja muito pequena. Portanto, no Norte
do país, a vitória do PS foi conseguida quase exclusivamente à custa do PSD
(volatilidade de bloco), até porque a CDU tem uma implantação muito reduzida na
região; no Sul, na vitória do PS teve maior importância a captação de antigos
eleitores da CDU (volatilidade dentro da mesma área ideológica), ainda que,
também na Região Meridional, o maior volume de transferências tenha sido do PSD
para o Partido Socialista. Por outro lado, a atracção que o CDS/PP exerceu
sobre alguns dos eleitores antigos do PSD terá sido identicamente repartida
entre o Norte e o Sul do país.
Quadro 2 Ganhos e perdas líquidas na abstenção e voto partidário por regiões,
1991/1995 (diferenças percentuais)
Em termos partidários, registe-se que o PS aumentou a sua percentagem de votos
em todos os concelhos, com um máximo de +25,0% e um mínimo de +7,8%. Todavia,
em média, cresceu mais a sul (+16,9%) que a norte (+14,8%). Ao contrário, o PSD
registou perdas líquidas em todos os concelhos do país, com um máximo de -25,6%
e um mínimo de -7,5%, não existindo, em termos médios, diferenças inter-
regionais nesta evolução. Em média, o CDS/PP aumentou a sua percentagem de
votos nas duas regiões, embora um pouco mais a Norte (+4,0%) que a Sul (+3,8%).
Todavia, este partido registou perdas líquidas nalguns concelhos: máximo de -
1,1%. O PCP (CDU) registou perdas líquidas em todas as regiões, embora um pouco
mais a Sul (-0,4%) que a Norte (-0,2%). Todavia, as perdas médias são muito
pequenas, sendo mais correcto falar-se de uma certa estabilidade na quota de
votos da CDU. Ainda assim, o PCP teve algumas subidas notáveis no Sul (máximo
de +8,5%). Esta evolução na quota de votos dos partidos, sobretudo no PS, PSD e
CDS/PP, traduzirá a reacção de alguns eleitores à conjuntura política descrita
na primeira secção deste estudo.
Em média, a abstenção cresceu 1,0%. Contudo, esse crescimento foi maior a Norte
(1,3%) que a Sul (0,5%) fenómeno que poderá ter traduzido uma maior mobilização
do Sul do país para alterar o status quo, contribuindo mais para a vitória do
PS, ao passo que a Norte poderá ter significado uma via de saída para antigos
eleitores do PSD, descontentes com a prestação do partido (1991/1995), mas
incapazes de se reverem nas alternativas partidárias.
Transferências de voto, 1991-1995
Antes de passar à análise propriamente dita, esclareça-se que a interpretação
das transferências de voto com base em dados agregados enferma de fortes
limitações. Em primeiro lugar, quando analisamos as transferências de voto
entre os partidos, tais análises não permitem levar em linha de conta a entrada
de novos eleitores, isto é., aqueles que atingiram recentemente a idade de
votar; tal como não permitem contabilizar a saída de eleitores do mercado
eleitoral. Em segundo lugar, as variações líquidas não nos permitem
contabilizar as transferências que se auto-anulam. Isto é, aqueles movimentos
de eleitores de um partido a outro (por exemplo, do PSD para o PS) que são
compensados por movimentos de eleitores em sentido inverso (por exemplo, do PS
para o PSD), pois tais fluxos não têm tradução nas variações líquidas do voto
(para uma apresentação mais detalhada deste problema, ver Freire, 2000, Secção
VI.1).
A observação do quadro_3 permite-nos constatar que a subida concelhia da
percentagem de abstencionistas (1991 a 1995) coincidiu com as maiores perdas do
PSD (r=-0,16), ainda que ligeiramente. Portanto, alguns dos cidadãos que
votaram no PSD, em 1991, optaram pela abstenção, em 1995. Isto é, apesar de
descontentes com a prestação do partido, não terão encontrado nas diferentes
alternativas uma saída suficientemente atractiva e/ou foram incapazes de se
transferir para outros partidos por motivos de fidelidade ideológica.16 Também
o PS parece ter sido penalizado pela subida da abstenção (r=-0,30). Todavia,
esta correlação é ilusória: tendo em conta que o Partido Socialista aumentou a
percentagem de votos em todos os concelhos (ver quadro_2), o que esta
associação significa é que o PS cresceu menos nos concelhos onde a abstenção
mais subiu; por outro lado, quer dizer que o Partido Socialista cresceu mais
nos concelhos onde a abstenção desceu,17 ou seja, a vitória deste partido
também assentou na mobilização de indivíduos que se tinham abstido de votar em
1991. Os dois partidos mais pequenos também não foram penalizados pela
abstenção, antes pelo contrário, ou seja, quer o CDS/PP (r=0,29) quer a CDU
(r=0,18) aumentaram as suas percentagens de votos nos concelhos onde a
abstenção mais subiu.
Quadro 3 Transferências de voto, 1991/1995, no Continente (correlações entre as
variações líquidas na abstenção e no voto partidário)
A variação no voto do PSD (1991 a 1995) é a que apresenta uma relação mais
intensa com a volatilidade total (r=-0,84), seguida da variação no voto do PS
(r=0,76) e, com muito menor intensidade, do CDS/PP (r=0,38). Pelo contrário, a
variação no voto da CDU não apresenta qualquer relação com a volatilidade total
(r=-0,06), traduzindo fielmente a fraca variabilidade no voto comunista (ver
quadro_2). Assim, verificamos que as maiores perdas do PSD se registaram nos
concelhos onde ocorreram maiores transferências de voto. Pelo contrário, os
maiores ganhos do PS e do CDS/PP verificaram-se nos concelhos onde houve maior
volume de transferências de voto. O valor mais elevado dos coeficientes, no
caso do PSD e do PS, indica-nos que o maior volume de volatilidade se
consubstanciou em transferências de voto do PSD para o PS, elemento ilustrado
pela relação entre a variação no voto partidário e a volatilidade de bloco:
PSD, r=-0,68; PS, r=0,89. Recorde-se que a volatilidade de bloco diz respeito
às transferências de voto entre os partidos de cada um dos blocos ideológicos.
Portanto, verificamos que os concelhos onde o PS mais cresceu foram aqueles em
que esse tipo de transferências ocorreu em maior volume, tendo-se verificado
uma relação simétrica no caso do PSD. Dado que estes são os dois maiores
partidos do sistema, podemos daqui concluir que este tipo de volatilidade
resultou, sobretudo, de transferências de voto do PSD (direita) para o PS
(esquerda). Nas zonas onde tal aconteceu foi onde o CDS/PP menos cresceu ou
perdeu votos (r=-0,17), neste último caso também para o PS.
A análise das transferências entre cada par de partidos permite-nos confirmar
as relações detectadas com os dois tipos de volatilidade. Todos os três
partidos terão perdido votos para o PS: PSD, r=-0,49; CDU, r=-0,31; CDS/PP, r=-
0,27. Isto é, tendo em conta que o PS aumentou a sua percentagem de votos em
todos os concelhos (ver quadro_2), verificamos que as descidas de qualquer dos
três partidos, mas sobretudo do PSD,18 estão associadas às subidas do Partido
Socialista.
Curiosamente, de acordo com os coeficientes de correlação, as descidas do PSD
parecem estar mais fortemente associadas às subidas do CDS/PP (r=-0,56) do que
às subidas do PS (r=-0,49). Todavia, a intensidade desta relação é mais
aparente que real, ou seja, o maior volume de transferências de voto deu-se do
PSD para o PS, mas o PSD perdeu uma percentagem de votos ainda maior nas zonas
onde "forneceu" novos eleitores quer ao PS quer ao CDS/PP. Pelo
contrário, o PS aumentou menos a sua percentagem de votos nos concelhos onde
teve de dividir os "trânsfugas" do PSD com o CDS/PP. Assim se explica
também que a intensidade das relações das variações líquidas do PSD com os dois
indicadores de volatilidade seja maior no caso da volatilidade total (VT/PSD,
r=-0,84; VB/PSD, r=-0,68), enquanto no caso do PS o fenómeno é inverso (VT/PS,
r=0,76; VB/PS, r=0,89).
Outro elemento curioso revela-nos que a CDU terá também beneficiado das perdas
do PSD (r=-0,20). Todavia, aumentou a sua votação em muito poucos concelhos e,
portanto, essas transferências terão sido residuais.
Destas análises pode concluir-se que o elevado volume de transferências de voto
na eleição de 1995 (para uma contextualização comparativa, ver Lobo, 1996:
1092) se consubstanciou sobretudo do PSD para o PS. Todavia, assim como o PSD
terá perdido votos para todos os outros três partidos, também o PS terá ganho
com as perdas de PSD, CDS/PP e CDU. Por outro lado, esta enorme fluidez do
eleitorado releva uma certa desideologização e aponta para um menor impacte das
clivagens estruturais, pois está sobretudo relacionada com um "salto"
do "bloco" da direita para o "bloco" de esquerda (PS).
Por desideologização entende-se a menor importância relativa do posicionamento
ideológico dos eleitores na sua opção de voto. Este fenómeno traduz um menor
impacte das lealdades políticas baseadas nas posições de classe e/ou religiosas
na medida em que há uma conexão de posicionamentos ideológicos e
posicionamentos nas estruturas de clivagem (ver Bartolini e Mair, 1990, e
Franklin et al., 1992). Todavia, esta desideologização do eleitorado poderá
traduzir um mero ajustamento às mutações na oferta partidária, isto é, os
factores que levaram os eleitores a mudar de "bloco" ideológico,
entre 1991 e 1995, tanto podem radicar em alterações no perfil motivacional do
eleitorado como nalguma indiferenciação programática dos dois principais
partidos do sistema (PS e PSD),19 cuja convergência político-ideológica tendo
vindo a crescer, sobretudo em matéria europeia e, consequentemente, em termos
de políticas macroeconómicas. Contudo, o pleno esclarecimento destes fenómenos
só poderia ser feito com o recurso a dados individuais.
Mobilidade eleitoral em meio urbano e em meio rural
Em 1995, a taxa de variação20 na abstenção foi maior nas zonas urbanas do que
nas rurais,21 sobretudo no Sul do país (r=0,39) (dados não apresentados).
Também a Norte a abstenção cresceu mais nas zonas urbanas (r=0,13), embora em
muito menor grau.22
Estes dados apontam em sentido contrário ao das teorias clássicas: tendo em
conta que as zonas urbanas são também as mais escolarizadas e onde mais pesam
as fracções de classe associadas ao terciário, não se pode dizer que estejamos
perante indivíduos menos integrados social e profissionalmente (Lipset, 1987:
155-190) ou com menores recursos em capital cultural (Bourdieu, 1979: 463-541),
mas precisamente o contrário; também não nos parece adequado invocar diferenças
na socialização política como elemento capaz de explicar esta evolução. Assim,
é necessário propor outras hipóteses explicativas.
Em primeiro lugar, os maiores níveis de educação e informação política nas
áreas urbanas poderão explicar maiores variações na participação de acordo com
as conjunturas, ou seja, uma abstenção mais política que estrutural. Isto é,
uma abstenção que resulta mais de uma orientação estratégica dos eleitores
perante determinadas conjunturas políticas do que do "isolamento social e
geográfico" (sobre a "abstenção política" e a "abstenção
sociológica" ou estrutural, ver Memmi, 1985: 348-349, e Subileau, 1997;
ver também Freire, 1999 e 2000: secções II. 1, V. 2 e V. 3). Em segundo lugar,
podemos considerar que os maiores níveis de educação e informação política nas
grandes cidades poderão explicar crescentes níveis de exigência em relação ao
sistema político-partidário e, por conseguinte, maiores níveis de desafecção
(pelo menos conjuntural).
A volatilidade total foi praticamente igual nas zonas urbanas (r=0,02/Norte;
r=0,05/Sul) e nas zonas rurais (r=-0,08/Norte; r=0,05/Sul) de qualquer das duas
regiões.23 Na prática, o mesmo se pode dizer da volatilidade de bloco, pois
apesar de ter sido ligeiramente maior nas zonas rurais (r=0,13/Norte; r=0,20/
Sul) do que nas zonas urbanas (r=-0,15/Norte; r=-0,13/Sul), as correlações são
muito fracas.
Portanto, apesar de os eleitores urbanos serem, em regra, mais instruídos/
informados e a estrutura de classes estar mais modernizada, ou seja, apesar de
existir menor propensão para a "fidelidade" de voto, não se pode
dizer que os eleitores urbanos tenham sido mais voláteis que os rurais. Por
outro lado, os residentes em habitat rural, em regra menos instruídos/
informados e com posições de classe mais definidas,24 logo potencialmente menos
propensos a alterar o sentido de voto de acordo com as conjunturas políticas,
revelaram-se igualmente capazes de substanciais transferências de voto. Mais, a
ligeira supremacia da volatilidade de bloco nas áreas rurais revela que o maior
volume de transferências de voto foi, nesse tipo de habitat, predominantemente
do PSD para o PS.
Estas relações entre o habitat e a volatilidade eleitoral contrariam claramente
a nossa hipótese sobre um maior nível de volatilidade em meio urbano. Por um
lado, tais resultados evidenciam claramente as limitações estruturais da
mudança político-eleitoral (ver Heath et al., 1991, especialmente 200-224;
Schmitt e Holmberg, 1998: 96 e 110-123; ver também Freire, 1998: 198-200), ou
seja, evidenciam a necessidade de introduzir factores sociais, económicos e
políticos, de conjuntura, para explicar a mudança político-eleitoral. Por outro
lado, ilustram uma clara "nacionalização" da mudança política, isto
é, uma mudança que atravessa igualmente o espaço nacional (continental),
independentemente das diferenças socioestruturais entre as diferentes áreas.
Conjuntura económica e voto
Sempre que se detecta uma relação entre o desemprego (ou outros indicadores da
conjuntura económica) e a variação no apoio a determinado partido de uma
eleição para outra, podemos perguntar se não estamos perante uma relação
espúria (ver Kieweit, 1983: 27-35, e Lewis-Beck, 1990: 55-67). Isto é, supondo
que se detecta que as maiores subidas do voto na esquerda estão associadas aos
concelhos onde se registam maiores níveis de desemprego, podemos perguntar-nos:
revelando-se os assalariados mais susceptíveis de serem atingidos pelo fenómeno
do desemprego, não constituirá a relação detectada um mero reflexo da estrutura
de classes, ou seja, um reflexo da maior incidência do desemprego em
determinados grupos sociais mais propensos a votar à esquerda? Para
"expurgar" tais efeitos analisámos as correlações parciais entre a
taxa de desemprego e as taxas de variação na abstenção e voto partidário, de
1991 para 1995, controlando o peso concelhio dos trabalhadores não manuais
(sector terciário) e dos trabalhadores manuais da indústria e agricultura.25
No Continente (quadro_4), o desemprego parece ter penalizado todos os partidos,
salvo a CDU (r=-0,09), ou seja, as variações brutas do voto no PS (r=-0,18), no
PSD (r=-0,18) e no CDS/PP (r=-0,16) estão negativamente correlacionadas com as
taxas de desemprego concelhias. Percebe-se a penalização dos partidos de
direita à luz da hipótese das prioridades políticas(CDS/PP e PSD) e dahipótese
da responsabilização (PSD). Isto é, os eleitores mais atingidos pelo desemprego
votaram menos naqueles partidos que dão menos prioridade ao problema: PSD e
CDS/PP. No caso do PSD, tal fenómeno pode também ser interpretado como uma
penalização do partido "incumbente", perante a sua gestão do problema
(de 1991 a 1995), mas já não é tão claro que não haja beneficiados, ou seja,
que nenhum partido apresente um crescimento do seu voto nas zonas com maior
desemprego. Este dado poderá estar relacionado com o próprio indicador da
variação no voto (taxas de variação). Nesse contexto, as maiores taxas de
crescimento do voto no PS ocorreram, muito provavelmente, nas zonas onde tinha,
à partida, menores resultados relativos: concelhos menos fustigados pelo
desemprego.
Quadro 4 Correlações parciais entre conjuntura económica e mobilidade eleitoral
1991/1995, por regiões
Aquela situação poderá, também, servir para elucidar o sentido das correlações
(PSD r=0,18; PS r=-0,19; CDU: r=-0,29) encontradas no Norte. Quer dizer, o
PSD terá perdido menos votos onde já estava mais mal implantado, isto é, nas
zonas de maior desemprego. O PS, por outro lado, terá ganho menos votos nas
zonas onde estava já mais bem implantado, ou seja, nas de maior desemprego. A
CDU terá perdido mais votos nas zonas de maior desemprego, onde, à partida,
estava mais bem implantada.
No Sul, os concelhos com mais desemprego foram aqueles onde o PSD perdeu mais
votos (r=-0,39), sendo esta a mais forte correlação encontrada. Idêntica
penalização atingiu o CDS/PP (r=-0,25), ou seja, este partido perdeu votos nas
zonas com mais desemprego. Fenómenos interpretáveis quer à luz da hipótese da
responsabilização(PSD), quer da hipótese das prioridades políticas (CDS/PP).
No espaço continental (r=-0,21) e na Região Sul (r=-0,30), a abstenção desceu
nos concelhos com mais desempregados. A extensão do fenómeno do Sul para o
espaço continental resultará de as maiores taxas de desemprego se localizarem
naquela região, nomeadamente no Alentejo. É curiosa a correlação negativa entre
maiores taxas de desemprego e descida da abstenção, tanto mais que as teorias
tradicionais (Lipset, 1989: 162) apresentam os desempregados como indivíduos
socialmente desintegrados, logo menos participativos. Tal situação poderá
dever-se a uma maior incidência do desemprego em zonas onde predominam os
partidos de esquerda e cuja doutrinação política está associada a uma
valorização da participação eleitoral e a uma politização do desemprego.
As correlações entre as variações brutas na abstenção e no voto partidário com
os outros indicadores da conjuntura económica ("taxa de variação no
desemprego" e "taxa de variação nas remunerações dos
assalariados") não se revelaram significativas.
Clivagens, conjuntura económica e comportamento eleitoral
Para avaliar o impacte da estrutura de clivagens e da conjuntura económica
(variáveis independentes) nos alinhamentos eleitorais e na abstenção (variáveis
dependentes), usou-se a regressão linear múltipla (método dos mínimos quadrados
e método Enter) (ver Carrión, 1995: 371-456). Mas, dado o elevado número de
indicadores da estrutura de clivagens (20 variáveis), reduziu-se a respectiva
dimensionalidade através da análise de componentes principais (ACP), com
rotação ortogonal Varimax (ver Dunteman, 1989). As componentes extraídas foram
usadas como indicadores compósitos da estrutura de clivagens na análise de
regressão. Não introduzimos os indicadores da conjuntura económica na ACP,
porque pretendemos medir o seu impacte em separado. Estas análises foram
levadas a cabo nos três espaços de referência: Continente, Norte, e Sul.
No Continente (quadro_5), a primeiraComponente pode ser interpretada como
centralidade e urbanidade: centralidade pelo peso (positivo) dos índices de
rendimento e industrialização, das fracções mais modernas da estrutura de
classes e da escolaridade; urbanidade pelo peso (positivo) das variáveis
referentes ao habitat urbano. A segundacomponente pode ser designada como
terciarização semiurbana e secularização versus ruralidade. terciarização
semiurbana porque as fracções de classe associadas ao terciário e o habitat
semiurbano têm um elevado peso (positivo). Pelo contrário, o habitat rural, a
religiosidade (missalizantes) e a pequena burguesia agrícola têm um peso
negativo. A terceiracomponente refere-se à clivagem envelhecimento versus
juventude. Registe-se a associação positiva do analfabetismo com o pólo
"envelhecimento". O quartofactor pode ser intitulado
assalariamentoegrande propriedade agrícolas(trabalhadores manuais do sector e
dimensão média das explorações agrícolas com peso elevado). Também o
analfabetismo tem peso positivo na componente. Por fim, a quinta dimensão pode
ser descrita como trabalhadores industriais versus pequena burguesia agrícola.
Quadro 5 Matriz factorial: estruturas de clivagem no Continente (N = 275)
No Norte (quadro_6), a primeiracomponente pode ser interpretada como urbanidade
e centralidade versus ruralidade e confessionalidade: as variáveis referentes à
urbanidade,e à centralidade têm peso (positivo) elevado; com sinal contrário
aparecem o habitat rural, o analfabetismo, a pequena burguesia agrícola e os
missalizantes. Na segundacomponente temos o eixo envelhecimento versus
juventude. A terceiradimensão pode ser intitulada trabalhadores industriais
versus pequena burguesia agrícola. O quartofactor apenas opõe dois tipos de
habitat pelo que pode ser interpretado como semiurbano versus rural, o primeiro
com peso mais elevado (negativo). A quinta componente pode ser designada como
assalariamento agrícola(peso negativo).
Quadro 6 Matriz factorial: estruturas de clivagem, Norte (N = 162)
No Sul (quadro_7), a primeiracomponente pode ser interpretada como
envelhecimento e periferização versus juventude e centralidade. envelhecimentoe
periferização, dado o peso (positivo) das variáveis referentes à idade e ao
analfabetismo. Também o habitat rural e a estrutura de classes reforçam esse
carácter periférico; centralidade dado o peso da escolaridade, das fracções de
classe associadas ao terciário e do habitat urbano. A segundacomponente será
intitulada centralidadeeurbanidade. O terceirofactor pode ser descrito como
assalariamento e grande propriedade agrícola. Na quartacomponente temos
trabalhadores industriais e religiosidade (pesos negativos elevados). A
quintacomponentepode ser interpretada como semiurbanidade (peso negativo).
Quadro 7 Matriz factorial: estruturas de clivagem, Sul (N = 113)
No Continente, as características sociológicas dos concelhos permitem explicar
50% da variação interconcelhia nas percentagens de abstencionistas (ver quadro
8). A análise regional permite-nos verificar que tal situação se mantém
idêntica a Norte (55%), mas não a Sul (14%).
Quadro 8 Estruturas de clivagem, conjuntura económica, abstenção e voto
partidário, 1995
No Continente, a abstenção é, principalmente, explicável pelo peso concelhio da
pequena burguesia agrícola (factor 5),26 mas também o habitat rural e a
religiosidade (factor 2), associada a maior abstenção, e a centralidade e
urbanidade (factor 1), associadas por sua vez a maior participação, têm betas
estatisticamente significativos. Na Região Norte, mantêm-se as maiores taxas de
abstenção nos concelhos onde abunda a pequena burguesia agrícola (factor 3), o
habitat rural e a religiosidade (factores 1 e 4). No Sul, as variáveis
explicativas mais importantes são o assalariamento e a grande propriedade
agrícola (factor 3), associadas a uma maior participação, e a taxa de
desemprego, relacionada com maior abstenção.
Esclareça-se que a associação positiva entre a religiosidade e a abstenção
eleitoral é espúria, isto é, deve-se à estreita associação positiva entre a
percentagem de missalizantes, de pequena burguesia agrícola e de população
residente em habitat rural. Todavia, controlando os efeitos destas duas últimas
variáveis através das correlações parciais, verificámos que, em 1995, um maior
nível de religiosidade esteve ligado a uma menor abstenção eleitoral: r=-0,12/
Continente. Os sistemas de valores associados às igrejas, nomeadamente cristãs,
apontam para o respeito e a deferência perante a autoridade tradicional, à
ordem social estabelecida e às suas instituições, nomeadamente o estado (ver
Borg, 1998, pp. 444-445). Nesta linha, sendo o voto considerado um acto
socialmente recomendado e um dever cívico, é expectável que quanto maior for a
integração religiosa dos indivíduos, maior seja o seu nível de participação
eleitoral; esta hipótese tem registado sustentação empírica (ver Borg, 1998, p.
445 e 448-459; ver também Mayer & Perrineau, 1992, p. 31; ver também
Cabral, 1998a: 367-372).
Da diferenciação Norte/Sul decorrem importantes conclusões, que representam
alguma continuidade com o período 1985-1991 (ver Freire, 1999). A Norte, a
abstenção é explicável pelo défice de recursos educacionais (baixa instrução/
analfabetismo) e pelo isolamento social (envelhecimento; camponeses) e
geográfico que caracterizam esse espaço rural. Todavia, os concelhos rurais do
Sul do país (cujos traços predominantes são a grande propriedade agrícola e os
trabalhadores manuais do sector) são igualmente caracterizados por menores
níveis de instrução e por maior envelhecimento (ver factor 1 e 3, quadro_7),
mas são os concelhos mais participativos da região.
Assim, as estruturas sociais características dos diferentes espaços rurais
revelam-se mais importantes do que o habitat: no Norte, os camponeses, não
dependentes de patrões, associam mais as oscilações nas suas actividades
económicas com as contingências da natureza, não ligando tanto a participação
política à defesa dos seus interesses (ver Pinto, 1982); pelo contrário, os
assalariados agrícolas do Sul estão dependentes do patronato e, por isso,
valorizam mais a participação política como forma de defender as suas posições.
Há ainda outro elemento determinante no Sul: a socialização política efectuada
pelos partidos de esquerda, especialmente o PCP, leva os seus militantes e
simpatizantes a valorizarem mais a participação política (sobre esta matéria,
ver Cabral, 1995: 197). Portanto, temos de concluir que os recursos em
"capital cultural" (Bourdieu, 1979: 463-541) não são determinantes
para explicar a abstenção eleitoral, ou seja, a socialização política (ver
Lipset, 1989: 171, e Mayer e Perrineau, 1992: 33-38) pode inverter
completamente as propensões sociológicas para o abstencionismo. Quanto à
ligação do desemprego com a abstenção, no Sul, essa relação estará associada a
uma maior desintegração social (Lipset, 1989: 162), cujo resultado é uma maior
apatia política e/ou um desencanto com a oferta político-partidária em termos
da sua eficácia na resolução do problema do desemprego.
Em termos de variância explicada pelas estruturas de clivagem e pela conjuntura
económica, constata-se que, no espaço continental, o PS (31%) e o CDS/PP (38%)
são os partidos cujas votações são menos explicáveis pelas características
sociológicas e económicas dos concelhos. Perfil oposto têm o PSD (73%) e a CDU
(65%). Se estivéssemos a trabalhar com dados individuais, diríamos que os dois
primeiros partidos têm um perfil catch-all(Kircheimer, 1990), ou seja, cujos
eleitores são identicamente recrutados em todos os grupos sociais,27 ao
contrário do PSD e da CDU.
Todavia, dados individuais sobre os grupos de simpatia partidária (Cabral, 1995
e 1998b) apontam em sentido algo diverso: o perfil sociológico dos
simpatizantes é mais polarizado no CDS/PP e na CDU do que nos dois maiores
partidos (PS e PSD); no que respeita aos dois grandes, o PS é bastante menos
polarizado que o PSD, tal como revelam os nossos dados. Aliás, dada a dimensão
eleitoral do PS e do PSD, é quase estatisticamente inevitável que estes
partidos tenham um eleitorado menos polarizado que os dois mais pequenos (CDS/
PP e CDU). Mais, apesar de a implantação concelhia do CDS/PP, em 1995, estar
fracamente relacionada com as características sociológicas dos concelhos, em
cada uma dessas unidades o partido recruta os seus eleitores,
preferencialmente, nos estratos sociais mais favorecidos. Portanto, teremos de
manter as nossas conclusões ao nível dos dados agregados, ou seja, em 1995,
houve partidos cuja implantação espacial esteve muito ligada às características
sociais dos concelhos (PSD e CDU), fenómeno que não se verificou noutros (PS e
CDS/PP).
No caso da CDU, é conhecida a sua predominante implantação no Sul do país, quer
no Alentejo, quer nas zonas semiurbanas (ver Freire, 2000: secção V. 4. 3). A
concentração espacial do voto no PCP é, aliás, um traço comum a muitos outros
partidos comunistas europeus, predominantemente associados a determinados
"enclaves" socioespaciais (ver Lane e Ersson, 1999: 116-117). Em
1995, este traço do PCP manteve-se em todos os espaços de referência, embora
tenha sido mais reduzido a Norte, onde as votações na CDU são generalizadamente
baixas.
O perfil de implantação do PS (1995) é um traço que perdura desde os tempos da
transição para a democracia, ou seja, o Partido Socialista tem tido sempre uma
implantação espacial bastante uniforme (ver Gaspar e André, 1989; ver também
Freire, 2000: secção V. 4. 4). Tal fenómeno é explicável pela posição charneira
assumida pelo PS na transição democrática (Cruz, 1995: 135-137): no período de
radicalização revolucionária, "Verão Quente" (1975), impediu a
hegemonização do PCP e a marginalização dos partidos de direita (PSD e CDS/PP);
após o 25 de Novembro, impediu que os partidos de direita excluíssem o PCP do
sistema democrático. Nesse contexto, afirmou-se como pólo aglutinador contra as
pretensões hegemónicas do PCP, no Sul, e como pólo aglutinador contra as
pretensões hegemónicas da direita, no Norte.
Em 1995, o fraco perfil sociológico do CDS/PP esteve relacionado com a evolução
do partido, 1987/1995: a "absorção" pelo PSD, em 1987 e 1991, e o
crescimento predominantemente urbano, em 1995, terá vindo esbater a sua maior
implantação rural anterior (ver Freire, 2000: secção V. 4. 1). Contudo, no Sul
do país, o CDS/PP têm um perfil socioespacial bastante vincado (58%), traço que
traduz, provavelmente, a sua muito fraca implantação no Alentejo.
Ao nível do Continente, o PSD tem sempre tido uma implantação concelhia muito
vincada, bastante maior no Norte que no Sul, sobretudo nas zonas rurais da
Região Setentrional (ver Aguiar, 1994; Freire, 2000: secção V. 4. 2). Este
traço está ligado às raízes histórico-sociológicas do conservadorismo nos
distritos do Norte e Centro interiores: por exemplo, nesses distritos, a União
Nacional registava sempre resultados superiores às médias de votos que tinha no
Continente (Cruz, 1988: 220). Por outro lado, a situação do PSD resulta da
posição hegemónica que alcançou entre o eleitorado conservador, durante a fase
de transição para a democracia: num cenário de forte "esquerdização da
política", este partido apresentou-se como o concorrente com maiores
probabilidades de êxito, à direita do PS. Se tomarmos cada um dos espaços de
referência per se, verifica-se que, em 1995, o PSD tem uma implantação
socioespacial bastante mais definida na Região Sul (68%) do que na Região Norte
(43%), isto é, em 1995, o Partido Social-Democrata teve uma distribuição das
suas votações muito mais equilibrada na Região Norte do que na Região Sul.
Nesta última, os contrastes entre votações altas e baixas tiveram um perfil
sociológico mais vincado.
No Continente, em 1995, o CDS/PP esteve mais bem implantado nos concelhos com
mais jovens (factor 3) (ver quadro_8);28 teve menores votações nos concelhos
onde predomina a grande propriedade agrícola e os trabalhadores rurais (factor
4);29 teve maiores votações nos concelhos rurais e com maior religiosidade
(factor 2), assim como nas áreas onde predomina a pequena burguesia agrícola
(factor 5). Por último, nas zonas de maior desemprego (taxa de desemprego,
1995), o partido teve piores votações. Portanto, em 1995, as clivagens
religiosa e classista foram claramente relevantes para explicar as votações no
CDS/PP: quando aumenta o peso concelhio dos missalizantes (pólo religioso) e da
pequena burguesia agrícola (pólo da propriedade/capital), o partido aumenta a
suas votações. Quanto à influência do habitat rural, predominantemente situado
no Norte, pensamos que ele traduz mais a influência associada da religiosidade
e da estrutura de classes.
A forte associação das votações no CDS/PP com a estrutura demográfica dos
concelhos (jovens/factor 3) parece contraditória com a sua maior implantação
rural/pequena burguesia agrícola, pois as áreas com estas características são,
em geral, mais envelhecidas. A explicação é dupla: por um lado, resulta de uma
estrutura demográfica mais jovem no Norte do país (ver Machado e Costa, 1998:
22-23), onde o CDS/PP tem estado sempre mais bem implantado; por outro lado, em
cada região (Norte e Sul), os concelhos com mais jovens situam-se no litoral
(áreas urbanas e semi-urbanas). No Sul, o CDS/PP teve um perfil marcadamente
urbano, em 1995, elemento que reforça a associação das votações no partido ao
maior peso concelhio dos jovens. Quanto ao desemprego, pensamos que a relação
negativa com as votações no CDS/PP é interpretável à luz da hipótese das
prioridades políticas.
Em 1995, no Continente, o perfil socioeconómico da implantação concelhia do PSD
foi perfeitamente idêntico ao do CDS/PP, salvo na importância relativa de cada
um dos elementos da estrutura de clivagens e na relação negativa do PSD com os
concelhos mais centrais e urbanos (factor 1). Sublinhe-se que este representa
um traço de continuidade em relação a anteriores eleições, 1983-1991 (ver
Freire, 2000: secções V. 4.1, V. 4.2 e conclusões). Portanto, podemos manter
para o PSD as interpretações que fizemos para o CDS/PP, salvo no caso do
desemprego. Isto é, no caso do PSD, essa relação pode ser também interpretada à
luz da hipótese da responsabilização.
Passando à análise do impacte da estrutura de clivagens nos dois partidos
convencionalmente situados à esquerda (PS e PCP), no Continente, o primeiro
traço que ressalta é a perfeita simetria do sinal dos coeficientes (betas)
relativamente ao que se passava à direita. Ou seja, em 1995, as características
socioeconómicas do eleitorado dos dois partidos de esquerda foram perfeitamente
simétricas às do eleitorado dos dois de direita. Estes traços representam um
elemento de continuidade relativamente a anteriores eleições, 1983-1991, salvo
algumas singularidades do PS, que se têm vindo a esbater desde 1991 (ver
Freire, 2000: secções V. 4.3, V. 4.4 e conclusões).
No caso da CDU, o elemento mais importante é sua maior implantação nas áreas
terciarizadas/semiurbanas e secularizadas (factor 2); teve, também, melhores
resultados nos concelhos caracterizados pela grande propriedade agrícola e
assalariamento associado (factor 4); teve mais votos nos concelhos mais
envelhecidos (factor 3); teve maiores votações nas zonas com mais desemprego
(taxa de desemprego 1995) e nas zonas com mais trabalhadores industriais ou com
menos pequena burguesia agrícola (factor 5).
O Partido Socialista teve idêntico perfil socioeconómico na sua implantação
concelhia: mais votos nas áreas terciarizadas/semiurbanas/secularizadas (factor
2), nos concelhos com mais idosos (factor 3), com mais desemprego (taxa de
desemprego, 1995) e nas áreas mais centrais e urbanizadas (factor 1).
Das diferenças entre PS e CDU merece destaque a ausência da grande propriedade
agrícola e do assalariamento associado, no PS, assim como a importância dos
grandes centros urbanos na base eleitoral do Partido Socialista, ausente na
CDU. Sublinhe-se também que o desemprego tem mais impacte no PS que na CDU.
Portanto, em 1995, quer num quer noutro caso, regista-se uma clara actuação da
estrutura de clivagens: o pólo secular, no que respeita à clivagem religiosa, e
o pólo do trabalho, no concerne à clivagem classista. Neste último caso, para
além da maior implantação dos partidos de esquerda nas áreas com mais
trabalhadores manuais da indústria (e da agricultura, só para a CDU), por
oposição às zonas de pequena propriedade agrícola, sublinhe-se também a
associação aos trabalhadores manuais do terciário por via do factor 2 (ver
quadros_5 e 8) e, só para o PS, à nova burguesia assalariada por via do factor
1 (ver quadros_5 e 8). Aliás, estes dados demonstram que a esquerda recruta os
seus eleitores principalmente entre os assalariados do terciário importância
relativa do factor 2, situação também registada em análises com dados
individuais (ver Cabral, 1998b: 407-410). Quanto ao impacte positivo do
desemprego no voto PS e CDU, essa relação pode ser interpretada tanto à luz da
hipótese das prioridades políticas (partidos de esquerda beneficiados pelo
desemprego), como dahipótese da responsabilização (oposição beneficiada pelo
desemprego).
Quanto à associação entre desemprego e voto pode levantar-se a dúvida sobre se
estamos perante uma relação espúria. Por um lado, o desemprego atinge mais os
grupos socioprofissionais assalariados e com menores recursos económicos, cuja
posição na estrutura social os impele, ceteris paribus, a votarem mais à
esquerda. Portanto, podemos considerar que o que verdadeiramente explica a
correlação entre desemprego e sentido de voto é a posição de classe dos
desempregados, não a sua desintegração socioprofissional. Por outro lado, as
maiores taxas de desemprego localizam-se sobretudo no Alentejo e nas áreas
urbanas e semiurbanas do Norte e Sul do país. Tradicionalmente, tais áreas
votam mais à esquerda. Daí que Villaverde Cabral (1997: 10) tenha argumentado
que as atitudes políticas dos desempregados portugueses (maior propensão para
votar à esquerda) precedem a situação de "exclusão" do mercado de
trabalho, ou seja, essas atitudes políticas não se deveriam tanto à situação de
desemprego, como à situação originária de classe e à socialização política. O
problema do carácter espúrio da relação entre desemprego e voto não é
exclusivamente português (ver Kieweit, 1983: 27-35; Lewis-Beck, 1990: 55-67;
Tufte, 1994: 83-88). Todavia, a utilização da regressão múltipla permite-nos
afastar tal possibilidade, ou seja, testamos o impacte de cada uma das
variáveis independentes, mantendo constantes todas as outras. Portanto, a
relação detectada mantém-se significativa apesar de mantermos controlados os
indicadores da estrutura de classes e do habitat. Mais, a este título é
significativo verificar que, ao contrário do que se regista com as correlações
bivariadas, em 1995, o desemprego teve maior impacte no PS que na CDU.
Vejamos o que nos permitem adiantar as análises regionais.
A Norte, em 1995, o carácter urbano do apoio eleitoral ao PS é mais forte
(factor 1) do que no Continente (factor 1) e estende-se à CDU. Por outro lado,
o assalariamento agrícola reverte a favor do PS (factor 5), mas não da CDU,
evidenciando a especificidade deste elemento na Região Norte, isto é, pela sua
combinação com a pequena/média propriedade agrícola e com a religiosidade. Por
fim, o desemprego apenas teve um impacte (negativo) significativo no CDS/PP
(taxa de desemprego, 1995).
A Sul, o carácter jovem, central e urbano dos concelhos apenas teve impacte
(positivo) significativo no CDS/PP (factores 1 e 2). Apenas a CDU aparece mais
bem implantada nas áreas semiurbanas (factor 5),30 ao contrário do que se passa
com todos os outros partidos. À esquerda, o desemprego apenas beneficiou o PS
(taxa de desemprego, 1995), prejudicando os partidos de direita. Em termos de
conjuntura económica, há um elemento novo: o efeito da taxa de variação no
desemprego (1994/95). Todavia, actua ao contrário do previsto: o PSD está mais
bem implantado onde o desemprego mais cresceu, ao contrário do que se passa no
PS. Este elemento é dificilmente interpretável com os dados disponíveis.
Estas diferenças regionais evidenciam que o impacte da clivagem (societal)
urbano-rural na clivagem (política) esquerda-direita tem mais a ver com a
religiosidade e a estrutura de classes do que com o habitat. Isto é, em 1995, a
maior implantação da esquerda nas áreas urbanas (PS: Continente e Norte; CDU:
Norte) e/ou semiurbanas (PS: Continente e Norte; CDU: Continente e Norte) tem
mais a ver com a secularização desses concelhos (ver factores 1 e 2/Continente
e factor 1/Norte, quadros_5, 6 e 8) e com o contraste que representam perante
um espaço rural camponês e religioso, mais "hostil" à esquerda. A
comprová-lo está a fraca importância da religiosidade na Região Sul (apenas
aparece no quinto factor; ver quadro_7), não associada a qualquer tipo de
habitat. Daí que, na Região Sul, não haja relação entre o habitat urbano e a
implantação relativa da esquerda (PS e CDU) e o Partido Socialista apareça com
menor implantação relativa no habitat semiurbano. Quanto às zonas rurais,
também aí a religiosidade e a presença da pequena burguesia agrícola explicam o
conservadorismo político (maior implantação relativa do CDS/PP e do PSD), pois,
quando são os trabalhadores manuais do sector agrícola que predominam, o
alinhamento é claramente à esquerda: CDU/Continente e Sul; PS/Norte.
Quanto ao impacte da taxa de desemprego, traço quase exclusivo da Região Sul,
tal fenómeno pode ser interpretado segundo dois eixos: no Sul, o seu impacte
traduz uma maior politização do fenómeno; no Norte, a retaguarda constituída
pela pequena propriedade agrícola permite amortecer os efeitos (sociais e
políticos) do desemprego.
Conclusões
Em Portugal, as eleições legislativas de 1995 ficaram marcadas por uma
conjuntura específica, que levou a uma vitória do PS sem precedentes em
anteriores eleições parlamentares. Portanto, algumas das relação entre as
estruturas de clivagem e o voto no PS estão mais fortalecidas ou enfraquecidas
em resultado dessa conjuntura (cf. Freire, 2000). Fenómeno idêntico se passou
com o PSD, partido que perdeu mais votos nesta eleição.
As transferências de voto ficaram marcadas, sobretudo, pelas transferências do
PSD para o PS, daí as fortes correlações negativas e positivas,
respectivamente, com os índices de volatilidade. Todavia, as perdas do PSD
também "alimentaram" o CDS e fizeram crescer o contingente de
abstencionistas. Por outro lado, o Partido Socialista beneficiou desta maior
abstenção nas hostes do PSD, bem como da mobilização de alguns dos indivíduos
que se tinham abstido em 1991.
O meio urbano não se revelou mais volátil do que o meio rural, ao contrário do
que prevíamos, ou seja, as transferências de voto foram igualmente elevadas em
meio urbano e rural. Este elemento revelou uma forte "nacionalização"
da vitória do PS, bem como as limitações das explicações estruturais da mudança
eleitoral.
No Sul, registou-se um maior crescimento (bruto) da abstenção em meio urbano,
evidenciando o contínuo avolumar de uma "abstenção política" (ver
Freire, 1999) e o declínio da importância do eixo urbano/rural para explicar a
participação eleitoral.
O desemprego revelou-se um bom preditor da mudança política, nomeadamente no
PSD: no Sul do país, este partido teve as maiores perdas brutas nos concelhos
com mais desemprego.
A estrutura de clivagens revelou-se um bom preditor dos alinhamentos eleitorais
e da abstenção, à semelhança de anteriores eleições (ver Gaspar e André, 1989;
Gaspar e André, 1990; Gaspar et al., 1990; Freire, 2000) e a abstenção teve
maior incidência nas zonas rurais, mais envelhecidas e menos escolarizadas.
Todavia, à semelhança do período 1985-1991 (ver Freire, 2000), tal fenómeno só
actuou no Norte. No Sul, a estrutura de classes e a socialização política
revelaram-se elementos capazes de inverter as propensões sociológicas para o
abstencionismo.
Quanto ao voto partidário, a clivagem esquerda-direita foi claramente devedora
quer da clivagem classista quer da religiosa, mas também do impacte do
desemprego. A clivagem urbano-rural, tal como no caso da abstenção, teve um
efeito sobre os alinhamentos dos eleitores mediado pela estrutura de classes e
pela religiosidade, daí os seus impactes diferenciais no Norte e no Sul.
Portanto, a divisão Norte/Sul recobre algumas das clivagens tradicionais
(Lipset e Rokkan, 1992: 161-259) no plano espacial. Isto é, existe uma clara
divisão entre o Norte e o Sul do país quer em termos de participação eleitoral
(menor a Norte), quer ainda em termos de orientação política (maior
conservadorismo a Norte); quer em termos dos efeitos da clivagem urbano-rural.
Mas essa divisão espacial apenas traduz uma diferencial implantação territorial
da estrutura de classes e da prática religiosa.
Apêndice
Tipologia de classes sociais(adaptação do esquema de Erikson e Goldthorpe,
1991)
Burguesia: grande patronato (mais de nove trabalhadores), quadros dirigentes de
grandes empresas e organizações (mais de nove empregados e/ou subordinados) e
profissões liberais (técnicas e cientificas).
Nova burguesia assalariada: profissões científicas, técnicas e de enquadramento
intermédio; quadros dirigentes em pequenas empresas e organizações (menos de
dez empregados e/ou subordinados).
Trabalhadores não manuais: empregados administrativos, do comércio e serviços,
assalariados.
Pequena burguesia(não agrícola): pequenos patrões (menos de dez empregados) e
trabalhadores independentes do sector secundário e terciário.
Pequena burguesia agrícola: pequenos patrões (menos de dez empregados) e
trabalhadores independentes sector primário.
Trabalhadores manuais I: trabalhadores assalariados do sector secundário.
Trabalhadores manuais II: trabalhadores assalariados do sector primário.
Índices
Índice de desenvolvimento industrial:indicador compósito que agrega as
variáveis número de estabelecimentos em actividade, pessoas ao serviço e valor
acrescentado bruto. Ver Marktest, 1998.
Índice de rendimento ("sales index"):indicador compósito que pondera
o índice de rendimento (impostos, consumo de energia, parque automóvel, bancos
e comércio retalhista) pelo índice de população, com um peso respectivo de 80%
e 20%. Ver Marktest, 1998.
Notas
1 Este artigo beneficiou dos comentários críticos do Professor Doutor Manuel
Villaverde Cabral, a quem desejo expressar aqui os meus agradecimentos.
2 Dado o compromisso com a União Económica e Monetária, nomeadamente em termos
de critérios de convergência.
3 Caso das indústrias vidreiras da Marinha Grande e do bloqueio da Ponte 25 de
Abril, por exemplo.
4 Isto é, aquele que revela menor fidelidade ideológica, oscilando o seu
sentido de voto ao sabor das conjunturas políticas. As nossas hipóteses sobre
os grupos sociais potencialmente mais voláteis, em termos de comportamento
eleitoral, avançam com uma tentativa (provisória) de caracterização
sociocultural desse "eleitorado flutuante" e dos factores
explicativos da sua maior volatilidade.
5 Doravante, por facilidade de expressão, utilizaremos indistintamente as
designações PCP e aliados, PCP ou CDU.
6 Para uma apresentação detalhada destes dois índices e da tipologia de classes
sociais, veja-se o Apêndice.
7 A abstenção foi sempre medida a partir dos dados da contabilidade oficial:
STAPE/MAI.
8 DPi = Pi_t Pi_t-1. Em que Pi_t é a percentagem de abstencionistas ou de
votantes em determinado partido i , na eleição actual (1995), e Pi_t-1 é a
percentagem de abstencionistas ou de votantes no partido i , na eleição
anterior (1991).
9 DE = (Et Et-1/ Et-1) X 100. Em que Et é o número de abstencionistas ou de
votantes em determinado partido no ano t (1995) e Et-1 é o número de
abstencionistas ou de votantes em determinado partido no ano t-1 (1991).
10 VT = S ½Pi_t Pi_t-1½/2, i = 1 a n. Em que o n é o número de partidos que
concorreram às eleições (na eleição t, 1995, e/ou na eleição t-1, 1991). Pi é a
percentagem de votos no partido i na eleição do período t (e t-1).
11 VB = (½P(iV + jV + kV)½(+ ½P(lV + mV + nV)½)/2. Em que ½ P(iV + jV + kV) ½
representa a mudança líquida, em módulo, de todos os partidos (i, j, k)
pertencentes a determinado bloco ideológico (p. ex., esquerda) e ½ P(lV + mV +
nV) ½ representa a mudança líquida, em módulo, de todos os partidos (l,m,n)
pertencentes ao outro bloco ideológico (p. ex., direita).
12 Tomámos como período de referência o ano anterior à eleição, pois os
eleitores têm "memória curta" (Kieweit, 1983: p. 38).
13 A interpretação sobre este elemento subjectivo tem de ser meramente inferida
dos dados, pois não trabalhamos com informação atitudinal. Por isso, tem um
carácter especulativo e carece de comprovação por outros meios.
14 Em termos de partidos, apenas consideramos os quatro maiores: CDS/PP; CDU;
PS; PSD, salvo nos índices de volatilidade.
15 As diferenças em relação aos resultados apresentados no capítulo anterior
devem-se às diversas bases de referência. Anteriormente, apresentámos os dados
referentes às percentagens de votos de cada partido (PS e PSD) no total de
votantes (continente, regiões autónomas e círculos eleitorais fora de
Portugal). No quadro que estamos a comentar, os valores base são aferidos em
cada concelho do Continente e, portanto, no conjunto circunscrevem-se apenas ao
espaço continental.
16 Esta interpretação é algo especulativa, pois não dispomos de dados
atitudinais sobre as motivações dos abstencionistas. Esta é uma das limitações
da análise ecológica.
17 No conjunto dos 275 concelhos do Continente, 53 (19,3%) tiveram uma descida
líquida da percentagem de abstencionistas, com variações entre cerca de -0,9% e
-6,4%.
18 Que teve perdas líquidas em todos os concelhos (ver quadro_2).
19 Para uma análise de fenómenos semelhantes na Grã-Bretanha, ver o nosso
comentário ao trabalho de Anthony Heath e da sua equipa (Freire, 1998).
20 As diferenças nas percentagens de abstencionistas e de votantes de cada um
dos partidos, de uma eleição a outra, são os indicadores mais adequados para
analisar as transferências de voto: só assim podem detectar-se as
correspondências entre perdas líquidas de uns e ganhos líquidos de outros. Mas,
para analisar os correlatos estruturais da mobilidade eleitoral (urbano/rural),
as taxas de variação poderão considerar-se mais adequadas, já que aferem o que
mudou na abstenção ou no voto em determinado partido relativamente aos
resultados que tinha registado na eleição anterior, na unidade de análise em
causa. Os dados políticos foram elaborados a partir de STAPE/MAI, 1991 e 1995a.
21 Estamos a utilizar as percentagens de população residente em cada tipo de
habitat, ou seja, uma variável quantitativa e contínua: rural % pop.
(residente) isolada ou em localidades c/ < 2.000 habitantes.; semiurbano %
população residente em localidades c/ ³ 2.000 e c/ ( 10.000 habitantes; urbano
% residente em localidades com ³ 10.000 habitantes. Dados elaborados a partir
de Virtual Sin, 1995.
22 Recorde-se que quando nos referimos à Região Sul e à Região Norte estamos a
usar estas unidades espaciais como espaços de referência, mantendo sempre os
concelhos como unidades de análise (N=113 e N=162, respectivamente) .
23 No conjunto do Continente há uma correlação negativa (r= -0,18) entre o
habitat rural e a volatilidade total. Esta situação é explicável pelo maior
peso desse habitat, a Norte, região em que a volatilidade foi menor (ver quadro
2).
24 Isto é, nas zonas rurais apresentam menor peso as fracções de classe que têm
associado um estatuto social intermédio, nomeadamente a nova burguesia
assalariada e os trabalhadores não manuais.
25 Não incluímos a variável nova burguesia assalariada como variável de
controlo porque, apesar de se tratar de assalariados, são menos afectados pelas
situações de desemprego e pelas oscilações nas remunerações.
26 A hierarquização da importância explicativa de cada uma das variáveis faz-se
através da análise dos betas: quanto maior o valor absoluto do beta, maior a
importância explicativa da variável independente associada. Os betas são
interpretados como mudanças em unidades de desvio-padrão na variável
dependente, Y, associados à mudança de uma unidade de desvio-padrão na variável
independente, X, mantendo constantes todas as outras variáveis independentes
(Carrión, 1995: 397-398). Tomemos como exemplo a abstenção no Continente: o
desvio-padrão da abstenção foi de 5,09 (variável dependente); os factores
(variáveis independentes) são indicadores compósitos estandardizados, ou seja,
média 0 e desvio-padrão 1. Assim, para o primeiro factor (F1/beta: -0,151),
centralidade e urbanidade, o acréscimo de uma unidade de desvio-padrão (1)
traduz-se num decréscimo de -0,76859 na abstenção (-0,151*5,09). O sinal do
beta indica-nos a proximidade do fenómeno da abstenção com cada um dos pólos da
clivagem (factor): o sinal negativo do coeficiente associado ao factor 1
indica-nos que quando crescem os valores dos indicadores referentes à
centralidade e urbanidade desce a abstenção. Os factores referem-se a
estruturas de clivagem, estando cada um dos pólos dessas clivagens assinalados
com um sinal positivo (+) ou negativo (-), que reflectem aquele que tinham as
variáveis com maiores saturações factoriais, positivas e negativas (ver quadros
5, 6 e 7). Na análise dos betas, deve ter-se em consideração que o respectivo
sinal exprime o sentido da sua associação a cada um dos pólos da clivagem. Por
exemplo, se o beta tiver sinal negativo, significa que a abstenção está
positivamente associada ao pólo "negativo" da clivagem.
27 Sublinhe-se que a definição de partido catch-all não se resume ao tipo de
eleitorado (ver Kircheimer, 1990).
28 Sublinhe-se que todas as nossas análises se referem a maiores ou menores
implantações relativas dos diferentes partidos quer nos diferentes tipos de
habitat quer nos diferentes grupos sociodemográficos e socioculturais.
29 Sublinhe-se que, para qualquer dos partidos, dizemos "mais" ou
"menos" "votos" apenas por facilidade de expressão. Mas,
estamos sempre a referir-nos a valores relativos, isto é, maiores ou menores
percentagens de votos.
30 Não significa que a CDU tenha sido o maior partido nas zonas semiurbanas
(média de 18,9%), mas apenas que registou aí, a sua maior implantação relativa
comparando com os outros tipos de habitat (urbano: 14,2% ; rural: 15,3%). Por
outro lado, o maior partido nas áreas semiurbanas do Sul (PS: 45,5%) tem maior
implantação relativa nas zonas rurais (48%) e urbanas (47%) dessa região.
Fontes não impressas ou periódicas
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1991", in Montargil, F., Determinantes Sociais da Abstenção Eleitoral (Análise
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