Um modelo de análise da dramatização na imprensa escrita
Algumas características atribuídas ao discurso mediático, mormente ao das
notícias (Traquina, 1988), aproximam-no significativamente do discurso do
drama. São os casos da importância do tempo presente, da simplificação
decorrente da necessidade de produzir um discurso claro, do carácter apelativo
deste discurso (muitas vezes por via afectiva), da presença, no caso das
notícias, de narrativas caracterizadas por uma concentração da acção em torno
de um pequeno núcleo de personagens.
O campo de análise é tão vasto como múltiplos e distintos são os actuais média.
Da imprensa escrita à televisão, da rádio à Internet, muitos poderão ser também
os propósitos e as formas de dramatizar, bem como os objectos de dramatização
(todo o tipo de acontecimentos - não apenas aqueles que pautam as manchetes dos
noticiários -, temas e problemáticas sociais, ideias e ideologias).
Um modelo de análise da dramatização no discurso dos média adquire uma
utilidade acrescida num tempo em que vingam conceitos como o de "sociedade do
espectáculo" (Debord, 1991) ou o de "estado-espectáculo" (Schwartzenberg,
1977): os factos só valem se mediatizados por imagens. Aparentemente
desenvolve-se uma civilização que tende a esbater as fronteiras entre "real" e
"virtual", através de canais (multi)mediáticos capazes de "produzir realidade",
simulando-a através de meios técnicos cada vez mais sofisticados.
Podemos, para cada situação de comunicação mass-mediática, isto é, para cada
medium e para o respectivo campo social, colocar várias questões:
Existe de facto dramatização? Existindo, como se caracteriza, em que consiste
exactamente? Os seus suportes são gráficos, verbais ou ambos? A que elementos
estilísticos ou estruturais do discurso recorre, e em cada caso para quê? Que
funções desempenha cada uma dessas práticas de dramatização no seio do campo
social em que o medium se insere mais directamente?
O nosso estudo incide sobre um tipo particular de comunicação mediática, a
imprensa escrita doutrinária ou política, no período de crise que se seguiu ao
11 de Março de 1975 (na acepção de Lucien Sfez, 1988: 46). Trata-se de avaliar,
neste contexto muito particular da nossa história recente, as características e
funções da dramatização no discurso da Voz do Povo, jornal que apoiava a UDP,
embora se não considerasse como órgão do partido.
E responder ao desafio analítico lançado por Dominique Pouchin, correspondente
do Le Monde em Lisboa no pós-25 de Abril: "( ) esta Revolução foi sobretudo
verbalista e teatral. Com uma dupla vantagem: é que se tratava de um teatro a
sério, sem atingir, salvo raras excepções, níveis de violência" (Pouchin,
1994).
A "ideologia da objectividade" e a produção social da realidade
A abordagem da dramatização nos média implica uma reflexão prévia sobre as
ideias que se desenvolveram acerca do discurso noticioso e da prática
jornalística, das quais sobressai a "ideologia da objectividade". Tendo surgido
no século XIX, esta mitologia desenvolveu-se ao longo do século XX, associada à
máxima facts are sacred, comment is free (Mesquita e Rebelo, 1994: 114).
Segundo ela, o jornalismo seria um "espelho da realidade", desinteressado e
objectivo (Traquina, 1988). A metáfora do espelho evoca também o carácter
mágico do acto subjacente a este ideal de objectividade: o acto de transplantar
a realidade do seu espaço natural para o espaço do mediume de a oferecer,
intacta, ao espectador.
Esta ideologia foi contestada por numerosos autores, como Tuchman (1978) ou
Saperas (1993), que atribuem aos média a função de "produzir realidade",
nomeadamente ao seleccionarem e omitirem determinados temas e acontecimentos,
ao abordarem esses temas de determinadas formas em detrimento de outras e,
finalmente, ao penetrarem na construção social da realidade, na medida em que
conferem visibilidade social ao acontecimento noticiado,1 gerando consequências
desse acontecimento ao nível da realidade social.2
Merton e Lazarsfeld atribuem aos média as funções de "atribuição e confirmação
de status", "produção de normatividade" e "influenciação e conduta do gosto
popular" (citados por Paquete de Oliveira, 1988: 85). A socióloga norte-
americana Gaye Tuchman (1978) entende as notícias como "realidade construída" a
partir de enquadramentos (frames); as notícias são como "janelas" sobre o
acontecimento, que chega ao destinatário depois de filtrado por uma conjugação
de factores como a sua posição em relação à janela, o formato desta ou os
múltiplos constrangimentos com que o jornalista interage no seu trabalho. Para
Bourdieu (1989), é a transformação das categorias de percepção do real que
molda a própria transformação do real, e é nesse sentido que os média adquirem
um poder efectivo sobre a realidade social.
Conceitos fundamentais
O conceito de dramatização
Considerando a dramatização como a acção de "dar forma de drama", entendemos
por drama uma forma literária ou simplesmente discursiva baseada nalguns
atributos que se combinam para criar a ilusão do vivido ou ilusão dramática
(Reis, 1995: 274). O termo grego originário remete-nos para a acção,
nomeadamente a teatral, que será o atributo central do drama (Silva, 1969;
Reis, 1995).3
No drama é o diálogo entre as personagens que define a acção, o cenário e as
próprias personagens (Hamburger, 1986), não existindo, como noutros géneros
literários, a intervenção da figura do narrador (Reis, 1995). A acção dramática
submete-se a atributos específicos: a concentração em torno de personagens
principais e num tempo limitado; a tensão que decorre dessa concentração e das
relações conflituosas que se estabelecem entre essas personagens; a intensidade
que pauta o ritmo da narração (Silva, 1969; Reis, 1995). Deste modo, a forma
dramática constitui um apelo à afectividade e às emoções do espectador/leitor,
e procura criar nele a ilusão do vivido (Silva, 1969; Dawson, 1975).
As funções da dramatização
Com base em diversos contributos teóricos, procurámos identificar um conjunto
de funções que a dramatização hipoteticamente desempenha no discurso mediático,
no intuito de as confirmar ou infirmar pela análise. Efectivamente, embora no
caso que nos prendeu, a imprensa escrita doutrinária, estas funções assumam
sentidos mais específicos do campo político, elas são extrapoláveis para o
restante discurso mediático, incluindo o audiovisual.
A função de conferir visibilidade.Como sustenta Pierre Bourdieu (1989: 145), a
visibilidade é condição sine qua non para a existência social, uma vez que está
na origem das "visões do mundo" ou das representações sociais. Para Adriano
Duarte Rodrigues, é mesmo a principal característica de qualquer corpo social
com legitimidade instituinte do respectivo campo social. Por outro lado, o
campo dos médiaconstitui-se como "campo de mediação" entre os restantes campos
sociais, desempenhando a função de lhes conferir visibilidade. Quer dizer, os
diversos campos sociais utilizam de múltiplas formas o campo dos médiapara se
legitimarem, mediante processos rituais instituintes (Rodrigues, 1990: 145-
146).
Assim, uma das funções das notícias é precisamente dar a ver, tal como um palco
teatral dá a ver aos espectadores uma determinada peça, podendo falar-se de uma
dimensão cénica das notícias (idem, 1988: 12).
A dramatização tem a vocação de conferir visibilidade. É esse o sentido do
efeito de ilusão dramática a que já nos referimos: o apelo afectivo, a tensão,
a simplificação, a concentração combinam-se para dar visibilidade social ao
objecto dramatizado. Carlos Reis (1995) associa mesmo a ilusão dramática à
"função ideológico-social do teatro".
Num estudo relativo ao tema da dramatização, Maria Augusta Babo (1998: 75) nota
que a visibilidade ou a "exterioridade" que a dramatização confere a um objecto
é "o garante da sua própria existência". Podemos considerar então que a notícia
dramatizada contribui de uma forma mais activa para gerar visibilidade.
A função de luta pela imposição de uma visão do mundo.Pierre Bourdieu (1998:
90) refere-se à luta política como uma luta quotidiana pela imposição de
categorias de percepção do mundo social, pela imposição da visão legítima desse
mundo. Uma luta que ultrapassa o âmbito ideológico, visto que a instituição de
uma visão do mundo legitima uma intervenção directa no mundo social que
corrobore essa mesma visão.
Estando o discurso dramático vocacionado para representar "a totalidade da
vida" ou o "mundo" no qual se desenrola a acção (Dawson, 1975: 47), ele
constitui-se como uma forma eficaz de empreender a luta simbólica pela
imposição de uma visão do mundo.4
Esta vocação é fortalecida pela vocação "natural" dosmédia para imporem visões
do mundo. Se as primeiras tipificações das funções dos média se baseavam na
trilogia informar, formar e divertir (Paquete de Oliveira, 1988: 84),
enquadrável na "ideologia da objectividade", hoje não é controverso afirmar que
a imprensa ocupa um lugar de destaque no processo de produção, reprodução e
sedimentação das representações sociais. E ao produzirem representações sociais
estão também a participar na produção da realidade social. Nelson Traquina
(1988: 37) refere a título de exemplo que muitas problemáticas só são abordadas
por haver notícias, relatos de acontecimentos, que proporcionam essa abordagem.
A função remitificadora.Alguns autores constatam que as sociedades modernas se
caracterizam por uma desintegração da identidade colectiva (Lipovetsky, 1989).
Segundo Adriano Duarte Rodrigues, os média têm a função de organizar a
experiência do aleatório do homem moderno, devolvendo-lhe novos enquadramentos
explicativos e "uma imagem coerente do destino". O autor designa-a como a
"função remitificadora" (Rodrigues, 1988: 14-15).
Particularmente em períodos de crise, caracterizados pelo questionar das ordens
simbólica e social, pela abundância de signos, torna-se particularmente
necessário o surgimento dessa imagem coerente, que permita repor as ordens
simbólica e social.
Sfez considera que, nestes períodos, a encenação de um conflito permite
desencadear a ruptura em relação à desordem e "restaurar o mito fundador"
(1988: 46). É neste sentido que, em períodos de crise, a dramatização - ela
própria uma forma de expor conflitos ou representar situações de tensão - se
assume como um meio de "repor o mito fundador", um enquadramento explicativo
que resolva definitivamente a confusão simbólica predominante. A dramatização
pode assim entender-se como um ritual, uma celebração ritualizada do mito
fundador.
A função de agitação política.Existem fortes ligações entre a função de
agitação política, entendida como a estimulação de um conflito político junto
dos destinatários, e o discurso dramático.
Por um lado, porque a forma dramática passa inevitavelmente pelas noções de
tensão e de conflito entre as personagens. Por outro, porque diversos atributos
da dramatização, tal como adiante é definida em termos operatórios, cumprem a
função de agitação, em especial os relativos ao apelo afectivo.
Esta função adequa-se particularmente à teoria revolucionária leninista. Para
Lenine, uma das tarefas do agitador é dramatizar os pequenos factos, situando-
os ao nível da luta de classes e procurando suscitar nas massas os sentimentos
de descontentamento, revolta e ódio de classe. O propagandista, em
contrapartida, teria um desempenho mais teórico, centrado na explicação das
contradições do capitalismo a grupos mais restritos e dotados de maior capital
cultural (Domenach, 1962).
A função de persuasão através da união espectador/actor.Um dos efeitos do
discurso dramático, além do da união do grupo de espectadores, é o da união
entre esses espectadores e os actores em palco (Silva, 1969: 247). No caso do
"teatro do povo", que consistia em gigantescas encenações montadas por regimes
para assinalar datas decisivas, este efeito era conseguido na medida em que no
palco se representava o próprio povo, isto é, os espectadores reviam-se no
palco (Dort, 1971: 267-280).
Podemos questionar se a comunicação mediática actual, com o seu discurso
dramático, não procurará uma união entre espectadores (neste caso leitores,
telespectadores, etc.) e actores (os protagonistas da realidade abordada pelo
medium). Um efeito que consiste em arrastar o espectador para a cena,
informando-o de que, na sua posição de receptor, ele está a ver-se a si próprio
a actuar no palco encenado pelo medium. No caso do jornalismo político, trata-
se de tentar a identificação do leitor com as forças sociais ou políticas que o
jornal apoia, ou de levar o leitor a aderir implicando-o na acção.
A dramatização no contexto do jornalismo político
A teatralidade do político.A dramatização encontra no campo político um terreno
propício, perante a teatralidade intrínseca deste campo, conhecida e
abundantemente teorizada. Podemos evocar a ideia de "teatro político" de
Piscator como paradigma da dimensão teatral do político, entretanto
desenvolvida por autores tão importantes e heterogéneos como Balandier (1999),
Bourdieu (1989) ou Lipovetsky (1989). De forma sintética, Abélès (1995) afirma
que, no campo político, as encenações e os processos de ritualização são
constantes.
Contudo, cabe referir que os principais contributos teóricos acerca do tema
centram-se essencialmente na teatralidade do exercício do poder por parte dos
seus titulares/representantes, deixando a outros componentes da actividade
política, como o contra-poder ou os destinatários do poder/representados, uma
grande margem de desenvolvimento teórico. Ao procurar a análise da dramatização
num discurso de contra-poder (o da Voz do Povo), o nosso trabalho encontra-se à
partida desenquadrado das teorias acerca da dramatização dos rituais de poder,
o que lhe confere um interesse adicional.
Interacção entre os campos político e mediático.A teatralidade intrínseca do
político, a par da capacidade e da propensão dos meios de comunicação de massas
para dramatizar, fizeram destes o instrumento privilegiado de comunicação entre
a classe política e a população.
A relação entre a política e os média começou por ser de instrumentalização
destes por aquela. Os regimes políticos, e com particular visibilidade os
estados autoritários, usaram os média (a imprensa escrita, a rádio, o cinema e
a televisão) como instrumento de propaganda. Abordagens históricas do fenómeno
da propaganda, como as de Domenach (1962) e Quintero (1993), ilustram bem esta
tendência.
Nas últimas décadas, nas sociedades democráticas, o panorama transformou-se
profundamente, com o extraordinário aumento da influência social e política dos
média. Auto-suficientes e culturalmente dominantes devido ao seu controlo das
técnicas e do mercado da sedução, são estes que passam a instrumentalizar as
instituições políticas dependentes desse jogo, no dizer de Alain Minc (1994) ou
de Lipovetsky (1989).
O jornalismo doutrinário.O jornalismo doutrinário (ou político) constitui um
tipo particular de interacção entre os dois campos, caracterizado por uma
instrumentalização política tolerada, até no quadro legal dos regimes
democráticos. É o caso do art.º 3.º da Lei de Imprensa portuguesa de Fevereiro
de 1975, que vincula apenas a imprensa "informativa" ao respeito pelos
"princípios deontológicos da imprensa e a ética profissional".
Trata-se também de um tipo de jornalismo ligado à "primeira etapa" da história
da imprensa, que se desenrolou no período de convulsões ideológicas que
atravessou o século XIX, até à I Guerra Mundial (Albertosa, 1974: 71).
A dramatização como estratégia de acção revolucionária.O envolvimento do leitor
numa visão do mundo "dominada" no campo das representações sociais, o
contribuir para a visibilidade desta visão, para a agitação política, para a
união espectador/actor (enfim, as funções que hipoteticamente atribuímos à
dramatização), a vigência de um período de crise, caracterizado pela
indefinição da ordem simbólica (Sfez, 1988; Bourdieu, 1998) - todos estes
factores fazem da dramatização uma estratégia discursiva ou simbólica que
favorece a adesão à causa revolucionária por parte do leitor.
Outro aspecto que a favorece é o facto de o discurso e a acção dramáticas se
caracterizarem pela simplicidade, necessária para que o público acompanhe o
enredo no tempo do palco. Para Trotsky (citado por Domenach, 1962: 25), a
"condutibilidade das ideias" é um imperativo do êxito revolucionário, e esta
exige um discurso simples, acessível ao leitor "operário" ou "camponês".
A própria teoria marxista defende como estratégia simbólica a reconstrução do
imaginário, que passa por "liquidar todas as superstições do passado" (Marx,
1982), pela destruição da tradição e da memória, responsáveis pela "fabricação
de imagens" que sustenta o regime capitalista (Sfez, 1988). E como vimos, a
dramatização pode ser um meio eficaz para concretizar esta tarefa.
A Voz do Povo, um jornal doutrinário em 1975
No caso do jornalismo doutrinário, que serviu de base ao nosso trabalho, a
questão da dramatização deve ser recolocada em termos teóricos, uma vez que
estamos perante um campo muito particular, o político, e um tipo de jornalismo
divergente do "informativo". Uma vez que esta especificidade vai determinar a
construção do modelo de análise, impõe-se esclarecer o leitor quanto aos
principais traços distintivos do jornal.
O jornalismo daVoz do Povo
Partindo do nosso estudo de caso para caracterizar com mais detalhe o
jornalismo doutrinário, constatamos, pela leitura dos documentos estatutários
do jornal e por leituras preliminares do material, que o tipo de jornalismo
praticado contraria frontalmente a ideia de neutralidade veiculada pela
ideologia da objectividade.5 Ao descomprometimento desta ideologia, o jornal
opõe o comprometimento dos jornalistas com a causa revolucionária. No seu
"Regulamento interno" a Voz do Povo autodefine-se como "semanário informativo
de combate e crítica social".
A ideia (sem dúvida utópica) de "comunicador desinteressado" cede lugar à de
"comunicador interessado", oposição que se aplica às funções da própria
actividade jornalística: enquanto no primeiro caso elas são enquadráveis nas
tipologias tradicionais, no segundo elas obedecem a uma função política, a uma
estratégia explícita de tomada do poder político. No "Estatuto editorial" fala-
se, por exemplo, de "radical democratização da sociedade portuguesa" ou da
orientação editorial "contra a escalada reaccionária nas Forças Armadas, no
aparelho de Estado, na Imprensa, pela melhoria constante das condições de vida
da classe operária".
O "jornalista passivo" dá lugar a um jornalista activo, "vigilante", dotado de
uma missão política ao serviço "dos sectores mais desfavorecidos da população"
na sua "luta contra a burguesia", encarregue de efectuar as "denúncias" e
"revelações políticas" preconizadas por Lenine, encarregue de agitaro leitor e
de o instruir quanto às formas de luta a empreender.
Se é um facto que podemos abordar qualquer mass-medium nas suas funcionalidades
económica, política e cultural, também devemos considerar que em cada mass-
mediumhá dimensões que são de certa forma dominantes. No caso da "luta pelas
audiências" entre os actuais média, provavelmente, a função económica terá um
papel mais determinante no desenrolar do jogo. No caso de um jornal
doutrinário, a questão do apoio a um movimento e ideologia políticos e da
captação dos leitores para esse movimento torna-se preponderante.
Neste contexto jornalístico, a dramatização pode ser entendida como uma táctica
para envolver o leitor num determinado "cenário ideológico", através da ilusão
de realidade própria do drama, e já não como uma prática que peca por pôr em
causa a "leitura objectiva" dos factos noticiados. Por outras palavras, a
dramatização assume no jornalismo doutrinário um valor moralque a legitima, em
ruptura com a ideologia da objectividade.
Em todo o caso, é de extrema importância não confundir dramatização, ou ruptura
com a ideologia da objectividade, com desvio em relação à verdade. São
conceitos diferentes, e cabe referir que, não só ao longo do corpus surge por
duas vezes a frase de Lenine "só a verdade é revolucionária", como no próprio
"Guia do correspondente" se sublinha a necessidade de os correspondentes
guardarem um respeito absoluto pela verdade dos factos.
É também interessante notar que o jornalismo doutrinário da Voz do Povo parece
encontrar no contexto histórico português do pós-25 de Abril uma espécie de
reminiscência das épocas revolucionárias do século XIX, que o propiciam. O
recurso a terminologias e técnicas de agitação política praticadas em
revoluções passadas cruza-se neste jornal com as tendências informativa e
explicativa, mais recentes, tornando a sua análise mais aliciante.
Metonímia original
Uma pista para entender o discurso do jornal é o seu próprio nome.
Efectivamente, Voz do Povo constitui uma metonímia cujo sentido acompanha a
diversos níveis a análise que levámos a cabo desse discurso.
Se atentarmos que no "Guia do correspondente" se diz que os correspondentes
"são os olhos e os ouvidos do jornal", chegamos, através do título, a uma união
simbólica entre "jornal" e "povo", por via dos correspondentes, que representam
o povo. Note-se que, segundo o mesmo documento, "não há limite" para o número
de correspondentes, sendo ideal que todos os leitores o sejam.
O resultado é uma pessoa - o povo personificado - cujos olhos e ouvidos são os
correspondentes e cuja voz (a Voz do Povo) é o jornal. Estipulada a união
através do título, ela será concretizada no discurso, tanto em termos
ideológicos como estilísticos.
Função primordial
São as posições defendidas no espaço editorial que revelam a função primordial
do jornal: o derrube do regime capitalista e das instituições políticas
vigentes (que, como veremos, são sistematicamente rotuladas de "burguesas") e a
instauração da ditadura do proletariado. Numa palavra: a revolução.
A ideia de um jornal como impulsionador da revolução proletária não é nova. Em
1900, Lenine fundou a Iskra(a Centelha), jornal que o próprio considerou o fio
condutor da revolução e cujo título também é sugestivo da sua função
primordial.
Rede de correspondentes: um dispositivo revolucionário
A rede de correspondentes projectada pelos responsáveis editoriais da Voz do
Povo, cujos contornos são delineados no "Guia do correspondente" e no "Estatuto
do correspondente", desempenha funções que excedem em larga medida o âmbito do
jornalismo. Encontrando-se explicitadas nestes documentos, constatamos que
estas funções são também referidas por Lenine (1966) no seu livro Que fazer?,
onde aborda a questão da criação duma rede de correspondentes para o jornal.
A vigilância proletáriaé a função mais citada. Procura-se criar uma rede de
correspondentes "espalhados por todo o país", que vigie os movimentos de
"políticos" e de "patrões", bem como as suas "falcatruas". O "Guia do
correspondente" aconselha os correspondentes a recolherem a informação junto
das pessoas que a centralizam: "barbeiro", "porteiro", "merceeiro". Ou seja,
aos correspondentes é prescrita a tarefa de efectuar denúncias, ideia que
encontramos também em Lenine (1966). Estamos longe do conceito de news net de
Tuchman (1978), referente à rede que os média lançam sobre a realidade para a
captar. Aqui a rede procura efectivamente controlar a realidade e transformá-la
com o apoio do jornal, através de um dispositivo que tudo vê e tudo sabe: algo
semelhante ao "dispositivo panóptico de visibilidade" concebido por Bentham em
1791 (citado por Rodrigues, 1990).
Outra função é unir as massas. O trabalho de recolha de informação, de
comunicação dessa informação à redacção, de partilha das notícias de cada nova
edição, significa a união de trabalhadores que participam no processo e a
ruptura com o seu isolamento (Lenine, 1966: 225). Estamos perante uma aplicação
particular da função de "cimento social" atribuída a todos os média (Sfez,
1993).
Podemos ainda falar da função de "educar fortes organizações políticas" a nível
local, igualmente através do trabalho em torno da feitura do jornal: a
divulgação das directrizes para uma acção disciplinada e a recolha de
informações no terreno (Lenine, 1966: 217-218).
Operacionalização da problemática
Analisar a dramatização na imprensa escrita: operacionalização
Iniciámos este artigo apontando características que aproximam o discurso das
notícias do discurso do drama: importância do tempo presente, necessidade de
simplificação e de um estilo apelativo, presença de narrativas caracterizadas
por uma concentração em torno de um pequeno núcleo de personagens, o facto de
serem estas a definir a acção.
Uma vez que o conceito de dramatização que nos chega da literatura pode não ser
adequado para a análise do campo dos média, precisamos de definir um conceito
operatório, adaptado à realidade do discurso deste campo, que viabilize a
medição dos dados.
Pierre Babin (1993), autor que se debruçou sobre a dramatização nos média,
considera cinco "procedimentos clássicos de dramatização": o exageramento; a
oposição; a simplificação; a deformação; a amplificação emocional. Esta ideia
de "exageramento" permite-nos uma clarificação importante relativamente ao
nosso objecto de estudo: é que ele não é constituído pelo conteúdo histórico
das notícias, mas pelo discurso que lhes serve de suporte. Daí preferirmos
adoptar o termo "enfatização", entendida como uma forma estilística de realçar
algo e não como uma forma de "deformar" a realidade, o que não nos interessa
demonstrar.
Constituição de uma grelha de análise
Com base nestes diversos contributos, passámos então a elaborar, criticamente,
uma grelha de análise, que consistiu em categorias capazes de medir e
caracterizar o discurso dramático. O objectivo da análise era apurar em que
medida a presença destas categorias no discurso desempenha ou não as funções
anteriormente definidas, ou permite descortinar novas funções.
Metáfora.
A metáfora permite transportar uma ideia, um objecto, uma imagem do seu
universo semântico original para outro, como sugere a palavra em grego, que
significa "transporte".6 Podemos mesmo estabelecer a analogia entre metáfora e
encenação teatral, na medida em que a encenação teatral constitui sempre uma
recriação do guião original, adaptando-o a outros contextos e recorrendo a
outros adereços. Os encenadores e actores "dizem uma coisa em termos de outra",
isto é, constroem uma metáfora. Esta ideia é partilhada por Dawson, para quem
"a relação entre o mundo dramático da peça e a realidade é metafórica" (1975:
25).
As metáforas conferem ao discurso as propriedades dramáticas da simplificação,
ao transportarem o discurso para universos mais acessíveis, e da ilusão
dramática, porquanto é a própria realidade que a metáfora transporta para os
novos universos; e, em muitos casos, da intensidade, na medida em que muitas
metáforas enfatizam o respectivo objecto.
Outras formas de representação simbólica.A análise dos dados deve distinguir
outras modalidades de representação simbólica da realidade que se aproximam da
metáfora, como o símbolo, o emblema, a alegoria, a hipérbole ou a parábola. A
alegoria merece-nos uma atenção especial na medida em que consiste num sistema
metafórico recorrentemente usado para expor um determinado tema.7 São conceitos
que não farão parte dos procedimentos de análise directa do corpus, mas que
poderão ser evocados na fase de interpretação dos dados.
Metonímia.A metonímia pode definir-se como o acto de tomar a parte pelo todo,
ou vice-versa. Segundo o Dicionário da Literatura, uma metonímia é uma "figura
pela qual se designa uma realidade por meio de um termo referente a outra que
está objectivamente relacionada com a primeira". "A metonímia (sentido lato)
pode resultar das seguintes relações: a parte pela parte; a parte pelo todo; o
todo pela parte". Assume modalidades distintas, das quais destacamos: o
continente em vez do conteúdo ou vice-versa, a causa pelo efeito ou vice-versa,
o sinal pelo significado, o abstracto pelo concreto, etc. (Coelho, 1969: 638).
Confundindo os termos do real, as metonímias permitem, como veremos, encená-lo,
produzi-lo, o que lhes confere a propriedade da ilusão dramática.
A detecção dos processos metonímicos pode tornar-se difícil, na medida em que
eles desempenham por vezes funções simbólicas revestidas de sentidos subtis.
Apresentamos de seguida aquelas que pudemos detectar na Voz do Povo na
sequência das leituras prévias e que procurámos avaliar ao longo da análise.
Aproveitamos para conceptualizar estas metonímias em termos genéricos, abrindo
assim caminho para a sua utilização na análise de outros objectos.
Metonímia 1: Identificação entre o
mediume outras entidades, sociais ou ideológicas.Vários autores referem o
efeito metonímico entre representante e representado no campo político. São os
casos de Bourdieu (1989: 157-159) e Abélès (1995).8
No caso da Voz do Povo, uma observação preliminar de alguns trechos do "Guia do
correspondente" e o próprio nome do jornal sugerem-nos a existência de uma
metonímia original que identifica o jornal com o povo e que já tivemos ocasião
de caracterizar com mais pormenor na apresentação daquele.9 Esta metonímia
manifesta-se ao nível do discurso, através de diversas modalidades detectadas
mediante leituras prévias. São formas de o jornal se autodelegar representante
do povo:
· a assinatura de notícias por elementos do proletariado, exteriores ao corpo
redactorial. Constatamos nomeadamente que diversas notícias do corpus são
assinadas por operários e camponeses (correspondentes). Trata-se, quanto a nós,
de uma ritualização da união simbólica entre o jornal e o proletariado. Quando
se escreve, no "Guia do correspondente", que os correspondentes "possuem cartão
do Jornal", afirma-se a mesma união;
· a utilização da primeira pessoa do plural, por parte dos jornalistas, a
propósito de colectivos proletários. Para Abélès (1995), esta prática constitui
uma "estratégia retórica" de afectação do sujeito ao todo do grupo;
· o recurso à linguagem do proletariado por parte dos jornalistas: termos,
expressões, calão populares. Um código popular que detectámos na leitura prévia
do corpus e que permite concretizar a mesma metonímia. Aliás, no "Guia do
correspondente" diz-se que os correspondentes "devem ter a preocupação de
transmitir à redacção a maneira de falar do povo", e que devem evitar "a
preocupação vulgar de escrever bem'".
Metonímia 2: Narração e interpretação de factos concretos através de uma
ideologia.Uma prática comum no discurso noticioso da Voz do Povo parece ser a
narração de factos através de uma explicação histórica global, interpretando-
os, explicando-os sistematicamente através dos seus termos. Trata-se da
preocupação, própria da propaganda leninista, de situar a realidade ao nível da
luta de classes (Domenach, 1962: 22-23).10
Esta metonímia, em que o todo é identificado com a parte, é também uma prática
corrente no teatro de participação política (Dort, 1971), e permite apresentar
uma visão do mundo como a "verdade escondida" nos factos noticiados.
O tomar entidades individuais por entidades colectivas constitui uma modalidade
particular desta metonímia. É o que acontece nos seguintes exemplos, em que as
entidades "povo" e "reacção" são os elementos da visão do mundo do jornal
evocados: "o povo decidiu o saneamento da mesa do Hospital" ou "ninguém se
manifestou contra, a reacção manteve-se na expectativa".
Recursos discursivos de simplificação.A simplificação é, como vimos, uma das
exigências do discurso dramático, relacionada com o seu ritmo e o tipo de
comunicação que estabelece com o público. No caso da imprensa, Babin considera
mesmo a simplificação como um dos procedimentos clássicos de dramatização.
Encontramos dois recursos de simplificação conceptualmente importantes e
mensuráveis: as oposições e associações binárias, por um lado, e um conjunto de
termos recorrentes usados para a codificação do real, a que chamamos "rótulos
de codificação".
Oposições e associações binárias.A oposição bináriaconstitui, segundo Lévy-
Strauss, o processo universal fundamental da produção de sentido. Uma regra
ditada, segundo este autor, pelo carácter binário das próprias trocas de
informação entre as células do cérebro humano (citado por Fiske, 1993: 158).
Em relação ao discurso ideológico marxista, patente no nosso objecto de estudo,
a lógica binária de percepção do real assume um significado particular, que se
prende com o facto de ser a ideologia marxista fundada num conjunto de
oposições binárias - a perspectiva "preto-no-branco" do universo político de
que fala Jean Charlot (1974) - determinadas a partir da oposição burguesia-
proletariado que define a luta de classes. Além da simplificação, as oposições
binárias têm a função de estabelecer relações de tensão entre as personagens
(Babin, 1993), conferindo ao discurso essa propriedade dramática.
A oposição binária define um oposto igualmente simplificador, a associação
binária, que ao longo do corpus inclui situações como reuniões, cooperação,
coparticipação em acções políticas, concordância ou solidariedade.
Oposições e associações binárias são recursos analíticos que nos poderão ajudar
a reconstruir uma estrutura de representações que constituirá a visão do mundo
social e político veiculada pelo medium. Para viabilizar uma análise
sistemática desta categoria, captaremos cada ocorrência de oposição ou
associação através das variáveis "entidade A" e "entidade B".
Rótulos de codificação.Chamamos rótulos de codificação a um conjunto de termos
ou expressões que se aplicam recorrentemente para designar entidades ou
situações, permitindo codificá-las de uma forma simples e valorativa. Este
recurso é detectado numa leitura prévia das notícias da Voz do Povo. Os membros
do MRPP são regularmente qualificados de "aventureiros"; o PCP é designado por
rótulos como "os revisionistas", "o partido de Cunhal" ou "P'C'P"; a linha
sindical defendida pelo PCP, reunindo no mesmo sindicato operários e técnicos,
é designada por "caldeirada de classes". Estamos perante outra versão dos
"signos distintivos" que Babin (1993) reconhece nos heróis da banda desenhada,
como a fusão homem-morcego de Batman.
Por hipótese, o rótulo posiciona a entidade-objecto no quadro da visão do mundo
que o jornal pretende impor, criando a ilusão de um determinado real e
contribuindo para essa imposição.
Além de simplificar pela omissão, ou pela redução de entidades complexas de uma
sociedade em convulsão a uma mera "definição-síntese", os rótulos possuem, na
maior parte dos casos, assim nos parece, um juízo de valorassociado, uma
componente valorativa decisiva na caracterização da entidade. É através dessa
propriedade de valoração que devemos entender o poder simplificador do rótulo:
o juízo de valor simplifica ao libertar o leitor do trabalho de valoração. Por
outro lado, leva-o a recolocar a entidade no espaço simbólico, orientando a sua
descodificação.
A análise exaustiva destes rótulos pode levar-nos a: identificar as entidades/
personagens em destaque nos espaços político e social definidos no espaço
noticioso; identificar as características e funções que o jornal atribui a
estes actores através dos rótulos e dos juízos de valor que eles contenham;
reconstituir a "visão do mundo" pela qual luta a Voz do Povo.
O apelo afectivo.O apelo afectivo é uma das traves mestras do drama,
consistindo em procurar no espectador um envolvimento emocional. O jogo de
sentimentos entre as personagens em cena, mas também o ritmo tenso e intenso do
drama e os processos de enfatização, suscitam por sua vez sentimentos no
espectador que, afectivamente envolvido, se torna mais vulnerável a assimilar o
almejado efeito de "ilusão de realidade".
Sentimentos.Pierre Ansart (1983; 1997) analisa os processos políticos enquanto
processos de manipulação dos sentimentos e sensibilidades colectivos. A recolha
dos sentimentos nomeados no corpus permitir-nos-á incorrer nessa perspectiva do
jogo político, que se relaciona directamente com a dramatização.
Quais são as funções que os sentimentos desempenham na visão do mundo do
jornal? Que formas de envolvimento afectivo procuram suscitar no leitor? Que
entidades da realidade noticiada permitem os sentimentos relacionar e em que
sentidos?
A resposta a estas questões e o trabalho de análise são valorizados pela
decomposição desta categoria em três variáveis, captáveis em todas as
ocorrências: o "sentimento", o seu "sujeito" e o seu "objecto ou causa".
Enfatização.
Consideramos as situações discursivas de enfatização como forma de apelo
afectivo, na medida em que, ao realçar-se ou intensificar-se um determinado
objecto, se estabelece com o leitor uma comunicação que dispensa a
interpretação racional do texto:11
· O ponto de exclamação. A simples utilização deste sinal confere a qualquer
frase, independentemente do seu sentido, o estatuto de exclamação, o que
constitui uma forma de enfatização. A linguagem exclamativa juntamente com a
interrogativa e a imperativa são, de resto, características do drama (Dawson,
1975: 37). A enfatização pelo ponto de exclamação não deve ser considerada
sempre que ele culmine uma frase já de si enfática;
· O recurso a advérbios de intensidade (já, muito, sempre, nunca, tão ou tanto)
ou a graus superlativosde adjectivos e advérbios (muitíssimo, pobríssimo,
imenso, pessimamente);
· A ironia. Uma forma de enfatizar particularmente difícil de identificar. A
ironia é subliminar por definição e o seu registo depende da habilidade de quem
observa para descortinar a intenção irónica do jornalista, por vezes impossível
de comprovar;
· A enfatização semântica.Quando encontramos uma situação discursiva que
identificamos como enfática pelo seu contexto semântico, mas que não contém as
formas discursivas de enfatização a que acabámos de nos referir. É o caso das
hipérboles, que constituem o tipo de enfatização mais frequente. Ressalve-se
que a avaliação das situações de enfatização por via semântica envolve em
muitos casos subjectividade: a enfatização resulta duma interacção das palavras
e do seu sentido com os contextos, podendo interpretar-se sob diferentes
perspectivas.
Vitimização.No estudo da dramatização, a vitimização, ou a apresentação de
determinada entidade como vítima, constitui um recurso importante. Por um lado,
é uma forma de apelo afectivo, ao estimular no leitor sentimentos como a
comiseração para com os vitimados e o ódio aos agressores. Por outro, ajuda-nos
a precisar a estrutura de relações entre os actores sociais que ocupam o espaço
simbólico do medium, ao estabelecer um conjunto de oposições binárias.
Finalmente, ela permite-nos caracterizar o conflito social e político
representado pelo medium.
Podemos decompor cada situação de vitimização em três variáveis, cujos valores
deverão ser atribuídos no acto de recolha dos dados: 1) a vítima, 2) o tipo de
agressão e 3) o agressor. A forma como estas variáveis se relacionarem definirá
o sentido da vitimização.
As palavras de ordem.Muitas das notícias da Voz do Povo culminam com uma
sequência de palavras de ordem, que constituem um caso particular de apelo
afectivo: um apelo enfático à acção revolucionária ou uma forma enfática de
apoiar ou atacar uma entidade.
Segundo os teóricos, a palavra de ordem é um dos pilares da propaganda
leninista. Para Domenach (1962), trata-se da tradução verbal de uma fase do
combate revolucionário ou da expressão dum objectivo importante. A eficácia
desta forma de comunicação reside no efeito multiplicador da sua difusão, na
medida em que "utiliza como meio difusor aqueles mesmos a quem é dirigida"
(Quintero, 1993).
Personificação.Muito mais do que sucede noutros géneros discursivos, a presença
de personagens é vital no drama. É o diálogo que estabelecem entre si que
define a sua personalidade e o próprio enredo (Hamburger, 1986).
Num discurso como o das notícias de um jornal doutrinário, temos que considerar
não apenas as personagens antropomórficas (pessoas nomeadas), como também as
personagens não antropomórficas constituintes da visão do mundo do jornal, isto
é, grupos sociais, entidades e sentimentos colectivos ou categorias
ideológicas.
Se o apuramento destas últimas depende da interpretação de outras categorias de
análise, como os rótulos ou as metáforas (a metáfora do corpo é um exemplo de
personificação), o apuramento das personagens antropomórficas pode fazer-se
através da recolha de todas as nomeações do corpus. Para que a recolha seja
consequente em termos analíticos, deverá incluir não só a variável "pessoa
nomeada", mas também as variáveis "entidade de pertença da pessoa nomeada"e
"sinal da valoração"; como veremos, as características do material legitimam a
utilização desta última variável.
Definição do corpus e dos procedimentos de análise
Escolha do período de análise
Optámos por fazer incidir a análise sobre um período típico de crise,
compreendido entre o 11 de Março e o 25 de Novembro de 1975. Escolhemo-lo, por
um lado, por se tratar de um período de dinâmica revolucionária, caracterizado
pelos extremismos e uma intensa conflitualidade, no qual o poder constituinte
da linguagem é mais acentuado e em que a dramatização do discurso será mais
premente e de contornos mais claros (Bourdieu, 1982, 1998; Sfez, 1988); por
outro, porque essa situação permitir-nos-ia confrontar o objecto com
teorizações já feitas acerca do discurso em períodos de crise.
Desse período seleccionámos o compreendido entre 11 de Março e 19 de Julho de
1975, dia do discurso de Mário Soares na Alameda, em Lisboa, que terá
constituído um suporte político e ideológico importante da reacção contra o
chamado "processo revolucionário em curso" (iniciado a 11 de Março) e marcado o
princípio do declínio da influência do PCP e da extrema-esquerda na sociedade
(Reis, 1994: 32-33).
Escolha do género jornalístico
Na sua condição de jornal doutrinário, a Voz do Povo contém vários tipos de
artigos: editoriais, artigos de opinião, notícias, comunicados e notas de
imprensa de forças políticas; por sua vez, os objectos de notícia abrangem
múltiplas situações do quotidiano social, político e cultural e, no caso da
dimensão política, muitas delas resumem-se quase só a transcrições de longos
discursos em comícios, manifestações, etc.
Escolhemos a notícia por se tratar de um espaço privilegiado de dramatização;
nele o jornalista reconstrói ou encena a realidade, dispondo para isso de uma
grande liberdade a nível narrativo e vocabular.
O conceito de notícia.Ao eleger a notícia como objecto de observação, impõe-se
uma definição fundamentada e precisa do conceito. Para Albertosa (1974: 88), a
notícia é um facto verdadeiro comunicado a um público numeroso. Mas parece-nos
importante, para o estudo da dramatização, assumir a notícia como uma forma de
produção simbólica e mesmo social da realidade. Assumindo a perspectiva de
Tuchman (1978), entendemos a notícia como uma construção baseada no
enquadramento (frame) que filtra a comunicação dos factos ao receptor: em vez
de "espelhar" o real, ela recria-o, participando assim a um nível simbólico na
coprodução da realidade social.
Quanto ao nosso estudo de caso, do âmbito do jornalismo doutrinário, importa
ter em atenção que estamos perante um caso particular de notícia. Dado que aqui
o comentário político acompanha quase sempre a notícia, parece prudente incluir
na sua definição a crónica, a reportagem, ou até certos artigos de opinião,
desde que, evidentemente, relatem factos objectivos a par dos comentários. De
resto, este procedimento não se afasta da definição de notícia de Albertosa
(1974).
Quanto aos enquadramentos que moldam a notícia, eles têm no caso do jornalismo
doutrinário um carácter eminentemente ideológico e obedecem a uma estratégia
política.
Opções metodológicas para a análise
O estudo da dramatização no discurso de um jornal em tempo de crise deve levar
à procura dos traços que o individualizam e não apenas dos que eventualmente
resultem desse contexto e sejam comuns a outros agentes do jornalismo
doutrinário. Nestas condições, torna-se muito importante obter um ou mais
termos de comparação.
A opção recaiu num segundo jornal doutrinário ou político, em detrimento de um
jornal de referência que por motivos vários poria em causa a comparabilidade. O
facto de se tratar de um jornal de um partido (o PS), com funções políticas
claramente diferentes das do partido apoiado pela Voz do Povo, permitiu uma
verdadeira confrontação da relação de duas ideologias diferentes com a
dramatização. Finalmente, todos os números do Portugal Socialista no período
considerado estavam disponíveis, ao contrário do que sucedia com diversos
outros jornais.
Desigual distância dos dois discursos.A análise comparativa dos dois discursos
debate-se com uma dificuldade: o facto de o discurso do Portugal Socialista e
as suas categorias de apropriação do real estarem "mais próximos", tanto do
discurso do senso comum de hoje, como do próprio discurso científico, o que se
deve ao facto de essas categorias terem saído vitoriosas do conflito simbólico
particularmente violento que se viveu no pós-25 de Abril (Matos, 1992).
Assim, não devemos confundir a "normalidade" de certo discurso ou vocabulário
do Portugal Socialista com isenção, objectividade ou profundidade de análise.
Da análise de conteúdo à análise do discurso.Na perspectiva da análise de
conteúdo, importa definir as "unidades de registo" a usar na recolha dos dados.
Este tipo de análise considera como unidades de registo entidades homogéneas,
como a "palavra", a "frase", o "acontecimento" ou o "documento". Acontece que
estas entidades, obedecendo à "regra da exclusividade", uma das condições
prescritas por Bardin (1979), não se ajustam ao nosso objecto de estudo.
Procurámos no discurso situações como enfatização, vitimização, metáforas,
metonímias ou oposições binárias, isto é, as situações discursivas e
linguísticas definidas como características da dramatização e que nos
permitiriam confirmar ou infirmar as funções teoricamente atribuídas ao
discurso dramático. Esta variedade de categorias de análise impõe ao texto um
carácter polissémico. Por exemplo, uma mesma frase pode ser uma metáfora,
constituir uma oposição binária, conter rótulos de codificação, e estar ainda
contida num parágrafo que assuma o sentido de uma metonímia entre os factos
noticiados e a sua explicação histórica. Essa mesma frase pode desempenhar
múltiplas funções ao nível do discurso e deve ser registada (ela ou partes
dela) tantas vezes quantas as categorias de análise que serve.
As unidades de registo são assim unidades de sentido, correspondentes a
ocorrências das categorias de análise, o que implica que a sua dimensão não
seja fixa.12
Refira-se que o tema do nosso trabalho é relativo à forma, ao estilo do
discurso, e não tanto ao seu significado decorrente do seu conteúdo; a
dramatização não decorre da estrutura semântica do discurso, mas duma forma
particular de a transmitir. Isto não significa que a análise que nos propomos
procure conclusões na área da linguística aplicada.13 Ela procura antes
relacionar as categorias de análise definidas com a problematização
interdisciplinar que elaborámos.
A este respeito, Maingueneau (1976: 4) chama a atenção para a falsidade que
constitui a extrapolação de uma terminologia específica de uma ciência para
outra. No caso do nosso objecto de estudo, devemos ter o cuidado de não extrair
conclusões do âmbito da ciência política ou da sociologia histórica de um
universo analítico que nos situa no âmbito do espaço simbólico e das
representações sociais.
Propomo-nos desenvolver uma análise do discurso, método que tem a vantagem de
se situar na intersecção dos universos da linguística e de outras ciências
sociais (Maingueneau, 1976; Fairclough, 1996).
A noção de discurso que assumimos é basicamente a de Maingueneau (1976): um
enunciado (sequência de frases inscrita numa língua) considerado do ponto de
vista das suas condições sociais de produção e integrado numa situação de
comunicação específica. É portanto uma noção de discurso mais abrangente do que
a assumida na área da linguística e criticada por Dominique Memmi.14
Complementaridade das dimensões quantitativa e qualitativa da
análise.Procuraremos ao longo da análise evitar a identificação da frequência
de utilização das unidades de registo com a sua importância no sentido geral do
corpus. Greimas refere-se a esta identificação como absurda e adverte que a
frequência pode muito bem ocultar mais do que revelar os sentidos mais
importantes do discurso (Memmi, 1986).
As contagens são importantes e indispensáveis, mas constituem uma etapa entre
várias no processo de recolha e análise dos dados. Às contagens deve suceder a
utilização de medidas estatísticas e a implementação de técnicas de análise de
dados quantitativos.
A interpretação dos resultados, o equacionamento de novas hipóteses, os
próprios trabalhos de recodificação e agregação dos dados em modalidades não
prescindem de uma abordagem qualitativa e crítica do material, que evoque a
problemática, recorra a saberes teóricos, e valorize através de exemplos o
particular que o quantitativo não conseguiu captar. É por isso muito importante
que não se deixe de ter em vista o material em bruto - os dados primários -
depois das primeiras fases do processamento quantitativo desse material.
Decomposição das categorias de análise em variáveis.A análise da dramatização
no corpus partiu da recolha das ocorrências das categorias de análise
anteriormente definidas. Como também já dissemos, estas ocorrências poderão ser
palavras, frases ou mesmo conjuntos de frases.
Tendo todas as categorias sentidos traduzíveis em variáveis, procedemos à
respectiva decomposição. Ela valoriza a interpretação dos dados e as conclusões
duma forma inestimável, ao viabilizar a aplicação de técnicas de análise
quantitativa, ao conferir rigor conceptual ao próprio discurso analítico. A
partir desta decomposição, o sentido de cada categoria de análise passa a ser
dado pela relação entre as variáveis que a constituem e o sentido de cada
ocorrência a depender das modalidades presentes nela.
Veja-se no quadro_1 o conjunto de variáveis definidas para cada categoria.
Agregação dos dados em modalidades. Da recolha dos dados resultaram cerca de
6500 ocorrências. Seguiu-se um longo processo de codificação e recodificação,
no qual procurámos reduzir a mole de entidades sociais, políticas ou
ideológicas que intervieram nas notícias a um número mais reduzido de
modalidades que se pudessem constituir como entidades comuns às várias
categorias de análise.
Como se calcula, este procedimento era obrigatório para que as modalidades
tivessem um peso estatístico aceitável. O reverso da medalha deste processo de
agregação foi a perda do valor específico de determinadas entidades agregadas
noutras mais genéricas. Uma perda reversível, dado não termos perdido de vista
os dados primários.
Abandonar a ligação aos dados primários, no universo da análise do discurso,
significa, de certo modo, perder o contacto com a realidade.
Tipificar os dadosa posteriori.Tipificar constitui um acto artificial, uma
delimitação de fronteiras e a escolha de critérios de (di)visão. A pertinência
que se possa evocar para a escolha dos critérios e dos limites que se impõem ao
material não afasta completamente o carácter discricionário - ou mágico - do
acto (Bourdieu, 1989). Mas será possível "ser fiel" ao material de análise?
Provavelmente não, ou não fosse o processo científico um processo de
desconstrução e construção sempre fundado em objectos teóricos e metodológicos
exteriores a esse material.
Poderíamos construir uma grelha de modalidades "exaustiva" a priori, abrangendo
todas as situações possíveis e respeitando a regra da exclusividade. Mas, se o
fizéssemos, estaríamos a provocar uma leitura do material sem que o tivéssemos
ainda observado. O exemplo da "luta de classes" é bom para ilustrar esta
situação. Poderíamos ser tentados, perante o foco da Voz do Povo nesse tema, a
tipificar a priorias ocorrências de uma categoria de análise em modalidades que
abrangessem um leque de situações típicas da luta de classes.
Consideramos ser mais respeitador do material definir as "modalidades" - as
entidades implicadas no discurso dramático - à medida que vão ocorrendo, e
incluí-las no processo analítico se, após o trabalho de agregação dos dados a
que já nos referimos, a sua recorrência o justificar.
Análise dos dados
Não cabe no espaço deste artigo a apresentação dos dados e medidas estatísticas
em que se baseou o processo de análise, numa perspectiva de complementaridade
entre o quantitativo e o qualitativo, tanto mais que o seu propósito não é
expor as conclusões do estudo de caso, mas antes um modelo de análise. Assim,
apresentam-se de seguida as principais ideias que resultaram das várias etapas
analíticas e, em conclusão, a forma como o estudo responde às funções da
dramatização enunciadas como hipóteses.
Rótulos de codificação: reenquadramento das entidades que ofendem a visão
binária
O rótulo assume uma importância decisiva na constituição da visão do mundo da
Voz do Povo; podemos afirmar que é uma das formas mais regulares de o jornal
construir esta visão. A comparação da utilização deste recurso na Voz do Povo e
no Portugal Socialista confirma-o: 744 ocorrências no primeiro jornal contra
344 (valor corrigido) no segundo e 8 codificações por entidade rotulada no
primeiro contra 4 no segundo.15 Esta última comparação revela como a
caracterização dos actores sociais recorre mais aos rótulos na Voz do Povo.
(1) Campo político. Centralidade da falsidade do PCP. O PCP não só é a entidade
mais rotulada (191 ocorrências, 25,7% do total), como assume um lugar central
na utilização deste recurso, se lhe juntarmos entidades que o jornal apresenta
como estreitamente ligadas ao partido: a sua ideologia, a UEC, os sindicatos ou
sindicalistas, as acções de elementos do PCP. O PCP e estas entidades somam 302
ocorrências, 40,6% do total.
A ideia de falsidade do PCP e a oposição que lhe está implícita (falsos
comunistas/verdadeiros comunistas) quase monopolizam a codificação do PCP e
entidades a ele ligadas. O rótulo "revisionista", evocando uma corrente do
comunismo que o jornal opõe à dos "verdadeiros comunistas", regista 66
ocorrências. O rótulo P"C"P, onde as aspas conferem explicitamente o estatuto
de "falso" ao partido, regista 31 ocorrências. O adjectivo "falso" surge ele
próprio em rótulos como: falsos comunistas ou falsos amigos do povo. O rótulo
"partido burguês" (6) acentua a mesma falsidade.
Subjacente a esta oposição podemos ler uma outra, a que confronta sujidade e
limpeza: as aspas do P"C"P, também usadas no rótulo P"S", seriam uma forma
ortográfica ou semiológica de o jornalista não conspurcar os nomes comunista e
socialista (interpretação que no entanto carece de aprofundamento).
Associação PCP-Álvaro Cunhal.Tomando o PCP por "o partido de Álvaro Cunhal", em
44 ocorrências, o jornal encontra mais uma forma de evitar designá-lo
objectivamente comoPCP, e de assim o apelidar, ainda que pelo mero uso da
sigla, de comunista. É afinal mais uma maneira de acentuar a sua falsidade. Há
um número curiosamente elevado de formas de rótulos (17) que produzem esta
associação, entre as quais "o partido de Cunhal"(a mais frequente), "Partido
Cunhalista Português", "camarilha revisionista de Cunhal" ou "Cunhal &
C.ª".
Forças de direita: fascistas.As entidades de direita, obtidas após a
recodificação, são a direita ou forças de direita ou elementos de direita (e de
extrema-direita), o CDS e a Juventude Centrista. Os rótulos que lhes são
aplicados procuram claramente uma associação entre estas entidades e o anterior
regime (um regime particularmente odiado no período pós-revolucionário) e as
suas práticas violentas. É o rótulo fascista que se impõe com 20 de um total de
42 ocorrências. Os restantes rótulos confirmam a dureza do primeiro: "juventude
nazi" (JC), "bando de assassinos", "bando terrorista", "canalha", "facínoras",
etc.
Órgãos e forças do regime: burgueses.Mais importante é a codificação que se faz
do regime e das suas instituições: Assembleia Constituinte, eleições, regime
político vigente, lei ou tribunais, governo ou membros do governo, partidos da
coligação governamental. O rótulo "burguês" quase monopoliza a codificação
destas entidades. Trata-se da representação literal da visão marxista, segundo
a qual os órgãos de soberania e as instituições políticas têm por função manter
a burguesia como classe dominante.
UDP e forças revolucionárias: elementos conscientes. A valoração positiva no
campo político incide normalmente sobre entidades do campo social que assumem
funções políticas, como veremos através das oposições e associações binárias.
Mesmo assim, a UDP ou elementos da UDP, as acções de elementos da UDP e a
ideologia da UDP são rotuladas 29 vezes. Através dos rótulos "operários
conscientes", "operários mais conscientes" ou "elementos conscientes" e do
próprio rótulo "vanguarda", constatamos que o partido apoiado pelo jornal é
apontado como a vanguarda consciente da classe operária, que tem como funções
instruí-la e encorajá-la.
(2) Campo laboral. Rótulos concentrados nas entidades intermédias.Chamamos
entidades intermédias àquelas entidades do campo laboral que não representam
inequivocamente um dos dois campos que se opõem na visão do mundo da Voz do
Povo: técnicos, quadros, encarregados, chefes, trabalhadores não combativos e
trabalhadores que colaboram com o patrão. Constata-se que são estas entidades e
não as que fazem parte dessa oposição binária que são objecto de codificação.
Estas últimas (trabalhadores, povo e operários ou classe operária, patrões)
simplesmente não são rotuladas.
A codificação das entidades intermédias é muito consistente, recorrendo sempre
ao rótulo "lacaios" ou "lacaios do patrão" para as situar do lado do patronato.
O tom de profundo desprezo deste rótulo é confirmado por outros, como "bufos" e
"lambe-botas", no caso dos trabalhadores não combativos, e "cães de guarda do
capital", "carrascos do povo", "gorilas do capital", no caso das chefias.
Traição dos sindicatos e sindicalistas.13,7% das ocorrências (totalizando 102)
de rótulos reportam-se a entidades do campo sindical, o que revela a
importância da codificação na representação deste campo. Apontam-se aos
sindicatos dois níveis de "traição": por um lado, a não participação dos
sindicatos ou sindicalistas em acções de luta; por outro, a pertença destes ao
"inimigo de classe". A traição pode ler-se como uma manifestação da falsidade
apontada ao PCP.
A codificação das linhas sindicais em confronto constitui uma ocasião de as
explanar. O principal visado neste jogo é, previsivelmente, o "sindicalismo
vertical" apoiado pelo PCP e a Intersindical, designados por "caldeirada de
classes", que o jornal opõe ao "sindicalismo de classe".
De entre uma mole de 744 rótulos sobressai o facto de não serem codificados os
protagonistas clássicos da visão binária da luta de classes: povo,
trabalhadores, classe operária, patrões, burguesia. São codificadas outras
entidades: o PCP (a entidade mais rotulada); os sindicatos; as camadas
intermédias (chefes, encarregados, técnicos e quadros, profissionais liberais);
a direita; as instituições políticas vigentes (governo, eleições, parlamento).
Estas entidades são apresentadas como pertencendo ao campo da burguesia apesar
de provavelmente não lhe pertencem na perspectiva das representações sociais
dominantes.
Assim, os rótulos, com a sua natureza valorativa, simplificadora e por vezes
caricatural, assumem uma função de "correcção", de reenquadramento destas
entidades no seio da visão binária que se pretende impor no espaço das
representações sociais. Por outras palavras, constituem uma subversão da ordem
simbólica, uma reacção às categorias de apropriação da realidade que,
contrariando a visão binária defendida pelo jornal, ameaçam impor-se como
representações sociais.
Relações de oposição e associação binárias: politização do conflito social/
laboral
Considerando que as funções de uma entidade no sistema são dadas pelo sentido
das relações que ela estabelece com as outras entidades, a análise das
associações e oposições binárias - como a dos rótulos de codificação - conduz-
nos a essas funções e, através da descodificação dessa estrutura de relações, à
(re)constituição do espaço simbólico definido pelo jornal.
Dois dados fundamentais - porque estruturantes da visão do mundo do jornal -
sobressaem da análise da figura_1 e dos dados que lhe deram origem:
· a centralidade do campo social/laboral em relação aos outros campos;
· a larga predominância das relações de oposição binária sobre as relações de
associação, revelando uma visão da realidade centrada no conflito.
Estes dois dados, associados, configuram um centramento da estrutura de
relações na luta de classes, o que é confirmado pela quase ausência de
oposições binárias no campo político e ideológico. De todas as relações de
oposição, 65% constituem oposições directas entre duas entidades do campo
social/laboral. Além disso, as relações estabelecidas pelas entidades do campo
político são em larga medida de associação.
As entidades do campo político definem-se assim como "entidades de suporte" do
verdadeiro confronto, que se joga no campo social/laboral: a "luta frontal
classe contra classe", expressão recorrente no corpus e claramente ilustrada na
figura_1.
O vazio que se regista na área superior direita da figura, ou seja, a ausência
de entidades políticas/ideológicas e militares/policiais positivamente
valoradas, não nos pode levar a concluir que a dimensão política está ausente
do espaço simbólico do jornal. Pelo contrário, encontramos nestes dados uma
profunda "politização" do campo social/laboral, de resto perfeitamente coerente
com a visão do mundo marxista.
Um outro efeito muito interessante e significativo é a ausência quase total de
relações entre entidades do mesmo campo igualmente valoradas. As entidades do
conjunto latifundiários-sindicatos-capitalistas-patrões-burguesia não
apresentam associações significativas entre si, o mesmo para os conjuntos
Governo-PCP-direita, forças policiais-MFA-PIDE, UDP-extrema-esquerda e
explorados-camponeses-trabalhadores-operários-povo. Mesmo as 4 associações
entre operários e camponeses são insignificantes ao pé das 61 relações que
estas duas entidades estabelecem.
Este facto tem a seguinte leitura: se repararmos que em certos casos (como os
grupos trabalhadores-operáriosou burguesia-patrões-capitalistas) as relações de
oposição e associação estabelecidas são praticamente semelhantes, achamo-nos
perante uma situação de identidade entre as entidades, ou pelo menos de
indistinção funcional. Por outras palavras, o facto de uma entidade não se
poder relacionar consigo própria explicaria a referida ausência de relações.
Estaremos pois perante mais uma manifestação do carácter binário da ideologia
marxista apontado por Charlot (1974).
Sentimentos: mobilização do espaço afectivo para a luta de classes
Procedeu-se a uma recolha de todas as nomeações de sentimentos do corpus e de
seguida à sua agregação em campos semânticos, de modo a obter valores
estatisticamente mais significativos. Levando à perda do valor semântico
específico de determinados sentimentos, a constituição de campos semânticos, em
número de 38, era essencial para uma análise estatística credível. Para dar
dois exemplos, o campo semântico vontadereuniu os sentimentos "ambição",
"anseio", "aspiração", "desejo", "vontade" e o campo semântico medoreuniu os
sentimentos "alarme", "horror", "intimidação", "medo", "pânico", "receio" e
"terror".
Procedemos a uma análise comparativa de um conjunto de frequências e rácios
obtidos para os dois jornais e a uma análise mais detalhada de todos os
sentimentos cuja frequência relativa fosse pelo menos 5% do total de
ocorrências.16 Tratando-se de duas variáveis (sujeito e objecto), as tabelas
cruzadas foram suficientes para captar a totalidade do sentido dos dados para
cada sentimento. Eis as funções mais interessantes que identificámos em
resultado da análise:
Alimento afectivo da luta de classes.Usamos esta metáfora para designar a
função de representação do reforço do processo de luta de classes através de
sentimentos de coesão de classe (solidariedade) e de motivação interior
(vontade e confiança). Estes três sentimentos, totalizando 29% das ocorrências,
dão conta do peso quantitativo desta função.
A solidariedade (23) não é utilizada enquanto forma de compaixão para com as
entidades vitimizadas, mas sim como alimento afectivo da luta política e
laboral, uma vez que são as entidades que representam essa luta os seus
objectos (luta laboral de trabalhadores, operários e classe operária,
trabalhadores). A mesma função pode ser atribuída ao sentimento vontade(22). A
expressão "vontade do povo", de objecto indefinido, é a que contribui mais para
o total de ocorrências, e surge como uma justificação, um motivo para as acções
de luta política e laboral, legitimadas assim pela necessidade de "respeitar a
vontade popular". Com um fraco suporte empírico, resultado da dispersão, nas 19
ocorrências do binómio sujeito/objecto, podemos mesmo assim dizer que o
sentimento de confiança desempenha a função identificada para os anteriores.
Radicalização da oposição burguesia/proletariado.Alguns sentimentos procuram
enfatizar o carácter conflitual da oposição burguesia/proletariado; a sua
utilização revela uma mobilização do espaço afectivo para a representação da
violência do conflito.
Desde logo o sentimento mais nomeado, o medo (30), pressupõe uma ameaça e uma
situação de violência. Os binómios sujeito/objecto de medo são constituídos
invariavelmente por entidades opostas nos campos em confronto na visão do
jornal. O desprezo (18) é outro sentimento com um peso relativamente forte e
exprimindo uma relação de forte antagonismo. Tal como o medo, é evocado nos
dois sentidos: são sujeitos de desprezo entidades negativamente valoradas (do
campo da burguesia), mas também entidades positivamente valoradas. A matriz de
relações sujeito/objecto de ódio revela-nos que este sentimento define a
relação entre o campo revolucionário e a direita: todos os sujeitos de ódio
pertencem ao campo do proletariado, sendo as entidades mais odiadas a direita,
as forças policiais e a burguesia.
Vitimização e apelo à revolta.Há um conjunto de utilizações dos sentimentos de
medo, desprezo e revolta em que encontramos a função de vitimização das
entidades do campo do proletariado. Refira-se que esta função tem por sua vez o
valor de denúncia e constitui um apelo à revolta ou à reacção do leitor por via
do empenhamento político.
Em 12 ocorrências, o medo tem como sujeitos operários, trabalhadores e povo.
Dos respectivos objectos, destacamos a direita (temida pelo povo), o governo
(pelos trabalhadores) e os sindicatos (pelos operários). A quase totalidade das
relações de desprezo encontra também como vítimas os trabalhadores e o povo.
São ainda estas duas entidades a destacar-se como sujeitos de revolta, que se
pode incluir nesta função, na medida em que constitui a representação da
reacção às situações de injustiça, exploração ou repressão.
Força das entidades combativas do campo revolucionário.Através dos sentimentos
medo e coragem, apresentam-se duas entidades - a UDP e operários ou classe
operária - como o reservatório de força da revolução ou o seu "motor". São
eles, e não o povo ou os trabalhadores, os sujeitos de coragem e os objectos de
medo.
Sentimentos: conclusões adicionais
· Exprimindo os sentimentos uma relação sujeito-objecto, eles permitem-nos
testar a estrutura de relações entre as entidades que identificámos através do
estudo das oposições binárias e dos rótulos de codificação. Tendo a quase
totalidade das ocorrências agentes da luta de classes como sujeito e objecto,
podemos falar de mobilização do espaço afectivo para esta causa e dos
sentimentos como um cimento que consolida a posição relativa dos mesmos agentes
no espaço simbólico e confirma a posição central da luta de classes.
· Concluímos ainda que a mobilização do espaço afectivo para a luta de classes
assume duas vertentes: a dos sentimentos negativos, que tende a enfatizar a
oposição burguesia/proletariado; e a dos sentimentos positivos, que representa
o reforço por via afectiva do campo do proletariado ou, em certos casos -
arriscamos dizê-lo -, a materialização afectiva do conceito de consciência de
classe.
· A realidade social noticiada, profundamente conflitual, é racionalmente
descodificável à luz da visão do mundo marxista, e constata-se que essa forma
racional de ler a realidade, encenada no espaço noticioso, não está dependente
do recurso aos sentimentos. Este facto explica uma relativamente escassa
presença de sentimentos no corpus.
Enfatização: apelo afectivo a três fases da luta
A enfatização, ao conferir intensidade e importância a um objecto, tem a função
de captar a atenção, não por via racional ou retórica, mas por via de um
envolvimento emocional do leitor. Pode também servir para justificar a escolha
de um tema que não cumpra os requisitos de noticiabilidade, os clássicos
(excepção, falha, inversão) ou os prescritos aos jornalistas da Voz do Povo.
Refira-se que o contexto estruturalmente enfático dos discursos dificultou a
recolha de dados, ao retirar visibilidade às ocorrências.
A Voz do Povo regista o dobro das ocorrências de enfatização do Portugal
Socialista. 570 ocorrências no primeiro caso, 295 (valor corrigido) no segundo.
Por outro lado, depois de recolhidos e agregados os dados, constatamos que o
discurso enfático da Voz do Povo incide sobre quatro grandes temas ou objectos
de enfatização: denúncias; luta; situação do povo; hostilidade.
Denúncias.43% das ocorrências de enfatização (247) são denúncias. Eis dois
exemplos de denúncias enfatizadas: "a imprensa inunda páginas e páginas à volta
do MRPP" - neste caso denunciam-se os órgãos de comunicação social de forma
enfática, com recurso às figuras da repetição, da metáfora e da metonímia ("a
imprensa"); "há os que nada fazem e que são doutores" - aqui denuncia-se
enfaticamente a situação privilegiada dos quadros. O principal visado das
denúncias enfatizadas é o PCP, ouelementos do PCP, que, em conjunto com as
denúncias de sindicatos ou sindicalistas, soma 94 ocorrências, seguindo-se a
direita ou elementos da direita (47) e os patrões (33).
Formas de enfatização da luta.A centralidade e o investimento afectivo em torno
do tema da luta de classes está patente também na análise da enfatização: 243
ocorrências (42,6% do total) têm como objecto a luta; normalmente, enfatiza-se
a necessidade de empreender a luta ou a dureza da luta em curso.
Em certas ocorrências de enfatização da luta apela-se mesmo a uma crença
enfatizada por via emocional, ou seja, à fé. No exemplo "o princípio que vai
incutir no espírito dos operários mais tímidos e duvidosos a certeza inabalável
da força da CLASSE OPERÁRIA", a "confiança" ganha o estatuto de "certeza
inabalável", e a entidade é situada num plano superior (sacralizada?) por via
da caixa alta.
O próximo exemplo, referente ao despejo de populares que ocupavam uma casa
rural, revela o mesmo apelo:
Tocaram-se os sinos, vieram os que estavam no campo - e os guardas foram
obrigados a ir-se embora, sem terem cumprido as ordens dos fascistas, porque o
povo se lhes opôs, com determinação.
Aqui a polissemia do toque do sino (que apela à reunião da população em torno
da igreja em situações de crise ou à hora da missa) parece-nos ser aproveitada
para sugerir a entrega espiritual à luta. A notícia omite os pormenores do
afastamento dos guardas, que assim parece acontecer pelo simples efeito mágico
da reunião do povo, desencadeada pelo toque do sino.
Um número significativo de ocorrências (43) refere-se à orientação pragmática
da luta ou acções de luta. São os casos da enfatização da "necessidade de estar
alerta" e da "necessidade de evitar formas erradas de luta".
Injustiças sociais e hostilidade do povo ou dos trabalhadores.39 situações de
enfatização têm por objecto a situação do povo ou dos trabalhadores. Ao
enfatizar-se injustiças sociais (13), situações de miséria do povo (11) e
exploração dos trabalhadores (13), está-se a denunciar a culpa do próprio
regime capitalista e a provocar, mais uma vez, o "ódio de classe". Outra forma
de representar e conferir visibilidade a este sentimento é a enfatização de
situações de hostilidade do povo ou trabalhadores (24) contra entidades como a
direita ou as forças policiais.
Enfatização: conclusões adicionais
· Se categorias de análise como os rótulos de codificação, associações/
oposições binárias e sentimentos nos elucidam acerca da estrutura do espaço
simbólico definido pelo jornal, a enfatização mostra-nos a forma emotiva e
intensa como são transmitidas ao leitor as várias fases do processo de luta de
classes: primeiro, a situação do povo e a sua denúncia; segundo, a hostilidade
gerada pela fase anterior; finalmente, a luta resultante dessa hostilidade.
Procura-se que este processo, baseado na trilogia denúncia-hostilidade-luta,
seja apreendido de forma emotiva pelo leitor, gerando nele uma reacção que
conduza ao conflito contra as instituições sociais e políticas, retratadas de
forma profundamente negativa. Podemos falar de um inculcamento da "consciência
de classe" por via afectiva.
· O grande peso da enfatização das denúncias (um dos pilares da práxis
revolucionária leninista), revelando, a par das nomeações, o pendor acusatório
do discurso do jornal, mostra que este trabalho de agitação política é levado a
cabo através de formas discursivas dramáticas.
Vitimização: um meio de apelo à revolta
A vitimização, situação explorada extensivamente no discurso da Voz do Povo, ao
contrário do que sucede no jornal do PS, permite suscitar a revolta do leitor e
o seu "ódio de classe".
Ao contrário de outras categorias de análise, em que a análise factorial das
correspondências múltiplas foi tentada sem resultados conclusivos - o que se
terá ficado a dever ao facto de estarmos perante somente duas ou três variáveis
-, no caso da vitimização esta técnica resultou eficazmente. Permitindo-nos
identificar os factores que determinam a covariação das três variáveis
definidas (vítima, tipo de agressão, agressor), ela leva-nos a identificar
tipos de agressão/vitimização coerentes, reconhecíveis nos grupos de
modalidades revelados pelos planos factoriais.
Os principais factores identificados são:
· Factor 1: oposição entre situações de vitimização no campo político e no
campo laboral;
· Factor 2: oposição entre situações de vitimização conjunturais (relativas à
luta política) e estruturais (relativas à natureza do regime capitalista);
· Factor 3: oposição entre situações de vitimização no campo militar e no campo
partidário e ideológico.
A disposição destes factores em dois planos (1-2 e 2-3) permite-nos identificar
três grupos que constituem as três formas de vitimização exploradas pelo
jornal:
· Grupo 1: vitimização no campo da luta política imediata.Este grupo,
contribuindo decisivamente para a definição dos factores 1 e 2, refere-se ao
contexto da luta política quotidiana, que tem como intervenientes a UDP ou
elementos da UDP, a extrema-esquerda e soldados (enquanto vítimas) e os
militares de direita, forças policiais e PCP ou elementos do PCP (enquanto
agressores). Os tipos de agressão que os relacionam são a violência física, a
repressão e assassinatos. É o factor 3 que clarifica estas relações, ao operar
uma divisão deste primeiro grupo em dois subgrupos: um relativo à vitimização
de carácter militar e um que caracteriza a vitimização de carácter político e
ideológico.
· Grupo 2: vitimização no campo laboral.É um conjunto de relações vividas no
seio das empresas, em que trabalhadores e operários são vítimas de exploração,
ameaça de despedimentos, despedimentos e más condições de trabalho, perpetrados
por uma só entidade, os patrões. Compreensivelmente, a posição das entidades do
grupo é neutra em relação ao factor 2, já que se encontra no meio-termo entre a
violência política e a opressão imposta pelas estruturas socioeconómicas.
· Grupo 3: vitimização de longo termo, imposta pelo regime capitalista.Este
grupo é formado pelo povo e camponeses (esta modalidade com um peso muito
fraco) como vítimas de miséria, opressão e más condições de habitação, impostos
pelo capitalismo ou capitalistas, latifundiários e autoridades municipais.
Note-se que as vítimas deste tipo de agressão, relativa às estruturas
socioeconómicas, são as entidades retratadas como passivas ao longo do corpus.
Nomeação: extensa lista de denúncias
A análise da nomeação de pessoas no corpus permite-nos o apuramento das
personagens antropomórficas. Por outro lado, as características do jornal e da
matéria noticiável proporcionam o aproveitamento de cada nomeação para efectuar
uma valoração positiva ou negativa, situação que, nas 649 ocorrências de
nomeações, conhece apenas 16 excepções. É por isso pertinente a decomposição da
categoria de análise nas variáveis "pessoa nomeada", "entidade de pertença" e
"sinal da valoração", e a divisão desta última nas modalidades "valoração
positiva", "valoração negativa" e "valoração de sinal indefinido".
A disparidade entre nomeações positivas e negativas é enorme em ambos os
jornais, mas em sentido rigorosamente inverso. A Voz do Povo apresenta 521
nomeações negativas e apenas 112 nomeações positivas. O Portugal Socialista
apresenta 404 nomeações positivas e 79 nomeações negativas. Curiosamente, há
nos dois casos uma disparidade de 5 para 1 entre as duas valorações, mas em
sentido inverso.
Total disciplina ideológica.Uma primeira constatação é a radical disciplina
ideológica dos jornalistas da Voz do Povo, na medida em que o sinal das
nomeações individuais depende em 100% dos casos da posição da entidade de
pertença da pessoa nomeada no palco bipolar da luta de classes. Esta situação
está longe de se verificar no corpus do jornal do PS.
Denúncias pela nomeaçãoou revelações políticas.No caso da Voz do Povo, estamos
perante uma extensiva utilização da denúncia pela nomeação, que incide na maior
parte dos casos sobre o campo social/laboral. Trata-se da "revelação política"
prescrita por Lenine aos propagandistas e tem a função de identificar os
inimigos perante os trabalhadores, "apontá-los a dedo": quem são, onde estão, o
que fizeram.
Estamos também perante uma prática de personificação dos atributos negativos da
visão marxista da sociedade capitalista, conferindo-lhes uma forma visível e
humana e permitindo a concentração do "ódio de classe" em pessoas. Normalmente,
o redactor recorre ao nome pelo qual o nomeado é conhecido localmente, de modo
a permitir uma fácil identificação, como no exemplo:
Na actualidade os gerentes Barros e Fernando Pereira estão "pastando" na
Alemanha a convite da Bosch deixando o controlo da empresa aos seus fiéis
colaboradores Nogueira e Paiva, sendo este último proprietário de uma empresa
de assistência na Covilhã, subsidiária da própria Carlar.
Vilões e heróis.Agrupando as ocorrências não por entidade de pertença dos
nomeados mas apenas pelas próprias pessoas nomeadas, notamos que, à dispersão
de nomeações no campo social/laboral - relativa à denúncia de uma grande
variedade de situações laborais e sindicais -, corresponde uma concentração das
nomeações no campo político nas pessoas de Álvaro Cunhal e de alguns militares
de direita (principalmente Spínola e Galvão de Melo). Procura-se assim
concentrar a hostilidade dos leitores num número reduzido de personagens, que
são eleitos como os representantes antropomórficos da "burguesia" (Cunhal) e do
"fascismo" (Galvão de Melo e Spínola).
As nomeações positivamente conotadas, ainda que muito minoritárias, revelam um
aspecto curioso: a concentração das ocorrências em três personagens que se
constituem como símbolos da luta nos três grupos sociais de referência da
revolução proletária: operários, camponeses e soldados. São, respectivamente:
Horácio dos Santos, operário metalúrgico vítima de exploração que congregou um
movimento de solidariedade (8); José Diogo, camponês que matou um latifundiário
e viria a tornar-se uma causa da "justiça popular" (19); e Joaquim Luís, o
soldado do RAL-1 morto durante o 11 de Março (3). Procura-se assim encontrar,
para cada uma destas entidades sociais, uma personagem referencial (um
"herói"), que deverá constituir um factor de mobilização.
Metáforas: uma alegoria da guerra
Partimos mais uma vez de uma enorme disparidade entre os dois jornais. Enquanto
no corpus da Voz do Povo encontramos 326 metáforas e sistemas metafóricos
elaborados, no corpus do Portugal Socialista há apenas 95 ocorrências (valor
corrigido). Além da função de simplificação do discurso, inerente à própria
definição de metáfora e muito importante no caso em estudo, pudemos detectar
outras através da análise da relação entre os tipos de metáfora e os seus
objectos.
Metáfora da luta e alegoria da guerra: transporte para a verdade.Na Voz do
Povopredomina a metáfora da luta, com 143 ocorrências (43,9% do total). As
situações noticiadas são descritas através de metáforas relativas à luta
verbal, luta física, repressão policial, armas, massacres e guerra. Sendo a
luta de classes o centro da cosmovisão marxista, a utilização extensiva desta
metáfora dá-lhe visibilidade e de certo modo cumpre a função de "situar a
verdade ao nível da luta de classes".
Entre as metáforas de luta, predomina a relativa à guerra, quer em termos
quantitativos (91) quer na riqueza e coerência com que é empregue para
descrever a realidade. De tal modo que podemos falar de alegoria da guerra: um
cenário feito de manobras, avanços, batalhas, frentes de combate, trincheiras
ou sabotagens.
Podemos estar perante uma estratégia simbólica informada, já que a teoria
leninista diz que a luta de classes é uma necessidade de tipo militar e deve
ser conduzida como uma guerra (Quintero, 1993).
Metáfora do corpo: personificação de entidades; representação de coesão, de um
instrumento de acção e de poderes.O jornal recorre a esta metáfora com muita
frequência (72), e por via dela representa - e assim personifica - as entidades
que constituem a sua visão do mundo. As metáforas utilizadas para designar
trabalhadores, operários e povo são quase só metáforas do corpo, o que diz bem
do esforço de personificação destas entidades. Nestes casos, o corpo humano
representa ou um instrumento de acção ou a própria coesão da entidade, como
quando se exortam trabalhadores a serem um "corpo sólido que não embarque em
manobras".
Também as entidades negativamente valoradas são frequentemente personificadas
por este meio. Eis dois exemplos:
a reacção não é uma invenção mas uma coisa muito real, de carne e osso, que no
Alentejo se chama "latifundiário".
Os revisionistas levantam uma pedra que acabará por lhes cair em cima.
A metáfora do corpo é desenvolvida através da representação de partes do corpo,
principalmente o cérebro, as mãos e os olhos. As entidades são assim
apresentadas como organismos, dotados de órgãos com funções específicas, neste
caso tipos de poder específicos. As partes do corpo mais metaforizadas pelo
jornal representam nomeadamente três tipos de poder: o poder de pensar, chefiar
e decidir ("o cérebro que o comandou esse cérebro chama-se burguesia"), de
controlar a acção no terreno ("o dedo que apertou o gatilho"), e de estar
atento e vigilante ("tapam os olhos à classe operária").
Metonímia entre factos noticiados e a sua explicação histórica
Trata-se, como já referimos, de um processo de identificação entre o particular
relatado na notícia e o geral, entre o concreto e o abstracto, entre o efeito e
a causa. O recurso a este tipo de metonímia permite dar uma inteligibilidade
teórica aos factos da realidade social e política e desse modo impor uma
ideologia.
Perante a complexidade da estrutura das ocorrências, optámos por uma abordagem
mais qualitativa, que salvaguardasse a riqueza semântica de cada caso. Esta
metonímia reveste-se de duas formas: 1) a explicação/identificação, processo
preconizado por Lenine, em que o facto é um mero pretexto para expor a
ideologia, é a face aparente da verdade, que se situa ao nível da explicação
histórica; e 2) a lição, consistindo esta fórmula na conclusão da notícia com
"a lição que se extrai" dos factos, o que também permite expor a ideologia.
Em 124 ocorrências, 58,1% referem-se a situações que classificámos de "luta
laboral", 29% de "luta política" e 12,1% de "luta sindical". Ou seja, o tema da
luta de classes monopoliza também a utilização da metonímia.
Entidades colectivas, grandes conceitos, princípios de acção.Como já foi
referido, concorre significativamente para a metoníma a identificação entre
entidades individuais e colectivas: um grupo de operários ou trabalhadores é
chamado "a classe operária"; empresários, o governo ou uma direcção sindical
são frequentemente "a burguesia"; um grupo de camponeses ou de manifestantes é
"o povo" ou "as massas populares".
Ela produz-se também com o recurso a grandes conceitos abstractos aplicados aos
factos. Por exemplo, a atitude persecutória do chefe de uma cooperativa é
"capitalismo puro e simples". De entre os conceitos teóricos que desempenham
estas funções, destacam-se o capitalismo/capital, o fascismo e o imperialismo.
Finalmente, a técnica da metonímia é usada para se definirem princípios de
acção, dos quais se destacam a importância da unidade dos trabalhadores como
condição indispensável das suas vitórias, a importância da consciência de
classe e o papel da vanguarda revolucionária na condução das lutas.
Em suma, a metonímia entre factos noticiados e a sua explicação constitui uma
encenação, através da práxis, de grandes princípios teóricos. Um processo que
incorre no terreno onde o leitor se move para o envolver emocionalmente e
conduzir aos princípios doutrinários defendidos pelo jornal.
Metonímia entre o jornal e o povo através do recurso à linguagem popular: opção
de classe verbal
Constata-se que o recurso ao calão ou a códigos tipicamente populares é
significativo na Voz do Povo (125 ocorrências), por oposição ao Portugal
Socialista, onde detectámos apenas 8 ocorrências com as mesmas características.
Também ao contrário do que se passa no Portugal Socialista, a escrita dos
jornalistas da Voz do Povo revela uma notável correcção verbal e gramatical, um
habitus verbal próprio de camadas sociais mais "cultas". Informações que
recolhemos junto de pessoas então ligadas ao jornal confirmam que a redacção
era composta por alguns jornalistas com um "nível cultural" elevado,
provavelmente não oriundos de um "proletariado" com acesso limitado à
escolaridade.
Estes factos levam-nos a pensar que, recorrendo à linguagem popular, os
jornalistas estão a assumir uma "opção de classe", mais particularmente
umaopção de classe verbal.
A opção de classe verbal é recomendada expressamente, noutros termos, no "Guia
do correspondente", quando se diz:
Os correspondentes devem ter a preocupação de transmitir à redacção a maneira
de falar do povo. E, quando se tratar de correspondentes operários e
camponeses, deverão também preocupar-se em escrever a notícia tal como se
estivessem a contá-la de viva voz, sem a preocupação vulgar de "escrever bem".
Cabe referir que a opção de classe - verbal ou não - é um acto em certa medida
teatral, já que o seu sujeito recusa facetas marcantes da sua natureza
envolvendo-o numa representação. A irrepreensível correcção verbal do excerto
do "Guia do correspondente" que acabámos de transcrever é um excelente exemplo
desse contraste, que acompanha o texto de muitas das notícias analisadas.
Conclusões do estudo de caso
A partir da análise desenvolvida podemos esboçar uma reconstituição da visão do
mundo do jornal, encenada através do seu espaço noticioso, e dizer de que
formas essa visão se transmite através de um discurso dramatizado. Isto permite
confirmar ou infirmar as funções inicialmente propostas como hipóteses,
identificar outras funções simbólicas reveladas pela análise e levantar novas
hipóteses, a desenvolver em trabalhos posteriores.
Luta pela imposição de uma visão do mundo centrada na luta de classes e pela
sua visibilidade
O discurso dramatizado da Voz do Povo elabora uma encenação coerente e
disciplinada de um enredo centrado na luta de classes, característico da
cosmovisão marxista, lutando deste modo pela sua imposição no espaço simbólico.
Todas as categorias de análise confirmam esta centralidade, que parte dos
próprios critérios de noticiabilidade patentes na estrutura temática do corpus.
Esta luta procura, através dos meios dramáticos, a visibilidade social desta
visão.
As oposições e associações binárias revelam-nos uma visão profundamente
conflitual, um conflito social e político protagonizado por entidades dos
campos social e laboral, que substituem as entidades do campo político e
ideológico. A análise da relação entre sujeitos e objectos dos sentimentos
confirma estas posições, consolidando-as, e revela uma mobilização do espaço
afectivo para a visão da luta de classes. Uma consolidação também operada pela
relação vítima-agressão-agressor nas relações de vitimização estabelecidas.
Os rótulos de codificação, sistematicamente utilizados, revestem-se de um papel
importante na composição da representação da sociedade, ao incidirem, dum modo
que poderíamos classificar de meticuloso, apenas sobre as categorias de
apropriação do real que ao nível das supostas representações sociais ofendem a
visão que se pretende impor.
As metonímias de situar a verdade dos factos noticiados ao nível da sua
explicação histórica e de tomar entidades individuais por entidades colectivas
são um meio discursivamente poderoso de explicitar a referida visão do mundo,
de transformar o espaço noticioso numa apresentação tanto de um programa de
acção política como de uma ideologia coerente. As metáforas também colaboram
nesta luta simbólica, por via da representação da luta de classes, através de
um sistema metafórico baseado na terminologia militar, a que podemos chamar uma
alegoria da guerra.
Uma tal visão, caracterizada pela conflitualidade constante entre as
personagens, confere ao discurso dois atributos essenciais do dramático: uma
permanente tensão e uma forte concentração da acção no enredo da luta de
classes.
Vias dramáticas de agitação política
A função de agitação política é preenchida por vários níveis do discurso
dramatizado. O mais significativo talvez seja o seu pendor acusatório,
consubstanciado na prática de denúncias. Esta prática quase monopoliza as
nomeações de pessoas, é um dos principais objectos de enfatização e uma das
traduções imediatas da representação insistente da vitimização.
O discurso enfático da Voz do Povo concentra-se na função de agitação política.
De facto, os três principais objectos de enfatização constituem uma forma
discursiva de agitação estruturada em três fases do processo de luta de
classes: denúncia, hostilidade e a própria luta, cada fase gerada pela
anterior. As palavras de ordem, que rematam a maior parte das notícias, são
outra forma de enfatização que procura a agitação política.
A própria estruturação de relações que o jornal define entre as entidades, com
base nas oposições binárias, recorre à agitação política, por um lado, ao
caracterizar-se por uma profunda conflitualidade e, por outro, ao situar
simbolicamente no campo político os conflitos sociais e laborais.
Mobilização do espaço afectivo para fins ideológicos
Trata-se de uma função do discurso dramático no jornalismo doutrinário que
podemos agora formular como hipótese: este tipo de jornalismo utilizaria o
discurso dramático para situar os sentimentos do leitor/espectador numa
situação de reforço de um dispositivo ideológico.
Como vimos pelo estudo das relações sujeito/objecto dos sentimentos, os dois
jornais colocam-nos ao serviço de funções simbólicas claramente identificáveis
e enquadráveis nesse dispositivo. No caso da Voz do Povo, eles permitem
consolidar as posições relativas de oposição ou associação das entidades que
definem o espaço simbólico. Podemos falar de mobilização do espaço afectivo
quando a totalidade dos sentimentos evocados se refere ao elemento central do
dispositivo: a luta de classes.
No caso do Portugal Socialista,estamos perante uma mobilização ainda mais
intensa do espaço afectivo, já notada por Madalena Matos (1992) no discurso do
PS de então, também para fins ideológicos. De facto, os sentimentos são uma
presença quase constante no discurso do jornal, onde assumem o valor de
explicação de múltiplos aspectos da ideologia de consenso e pacificação exposta
nesse discurso.
"Comment is sacred, facts are free"
O jornalismo doutrinário incorre numa situação de ambiguidade, quando confronta
a pretensão de objectividade, reclamada também por este tipo de jornalismo, com
a exposição de uma visão do mundo perfeitamente enquadrada ideologicamente. E
constatamos que a dramatização constitui uma resposta a esta ambiguidade. No
espaço da notícia, assim marcado pelo choque de dois constrangimentos de
produção jornalística, o redactor pode dispor factos noticiáveis, objectivos,
verdadeiros, num palco simbólico pré-concebido com base na ideologia, a que
chamamos "visão do mundo", e desenvolver a narrativa como se se tratasse de um
drama. A concentração da acção, a tensão entre as personagens, a intensidade do
enredo, criando a ilusão de realidade ou "ilusão dramática", asseguram o
desempenho das funções políticas próprias de um jornal ideológico, sem macular
a verdade e a objectividade dos factos.
Em 1926, o jornalista do Guardian Charles Scott fez uma afirmação que seria uma
das referências da ideologia da objectividade: "comment is free but facts are
sacred". Pela análise que levámos a cabo, concluímos que a norma que guia o
discurso dos jornais doutrinários constitui uma inversão desta frase: comment
is sacred, facts are free; ou seja, os factos são pretextos para a promoção,
por via dramática, de uma ideologia e de um programa de acção.
Notas
1 Tornado meta-acontecimento, segundo Adriano Duarte Rodrigues, 1988.
2 "Autores como Horkheimer, Adorno e Habermas, da escola de Frankfurt,
Ellul, Bourdieu, Baudrillard ou Althusser negaram, cada um a seu modo, esse
suposto grau zero da escrita de imprensa ( ). Interrogaram esse conceito
idealista de jornal como inocente espelho da realidade'; de jornal ou de
jornalista convertido(s) numa espécie de satélite, pairando sobre o mundo,
capaz(es) de tudo captar, com o seu olhar panóptico, e de tudo transmitir sem
reelaboração nem constrangimentos" (Mesquita e Rebelo, 1994: 115).
3 Refira-se que a acção, ou a acção teatral, não define por si só o drama:
efectivamente, ela é comum a outros géneros literários, como a lírica e o
romance (Hamburger, 1986).
4 "O drama ( ) procura representar também a totalidade da vida, mas através
de acções humanas que se opõem, de forma que o fulcro daquela totalidade reside
na colisão dramática" (Silva, 1969: 245).
5 Leia-se o "Estatuto editorial", o "Estatuto do correspondente" e,
principalmente, o "Guia do correspondente".
6 "A essência da metáfora é permitir compreender alguma coisa em termos de
outra coisa" (Meunier, 1995: 227). Para Shaw, metáfora é uma "Figura de
retórica pela qual, em referência a uma pessoa, uma ideia ou um objecto, se
emprega uma palavra ou uma frase que não lhe é literalmente aplicável" (Shaw,
1978: 296).
7 "(Alegoria): Método de representação em que uma pessoa, uma ideia
abstracta ou um determinado facto nos aparece como aquilo que realmente é e
também como alguma coisa diferente. A alegoria pode definir-se como uma
metáfora desenvolvida ( )" (Shaw, 1978: 22).
8 "O representante não existe enquanto tal, a não ser pela investidura que
recebe do grupo, este por sua vez, não existe como conjunto unificado a não ser
que um representante incarne e materialize a identidade de grupo" (Abélès,
1995: 110).
9 Naquele que consideramos ser o trecho mais significativo a este respeito,
lê-se: "(os correspondentes) são os olhos e os ouvidos do jornal que chegam a
todo o lado - à mais pequena empresa, à mais pequena repartição, à mais pequena
aldeia" ("Guia do correspondente").
10 "Uma greve, uma guerra, um escândalo político, constituem boas ocasiões,
mas na maior parte das vezes é a partir de pequenos acontecimentos, dos mais
concretos, que a demonstração consegue chegar até à causa. " (idem, ibidem)
11 As formas objectivas de enfatização do discurso que a seguir definimos
evitam a noção de "exageramento" proposta por Babin (1993).
12 Esta abordagem analítica afasta-nos em grande medida das abordagens
lexicológicas, que procedem à recolha sistemática de palavras, respectivas
formas e contextos. Por outro lado, ela aproxima-nos da noção de valor,
introduzida por Saussure no Curso de Linguística Geral. Quando Wittgenstein diz
"não procurem o sentido duma palavra, procurem o uso que dela se faz" (citado
por Maingueneau, 1976), ele pretende notar que as palavras não têm um sentido
único, assumindo valores diferentes para cada contexto em que são empregues,
para cada emissor e para cada receptor.
13 A linguística tende a abordar o discurso segundo a lógica própria da
língua e não enquanto produção social, o que coloca dificuldades de
relacionamento entre esta disciplina e outras ciências sociais, inclusive ao
nível das técnicas de análise.
14 "Tudo se passa como se se admitisse que o discurso não é determinado nem
governado senão por si próprio, e sobretudo que é ele próprio a chave da sua
inteligibilidade" (Memmi, 1986: 14).
15 A comparação das frequências absolutas de ocorrências num e noutro corpus
obriga a fazer equivaler a sua dimensão. O rácio de correcção obtido, através
do critério que nos pareceu mais correcto - o número de palavras - e aplicado
só para efeitos de comparação ao Portugal Socialista, é 1,4104.
16 Foi motivador o facto de a utilização dos sentimentos pela Voz do Povo
ser escassa (cerca de um terço) em relação à sua utilização pelo Portugal
Socialista, uma vez que ele contraria a pressuposição de que haverá uma "maior"
dramatização por parte da Voz do Povo.