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EuPTHUHu0873-65292001000300006

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National varietyEu
Year2001
SourceScielo

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A integração europeia provocará uma reestruturação dos sistemas de clivagens nacionais?

O tema deste artigo é a interacção entre conflitos, oposições e controvérsias gerados pelo processo de integração europeia e os sistemas de representação instituídos a nível nacional.1 O problema central pode ser definido como a dimensão do impacto e/ou interacção do desenvolvimento da integração europeia com elementos nacionais historicamente estabelecidos como as alianças, oposições e coligações entre organizações eleitorais (partidos políticos), grupos sociais e corporativos ou divisões do eleitorado designadas habitualmente pelo termo clivagem ou, mais precisamente, sistema de clivagens.

Este artigo está organizado em quatro partes. A primeira sintetiza uma série de ilações extraídas do processo histórico de estruturação das clivagens no interior do estado-nação. A segunda aponta para o cenário de instabilidade política e eleitoral sem precedentes que se instalou nos anos 90, em contraponto ao que se verificou nas últimas décadas. A terceira discute a natureza e o conteúdo de uma potencial linha de oposição e conflito no seio do processo de integração e a relação deste fenómeno com as conjunturas políticas estabelecidas a nível nacional. Por fim, o artigo termina com uma reflexão especulativa acerca de alguns possíveis cenários relativos às formas como as clivagens e os sistemas partidários nacionais podem ser europeizados.

Clivagens e sistemas partidários: lições do estado-nação? A linha fundamental de aliança e oposição, a partir da qual se formaram as clivagens e as correspondentes organizações políticas, tem emergido invariavelmente de conjunturas históricas críticas, momentos em que são tomadas as decisões básicas a respeito das fronteiras externas e estruturas internas dos estados, sendo depois cristalizadas, podendo tais resoluções cristalizar-se posteriormente durante longos períodos. Conjunturas críticas são períodos de mudança radical, que Stein Rokkan (1999), contudo, identifica quer com acontecimentos marcantes (como revoluções), quer com mudanças estruturais de longo alcance (como a industrialização). Poderemos considerar o período em que se assistiu ao processo de integração, ao colapso do comunismo e à acelerada transformação de uma economia industrial numa outra baseada nos serviços, como uma nova conjuntura crítica na história europeia? Ou devemos, pelo contrário, considerar que estas mudanças ainda se enquadram nos tempos normais, reservando o termo conjuntura crítica apenas para fenómenos que coloquem em causa a segurança fundamental (crise da ordem internacional) e/ou o bem-estar (crise económica) da população europeia? Num processo de integração/expansão territorial, as primeiras clivagens surgem quase sempre associadas à formação do centro e implicam a resistência, a oposição e o cepticismo dos territórios periféricos face à concentração de recursos, competências, funções e poderes no novo nível. Torna-se assim necessário um determinado grau de consolidação do território e de legitimação das suas fronteiras externas para que se desenvolvam oposições e coligações que não sejam meramente territoriais, mas interlocais, e que rompam com a lógica territorial.

O segundo tipo de clivagens tende a desenvolver-se na fase de formação do sistema e implica uma forma idêntica de resistência, oposição e cepticismo face à construção de um sistema de lealdades, solidariedades e identidade cultural, com reacções de grupos culturalmente ameaçados contra a uniformização e centralização cultural, grandes movimentos ideológicos e de Weltanschaung, desafiando e defendendo hierarquias territoriais estabelecidas.

Um terceiro tipo de clivagens tende a desenvolver-se, sobretudo, ao longo de linhas de diferenciação funcional e baseia-se no processo de diferenciação de interesses no interior do espaço político recentemente consolidado, incluindo conflitos e oposições relativos aos mecanismos de distribuição do mercado e aos mecanismos de redistribuição do estado. Geralmente, estes conflitos implicam a formação de alianças interlocais baseadas na semelhança de interesses, mesmo quando são reforçados por poderosas perspectivas ideológicas. Mesmo os sistemas corporativos de representação de interesses tiveram inicialmente uma dimensão territorial que tendeu a enfraquecer com o desenvolvimento do sistema territorial, isto é, com: 1) a centralização política; 2) a integração económica; e 3) a uniformização cultural.

No caso do estado-nação, parece ter sido necessária uma razoável consolidação do sistema e da identidade nacional para o total desenvolvimento e legitimação dos esforços ao longo do eixo de diferenciação de interesses funcionais.

Simultaneamente, o processo de formação do centro, construção do sistema e consequente desenvolvimento das estruturas de clivagens nacionais está associado à dissolução do anterior sistema de representação, organizado fundamentalmente numa base territorial. Este desmoronamento implica o declínio das teias de coesão e solidariedade das antigas estruturas territoriais, em favor de outras predominantemente interlocais (com a óbvia excepção dos territórios com culturas próprias muito fortes). Por outras palavras, com base na experiência do estado-nação, pode-se adiantar que a expansão e consolidação territorial tem, primeiro que tudo, um efeito desconstrutivo sobre o sistema de representação a um nível inferior, enquanto, ao mesmo tempo, tende para uma reestruturação dos sistemas de clivagens a um nível superior.

No que diz respeito a estes aspectos do processo de estruturação das clivagens no interior dos estados-nações, a UE apresenta um considerável número de particularidades, mesmo deixando de lado algumas diferenças de primeira ordem como, por exemplo, a recusa de recorrer à violência.

No processo de integração europeia, o crescimento antecipado da euroburocracia e o novo centro de decisões nas áreas de competência definidas nos tratados tenderam a produzir, essencialmente, oposições territoriais. Este fenómeno foi e é representado pelo veto intergovernamental mútuo institucionalizado no Conselho e pela desconfiança generalizada dos estados-nações acerca do novo centro.

No entanto, com o passar do tempo, o alargamento do alcance das actividades governamentais da UE e a aceleração das interacções entre os vários locais têm conduzido progressivamente à formação de sistemas de articulação mais complexos, alguns dos quais preservando as fronteiras territoriais (como as alianças de estados e as relações institucionalizadas no Conselho), enquanto outros se organizam cada vez mais entre territórios (como as cooperações policiais transfronteiriças; as tentativas de construção de europartidos; a crescente rede de comunicações; os acordos entre grupos de interesses sectoriais), e outros ainda representam novos fenómenos no interior dos territórios (como as diferentes reacções dos grupos sociais nacionais, dos segmentos de votantes, dos governos regionais, etc., às perspectivas e modalidades de integração). E, neste processo de desenvolvimento das ligações interlocais (neste caso, entre estados), a Comissão e a sua burocracia (juntamente com a acção jurídica do Tribunal de Justiça) têm certamente constituído uma força decisiva.

O facto de no processo de integração europeia os países membros serem representados formalmente num órgão tão poderoso como o Conselho é uma particularidade que não deve ser sobrevalorizada. Mesmo na formação dos estados, as elites locais, os territórios, etc., estiveram representados e contribuíram de facto para a formação do centro e para a construção do sistema (ainda que por vezes de forma inadvertida ou pouco consciente). Além disso, a especificidade do quadro institucional da UE reside neste aspecto: os estados- nações não correspondem a unidades constitutivas cujo papel, competências e atribuições dispõem de protecção constitucional nos tratados; ou seja, não são protegidos, nem mesmo por aquelas decisões que os governos podem tomar por unanimidade ou maioria. Pelo contrário, os governos estão representados no centro e gozam de (maior ou menor) poder de veto, mas podem, por unanimidade, sobrepor-se às competências dos estados-nações praticamente em todas as matérias.

Logo, o papel do processo de integração, no que respeita à estruturação política tanto a nível nacional como europeu é, neste momento, difícil de caracterizar e as suas implicações a médio prazo são difíceis de prever.

Os processos históricos de formação dos estados e de construção das nações, por um lado, e os de democratização e desenvolvimento do estado-providência, por outro, contribuíram para o fechamento de várias fronteiras entre territórios.

Paralelamente, provocaram o aumento do poder e das competências dos centros nacionais e a construção de um sistema de lealdades e identidades, no interior do qual se puderam desenvolver o direito de participação nos processos colectivos de decisão e as políticas e instituições de cariz social. As identidades nacionais (áreas de igualdade cultural), a democracia (área de igualdade política) e o estado-providência (área de igualdade social) estiveram intrinsecamente associados no processo de estruturação política dos estados- nações. A base política destas dinâmicas foi assim assegurada pelo desenvolvimento dos sistemas de clivagens e de partidos, bem como pelo estabelecimento dos sistemas de intermediação dos interesses corporativos.

A integração europeia é um processo de descompressão e dissolução de fronteiras entre territórios e, por enquanto, de construção de uma fronteira com o exterior pouco demarcada (abertura total a novos membros; falta de integração militar; imprecisão da identidade europeia; fracas barreiras económicas com o exterior). Ou seja: por um lado, criam-se condições para que uma enorme quantidade de recursos deixem de ser assegurados pelas responsabilidades sociais dos estados e pelo processo de decisão colectiva na área de solidariedade dos mesmos; por outro lado, isso oferece, no mínimo, oportunidade para uma reestruturação política a nível da UE, que pode ser particularmente importante caso as suas competências e actividades se continuem a expandir e as fronteiras económicas, militares e culturais com o exterior se fortaleçam.

Ainda assim, mantendo a comparação com a experiência de consolidação dos estados-nações, uma política conveniente de estruturação, a nível europeu, de clivagens, partidos e estruturas de interesses corporativos implica não apenas o reforço das fronteiras externas da UE, mas também um esforço paralelo de construção de um sistema, isto é, um reforço das lealdades e identidades internas que possam, por si próprias, proporcionar uma base para o processo de participação política legítima nas decisões colectivas e nas questões sociais.

Na minha opinião, neste momento, o processo de integração contribui para uma crescente tensão entre, por um lado, a capacidade potencialmente destrutiva das clivagens e estruturas partidárias a nível nacional e, por outro, a base frágil e improvável para um processo efectivo de estruturação de políticas alternativas ao nível da UE.

O cenário de instabilidade eleitoral Esta situação de crescente tensão entre estruturas domésticas e de integração tem-se desenvolvido num contexto de crescente desalinhamento eleitoral na maior parte dos eleitorados europeus. Durante um longo período, que se estendeu desde meados da década de 70 até finais da década de 80, a literatura sobre comportamentos eleitorais, sistemas de clivagens e conjunturas políticas concentrou-se na avaliação das transformações ocorridas na conjuntura eleitoral após à fase de congelamento do sistema de clivagens. O debate era consideravelmente polarizado no que respeita à evidência das mudanças reais e às suas consequências (Crewe e Denver, 1985).

Por um lado, muitos dos estudos de nível individual sobre as atitudes políticas e as opções de voto, baseados em dados de questionários, obtiveram resultados irrefutáveis quanto ao declínio do impacto de factores socioestruturais na formação das preferências eleitorais, às mudanças significativas de orientação valorativa e à emergência de novos temas e preocupações entre os públicos.

Estes estudos tenderam a relacionar automaticamente esta evidência com uma instabilidade do sistema político tradicional e com a entrada numa nova fase de descongelamento político (Dalton, Flanagan e Beck, 1984; Franklin, Mackie e Valen, 1992).

Por outro lado, os estudos que se centraram nos padrões do comportamento eleitoral a nível agregado ou no balanço geral do apoio partidário foram mais prudentes, manifestando alguma relutância em concluir que uma nova fase estaria a emergir. Estes estudos tenderam a enfatizar a continuidade em detrimento da mudança, a persistência e a estabilidade em detrimento da transformação. O contraste entre os resultados dos estudos individuais sobre as atitudes políticas e os resultados que emanam da militância partidária ou dos alinhamentos no quadro do sistema de partidos foi interpretado de forma diferente: as inconsistências entre a mudança de atitudes políticas e a oferta partidária tradicional não se manifestam, necessariamente, numa mudança imediata dos padrões de voto e, consequentemente, dos resultados globais. A hipótese avançada é a de que seriam precisos mecanismos de incentivos institucionais e/ou choques específicos e conjunturas políticas críticas para mobilizar os eleitores recentemente desenraízados para opções de voto completamente diferentes (Bartolini e Mair, 1990).

Numa excelente revisão das mudanças gerais de comportamento eleitoral a nível agregado na Europa ocidental, Peter Mair (2000a) sugere que os anos 90 se caracterizam por uma nova configuração. De acordo com a sua análise, as eleições mais recentes tendem a apresentar uma reconciliação entre os desenvolvimentos baseados em dados individuais e agregados. É neste período que, pela primeira vez, as transformações que muito têm sido analisadas a nível do voto individual têm finalmente começado a reflectir-se no balanço geral do apoio partidário. De facto, os anos 90 parecem distinguir-se bastante dos anos 70 e 80 se considerarmos três indicadores simples, mas cruciais, de mudança eleitoral: níveis de participação, volatilidade eleitoral e percentagem de votos alcançados por novos partidos (isto é, partidos fundados a partir dos anos 60) (ver quadro_1).

Quadro 1Níveis médios de participação eleitoral e voto nos novos partidos

Notas: as configurações da Grécia, Portugal e Espanha nas décadas de 50, 60 e 70 foram ajustadas de acordo com os meus próprios cálculos. Não se incluiu Malta.

Consequentemente os valores médios das décadas são diferentes dos obtidos na fonte principal. (*) Disponível apenas um valor de volatilidade, nos anos 70; (**) excluindo as eleições de 1950/51. (***) Não existe registo devido à interrupção da democracia entre os anos 60 e 70. (****) Não existe registo. Instauração democrática em meados da década de 70.

Fontes: Gallagher, Laver e Mair (2001); Mair (2000a).

Os níveis de participação têm vindo a decair de forma mais ou menos consistente, desde muito tempo para e particularmente nas últimas três décadas, em quase todos os países, exceptuando a Bélgica, a Grécia, a Espanha e o Reino Unido. No entanto, apenas nos anos 90 esta queda se acentuou e se generalizou, sendo que três quartos das democracias da Europa ocidental (a Europa de leste não se inclui neste cálculo) apresentaram nos anos 90 as médias mais baixas de mobilização eleitoral. A volatilidade eleitoral, nos países da Europa ocidental, registou mudanças acentuadas entre os anos 50 e 70. Tendo em conta as dezasseis democracias sobre as quais existem dados desde a década de 50, a média dos países da Europa ocidental desceu de 8,1%, nos anos 50, para 7,1%, nos anos 60, aumentando de seguida para 8,9%, nos anos 70 (incluindo a Espanha nesta década). Na década de 80, a volatilidade média dos 18 países (incluindo agora também Portugal) aumentou para 9,6%. O auge da volatilidade eleitoral, porém, registou-se nos anos 90, com uma média de 11,9% para o conjunto dos países, quase 4 pontos acima do registado nas décadas de 60 e 70, e 2 pontos acima da década anterior.

Por fim, Peter Mair analisou também as percentagens acumuladas de votos obtidos pelos partidos que se apresentaram pela primeira vez a eleições nos anos 60 e que, por conseguinte, podem ser definidos como um novo tipo de partidos (grupos dissidentes dos partidos tradicionais não foram considerados). Estes partidos aumentaram de uma média nacional de 3,9%, nos anos 60, para 9,7%, na década de 70, 15,32%, na de 80 e, finalmente, para um máximo significativo de 23,7%, nos anos 90. Nesta última década, quase um quarto dos votantes da Europa ocidental confiou o seu voto a um partido fundado a partir dos anos 60.

A conclusão é a seguinte: 1) o número de eleitores com vontade de participar nas eleições decresceu nos anos 90, em relação às décadas anteriores; 2) na década de 90, mesmo os eleitores que decidiram participar revelaram uma intenção substancialmente maior de mudar a preferência do seu voto entre partidos, comparando inclusive com a década de 80; e 3) nos anos 90, os apoios à criação de novos partidos descolaram, acelerando decisivamente a tendência presente desde os anos 70 (Mair, 2000a).

Por outras palavras, no que diz respeito ao comportamento eleitoral agregado, a década de 90 demonstrou-se claramente distinta da anterior. Não acelerou pequenas tendências do passado (decréscimo da mobilização e aumento do voto nos novos partidos), como também aumentou indicadores que se mantinham estáveis (volatilidade eleitoral). Pode-se assim concluir que, nos anos 90, pela primeira vez, os resultados das mudanças a nível individual e a nível global reforçaram-se reciprocamente.

Uma questão mantém-se, contudo, em aberto entre os analistas. Será que estes dados, quer a nível individual quer no plano agregado, espelham uma situação de crescente distanciamento e desajustamento, ou abrem caminho para potenciais processos de reestruturação em torno de novas dimensões de competição? Ou colocando a questão de outra forma: será possível que a desestruturação dos alinhamentos tradicionais nos eleitorados da Europa ocidental abre caminho a um novo processo de realinhamento? E, neste caso, será possível imaginar ao longo de que linhas potenciais esta reestruturação poderá emergir? Estas questões são muito complexas, pelo que se torna provavelmente impossível dar-lhes, neste momento, uma resposta directa. São, no entanto, tão importantes que merecem que se esbocem possíveis hipóteses e conjecturas passíveis de orientar as nossas pesquisas nesta área. As próximas duas secções serão ocupadas pela análise da forma como poderão emergir novas dimensões, clivagens ou alinhamentos a partir do processo de integração europeia, e do seu potencial impacto e/ou interacção com dinâmicas equivalentes a nível nacional.

O conteúdo da potencial linha de clivagem integração/independência Qual pode ser o conteúdo destes novos conflitos e oposições em torno do processo de integração europeia, e como será a sua relação com a estrutura de clivagens pré-existente? Podemos identificar três linhas de oposição ligeiramente distintas: - conflitos e oposições gerados entre apoiantes e adversários da integração europeia, isto é, adesão ou recusa do projecto global ou de alguns dos seus elementos mais significativos; -conflitos e oposições relacionados com o grau de integração, ou seja, em redor das opções de aprofundar ou aligeirar a integração ou relacionadas com a natureza e o volume das competências e poderes, a capacidade regulatória e o controlo judicial sobre as políticas nacionais; - conflitos e oposições que se podem articular com o âmbito da integração europeia, isto é, oposições sobre a natureza do projecto, em que medida deve constituir um mercado-fortaleza, qual o alcance da regulação dos mercados, deverão (ou não) os direitos sociais ser judicialmente regulados, será (ou não) necessária uma revisão do modelo institucional federalista, entre outras questões. Em resumo, uma politização das regras internas da política europeia.

Visto que o processo de integração se mantém, em larga medida, aberto e indefinido, persistem as diferenças e ambiguidades entre o sim e não, o mais ou menos e o que. Para que qualquer um destes tipos de oposição latente se torne um foco de reestruturação política para as organizações partidárias, os grupos sociais e os indivíduos, será necessária a emergência de um desfasamento prolongado, premente e sistemático entre as preferências e as políticas seguidas pelos partidos políticos nacionais e as dos seus eleitores.

Necessária, mas não suficiente. É também preciso politizar esses temas, processo pelo qual os debates passam de um carácter predominantemente elitista e tecnocrático para um âmbito cada vez mais político. Ainda assim, é necessário um terceiro passo: que a participação e mobilização política em torno destes temas aumente e, consequentemente, que as elites políticas nacionais se tornem vulneráveis ao estado da opinião pública.

O primeiro passo diz respeito a uma avaliação do potencial desfasamento entre as atitudes face à integração europeia e as estruturas partidárias nacionais considerando, em termos gerais, quer as atitudes dos partidos políticos, quer as dos grupos sociais e dos eleitores.

Partidos políticos As análises que investigaram as atitudes dos partidos e das famílias partidárias no contexto da UE concluíram que, em parte, a dimensão integração/ independência está relacionada com a tradicional divisão esquerda/direita. No entanto, tanto a reconciliação de alguns dos partidos de esquerda com o processo de integração, como a crescente oposição de alguns dos partidos de direita, tornaram estas duas dimensões mais independentes uma da outra (Marks e Wilson, no prelo; Hix, 1999; Ray, 1999; Huber e Inglehart, 1995).

Simultaneamente, segundo estes estudos, as variações no interior das famílias partidárias sugerem uma certa ambiguidade quando a orientação pró- integracionista é interpretada com base nas estruturas de clivagens nacionais.2 Na verdade, se a maioria dos partidos socialistas e sociais-democratas receiam a competição de mercado e o recuo do sistema de providência, podem, contudo, encarar a oportunidade de reorganizar um mercado regulado ou social ao nível da UE. Aliás, a consciencialização de que as tendências neoliberais podem ser combatidas a nível continental esteve na base da mudança de atitudes de muitos dos partidos socialistas, nomeadamente o Partido Socialista francês, o PDS italiano ou os sociais-democratas escandinavos, face à União, desde o Acto Único Europeu. Além disso, considera-se que as variações no interior da família socialista se devem ao alcance das ligações com os sindicatos e à dimensão das despesas estatais. Os partidos socialistas do sul da Europa, com ligações mais fracas e situados em países com uma despesa pública menor, são mais favoráveis à integração europeia que os sociais-democratas escandinavos, austríacos ou alemães, com ligações orgânicas mais fortes com os sindicatos e localizados em países em que o estado providência é mais alargado.

Também a distinção entre internacionalismo católico e nacionalismo protestante fornece uma base para o apoio à integração. Muitos dos partidos católicos tendem a defender uma integração mais alargada, enquanto os partidos de religião protestante ou, mais genericamente, os países de religião protestante do norte da Europa demonstram muito maior relutância em apoiar o processo que, por vezes, encaram como uma instituição da hegemonia da igreja romana na Europa. No entanto, mesmo os partidos católicos da Europa continental podem ser segmentados em subcategorias e com base nos grupos partidários, os católicos sociais revelando uma preferência maior pela integração, enquanto os democratas cristãos de direita se manifestam (cada vez) menos favoráveis.

Além disso, a integração europeia parece ser muito mais apreciada pelos partidos regionalistas ou das periferias, em países como a Espanha, a Bélgica ou a Grã-Bretanha. Pelo contrário, partidos centrais e institucionalizados tendem a recear os perigos da dissolução nacional associados a uma excessiva regionalização das políticas europeias.

Em geral, a maioria dos partidos de direita são a favor das acções, promovidas pela União, de incremento à competição económica e à livre circulação. Todavia, aqueles com uma orientação neoliberal mais radical receiam mesmo a excessiva intervenção e regulação por parte da UE, posição adoptada tipicamente pelos tories ingleses desde que a Sra. Thatcher liderou o partido. Consequentemente, a família partidária conservadora pressupõe consideráveis subdivisões internas entre conservadores neoliberais e nacionalistas, visto que a oposição nacionalista à integração europeia complementa e entra em conflito com a perspectiva neoliberal.

Por fim, a orientação heterogénea da família liberal face à integração está relacionada com a sua emergência a partir de três clivagens históricas distintas: a clivagem meio urbano/meio rural no caso dos liberais ingleses ou alemães; a clivagem estado/religião, central no liberalismo em Itália, França, Espanha, Holanda e Bélgica; e a clivagem histórica centro/periferia para os liberais escandinavos (incluindo finlandeses), escoceses e galeses. Nesta tipologia, os primeiros tendem a apoiar mais a integração, enquanto os liberais agrários surgem como os mais resistentes ao processo.

As conclusões destas análises sugerem as dificuldades que subjazem a uma interpretação das posições face à integração baseada nas clivagens próprias do nível nacional. A tentativa de compreender as atitudes partidárias perante a UE em função da sua localização no sistema de clivagens nacional demonstra bem a dificuldade que os partidos políticos nacionais encontram em tematizar politicamente a questão da integração, dado que o seu equacionamento, do ponto de vista dos alinhamentos políticos nacionais, está sujeito a diversas leituras (perda do controlo nacional versus recuperação da capacidade política de organizar a economia; opções económicas versus estratégias culturais; ortodoxia neoliberal versus regras e regulações burocráticas; etc.). É precisamente devido ao facto de a integração estar relacionada com a natureza das fronteiras territoriais e com as barreiras funcionais do estado que se torna difícil conceptualizá-la através dos conflitos originados pelo fechamento dessas fronteiras/barreiras.

Poderá avançar-se a hipótese de essa ser a razão pela qual, até agora, os partidos dominantes têm preferido evitar o mais possível esses temas: devido à sua incapacidade de os voltar a associar à dimensão da competição nacional.

Esta incapacidade não traduz uma incompetência subjectiva, mas uma incompatibilidade objectiva entre os temas que dizem respeito à abertura territorial através da expansão/integração e as questões relacionadas com a institucionalização de uma posição num contexto culturalmente homogéneo, económica e administrativamente fechado.

Grupos sociais Na minha opinião, uma situação semelhante à descrita sobre os partidos decorre quando se procura identificar os principais interesses e grupos sociais neste espaço bidimensional, gerado pela intersecção das dimensões esquerda/direita e integração/independência. A atitude face à Europa dos grupos socioeconómicos tradicionais tem sido estudada combinando uma dimensão de classe com uma distinção sectorial. A oposição entre o operariado tradicional e os grupos sociais proprietários é assim enquadrada na dimensão esquerda/direita.3 Na dimensão integração/independência, os grupos sectoriais são definidos em função de um maior ou menor apoio à integração, desde o sector público (o mais céptico), passando pelos produtores nacionais e globais, serviços financeiros, produtores multinacionais europeus (os eurocampeões), até aos sectores agrícolas (os mais apoiantes).

De acordo com estas análises, as classificações bidimensionais resultantes e a localização em classes e grupos sectoriais dão origem a ambiguidades consideráveis. Estas ambiguidades assemelham-se às descritas na secção anterior, acerca dos partidos e das famílias partidárias. O apoio ao processo de integração pode ser entendido como apoio à desregulação, competição e livre circulação, associados a uma intervenção estatal mínima. A favor desta integração podemos encontrar diversos grupos sociais e sectoriais. Se a integração significar regulação crescente do mercado comum e mesmo fechamento potencial desse mercado, esses grupos poderão reagir de forma diferente. Parece claro que o sector público e os produtores nacionais poderão estar preocupados com uma integração que acentue o livre mercado. Produtores globais e serviços financeiros, que competem no mercado global, defendem a livre circulação e a UEM, mas podem ficar apreensivos face aos desenvolvimentos de uma integração positiva ao nível da UE. Os produtores europeus multinacionais competindo no mercado europeu contra importações de terceiros países podem manifestar um maior apoio à integração económica positiva a nível europeu, o que implica políticas proteccionistas e fechamento do mercado.

A definição destes interesses, e a forma como são abordados, depende do tipo específico de integração europeia que será escolhido. Mais especificamente, depende da estratégia de construção e abolição de fronteiras que será adoptada, pela UE, como meio de integração interna e demarcação externa. Alianças infraclassistas poderão manter-se nas questões da agenda comunitária que implicam a esquerda e a direita (i. e., nível de regulação social do mercado, direitos dos trabalhadores, funcionalidade do estado providência, etc.), mas revelam-se altamente instáveis em questões sobre integração ou independência (i. e., nível de integração fiscal, transferências económicas transnacionais, entre outros). Inversamente, alianças infra-sectoriais poderão estabelecer-se nos temas sobre a integração e a independência, mas fracturar-se nos temas relacionados com a oposição esquerda/direita.

Eleitores A nível individual, torna-se mais difícil antever os potenciais conteúdos e impactos do tema da integração. Relativamente aos eleitores, existe um enorme desacordo sobre até que ponto a base individual de apoio e oposição à integração europeia está estruturada ou permanece indistinta. De acordo com alguns académicos, entre os públicos não existem posições como o apoio ou a oposição, mas sobretudo orientações indiferentes, desinformadas, desinteressadas e não competentes, que, por conseguinte, não apresentam quaisquer estruturas sólidas de atitudes perante a UE. Pelo contrário, outros autores salientam que tem vindo a emergir, no seio do público, uma estrutura de atitudes face ao desenvolvimento da UE como combinação das mesmas dimensões de esquerda/direita e integração/desenvolvimento discutidas para os partidos, grupos sociais e organizações (Gabel, 1988; Inglehart, Rabier e Reif, 1991; Gabel e Palmer, 1995; Eichenberg e Dalton, 1993; Eijk e Franklin, 1991; Eijk, Franklin e outros, 1996; Blondel, Sinnott e Svensson, 1998). Uma certa controvérsia permanece entre os defensores desta interpretação, no que diz respeito ao modo como interagem as dimensões esquerda/direita e integração/ independência: será que se intersectam ortogonalmente num espaço bidimensional ou, de alguma forma, se sobrepõem? Em que medida a dimensão esquerda/direita é semelhante à de nível nacional ou se baseia em questões derivadas? (Ray, 1999; Hix, 1999).

Nos últimos vinte anos, de facto, a literatura sobre as clivagens nacionais surgiu com um número imenso de novas dimensões de valores em geral, identificadas automaticamente com o termo nova clivagem, o que supõe que todas têm muito em comum, ainda que se distingam de alguma forma. Deixando de parte a famosa distinção de Inglehart entre materialistas e pós-materialistas, muitos outros estudos têm enfatizado as dimensões culturais que opõem os valores de dever, aceitação, disciplina, obediência, legalidade, ordem e eficiência produtiva, aos valores individualistas da criatividade, espontaneidade, realização pessoal e hedonismo e envolvimento. Estes estudos incluem também as oposições entre solidariedade e prosperidade ou segurança; prosperidade e ecologia; participação e segurança (Inglehart, 1971 e 1984; Klages, 1985; Noelle Neumann, 1985; Vester, Von Oertzen, Geiling, Hermann e Müller, 1993; Flanagan, 1987; Hertz, 1987; Luke, 1989: 139).

Todas estas oposições têm sido vulgarmente analisadas no contexto das fronteiras demarcadas e das estruturas de oportunidades políticas do estado- nação. Com pequenas excepções, estas novas orientações culturais têm revelado dificuldades evidentes em expressarem-se directamente através de políticas, dado que têm sido confinadas ao conjunto pré-existente de alianças político- eleitorais entre grupos sociais e organizações políticas. É verdade que as organizações políticas nacionais têm tentado absorver e incorporar não estas questões, mas também os grupos que as discutem mais activamente, através de uma adaptação original das suas políticas e perfis programáticos.

Que seja do meu conhecimento, existe muito pouco trabalho sistemático sobre as relações entre estas novas orientações de valores identificadas e os determinantes individuais de atitudes acerca da integração territorial a nível europeu. Os estudos de opinião pública realizados na Europa salientam a associação entre apoio individual à integração e consciência política (Inglehart, 1970), recursos em capitais humanos (Gabel e Palmer, 1995) e valores pós-materialistas (Inglehart, Rabier e Reif, 1991).4 Quando se consideram os estudos que relacionam apoio à integração com papéis e posições sociais, mais do que com as orientações culturais, a classe e a profissão influenciam as atitudes de categorias polarizadas; a educação é um preditor mais forte do que a profissão; os homens são mais apoiantes do que as mulheres; o nível de voto favorável aumenta com a idade; eleitores sem filiação religiosa votam mais favoravelmente do que os eleitores com forte filiação católica ou protestante; as pessoas solteiras votam mais favoravelmente do que as casadas, divorciadas ou viúvas; os membros dos sindicatos manifestam uma maior oposição ao processo do que os trabalhadores não sindicalizados; as categorias com maiores rendimentos defendem mais fortemente a integração (Hug e Sciarini, 1995; Evans, 1998).

Com a excepção real e significativa do factor idade, todos os dados mencionados no parágrafo anterior, quer sobre atitudes, quer referentes à estratificação social, são compatíveis com uma interpretação geral que se baseie numa linha de oposição entre a percepção de novas oportunidades e opções de mobilidade versus a percepção dos custos desses factores de mobilidade. As pessoas caracterizadas por possibilidades objectivas de mobilidade e por elementos de forte empatia (como a capacidade de se verem projectadas numa situação existencial diferente) tendem a manifestar-se mais favoráveis à integração. Pessoas com menos possibilidades de mobilidade tendem a opor-se mais claramente ao processo de integração do seu país. Pode assim existir uma relação entre oportunidades concretas de mobilidade a orientação de valores opcionais contra valores enraizados e as orientações individuais face ao processo de integração.

A ambiguidade da dimensão integração/independência A partir da discussão anterior, proponho as seguintes conclusões. Em primeiro lugar, os interesses territoriais e sectoriais em competição põem em causa alianças funcionais que superam as fronteiras locais. Por outras palavras, a não homogeneidade entre lugares de classe e interesses sectoriais e partidários, centrados nas clivagens nacionais, e a sua localização na dimensão ambígua da integração/independência, baseada nas novas oportunidades e custos gerados nesse processo, torna impossível que os partidos tematizem a dimensão da integração ou se diferenciem nesta dimensão. Além disso, e como consequência, os elementos existentes de estruturação da opinião pública são difíceis de identificar, pois: - são baseados num processo de diferenciação de interesses e de identidades no seio das organizações políticas e dos grupos de interesse estabelecidos a nível nacional, o que rompe alianças sociopolíticas históricas; - as atitudes e os discursos sobre a integração são generalizados e transmitidos fundamentalmente através de canais não políticos (grupos de interesses, associações profissionais, média, etc.) e não estão ligados à orientação partidária; - por conseguinte, esta possível estruturação não se pode capturar através dos nossos instrumentos analíticos, dado que os grupos sociais, os critérios de estratificação e os agrupamentos ideológicos habitualmente utilizados na política interna não correspondem aos grupos emergentes em torno da dimensão da integração europeia (IE). Por outras palavras, sendo todos os agrupamentos corporativos e sociopolíticos existentes intersectados e fragmentados pelo novo processo, não são claros quais os outros factores e/ou estigmas sociopolíticos que devem ser analisados como meio de estruturação das atitudes face à IE.

Devemos, no mínimo, considerar a seguinte hipótese: neste momento, as questões políticas acerca da Europa e da União Europeia permanecem por tematizar e, consequentemente, as atitudes das opiniões públicas não se apresentam claramente estruturadas; simultaneamente, porém, uma parte crescente do público toma consciência do modo como os seus interesses são afectados, a um nível imediato, pelas políticas da UE. Por outras palavras, assiste-se hoje, ao nível micro, a uma percepção dos interesses relativamente aos efeitos da UE e, ao mesmo tempo, a um desinteresse e a uma desarticulação da opinião pública face à UE, enquanto sistema político. A partir de que actores (partidos, grupos corporativos, a própria burocracia europeia, etc.) o público recebe pistas e forma a sua opinião acerca das consequências imediatas da IE é uma questão chave, mas que permanece sem resposta.

Este cenário reflecte um problema estrutural, que tem levado a maioria dos partidos, senão todos, até ao momento, a convergir em torno de uma posição muito indiferenciada relativamente às questões da integração, provocando uma situação em que as reacções do público são mais diferenciadas que as posições partidárias. A convergência dos partidos deve-se a: - estarem, em termos ideológicos, internamente divididos sobre que visão e perspectiva da integração consideram dominante ou provável; - estarem divididos por eurofamílias, consoante a constelação de clivagens nacionais crucial para a sua própria situação nacional; - não conseguirem diferenciar a sua posição relativamente às questões da integração, dado que não conseguem vislumbrar a que tipos de interesses sociais e sectoriais se podem associar de modo a apoiarem ou a oporem-se a uma qualquer opção alternativa de integração.

Em suma, as questões da integração não se podem articular com a estrutura de clivagens do estado-nação, dado que redefinem os interesses e identidades básicos a partir dos quais essas clivagens foram construídas. Os partidos encontram enormes dificuldades em articular a dimensão da integração com as estruturas de competição baseadas a nível nacional. Reduzem os custos internos do impacto da integração europeia, mas deixam também abrir-se um largo espaço político para novos partidos e agentes políticos.

Sintetizando, é pouco provável que os alinhamentos e as famílias esquerda/ direita que formam o actual Parlamento Europeu representem o alinhamento político acerca da integração europeia, caso este venha a ser politizado.

Como forma de articular estes resultados e de mapear as orientações existentes sobre a integração europeia, ao nível das elites partidárias, das organizações colectivas e dos cidadãos isolados, proponho o esquema expresso na figura_1.

Esta figura incorpora três ideias básicas.

A primeira é a de que a dimensão integração/independência, originalmente uma clivagem territorial entre estados, está a tornar-se ambígua, com o alargamento, aprofundamento e aceleração da integração desde meados dos anos 80. Ou seja, quando as opções de integração e de independência se bifurcaram.

Maior integração pode significar, para alguns, mais abertura, competição de mercado, etc., mas pode também significar maior controlo, a nível europeu, sobre as opções de circulação do capital global. Maior independência pode corresponder a um maior proteccionismo e a uma menor competição internacional, mas pode também significar uma libertação do crescente controlo burocrático de Bruxelas e do seu poder regulatório sobre os mercados nacionais.

A segunda ideia é a de que esta bifurcação de atitudes perante a integração pode ser analisada por uma dimensão, que designei como controlo de saída (exit control) contra opções de saída (exit options), e que se refere à diferenciação de interesses e atitudes dos partidos, grupos e indivíduos face às novas oportunidades e aos novos custos associados ao atenuamento das fronteiras culturais, económicas e administrativas na Europa. Esta nova dimensão atitudinal não é, do meu ponto de vista, uma orientação puramente cultural. Está enraizada na estrutura de oportunidades materiais que o processo de integração territorial proporciona aos diversos actores (visto que as orientações se tornam significativas quando são, não apenas distribuídas ao acaso, mas incorporadas num sistema de oportunidades sociopolítico).

Consequentemente, expressa-se através da diferenciação dos grupos sociais e dos interesses individuais dos actores. Ao mesmo tempo, a dimensão opções/controlo de saída (exit option/control) é culturalmente reforçada por uma Weltanschaung legitimadora, que combina um conjunto de valores e crenças que incluem a questão da integração, mas que são mais abrangentes, incorporando visões normativas do indivíduo, da sociedade ideal, das origens naturais das identidades e por adiante.

A terceira ideia diz respeito à fraca coincidência destas orientações integração/independência e opções/controlo de saída nas frentes económica e cultural. Os integracionistas neoliberais não são todos integracionistas culturais. Pelo contrário, muitos deles podem ser nacionalistas culturais (como é o caso de muitos dos partidos da nova direita). Neste sentido, nem todos os globalistas económicos estão preparados para estender a sua visão globalista aos acordos culturais e (à imagem de Thatcher) podem ser nacionalistas culturais convictos, defendendo os mercados globais e as culturas nacionais.

Podia-se estender a lista de inconsistências, porém a questão essencial é que as orientações económica e cultural, no âmbito do processo de integração, podem divergir profundamente. A consequência é que os aliados na frente económica não se mantêm necessariamente unidos na frente cultural.

A conclusão que se pode retirar é que, neste cenário, a dimensão esquerda/ direita, dado que deriva das experiências nacionais, parece pouco apta a tornar-se dominante. A dimensão que opõe as opções de saída ao controlo de saída está apenas parcialmente correlacionada com a oposição esquerda/direita.

Existem partidos de direita que defendem a maximização das opções de saída económicas, bem como partidos de direita que se opõem a esse processo. O mesmo acontece à esquerda. Ao mesmo tempo, as distinções entre opções/controlo de saída culturais e económicos distorcem os tradicionais alinhamentos esquerda/ direita. Para mais, o mesmo partido de extrema-direita, por exemplo pode apoiar as opções de saída e a liberalização dos mercados e, ao mesmo tempo, defender acerrimamente as culturas nacionais (veja-se Haider), enquanto certos partidos de esquerda defendem uma maior abertura cultural (como nas questões da emigração e do multiculturalismo) mas advogam uma maior contenção das opções de saída no mercado europeu (senão mesmo a nível nacional).

Como podem as clivagens nacionais e os sistemas de partidos ser europeizados? Será a politização destes conflitos e oposições latentes concebível e proveitosa nos dias que correm e, nesse caso, como poderá interagir com a estrutura de clivagens nacional? Até agora, são conhecidos casos em que o poder das clivagens nacionais fracturou partidos anti europeus (veja-se o movimento anti europeu dinamarquês), bem como casos em que a dimensão da integração dividiu partidos de esquerda e de direita (os vários casos franceses; os conservadores britânicos?). Parece claro que os sentimentos e os movimentos anti europeus, até ao momento, tendem a revelar-se, quer de esquerda quer de direita.

A questão crucial prende-se com a hipótese de os conflitos, oposições e alianças gerados pelo processo de integração europeia que eu designei, ao longo deste artigo, por dimensão da integração se virem a expressar através de organizações políticas específicas ou, pelo contrário, se poderem desenvolver em combinação com outras dimensões ou clivagens, no interior de organizações políticas existentes ou em novas organizações políticas que não adoptem a questão da integração como referência exclusiva ou até principal. Em suma, isto reporta-se ao modo como a dimensão da integração europeia se irá relacionar com os sistemas nacionais de alianças e alinhamentos entre grupos políticos, grupos de interesses e agregados de eleitores. Em vários sentidos, a história da interacção e da imposição de novas linhas de clivagem, face às antigas, na formação do sistema de partidos nacional pode constituir um ponto de referência útil. Isto produzirá consideráveis variações entre países, consoante a estrutura de clivagens históricas pré-existente e o modo como as elites e os agentes políticos irão gerir estas questões.

É provavelmente demasiado simplista procurar sinais da interacção entre a dimensão integração/independência e a dimensão esquerda/direita, ao nível dos eleitorados nacionais, no surgimento de partidos anti-integração e nos seus resultados eleitorais. Em minha opinião, é mais plausível que, se uma dada dimensão cresce em importância, a sua interacção com outras dimensões aumentará, integrando-se com elas numa atitude geral ou numa disposição, nas quais a dimensão integração/independência pode constituir o elemento dominante e mais visível, dado que é provável que se manifeste em conflitos políticos e institucionais bem definidos.

De forma a concluir esta parte altamente especulativa, permitam-me que adiante quatro cenários/hipóteses gerais em que esta interacção pode emergir. Irei denominá-los do seguinte modo: - hipótese da europeização das clivagens do estado-nação; - hipótese da internalização da clivagem integração europeia; - hipótese da europeização da clivagem integração europeia; - hipótese da exteriorização da clivagem integração europeia.

Europeização das clivagens do estado-nação Reprodução, ao nível da UE, do sistema de clivagens nacional. Ao nível da UE (europartidos eleitorais e alinhamentos parlamentares), reproduzir-se-á uma síntese das clivagens dominantes nos estados-nações. De forma a evitar a excessiva e insustentável (em termos operacionais) fragmentação provocada por uma simples transferência dos sistemas de clivagens nacionais para o processo parlamentar-eleitoral-partidário europeu, os partidos nacionais serão forçados a reagrupar-se em europartidos que, por sua vez, serão obrigados a alinhar-se num eixo esquerda/direita como denominador comum. Os poderes crescentes do Parlamento Europeu, a sua forte ligação à Comissão Europeia e a lógica de atracção dos grupos partidários irão progressivamente estabilizar os alinhamentos, incorporando partidos dos novos países membros nos grupos existentes, após um período de socialização por tentativa e erro dos recém- chegados. Na melhor das hipóteses, os grupos e partidos anti europeus ou eurocépticos permanecerão marginais, abandonados na periferia das maiorias consensuais geradas no interior dos grupos principais do Parlamento Europeu. As clivagens territoriais/culturais que persistirão como elementos de divisão interna dentro de cada família partidária europeia podem atrasar este processo e, de facto, tornam-no permanentemente precário. Os optimistas negam, contudo, que isso possa levar ao seu desmoronamento. Esta hipótese assume e implica o lento desenvolvimento de um sistema europeu, ou seja, de certos elementos de lealdade e identidade que permitam que um processo legítimo de participação política, tomada de decisões e partilha social ocorra a nível europeu.

Internalização da clivagem integração europeia A produção de oposições e conflitos específicos relativamente à integração europeia ocorrerá no interior do sistema de clivagens nacional e manter-se-á ao nível nacional. Os partidos nacionais procurarão integrar os conflitos e as questões sobre a integração nas suas estratégias eleitorais e nas principais dimensões de competição. Dado que a coesão histórica dos partidos deriva de conflitos que não estão relacionados com as questões da integração supranacional, os seus apoiantes, membros e líderes podem ter diferentes preferências acerca das questões europeias, que podem ser tão fortes que coloquem em risco a unidade interna dos partidos e originem a emergência de partidos dissidentes antieuropeus ou novos pequenos partidos, cuja campanha verse as políticas/questões europeias (contra a tendência de outros partidos para desvalorizarem estas questões). Esta situação pode gerar contactos e cooperações que ultrapassem as comunidades nacionais, sobretudo entre partidos preocupados com a dimensão da integração, mas a consolidação de clivagens que superem as fronteiras nacionais não deixará de ser improvável. Os parlamentos, as eleições e/ou os partidos europeus serão apenas oportunidades extra e/ou adaptadas para tomar parte em oposições essencialmente nacionais. Os espaços e processos parlamentares-eleitorais europeus manter-se-ão estruturas de segunda ordem, denotando pouca integração e fraca coordenação.

A europeização da clivagem integração europeia A produção de oposições e conflitos específicos, relacionados com a integração europeia, surgirá apenas ao nível do parlamento, dos partidos e das eleições europeias, dissipando-se largamente a nível nacional. Os partidos conseguirão manter a competição nacional afastada das questões sobre a integração, cujo papel apenas será importante nas arenas e eleições europeias. Isto irá gerar um sistema de partidos fracturado ou em dois níveis, com uma divisão do trabalho relativamente demarcada entre os dois níveis e, por conseguinte, com a possibilidade de diferentes alinhamentos políticos em cada um deles. Nas eleições europeias, partidos europeus específicos (que não concorrem nas eleições nacionais) procurarão representar a dimensão da integração.5 Os eleitores, ao participarem nas eleições nacionais e europeias, vão encará-las como assuntos diferentes, mas igualmente importantes. Neste caso, os partidos nacionais atrairiam públicos diferentes nas eleições nacionais e nas europeias (quando as divisões esquerda/direita se combinam com a pró/contra a Europa).

Isto podia também significar que os padrões de votação nas eleições nacionais se desviariam consideravelmente dos padrões de votação nas eleições europeias.

A solução de um sistema de clivagens e de partidos fracturado implica, todavia, uma divisão de competências mais demarcada entre os níveis, uma definição institucional e uma ressalva constitucional (até agora inexistente) do princípio da subsidiariedade. Em suma, obrigaria a uma importante redefinição do modelo institucional da União Europeia em direcção ao federalismo. Vale a pena sublinhar (veja-se Mair, 2000b) o paradoxo da actual divisão do trabalho entre os espaços parlamentares, políticos e eleitorais, nacionais e europeus. O Parlamento Europeu lida hoje com legislação específica e pormenorizada, mas não possui competências em matérias federais, enquanto os parlamentos nacionais têm escassas hipóteses de supervisionar a legislação e regulação detalhada, produzida pela UE, que será aplicada nos seus territórios, mas mantêm, nos tratados e através dos seus executivos, as competências nas grandes questões federais da União. O paradoxo é que os cidadãos europeus votam nas eleições europeias para eleger um parlamento que apenas aprova legislação pormenorizada, enquanto votam a nível nacional para parlamentos e governos que supostamente tomarão as decisões substantivas e fundamentais relativamente à União. Um sistema partidário fracturado em dois níveis exigirá que esta situação se inverta. Note-se, de passagem, que esta situação demonstra em que medida a definição actual dos tratados é inadequada como constituição da UE (caso se queira tomar a sério o termo constituição).

A exteriorização da clivagem integração europeia Esta hipótese presume a emergência, no interior do sistema de partidos nacional, de uma nova dimensão, estável e relevante, que opere reformas, rompendo com a coesão interna dos partidos e com as estratégias de coligação.

Simultaneamente, estes novos conflitos serão exteriorizados para o processo parlamentar, partidário e eleitoral, acompanhando a construção de novos partidos ou grupos de partidos europeus que não se ajustem aos alinhamentos partidários tradicionais de cariz nacional.6 Neste contexto, serão politizados novos alinhamentos políticos no interior dos parlamentos nacionais e europeus, organizados em linhas opostas, representando alternativas relativamente à integração europeia e às políticas consequentes (questões constitucionais e de competências, oposição ou apoio ao alargamento, etc.). Esta nova linha de oposição irá interagir com uma (por agora) fraca linha de clivagem, resultante de uma mistura de classe e religião. A concomitante politização do processo de integração, quer a nível nacional quer a nível europeu, provocará uma exteriorização das clivagens nacionais para as arenas europeias e uma interiorização a nível nacional dos conflitos sobre a integração, contribuindo para uma forte politização das oposições territoriais (entre estados). As organizações partidárias e as elites nacionais poderão sentir grandes dificuldades em manter o controlo da agenda política, sendo obrigadas a lidar com divisões no seio dos seus eleitorados nacionais e podendo inclusivamente perder o controlo sobre a dimensão do seu eleitorado.

A Europa entraria realmente na era da política de massa numa situação em que, contudo, nem as suas fronteiras externas militares, nem a separação por níveis das suas competências, nem as áreas de identidade e solidariedade das suas fronteiras culturais, estão bem definidas. A política de massas emergente irá, consequentemente, politizar estas fronteiras, que carecem ainda de definição e consolidação. Neste caso, na terminologia da literatura dos anos 60 sobre o desenvolvimento político, a Europa acumularia a crise de participação e de redistribuição com a crise de formação do sistema (consolidação territorial e formação da identidade). Nestas condições, as consequências da politização e democratização podem ser fatais para as perspectivas de integração territorial.

[tradução de Pedro Abrantes; revisão científica de André Freire]

Notas 1 Este artigo baseia-se numa aula dada, em Janeiro de 2001, no Mestrado de Ciência Política: Cidadãos e Democracia na Europa, do Departamento de Sociologia do ISCTE (Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa), em Lisboa.

2 A variação das atitudes dos partidos nacionais face à UE pode-se explicar a partir de princípios diferentes daqueles que orientam as clivagens nacionais, que presidiram à sua génese. Uma primeira hipótese será a utilização de um modelo geopolítico que conceba o apoio/oposição como resultado da distância territorial entre o antigo (no interior do estado-nação) e o novo (europeu) processo de formação do centro (com variáveis tais como a duração e a conflitualidade da unificação nacional, a dimensão dos conflitos centro/ periferia, o nível de uniformização/distinção cultural histórica, a posição no cenário internacional, a centralização dos recursos, o poder das tradições herdadas das instituições representativas, etc.). Uma segunda potencial linha de explicação baseia-se na posição institucional dos partidos, de acordo com a qual as atitudes destes são consideradas em função da sua posição de governo ou oposição, quer a nível nacional quer a nível europeu. Esta variável papel institucional sugere que aqueles partidos que não obstante estarem no governo ou na oposição a nível nacional pertençam a uma coligação a nível da UE tendem a revelar-se mais pró-europeus. Neste artigo, a discussão limita-se a discutir o papel das estruturas de clivagens nacionais.

3 Veja-se Hix (1999: 7). Este autor considera a dimensão esquerda/direita enquanto síntese de duas dimensões de valores. A primeira tem origem na revolução democrática e refere-se ao alcance desejável da intervenção nas relações políticas e sociais particulares pelo bem colectivo (i.e. a dimensão autoridade/liberdade). A segunda surge como resultado da revolução industrial e reporta-se ao alcance desejável da intervenção nas relações económicas particulares pelo bem colectivo.

4 Outras hipóteses sugerem, contudo, que os eleitores, geralmente, adoptam perante a integração a mesma posição que os partidos que apoiam (Franklin, March e McLaren, 1994), ou defendem a integração como resultado da sua falta de confiança no governo nacional (Eichenberg e Dalton, 1993). Para uma síntese sobre estes temas, veja-se também Gabel (1988).

5 Registam-se, de facto, alguns indícios, a nível europeu, deste possível cenário. Na Dinamarca, um partido anti-UE participou em todas as eleições europeias, obtendo um sucesso considerável e sem se apresentar às eleições nacionais (recolheu apoios na questão europeia que não quis colocar à prova no contexto nacional, dado que são certamente provenientes do eleitorado de vários outros partidos). Em 1994, em França, várias listas eurocépticas permitiram que os eleitores tivessem a oportunidade de expressar a sua oposição à UE sem necessariamente votar nos comunistas ou na Frente Nacional. Apenas uma dessas listas (Majorité pour l'autre Europe) ultrapassou a fasquia, conseguindo 12,3% dos votos e 13 assentos parlamentares, mas em conjunto as listas anti- Maastricht obtiveram quase 40% dos votos. Se estes casos se multiplicassem noutros países europeus, assistiríamos ao primeiro passo no sentido de uma dimensão de clivagem europeia (sobre estes exemplos, veja-se Garry, 1995; Guoyomarch, 1995; Christensen, 1996). A literatura sobre os desenvolvimentos específicos dos partidos nacionais relacionados com o impacto da europeízação está a crescer rapidamente. Isto pode ser, por si próprio, um sinal da crescente preocupação nacional (veja-se, por exemplo, Aylott, 1997; Jahn e Storsved, 1995; os artigos em Gaffney, 1996; Haahr, 1992; Ladrech, 1993; Raunio, 1999).

6 Andeweg (1995) supõe que alguns grupos internacionais formados no interior do Parlamento Europeu, entre deputados de diferentes partidos e grupos parlamentares, em torno de preocupações comuns como o Kangaroo Group, composto por deputados que defendem a completa abolição das barreiras comerciais internas; ou o Crocodile Group, agora oficialmente designado por Inter-group for European Union, e que defende um modelo federalista para a Europa podem ser considerados como elementos embrionários da formação de linhas de oposição europeias.


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