A perspectiva de género nas relações laborais portuguesas
Introdução
A agenda política internacional e nacional sobre a igualdade entre homens e
mulheres
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tem vindo progressivamente a deslocar-se da igualdade de direitos (de jure)
para a igualdade real (de facto), através da aplicação do princípio de gender
mainstreaming, em português "perspectiva integrada de género". O conceito, cujo
significado acentua a construção social do género (masculino ou feminino) e as
relações entre os sexos
2
(Conseil de l'Europe, 2004), emergiu no decurso da Terceira Conferência
Mundial das Nações Unidas sobre as Mulheres, em Nairobi (1985).
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O Conselho da Europa define-a como "a (re)organização, melhoria,
desenvolvimento e avaliação dos processos de tomada de decisão, por forma a que
a perspectiva da igualdade entre homens e mulheres seja incorporada em todas as
políticas, a todos os níveis e em todas as fases, pelos actores normalmente
intervenientes no processo político" (Council of Europe, 1998). Dez anos depois
da sua emergência, a perspectiva integrada é subscrita pela Plataforma de Acção
da Quarta Conferência Mundial das Nações Unidas sobre as Mulheres (Pequim,
1995) e, no ano seguinte, adoptada pela União Europeia e respectivos estados-
membros como uma estratégia complementar das políticas "tradicionais"(acções
positivas) para promover a igualdade de oportunidades e não discriminação
baseada no sexo (European Commission, 1996).
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Desde então, o tema da igualdade de género assumiu um lugar crescente no debate
político sobre o desenvolvimento futuro da sociedade. É disso reveladora a
consagração nos textos constitucionais do princípio da paridade política e o
elevado número de relatórios institucionais internacionais dedicados ao tema,
nomeadamente por parte da União Europeia (UE), do Conselho da Europa, das
Nações Unidas e da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Por exemplo,
entre os objectivos do conceito detrabalho digno,
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lançado pelo director-geral da última organização internacional referida, Juan
Somavia, na 87.ª sessão da Conferência Internacional do Trabalho, encontra-se a
necessidade de assegurar a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres
(ILO, 1999). As declarações relativas aos direitos e princípios fundamentais do
trabalho da 91.ª sessão e da 96.ª sessão, desse importante organismo
internacional, foram acompanhadas de dois relatórios dedicados às questões da
igualdade e não discriminação, onde é dado um grande destaque à igualdade do
género (ILO, 2003 e 2007).
Os dados estatísticos dão conta de evoluções positivas das taxas de emprego das
mulheres, dos seus níveis de instrução e formação e da sua maior participação
na vida política e nos processos decisórios. Contudo, 12 anos depois da adopção
do gender mainstreaming a situação de desigualdade entre os sexos masculino e
feminino não está diluída e as condições de trabalho e de vida das mulheres
estão longe de conhecerem uma metamorfose profunda e generalizada (Silva, 1983;
Rêgo, 1999; Casaca, 2005; CITE, 2003 e 2005; Meron e Wierink, 2006; Parent-
Thirion e outros, 2007; Burchell e outros, 2007; European Commission, 2008a e
2008b); Giaccone, 2008). De acordo com o quinto relatório anual sobre igualdade
entre homens e mulheres da Comissão Europeia, no espaço comunitário as
disparidades salariais mantêm-se estáveis a 15% desde 2003, tendo baixado
apenas um ponto desde 2000; a segregação sectorial e profissional por sexo não
diminui, tendo mesmo vindo a aumentar em certos países; a presença de mulheres
dirigentes nas empresas estagnou nos 33%; mais de três quartos das mulheres
trabalha a tempo parcial (76,5%); as mulheres são mais afectadas pelo
desemprego de longa duração e estão um ponto percentual acima relativamente aos
homens no que se refere ao trabalho temporário (15,1%) (European Commission,
2008a).
No caso português, os dados do Eurostat, referentes ao ano de 2007, revelam que
a percentagem de mulheres que trabalha a tempo parcial (16,9%) mais do que
duplica a dos homens (8%), a taxa de desemprego feminina supera a masculina em
três pontos percentuais (respectivamente, 6,6% e 9,6%), e o desemprego de longa
duração, isto é, igual ou superior a 12 meses, ultrapassa o dos homens em 1,3
pontos percentuais. As mulheres portuguesas ganham, em média, menos 23% do que
os homens (Dornelas, 2006: 164) e, caso seja considerado apenas o sector
privado, essa diferença salarial média aumenta para 30%, atingindo 47% na
classe etária dos 55 aos 64 anos (Comissão do Livro Branco das Relações
Laborais, 2007). As assimetrias estendem-se ao nível dos padrões de ocupação do
tempo livre não remunerado, com as mulheres a dedicarem mais tempo do que os
homens a tarefas domésticas e à prestação de cuidados a crianças e outros
dependentes, seja no contexto da família ou na comunidade (Perista e Lopes,
1999; Perista, 1999 e 2002; Crompton, 1999).
Elementos de interpretação teórica
Ainda há quem explique as assimetrias atrás descritas recorrendo à
especialização funcional diferenciada baseada nas diferenças biológicas,
subjacente aos pressupostos da sociologia clássica, ou aos mecanismos do
mercado e do capital humano que inspiram as teorias económicas neoclássicas. O
entendimento é de que a maternidade orienta naturalmente as mulheres para a
família e os afazeres domésticos, o que permite libertar o homem para poder
investir na esfera profissional. Na abordagem parsoniana tal corresponde à
diferenciação de papéis (expressivo o da mulher e instrumental o do homem) que
se estabeleceu no seio da família nuclear que emergiu com a sociedade
industrial (Parsons, 1971). Na abordagem económica neoclássica essa
diferenciação de papéis no seio da família obedece a critérios de racionalidade
económica (Becker, 1993). A ideia subjacente é de que, cabendo às mulheres o
desempenho das tarefas domésticas e o apoio à família, estas estão pouco
motivadas para investir na sua formação e qualificação, o que faz com que não
se apresentem no mercado dotadas das competências necessárias à ocupação de
postos de trabalho exigentes. Esta é a razão pela qual são contratadas pelos
empregadores por um salário inferior ao do homem e se concentram em actividades
e profissões pouco qualificadas, mal pagas e socialmente pouco valorizadas.
Mesmo admitindo que tal possa acontecer em alguns casos, o argumento invocado
não explica porque a maioria das mulheres que investe fortemente na sua
qualificação profissional e sem responsabilidades familiares se concentram, tal
como as demais, em empregos mal remunerados e socialmente pouco valorizados
(Guerreiro, 1998; Blackburn e outros, 2002; Casaca, 2005; Ramalho, 2005).
Também não explica quais as razões que levam as mulheres e não os homens a
apoiar o agregado doméstico, ou seja, os factores que levam ao círculo vicioso:
maior investimento das mulheres na família e, hipoteticamente, menor
investimento na esfera produtiva, com ocupação de empregos menos valorizados
socialmente e menos bem remunerados (Silva, 1983).
Explicações mais convincentes chamam a atenção para as relações de poder no
seio da família, no mercado de trabalho ou no funcionamento e na dinâmica das
organizações (Guerreiro, 1998; Ferreira, 2004; Casaca, 2005; Guerreiro e
Pereira, 2006) e para as representações incrustadas nas profissões consideradas
masculinas (socialmente mais valorizadas, melhor remuneradas actividades
técnicas) e nas profissões consideradas femininas (socialmente menos
valorizadas, remunerações mais baixas actividades relacionais) (Amâncio, 1989
e 1992; Kergoat, 2000 e 2005; Casaca, 2005).
6
No seguimento de Silva (1983) direi que, uma vez que no quadro legislativo não
há lugar para a discriminação, admitindo este, pelo contrário, situações de
discriminação positiva com vista à promoção da igualdade, hão-de ser "os
factores históricos, alimentados por estruturas de poder, que concorrem para
reproduzir a desigualdade que vem do passado" (Silva, 1983: 21). Ora, muitos
desses factores, de que são exemplo a segregação profissional das mulheres e a
sua subvalorização em termos de qualificação e de remuneração, bem como a
discriminação das oportunidades no acesso a processos de formação profissional
e de progressão na carreira, têm muitas vezes raízes nas relações laborais
7
e nas convenções colectivas negociadas pelos actores sociais.
8
(Dickens, 2000). Em 2005, de acordo com os dados do Quadro de Pessoal, estavam
abrangidos por instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho cerca de 2
milhões e 500 mil trabalhadores por conta de outrem, dos quais 85,3% por
convenções colectivas negociadas por associações sindicais e associações
patronais e/ou empresas. O que quer dizer que a negociação colectiva constitui
um dispositivo de primordial importância para a integração da igualdade no
emprego (Bleijenbergh, Bruijn e Dickens, 1999; Ardura e Silvera, 2001; Dickens,
2000; Bercusson e Weiler, 2000), implicando isso a alteração dos enviesamentos
masculinos que subjazem à hierarquização profissional e às próprias identidades
profissionais (Cockburn e Ormrod, 1993; Lopes e Perista, 1999; Casaca, 2005;
Ramalho, 2005; Cerdeira, 2004; Ferreira, 2002 e 2004).
A indispensabilidade do desenvolvimento do potencial da negociação colectiva
como mecanismo para fomentar a igualdade entre os sexos é sublinhada em vários
documentos comunitários e nacionais, nomeadamente na Estratégia Europeia do
Emprego (2003-2006, directriz 6) e no documento que a adaptou ao contexto
nacional, o Plano Nacional de Emprego. Explicitamente, o último refere que é
necessário desenvolver uma abordagem multifacetada que contemple os factores
subjacentes aos diferenciais existentes entre os sexos, nomeadamente a
segregação sectorial e profissional, a educação e formação, a classificação de
empregos e os sistemas de remuneração, a sensibilização e a transparência (PNE,
2003: 57), para além do incentivo à partilha de responsabilidades familiares e
profissionais. De igual modo, a perspectiva de gender mainstreaming implica na
promoção da igualdade, para além das entidades públicas, os actores sociais
(empresas, organizações sindicais e organizações de empregadores) aos variados
níveis sociais (nacional, sectorial, regional, de empresa, etc.).
Os estudos nacionais (Nunes, 1997; e Lince, 1997) que integraram o projecto de
investigação "Igualdade de oportunidades e negociações colectivas na Europa",
promovido pela Fundação Europeia para a melhoria das Condições de Vida e de
Trabalho (Bercusson e Dickens, 1996; Bercusson e Weiler, 2000; Dickens, 2000),
concluíram que os textos das convenções colectivas analisados na época
9
raramente manifestavam preocupações com a promoção da igualdade; de uma forma
geral apresentavam um cariz conservador em matéria de igualdade e não era raro
conterem disposições discriminatórias das mulheres (Nunes, 1997; e Lince,
1997).
Como já foi sublinhado atrás, desde há precisamente uma década ocorreram
evoluções muito significativas no domínio político, legislativo
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e da sensibilização dos actores sociais para as questões da igualdade de
género. Inclusivamente houve iniciativas conducentes a um contrato social de
género (Guerreiro e Pereira, 2006), que envolveram os actores directamente
implicados na negociação colectiva, ou seja, empresas e organizações sindicais
e patronais, de que são exemplo a criação pela CITE, no âmbito da iniciativa
comunitária Equal, do prémio Igualdade é Qualidade
11
e os projectos Luna e Diálogo Social e Igualdade nas Empresas.
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Neste texto procurarei pôr em evidência até que ponto a nova agenda política
sobre a igualdade de género se reflecte nos acordos formais tripartidos
13
e bipartidos
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negociados pelos parceiros sociais nos últimos anos, na Comissão Permanente de
Concertação Social (CPCS) e nos níveis sectoriais, grupo de empresas e empresa
para regular as condições de trabalho dos assalariados.
A igualdade de género nos acordos de concertação social
Um dos traços mais importantes do sistema de relações laborais português, saído
do período corporativo e das vicissitudes sociais e políticas que marcaram a
passagem para o regime democrático, diz respeito à grande centralidade do
estado na regulação do sistema. Esta centralidade veio a suavizar-se com a
criação do Conselho Permanente de Concertação Social em 1984, órgão com
representação paritária tripartida, destinado ao diálogo e à concertação das
políticas económicas e sociais,
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uma vez que as organizações sindicais e patronais passaram a estar implicadas
nas decisões da política social em geral e do emprego em particular.
Demarcando-se da negociação colectiva desenvolvida aos níveis sectoriais e de
empresa, a concertação social ganhou um grande dinamismo a partir do final dos
anos 80 e uma grande importância nas relações laborais portuguesas, devido quer
à frequência dos acordos concluídos quer à diversidade e riqueza de conteúdos
contidos nesses acordos (Dornelas,2006; Freire, 2000; Lima, 1999; Cerdeira,
2004; Ferreira, 2006).
A natureza dos acordos até agora negociados não é idêntica e, por essa razão, é
relativamente consensual diferenciar três fases na concertação social
portuguesa. A primeira fase foi marcada pela produção de acordos sobre a
política de rendimentos e preços, com vista a combater a inflação, pela via da
moderação salarial. A segunda fase, que se inicia com a negociação do Acordo
Económico e Social de 1991, é caracterizada pela negociação de acordos mais
globais, estruturantes e de conexão entre a política de rendimentos, a política
fiscal, a política económica, a política laboral e de segurança social, com
outras matérias do mais relevante interesse para uma estratégia de combate a
insuficiências da economia nacional e de promoção do emprego e do poder de
compra (Lima, 1999; Dornelas, 2006).
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A terceira fase, na qual nos encontramos, teve início em 2005. Esta
caracteriza-se por serem negociados acordos não apenas tripartidos
(confederações patronais, confederações sindicais e governo) mas também acordos
bilaterais (confederações patronais e confederações sindicais). Até ao momento
em que escrevo o artigo foram negociados dois acordos: o Acordo Bilateral
visando a Dinamização da Contratação Colectiva, assinado em Janeiro de 2005, e
o Acordo Bilateral sobre Formação Profissional, assinado em Fevereiro de 2006.
Analisando agora o conteúdo dos acordos negociados em relação com a preocupação
deste artigo, constata-se que dois deles debruçam-se especificamente sobre a
questão da promoção da igualdade de género. São eles o Acordo de Concertação
Estratégica para 1996-99 e o Acordo de Concertação sobre Política de Emprego,
Mercado de Trabalho, Educação e Formação, de 2001. O primeiro acordo é o que
desenvolve mais o tema, numa articulação de medidas que responsabiliza as
instituições públicas, mas também os próprios parceiros sociais.
Assim, é sublinhada a necessidade de levar em conta, nas políticas em matéria
de emprego, formação e condições sociais e de trabalho, as modificações nos
papéis atribuídos tradicionalmente às mulheres e aos homens, na família e no
emprego, bem como a necessidade de promover o salário igual para trabalho
igual, aspecto considerado central nas políticas sobre a igualdade. Na
interligação da política de promoção da igualdade de oportunidades com os
problemas da maternidade/paternidade, os parceiros sociais acordaram na
necessidade da transposição de legislação comunitária sobre licença parental
para assistência familiar, na revisão da legislação sobre o trabalho nocturno
das mulheres em conformidade com a regulamentação comunitária, na revisão do
regime jurídico da CITE Comissão de Igualdade no Trabalho e no Emprego, e na
análise da situação, incluindo em termos de custos, de modo a promover a
igualdade de oportunidades no acesso ao emprego. No plano da reorganização do
funcionamento do mercado de emprego com novas políticas de emprego e formação,
os parceiros sociais acordaram promover, em 1997, medidas de incentivo à
inserção das mulheres, em particular das jovens e das desempregadas de longa
duração, através nomeadamente de majorações financeiras no apoio à contratação
e à criação de empresas. Além disso, os parceiros sociais subscritores do
acordo (este não foi subscrito pela CGTP-IN) assumiram, ainda, o compromisso de
se empenharem na negociação da igualdade nos níveis inferiores, ou seja, no
sectorial e de empresa. Este compromisso relativo ao desenvolvimento da
negociação colectiva incluía ainda a organização do trabalho, no sentido de
articular reduções do horário de trabalho com a adaptabilidade, em função de
preocupações de competitividade e de salvaguarda da vida pessoal e familiar da
(o)s trabalhadora(e)s. Em 1998, na fase de preparação da participação de
Portugal na EEE, através da elaboração do Plano Nacional de Emprego (PNE), os
parceiros sociais reafirmam este mesmo compromisso numa declaração conjunta
onde, para além disso, se declaram disponíveis e interessados em acompanhar e
participar no PNE, o que deu lugar à criação de um grupo técnico que funciona
junto da CPCS. Este grupo compreende, para além de representantes dos
trabalhadores e dos empregadores, a coordenação nacional do PNE.
No âmbito do segundo acordo, os parceiros sociais comprometeram-se mais uma vez
a combater a discriminação no trabalho e nas remunerações baseadas no género, e
a apoiar a inserção das mulheres na vida activa, em particular das jovens e das
desempregadas de longa duração.
Naturalmente, as mulheres beneficiam dos compromissos encontrados pelos actores
sociais sobre as diferentes matérias para a generalidade dos trabalhadores nos
outros acordos. Pela sua importância merece referência o carácter obrigatório
relativo à redução progressiva do período normal de trabalho para um máximo de
40 horas semanais, estabelecido no Acordo de Concertação Social de Curto Prazo
de 1996. Na verdade, a redução e a adaptabilidade do tempo de trabalho haviam
já sido negociadas no Acordo Económico e Social de 1991. Todavia, o acordo
estabelecia uma redução faseada do período normal de trabalho, até ao limite
máximo de 40 horas semanais, e a adaptabilidade dos horários de trabalho, mas
remetendo o seu desenvolvimento para a negociação colectiva a níveis inferiores
(sectorial e/ou de empresa). Foi pela constatação de que pouco se havia
progredido nesta matéria que o tema voltou a ser retomado pelo Acordo de
Concertação Social de Curto Prazo de 1996. Este acordo, relativamente ao de
1991, trouxe uma solução nova para concretizar os objectivos acordados sobre
esta questão. Essa solução consistiu em a remeter para a lei (lei 21/96, de 23/
07), apresentando, para esse efeito, uma proposta detalhada referente aos
conteúdos e etapas a figurar na legislação. A aplicação dessa lei veio a
beneficiar perto de um milhão de trabalhadores, na sua maioria pertencentes a
sectores com forte presença de emprego feminino: têxtil, vestuário e calçado,
electrónica, hotelaria/restauração e comércio por grosso e a retalho. Alguns
destes sectores tinham práticas de tempo de trabalho acima de 44 horas
semanais.
O papel da lei e da negociação colectiva
Os estudos da Fundação de Dublin mostram que a forma como as questões da
igualdade são reguladas na Europa comunitária variam consideravelmente de país
para país, em relação com as particularidades nacionais dos sistemas de
relações laborais e de negociação colectiva. Por exemplo, enquanto nos países
nórdicos a igualdade é totalmente regulada pela negociação colectiva, em muitos
outros países a negociação sobre o tema é pouco mais do que simbólica,
assumindo a legislação o principal papel regulador (EIRO, 2004).
Portugal integra o último agrupamento de países, ainda que, como vimos
anteriormente, a legislação sobre a igualdade seja o resultado de negociações
desenvolvidas entre os actores sociais na Comissão Permanente de Concertação
Social. O conjunto de princípios coerentes de tratamento igualitário entre
homens e mulheres no que se refere às condições de trabalho, nomeadamente no
acesso ao emprego, à formação, à carreira profissional e à remuneração, foi
introduzido pelo decreto-lei n.º 392/79, de 20 de Setembro. É este diploma que
marca a passagem da igualdade "protectora" que até então inspirava as políticas
públicas e que se caracterizava por preocupações de protecção da saúde da
mulher e da maternidade, com vista a preservar as funções sociais de esposa e
mãe, para a igualdade real. Nos seus aspectos gerais, a legislação portuguesa
corresponde hoje ao enquadramento legislativo comunitário e encontra-se vertida
no Código do Trabalho, entrado em vigor em 1 de Dezembro de 2004, revisto em
Fevereiro de 2009 (lei n.º 7).
17
O princípio de igualdade e não discriminação em função do sexo é nesse quadro
legislativo objecto de um tratamento autónomo relativamente a outros factores
de discriminação (raça, língua, território de origem, situação económica,
origem ou condição social), e aplica-se tanto no que se refere ao acesso ao
emprego, à actividade profissional e à formação, como às condições de trabalho
e carreira profissional.
Além de garantir a igualdade, a legislação nacional prevê mecanismos de
controlo e sanções
18
no caso do não respeito por esse princípio por parte das empresas. Assim,
proíbe e sanciona os anúncios de emprego que especifiquem qualquer referência
ao sexo, e obriga as empresas a conservarem, durante cinco anos, os balanços
sociais e registo dos recrutamentos donde constem, por sexos, nomeadamente os
seguintes elementos: convites para o preenchimento de lugares, anúncios de
ofertas de emprego, número de candidaturas apresentadas para apreciação
curricular, número de candidatos presentes nas entrevistas de pré-selecção,
resultados dos testes ou provas de admissão ou selecção.
Como forma de garantir o princípio da igualdade de remuneração e de situação
profissional para trabalho igual, a lei generaliza a aplicação das disposições
de qualquer instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que estabeleçam
profissões e categorias profissionais que se destinem especificamente a
trabalhadores do sexo feminino ou masculino. Mais do que isso, estabelece que
devem ser substituídas pela disposição mais favorável, a qual passa a abranger
os trabalhadores de ambos os sexos, as normas de instrumentos de regulamentação
colectiva de trabalho ou de regulamentos internos da empresa que estabeleçam
condições de trabalho, designadamente retribuições aplicáveis exclusivamente a
trabalhadores masculinos ou femininos para categorias profissionais com
conteúdo funcional igual ou equivalente.
A legislação procura ainda implicar os parceiros sociais ao nível da empresa na
promoção da igualdade, recomendando a inclusão nos instrumentos de
regulamentação colectiva de trabalho (IRCT) de disposições que visem a efectiva
aplicação das normas sobre igualdade e não discriminação em função do sexo.
Todavia, diferindo da opção assumida por outros regimes legislativos, de que é
exemplo o caso francês, não existe em Portugal nenhuma obrigação de negociar a
igualdade profissional e apenas para as empresas do sector empresarial do
estado foi tornada obrigatória a elaboração de planos de igualdade nas
empresas.
19
Depois da grande quebra registada em 2004, ou seja, no ano sequente à entrada
em vigor do Código do Trabalho, a negociação colectiva portuguesa tem vindo a
mostrar algum dinamismo, como testemunha o acréscimo do número de convenções
colectivas publicadas e do número de trabalhadores cobertos anualmente por
contratação colectiva nos últimos anos. Abrangerá este dinamismo uma renovação
das normas favoráveis à promoção da igualdade de género?
O quadro geral da evolução da negociação colectiva
Independentemente de ser ou não o reflexo positivo dos acordos bilaterais
negociados pelos parceiros sociais na concertação social, como interpreta a UGT
(2007 e 2008), o certo é que, embora sendo menor o número de convenções
colectivas publicadas relativamente aos anos que antecederam a publicação do
Código do Trabalho, o número de trabalhadores abrangidos por contratação
colectiva ultrapassou os valores desses mesmos anos. Este aspecto é ainda
relevante porquanto este acréscimo não se deve ao acréscimo do número de
regulamentos de extensão por parte da administração pública. Pelo contrário,
como mostra o quadro 2, há uma tendência para uma menor intervenção do estado
na regulamentação colectiva do trabalho.
Quadro 1 - Instrumentos de regulamentação colectiva publicados e trabalhadores
abrangidos de 1996 a 2007
Quadro 2 - Número de convenções colectivas publicadas, segundo o tipo de
conteúdo, de 2004 ao 1.º trimestre de 2008
Outro facto revelador do dinamismo da negociação colectiva diz respeito à
renovação dos conteúdos das convenções colectivas, resultando esta
interpretação do número bastante significativo de convenções publicadas com
revisão global de texto. Como mostra o quadro 2, se em 2004 predominou a
publicação de convenções com texto consolidado,
20
a partir de então é maioritário o número de convenções com revisão global.
Este número representa cerca de metade do número de convenções colectivas
publicadas de 2004 a 2007 (cf. quadros 1 e 2).
Apesar da evolução positiva sublinhada, desde meados dos anos 90 que tem vindo
a aumentar a percentagem de trabalhadores do sector privado não cobertos por
instrumentos de regulamentação colectiva. Situando-se em 6,2% em 1998, essa
percentagem evoluiu para 9,1% em 2002, 11% em 2004 e 12,7% em 2005. Ou seja, em
sete anos duplicou a percentagem de assalariado(a)s sem qualquer cobertura por
IRCT, evoluindo, em valores absolutos, de 295 mil pessoas em 2004 para 364 mil
em 2005.
21
Essa(e)s pertencem maioritariamente aos sectores da actividade imobiliária e
serviços prestados às empresas, serviços sociais e pessoais, saúde e acção
social, transportes, armazéns e comunicações e comércio por grosso e a retalho.
Trata-se, por conseguinte, dos sectores mais dinâmicos em termos de criação de
emprego e onde ingressa grande parte da mão-de-obra feminina do sector privado.
Para além disso, há uma tendência para a redução do número de acordos de
empresa/acordos colectivos de trabalho e do número de trabalhadores cobertos
por este tipo de convenções (cf. quadro 1 e figura 1). Como é conhecido, estas
convenções regulam condições mais favoráveis do que as convenções sectoriais e
desenvolveram-se nas grandes empresas, onde os sindicatos se encontravam mais
bem implantados. A redução da sua cobertura negocial deve-se à diminuição dos
efectivos destas empresas por efeito dos processos de downsizing e modernização
tecnológica, mas tal significa, também, que este nível de negociação não tem
vindo a expandir-se a outras empresas.
Figura 1 - Repartição do número de trabalhadores cobertos por contratação
colectiva de 1985 a 2005, segundo o tipo de IRCT
Fonte: Boletim Estatístico, GEP/MTSS, Janeiro de 2008: 21.
A igualdade de género nas convenções colectivas
Os estudos da Fundação de Dublin sublinham que há uma certa propensão para que
as questões da igualdade sejam integradas na União Europeia em convenções
colectivas de nível nacional multissectorial, ainda que muitas vezes estas
convenções se limitem a enunciar objectivos gerais ou recomendações para os
níveis de negociação inferior. Em contrapartida, parece haver uma menor
frequência da integração da dimensão do género na negociação sectorial e de
empresa (EIRO, 2004).
No caso português, não existem convenções multissectoriais nacionais e, de
acordo com a informação existente, a igualdade de género é um tema raramente
negociado nos níveis sectorial e de empresa. A análise efectuada, no âmbito do
Livro Verde sobre as Relações Laborais (Dornelas, 2006), de uma amostra muito
representativa de convenções colectivas em vigor (65 convenções colectivas em
vigor, abrangendo mais de 1 milhão e 400 mil trabalhadores, o que corresponde a
62,4% do(a)s trabalhadore(a)s cobertos por IRCT) de várias tipologias (35
contratos colectivos, 10 acordos colectivos e 20 acordos de empresa), mostra
que apenas 1 em cada 4,3 convenções (15 convenções ao todo) continham uma
referência geral a princípios de discriminação em função do género e somente
três continham medidas de acção positiva (Dornelas, 2006). Estas determinavam
que as empresas deviam tomar medidas correctivas no acesso a categorias em que
houvesse predomínio de um dos géneros (um contrato colectivo das indústrias
transformadoras, celebrados por associações da CGTP-IN), ou reconhecendo
direitos de preferência na admissão em razão do sexo (dois contratos colectivos
das indústrias transformadoras (celebrados por associações da CGTP-IN e da
UGT). Nenhuma das 65 convenções regulamentava o assédio como factor de
discriminação,
22
nem tão-pouco os direitos d(o)as trabalhador(e)as em caso de ocorrerem
comportamentos dessa natureza.
Em contrapartida, várias convenções continham disposições contrárias aos
princípios da igualdade, reproduzindo os mecanismos que conduzem a uma
repartição desigual das responsabilidades familiares e à segregação
profissional e remuneratória (Ramalho, 2005). Assim, um contrato colectivo
atribuía apenas às trabalhadoras o direito a um subsídio para creches ou
infantários, um outro dispensava a trabalhadora com filhos menores da prática
de trabalho rotativo, e quatro acordos de empresa restringiam a concessão de
subsídios para encargos com infantários às trabalhadoras no caso de residirem
fora do concelho da sede da empresa, e davam-lhe prioridade no acesso ao
infantário da empresa, no caso de residirem no concelho da empresa (Dornelas,
2006: 104).
Admitindo tratar-se de disposições já antigas, ou seja, de normas negociadas
anteriormente à publicação da nova legislação sobre a igualdade, decidi fazer
uma análise de convenções colectivas publicadas recentemente, isto é,
posteriores à entrada em vigor do Código do Trabalho. A amostra foi constituída
por convenções publicadas com revisão global de texto nos anos de 2006 e 2007,
o que corresponde a 107 convenções colectivas.
Perspectivei essa análise sob três pontos de vista, correspondentes a três
níveis da política de mainstreaming: "a perspectiva da igualdade de tratamento
que garante direitos iguais consagrados na Constituição e na legislação; a
perspectiva da correcção de situações de desigualdade, o que aponta para a
introdução de medidas correctivas (acções positivas) para reduzir as
desigualdades; por último, a perspectiva de género (gender mainstreaming) que,
como sublinham Laufer e Silvera (2006), implica activar processos de mudança na
vida das mulheres e dos homens tendo em vista a construção de uma sociedade
mais igualitária.
Os resultados obtidos não se afastam radicalmente dos sublinhados
anteriormente, embora se constate que os textos mais recentes, de um modo
geral, tendem a apresentar uma forma neutra, ou seja, não discriminatória.
Todavia, apenas 29% das 107 convenções analisadas contêm disposições que fazem
referência à igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. Como irei
mostrar, esta referência abarca vários domínios da relação de emprego:
recrutamento, formação, promoção e percurso profissional, remuneração,
articulação entre a vida profissional e familiar, etc.
O recrutamento, a formação, a progressão, a classificação profissional e a
remuneração
Um dos grandes objectivos da política de igualdade de oportunidades tem em
vista alterar a estrutura profissional e remuneratória das mulheres resultante
da segregação vertical
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e horizontal
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baseada em práticas discriminatórias relacionadas com o recrutamento, a
promoção, a formação profissional, a classificação profissional e a
remuneração. As acções a favor da igualdade de oportunidades devem procurar
corrigir esses desequilíbrios, através do recurso a indicadores qualitativos e/
ou quantitativos expressivos dessas práticas, e criar programas, fixando
objectivos e/ou estabelecendo quotas/metas de alteração para um determinado
período de tempo.
Das convenções com disposições fazendo referência explicitamente à igualdade de
oportunidades, 31 convenções, a maioria (68%) situa-se ao primeiro nível da
política de mainstreaming, limitando-se a afirmar os princípios da igualdade de
tratamento e de proibição de discriminação em fórmulas próximas das consagradas
na Constituição e no Código do Trabalho, abarcando um ou vários domínios. Por
exemplo, dois AE negociados entre duas empresas autárquicas e um sindicato da
CGTP-IN apenas referem o princípio da igualdade a propósito das admissões: "Nas
admissões, o homem e a mulher estarão sempre em igualdade de circunstâncias".
Já dois CCT relativos ao mesmo sector, negociados por sindicatos da UGT e CGTP-
IN, reproduzem quase textualmente os números 1 e 2 do artigo 22.º do Código do
Trabalho, sublinhando "o direito à igualdade de oportunidades e de tratamento
no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção e às condições de
trabalho" e acrescentando que "nenhum trabalhador pode ser privilegiado,
beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer
dever em razão, nomeadamente, de ascendência, sexo, etc. " A última disposição
encontra-se também referida em dois contratos do sector do comércio e
panificação e em um AE do sector agro-industrial, acrescentado os dois
primeiros o princípio da igualdade "no recrutamento, no acesso à formação, na
promoção, na progressão na carreira e na retribuição". Algumas convenções (três
AE) dão particular atenção ao tema à formação isoladamente, enquanto que outras
enfatizam o tema da retribuição: "É assegurada a igualdade de condições de
trabalho, em particular quanto à retribuição, entre trabalhadores de ambos os
sexos", acrescentando num segundo ponto que: "Os sistemas de descrição de
tarefas e de avaliação de funções devem assentar em critérios objectivos comuns
a homens e mulheres, de forma a excluir qualquer discriminação baseada no sexo"
(um CCT do sector do metal e um sindicato da tendência UGT, e um AE do sector
Agro-Industrial e organização sindical da UGT).
Apenas uma minoria de convenções (sete) contém regras de um compromisso maior
em relação com a promoção de uma política de igualdade de oportunidades,
apontando a introdução de medidas correctivas (acções positivas) para reduzir
as desigualdades. Ainda que numa formulação um pouco abstracta, na medida em
que não são apresentados indicadores quantitativos ou qualitativos sobre
discriminação, estas convenções fazem referência à necessidade de equilibrar a
representação paritária de ambos os sexos. Três dessas convenções dispõem no
sentido de a entidade patronal dever dar preferência no recrutamento, em
condições de igualdade e de requisitos, ao género menos representado, de molde
a promover a equalização nas categorias profissionais, nas qualificações e nos
cargos de direcção e chefia (um acordo de empresa e dois contratos colectivos).
Uma convenção faz referência à correcção das desigualdades remuneratórias,
através da criação de critérios objectivos "comuns a homens e mulheres, de
forma a excluir qualquer discriminação baseada no sexo" (CCT, FENAM/SQTD).
Entre as convenções analisadas apenas duas contêm disposições que considero
irem ao encontro da perspectiva de gender mainstreaming. Trata-se de um acordo
de empresa do sector das telecomunicações e um contrato colectivo de trabalho
do sector agrícola. A inovação da primeira convenção reside no facto de ambas
as partes (empresa e sindicatos) se comprometerem com a política da igualdade
tendo em vista o equilíbrio entre os sexos. Nesta óptica, ainda que seja
obrigação da empresa a promoção de políticas que visem a igualdade de
oportunidades na admissão, promoção, formação e carreira profissional, bem como
o desenvolvimento de políticas de acção positiva tendo em vista melhorar a
situação das trabalhadoras e alargar o leque das suas funções profissionais,
isso será feito em colaboração com os sindicatos. Neste sentido, a empresa
comprometeu-se a facultar aos sindicatos estatísticas por sexo relativamente à
estrutura do emprego, estrutura salarial e acesso à formação profissional por
curso.
A segunda convenção (contrato colectivo do sector agrícola), numa cláusula de
cariz inovador, dedicada à formação e discriminação, estabelece que a
"proporção de horas de formação promovidas pelo empregador e frequentadas pelos
trabalhadores do sexo feminino deve ser idêntica à proporção das mulheres no
total do(a)s trabalhadore(a)s da empresa". Esta convenção obriga, ainda, a que
o plano de formação da empresa integre "módulos de sensibilização e
consciencialização antidiscriminatórias em todas as acções de formação com
duração superior a vinte horas, com duração não inferior a 10%, e a um mínimo
de dez horas, para cursos de duração superior a cem horas".
Outra inovação encontrada na análise das convenções diz respeito à regulação da
coacção/assédio em duas convenções sectoriais incidindo sobre a mesma unidade
de negociação. Estas estabelecem que no caso de tal acontecer o(a) traballhador
(a) tem direito a uma compensação correspondente ao triplo do salário.
Como já escrevi, a maioria das convenções tende a consagrar textos
tendencialmente neutros. Todavia, subsistem convenções que, contrariando a
legislação em vigor, continuam a conter disposições que contrastam com o
princípio de igualdade e não discriminação. Se a visibilidade política dada
pelo Bloco de Esquerda ao contrato colectivo da indústria corticeira onde a
mesma designação profissional atribuía remunerações diferentes em função do
sexo se tornou no caso mais emblemático, outras convenções colectivas continuam
a consagrar profissões no masculino e no feminino, baseadas em organizações de
trabalho tradicionais tayloristas e sexistas. Alguns exemplos: laminador "é o
trabalhador que conduz as máquinas de laminar"; costureiro "é o trabalhador que
cola e costura as peles e ou tecidos..."; revisor "é o trabalhador responsável
pela qualidade e perfeição..."; riscador "é o trabalhador que estuda e risca...";
costureira especializada "é a trabalhadora que cose à mão ou à máquina...";
dobadoura ou meadeira "é a trabalhadora que conduz máquinas de passar o fio de
canelas ou bobinas para meadas"; lavadeira "é a trabalhadora que conduz as
máquinas de lavar..."; avigadoreira "é a trabalhadora que carrega tabuleiros ...".
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Ainda que, como atrás referi, por efeito da legislação, as designações de
qualquer categoria se apliquem hoje a ambos os sexos, este mecanismo não anula
o princípio da discriminação subjacente. O problema torna-se mais gravoso
porquanto estas situações ocorrem em sectores muito feminizados, conduzindo ao
acantoamento das mulheres em categorias pouco qualificadas e mal remuneradas.
A conciliação entre a vida profissional e a vida familiar
Apenas três convenções dispõem em clausulado próprio o tema da conciliação
entre a vida profissional e a vida familiar. Este clausulado analisa a
compatibilidade de horários para o mesmo agregado familiar, trabalho
suplementar e transportes compatíveis. De qualquer forma, o tema da conciliação
entre a vida profissional e a vida familiar desenvolve-se noutras convenções
sob formas muito diversas. As matérias mais frequentemente negociadas
manifestam preocupação com a coincidência dos períodos de trabalho e de lazer
do mesmo agregado familiar e com a necessidade de dar assistência ao agregado
familiar, nomeadamente a descendentes menores e a ascendentes. Assim, no que se
refere ao primeiro grupo de matérias, mais de 50% das convenções contêm
disposições sobre a marcação do mesmo período de férias para cônjuges ou
membros do mesmo agregado familiar, e 12% dispõem sobre a organização do tempo
de trabalho, 7% sobre descanso semanal no mesmo dia e mais de 20% sobre a
possibilidade de acumulação de férias no caso dos emigrantes.
No que se refere ao tema da necessidade de dar apoio ao agregado familiar,
cerca de 16% das convenções regulam, para esse efeito, o direito a faltas
justificadas, na sua maioria com retribuição, bem como a dispensa do trabalho
suplementar e/ou do trabalho nocturno, e 7% regulam o direito à majoração de
férias, sem penalização, devido a faltas para assistência ao agregado familiar.
Apenas um número reduzidíssimo de convenções (cinco) regula o emprego a meio
tempo ou a tempo parcial para efeito de assistência ao agregado familiar, o
custeamento da deslocação da família em caso de mobilidade geográfica e a
transferência do trabalhador para assistência à família. Menos frequentes ainda
são as convenções que regulam a obrigação de a entidade patronal disponibilizar
creches ou infantários para os filhos da(o)s trabalhadora(e)s.
Naturalmente, as convenções colectivas contemplam matérias que se prendem com a
questão da conciliação entre a vida profissional e a vida familiar, como seja o
trabalho a tempo parcial, a mobilidade, a adaptabilidade do tempo de trabalho
(duração e organização do tempo de trabalho), etc. Todos estes temas conheceram
evoluções legislativas muito importantes nos últimos anos e estão no centro do
debate sobre a flexibilidade/adaptabilidade laboral, reivindicada pelos
empregadores. Contudo, embora sejam temas frequentes da agenda da negociação
colectiva como processo e como resultado, raramente são abordados na
perspectiva da conciliação entre a vida profissional e privada.
Algumas (já raras) convenções continuam a conceder alguns direitos especiais às
mulheres no acesso a creches/infantários, isenção de trabalho rotativo e/ou
suplementar e emprego a tempo parcial. No entanto, como já escrevi, entendo que
esses direitos que aparentemente aparecem como acções positivas, na verdade são
a manifestação visível da persistência da clivagem de papéis homem/mulher na
família e no trabalho, alicerçada numa visão cultural conservadora.
Algumas notas conclusivas
Esta análise revela que, à semelhança do que é sublinhado pelos estudos da
Fundação de Dublin, a perspectiva integrada da igualdade de género advém
fundamentalmente da regulamentação legal e das políticas governamentais. Ainda
que os actores sociais ao nível da concertação social se tenham comprometido a
negociar o tema aos níveis sectorial e de empresa, o grau de efectivação deste
compromisso com tradução nos textos das convenções colectivas está longe de ser
positivo. É pouco significativo o número de convenções com disposições que
enunciam princípios de igualdade e não discriminação relativamente a matérias
muito diferenciadas: acesso ao emprego, progressão na carreira profissional,
formação profissional, classificação profissional, etc. Acresce que na maior
parte dos casos essa enunciação tende a ser abstracta, correspondendo no
essencial aos princípios consagrados na Constituição e na legislação sobre a
igualdade e não discriminação. Com efeito, não são avançados indicadores
quantitativos ou qualitativos sobre as razões das medidas enunciadas e, de uma
forma geral, não são explicitados os objectivos concretos prosseguidos com as
medidas propostas num curto, médio ou longo prazo. Como já realcei, é ainda
mais reduzido o número de convenções colectivas que contemplam medidas de acção
positiva.
Estes resultados devem, no entanto, ser perspectivados à luz de algumas
fraquezas que afectam o nosso sistema de relações laborais e de negociação
colectiva e da sua evolução recente. Uma primeira fraqueza deriva do próprio
contexto de crise económica. Além de pouco favorável ao alargamento dos
cadernos reivindicativos sindicais e à mobilização na sua defesa, tem promovido
o enfraquecimento sindical e a individualização das relações de trabalho.
A segunda fraqueza prende-se com o facto de ser entre nós predominante o nível
sectorial de negociação colectiva. Tendo a vantagem de cobrir num mesmo acto
uma grande multiplicidade de empresas e milhares de trabalhadores, a negociação
sectorial tem a desvantagem de regular normas muito gerais, não havendo
mecanismos posteriores que as adaptem às realidades concretas das empresas onde
são aplicadas. Isto explica, por exemplo, o facto de ter havido uma aproximação
das remunerações contratuais de género, mas esta não se reflectir nas
remunerações de base e nos ganhos,
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os quais permaneceram relativamente estáveis de 1998 para 2003 (Dornelas,
2006: 163).
A terceira fraqueza tem a ver com o princípio de oposição que gere as relações
entre os actores sociais e a fraca participação directa ou representativa do
(a)s trabalhadore(a)s nas empresas. Este clima laboral tem conduzido à
predominância de estratégias sindicais defensivas e a agendas de negociação
muito restritas, ou seja, muito centradas sobre os aspectos remuneratórios
(Cerdeira, 2001 e 2004; Dornelas, 2006; Ferreira, 2006).
Por último, sublinha-se a divisão sindical e a fraca presença de mulheres nos
órgãos directivos das organizações sindicais e patronais e nas equipas
negociadoras. Sobre o último aspecto importa referir que a CGTP-IN, a estrutura
sindical mais representativa do sindicalismo português, só no último congresso,
realizado no início do de 2008, introduziu o sistema de quotas para a
representação das mulheres nos corpos directivos. Como sublinha Dickens, a
presença das mulheres entre os negociadores é importante quer por razões de
democraticidade nos processos de tomada de decisão, quer porque tenderão a
trazer para a mesa de negociações "as preocupações das mulheres e das suas
condições laborais, com vista a alcançar acordos melhores e mais eficazes"
(Dickens, 2000: 13).
De qualquer forma, foi possível observar alguns sinais positivos, reflectindo
uma maior sensibilização das equipas de negociação relativamente a uma
realidade altamente penalizadora da situação das mulheres no mercado de
trabalho. É neste sentido que interpreto o facto de as convenções colectivas
que foram objecto de revisão global recente tenderem a deter um conteúdo
formalmente neutro, nomeadamente no que se relaciona com as designações
profissionais, ou com as faltas resultantes da necessidade de dar apoio ao
agregado familiar.