Construção da Nação e Associativismo na Emigração Portuguesa
Daniel Melo e Eduardo Caetano da Silva (orgs.)
Construção da Nação e Associativismo na Emigração Portuguesa
Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2009, 304 páginas.
Eduardo Araújo
CRIA/FCSH-UNL
Construção da Nação e Associativismo na Emigração Portuguesasurge aos nossos
olhos, antes da leitura dos conteúdos e com apenas o que o título nos sugere em
mente, como uma obra muito positiva em pelo menos dois aspectos: é publicada
num momento de retoma da emigração portuguesa e na senda de uma série de anos
de relativa invisibilidade do tema na produção científica nacional; os temas
abordados (o associativismo português na emigração e as dinâmicas do
nacionalismo português nesse contexto) são temas insuficientemente trabalhados
no panorama das ciências sociais em Portugal. Coligir uma série de trabalhos em
torno desses temas e organizar este volume configura-se então como uma
importante contribuição para o aprofundamento dos conhecimentos existentes
sobre as comunidades portuguesas e seus processos de criação, manutenção,
afirmação ou integração. Daniel Melo (historiador, tem trabalhado sobre
associativismo voluntário, nacionalismo e migrações) e Eduardo Caetano da Silva
(antropólogo, a finalizar o doutoramento com um estudo sobre migrantes
portugueses em São Paulo) são quem organiza as contribuições de autores de
diversas áreas das ciências sociais (da antropologia à história, à sociologia e
à ciência política) que têm trabalhado em diferentes contextos da emigração
portuguesa.
Na introdução assinada pelos organizadores é explicado ao leitor o âmbito do
livro: É [ ] [na] organização de redes associativas entre os portugueses
vivendo fora de Portugal que os trabalhos apresentados neste livro encontram um
ponto de partida e um pretexto para tratar da problemática da migração face à
questão nacional. (pp. 22-23) O livro propõe-se então estimular o debate
acerca das relações que se estabelecem entre a emigração e as reconfigurações
do nacionalismo português e o papel desempenhado por associações de emigrantes
nesse contexto (p. 23). Também assinado por Daniel Melo e Eduardo Caetano da
Silva é o capítulo 1, que, intitulado Associativismo, emigração e nação: o
caso português, é mais introdutório às questões propostas do que a própria
introdução. É, nesse sentido, o capítulo central da obra, e um artigo muito
importante no contexto dos temas referidos, porque busca oferecer um panorama
dos variados cenários da emigração portuguesa e do associativismo migrante
português. Através de um levantamento bibliográfico relativamente extenso, é
apresentada a análise dos temas propostos feita pelos organizadores, criando
uma moldura na qual se pode inserir o quadro composto pelas contribuições dos
restantes autores. Começando por dar conta das diferentes posições que o Estado
português tem assumido nas últimas décadas em relação à emigração nacional, o
texto passa depois para a questão das identidades migrantes e a importância do
fenómeno associativo na emigração portuguesa. Este, segundo os autores,
[ ] é chamado a assumir um papel destacado, e a tomar a dianteira no movimento
de perpetuação da identidade e da cultura portuguesas para as futuras gerações,
buscando atrair novos participantes, disseminar a língua e a cultura
portuguesas e despertar o interesse pelas raízes portuguesas. Todavia, o
significado dessas raízes, da língua, da cultura e, enfim, da própria
identidade portuguesa, não é consensual, antes expondo os conflitos que a ideia
de nação costuma ocultar ou dissolver na naturalização do trinómio povo-
território-cultura. (p.41)
Este primeiro capítulo permite ao leitor encetar a leitura do livro com uma
reflexão, que depois acaba por ser transversal a toda a obra, e por lançar
questões presentes em todos os restantes capítulos:
Como os emigrantes são, se tornam ou deixam de ser portugueses? Como é ser
português em França, no Brasil, na Bélgica, etc.? Que tipo de capital simbólico
representa a portugalidade em diferentes cenários da emigração? Quais os
sentidos de conceber a emigração como um conjunto de comunidades portuguesas ou
como uma diáspora uniforme e indistinta? (p.60)
Constituindo um espaço de difusão do sentido de pertença nacional precarizado
pela distância face ao território de origem, o associativismo migrante e os
emigrantes são-nos então desenhados pelos autores como um marcador (tanto
deliberado como involuntário) da presença de Portugal nos países onde residem,
e oferecem novos significados à ideia de um modo português de estar no mundo'
(p.61).
Este estado da arte do tema associativismo, emigração e nação abre então
caminho para os capítulos seguintes. João Leal (antropólogo) leva-nos no
capítulo 2 até Nova Inglaterra, onde analisa as organizações açoriano-
americanas no contexto da realização das Grandes Festas do Espírito Santo e, no
plano teórico, o transnacionalismo enquanto eixo estruturante da vida da
comunidade portuguesa ali. Circunscrevendo o transnacionalismo a ocupações e
actividades que requerem contactos sociais transfronteiriços regulares e
sustentados ao longo do tempo, Leal demarca-se das posições teóricas mais
maximalistas que tendem a associar automaticamente o transnacionalismo à
imigração, e procura neste texto averiguar o estatuto de três modalidades
específicas de transnacionalismo (a saber, político, sociocultural, e
envolvimento transnacional dos activistas). Assim, Leal explora a importância
das Grandes Festas na manutenção de uma identidade açoriano-americana e de que
formas as práticas transnacionais (nessas três modalidades) se revelam ou não
preponderantes, sublinhando: O estatuto de transnacionalidade na comunidade
açoriano-americana pode justamente ser visto como uma expressão da diversidade
da comunidade. Nela existem transnacionais e transnacionalidade, mas
distribuídos de forma desigual, com áreas de maior e menor intensidade. (p.
93) No capítulo 3 viajamos até ao Uruguai, na companhia de Helena Carreiras
(socióloga) e Andrés Malamud (politólogo). Em Associações portuguesas,
integração social e identidades colectivas, os autores questionam de que
forma o associativismo presente dos imigrantes portugueses e lusodescendentes
ostenta marcas do que foi, e é, o seu processo de integração social, bem como
em que medida participa em processos de etnicizaçãoe/ou de assimiliação, e
Que objectivos cumprem as associações no jogo de construção identitária [ ]
[nesses] grupos e indivíduos. (p. 98) A mesma juventude noutra latitude:
lusodescendentes do Brasil e da França frente ao projecto nacional das
comunidades portuguesas é o título do quarto capítulo, da autoria de dois
antropólogos, Eduardo Caetano da Silva e Inês Strijdhorst dos Santos. Este
texto tem como objecto central a lusodescendência. Nas palavras dos autores,
enquanto a categoria emigrantes ao pouco se perenizou como uma categoria
cujo sentido forte remete ao ter saído' ou ao estar fora', o lusodescendente,
necessariamente um indivíduo de fora', é definido nos discursos oficiais como
legítima extensão da nação (p. 171). Mostrando-nos como o Estado português
abraçou essa ideia, e dando-nos conta dos traços gerais do contexto associativo
e da lusodescendência no Brasil (São Paulo) e em França (Paris), os autores
reflectem sobre o encontro mundial de lusodescendentes realizado em Portugal,
em 2001. A história de vida de um emigrante português em França é o mote para o
texto do capítulo 5, de Elsa Lechner (antropóloga), onde são explorados os
trilhos de múltiplas formas de construção da portugalidade, em diversos
contextos e para diferentes públicos. No sexto capítulo, Daniel Melo
(historiador) leva-nos a explorar o movimento associativo português na Bélgica,
apresentando não apenas uma série de dados quantitativos sobre este, mas também
uma análise sobre a evolução do movimento nas últimas décadas e as relações com
o Estado português (e vice-versa). O penúltimo capítulo, o sétimo, é da autoria
de Andrea Klimt (antropóloga), e são analisadas nesse texto as noções de casa
e pertença dos emigrantes portugueses na Alemanha nas últimas décadas (mais
propriamente desde a década de 1980). São aí analisadas as razões que levaram
grande parte da emigração portuguesa para a Alemanha a passar de temporária a
de longo prazo, sendo inseridos nessa análise os debates sobre a participação
da comunidade na sociedade alemã pós-reunificação e o facto de os portugueses
adquirirem a cidadania europeia a partir do tratado de Schengen, em 1992.
Chamando a atenção em vários momentos para o cariz transnacional que muitas das
vidas migrantes na Alemanha adquiriram ao longo das últimas décadas, a autora
afirma que estes experimentaram de forma criativa organizar as suas vidas,
famílias e comunidades, mais através do que no interior dos espaços nacionais
(p. 268). A fechar este volume temos a contribuição de Toffoli da Silva
(antropólogo), Entre vítimas e algozes: dilemas da comunidade portuguesa' na
África do Sul pós-apartheid, onde nos é dada a ler uma análise etnográfica de
um processo de disputa pela representação da comunidade portuguesa residente
em Johanesburgo (p. 273), chamando-nos a atenção para o papel central que o
debate público sul-africano exerce na definição das possibilidades de
identificação colectiva (p.298).
Sumarizando, este volume oferece ao leitor uma série de diferentes experiências
e reflexões que têm como centro temático o associativismo migrante e os
processos de construção da nação na emigração portuguesa. Os diferentes
insights sobre as políticas da identidade de grupos de migrantes põem à mostra
a importância dos contextos de acolhimento, os papéis do Estado de partida
nesses processos, e como as gerações de descendentes de migrantes lidam com
essas realidades. Ao mesmo tempo que são apresentados dados etnográficos sobre
movimentos associativos de diversos contextos migratórios, são apresentados
também os nexos entre experiência migratória e as dinâmicas do nacionalismo
português.
Se a emigração no geral tem sofrido de uma relativa invisibilidade na academia,
maior ainda tem sido a falta de estudos sobre a experiência dos migrantes nos
seus destinos migratórios e sobre o associativismo migrante e o seu papel nos
processos de auto e heteroconstrução das comunidades de pertença, pelo que este
livro encontra uma boa parte do seu valor no facto de vir ajudar a preencher
essas lacunas.