Fundamentos para o Desenho de Estratégias de Prevenção para a Promoção da
Satisfação e da Resiliência Conjugal
Introdução
Será que podemos promover e enriquecer a nossa satisfação e resiliência
conjugal? Este artigo pretende dar algumas respostas a esta questão tão
pertinente para os casais.
Existe actualmente uma vasta investigação sobre relações amorosas que
possibilita e valida uma prevenção eficaz com casais (Blanchard, Hawkins
Baldwin, & Fawcett, 2009; Halford & Moore, 2002; van Widenfelt,
Markman, Guerney, Behrens, & Hosman, 1997). Neste artigo, a partir de uma
análise crítica sobre os principais contributos teóricos, interventivos e
empíricos no campo da educação e enriquecimento conjugal, pretende-se reflectir
sobre os ingredientes que poderão ser mais pertinentes para o desenho de
estratégias de prevenção para a promoção da satisfação e da resiliência
conjugal, para casais portugueses (casados ou em união de facto).
Assim, após a operacionalização de alguns conceitos-chave, iremos desenvolver
os nossos objectivos, começando por reflectir sobre o significado, a
importância e a complexidade das relações amorosas e, consequentemente, sobre a
importância da prevenção primária e secundária, neste campo; seguidamente
faremos uma análise crítica daqueles que consideramos serem os principais
contributos teóricos, interventivos e empíricos no campo da educação e
enriquecimento conjugal; faremos, ainda, algumas considerações sobre alguns dos
principais desafios que a educação e enriquecimento conjugal encara a nível
internacional; e, finalmente, fazemos uma proposta de investigação, bem como de
conteúdos e processos, que poderão ser fundamentais para o início deste campo
de intervenção, empiricamente fundamentado, em Portugal.
Operacionalização de Conceitos Chave
Apesar dos conceitos de promoção e prevenção poderem ser perspectivados num
contínuo, a promoção da saúde definida como: o processo que habilita os
indivíduos e as comunidades a aumentar o seu controlo sobre os determinantes da
saúde e, desse modo, melhorarem a sua saúde (World Health Organization, 1998,
p. 2),é um conceito que se foca mais no positivo, no controlo e na melhoria do
bem-estar. Na prevenção, o objectivo é diminuir a taxa de incidência ou
prevalência de determinadas perturbações (van Widenfelt et al., 1997)1. Assim,
através da promoção da satisfação e da resiliência conjugal visa-se prevenir
possíveis problemas que possam surgir no seio do casal, ou mesmo, a sua
ruptura.
Por satisfação conjugal entende-se uma avaliação subjectiva de dada pessoa em
relação ao que sente sobre a sua relação, num dado momento(Hendrick, Dicke
& Hendrick, 1998, p. 137). A qualidade conjugal diz respeito aos processos
conjugais (afectivos, comportamentais e cognitivos) vividos na relação, podendo
ser avaliada externamente por um observador com base em critérios que
relacionem a qualidade conjugal com a satisfação e/ou sucesso conjugal. Por
sucesso conjugal, entende-se a articulação entre qualidade, satisfação e
estabilidade conjugal (Narciso, 2001).
A resiliência, enquanto processo de adaptação positiva perante um contexto de
adversidade, pode ser entendida como um conceito sistémico, transaccional e
dialéctico que compreende as forças do subsistema conjugal ' uma vez que: a) se
foca mais nos processos através dos quais os indivíduos são mais ou menos
resilientes; b) pressupõe que os processos sejam dinâmicos ao longo do tempo;
c) reconhece a multiplicidade de acontecimentos ou contextos que têm
influências adversas nos sistemas, e d) assegura a diversidade nos resultados
obtidos pelos sistemas (ver Conger & Conger, 2002).
Achamos que o dinamismo inerente ao significado da resiliência capta bem a
nossa perspectiva de que é importante intervir preventivamente semeando
mudanças de primeira ordem (i.e.,mudanças de natureza quantitativa que ocorrem
no interior do sistema sem que os mesmos se alterem), mas também fomentando
forças para mudanças de segunda ordem (i.e., mudanças qualitativas que
modificam o próprio sistema; ver Watzlawick, Weakland, & Fish, 1975).
Neste artigo, focamo-nos na prevenção primária e secundária. Utilizaremos,
frequentemente, os termos educação e enriquecimento conjugal como sinónimo de
promoção da satisfação e da resiliência conjugal, por serem termos largamente
utilizados na literatura.
Significado, importância e complexidade das relações amorosas
As relações interpessoais íntimas e satisfatórias são, para a maioria dos
indivíduos, a fonte de felicidade mais importante, ao constituírem nichos
desenvolvimentistas e sociais significativos (Silliman, Stanley, Coffin,
Markman, & Jordan, 2001) e privilegiados para satisfazer as necessidades
individuais de afecto, companheirismo, lealdade e intimidade (Halford, Kelly,
& Markman, 1997).
Contudo, o bem-estar que o casamento proporciona está dependente do nível de
satisfação conjugal. Quando as pessoas estão insatisfeitas com a sua relação,
segundo Ross (1995), os níveis de stress são mais elevados do que nos
indivíduos não casados, e mesmo comparativamente com divorciados. Este elevado
nível de stress e o mal-estar que as conjugalidades insatisfeitas provocam
poderá estar ligado, por um lado, ao aumento dos divórcios na nossa sociedade;
e, por outro, à progressiva consciencialização de que a prevenção terciária não
é suficiente para travar o aumento de relações disfuncionais (Bradbury &
Fincham, 1990; Christensen & Heavey, 1999).
Esta consciencialização tem-se manifestado: 1) na atenção crescente que tem
sido dedicada ao estudo da conjugalidade ao longo do ciclo de vida do casal
(e.g., Karney & Bradbury, 1995; Lindahl, Malik, & Bradbury, 1997); 2)
no estudo dos factores de risco e factores protectores associados ao divórcio
(e.g., Gottman, 1993; Markman, Floyd, Stanley, & Storaasli, 1988) e às
dinâmicas de casais satisfeitos (Halford et al., 1997; Silliman et al., 2001);
3) no desenho, implementação e disseminação de programas que visam prevenir a
disfuncionalidade antes que ela se desencadeie. Existem mesmo alguns governos
(E.U.A., Austrália, Japão, Noruega) que têm vindo a promover a educação e o
enriquecimento conjugal; e 4) na preocupação com a eficácia destes programas
(e.g., Halford, Markman, & Stanley, 2008; Halford & Moore, 2002;).
Os problemas relacionais não só estão associados a consequências psicológicas e
físicas danosas para os adultos como podem ter também efeitos negativos nos
filhos (e.g., Christensen & Heavey, 1999; Gurman, 2009). Assim, parece-nos
pertinente afirmar que o alívio dos problemas relacionais traz benefícios quer
para o casal, quer para as suas famílias, quer para a sociedade em geral
(Bradbury & Fincham, 1990; Floyd, Markman, Kelly, Blumberg, & Stanley,
1995; Gurman, 2009; Gurman & Fraenkel, 2002; Halford et al., 2008).
As conjugalidades são extremamente ricas e complexas, espelhando-se tal
multidimensionalidade numa série de aparentes paradoxos que todos os casais têm
de gerir: a dimensão autonomia versus dependência (Narciso e Ribeiro, 2009); a
dimensão estabilidade versus mudança (Alarcão, 2006) e a dimensão segurança
versus novidade (Perel, 2007). A forma como os casais gerem estes desafios em
função das suas necessidades, é o que faz com que desenvolvam mais as suas
forças ou as suas fragilidades (Alarcão, 2006; Narciso & Ribeiro, 2009).
Um dos maiores desafios que as conjugalidades enfrentam é a sua capacidade de
adaptação às mudanças que vão ocorrendo. Segundo Brennan (2001), a adaptação é
um processo (que engloba diferentes mecanismos de coping), dinâmico (que passa
por várias fases ao longo do tempo), e psicossocial (requer processos
psicológicos e sociais), que ocorre à medida que o indivíduo e aqueles com quem
ele se relaciona gerem, aprendem e se adaptam a múltiplas mudanças.
Isto constitui também um dos maiores desafios para os investigadores '
nomeadamente, averiguar como adaptar/construir intervenções que vão ao encontro
das diferentes necessidades inerentes ao ciclo de vida do casal (Halford,
2004). Todavia, não obstante estes desafios, a importância e os benefícios da
prevenção são inegáveis, como poderemos constatar em seguida.
Importância da prevenção primária e secundária
A partir da revisão de literatura que realizámos, agrupámos uma série de
factores, consoante diferentes formatos de intervenção, que enfatizam a
importância da prevenção. Relativamente às intervenções universais ' destinadas
a casais satisfeitos que, de um modo geral, não experienciam stress
significativo (Blanchard et al., 2009) ' estas podem: 1) ajudar os casais a
fortalecer e/ou adquirir certas competências que tornem a relação uma fonte
mais consistente de benefícios, e consequentemente, mais capaz de lidar com as
mudanças desenvolvimentistas (Floyd et al. , 1995)2; 2) alcançar um grande
número de casais, caso sejam aplicadas em formato grupal e em comunidades; 3)
conduzir a ganhos económicos uma vez que a prevenção da disfunção conjugal
levaria à diminuição da necessidade de procura de uma série de serviços
médicos, psicológicos e legais (van Widenfelt et al., 1997).
As vantagens das intervenções selectivas ' destinadas a casais em grande risco
de virem a desenvolver problemas relacionais (Blanchard et al., 2009) '
consistem em: 1) aumentar a resiliência dos cônjuges face a potenciais
adversidades decorrentes de certos factores de risco associados ao divórcio; 2)
prevenir alguns factores que são especialmente difíceis de mudar
retroactivamente (e.g., memórias de violência e/ou abuso na relação, efeitos
negativos resultantes da incapacidade de lidar com conflitos permanentes) e
face aos quais muitas vezes a terapia tem dificuldade em ajudar os casais, dado
o possível estado de deterioração da relação (Bradbury & Fincham, 1990; van
Widenfelt et al., 1997;Veroff, Kulka, & Douvan, 1981); e 3) ajudar os
casais em determinadas fases de mudança especialmente sensíveis, como, por
exemplo: na transição para a parentalidade; no aparecimento de uma doença
crónica; no caso de recasamento, etc. (Blanchard et al., 2009; Halford &
Moore, 2002).
Quanto às vantagens das intervenções indicativas ' destinadas a casais com
algum nível de stress relacional (Blanchard et al., 2009) ' estas podem
facilitar o alívio do stress e o sofrimento dos cônjuges e das respectivas
famílias per se ou mediar o período de vivência de problemas relacionais para o
início de terapia de casal (Bradbury & Fincham, 1990). Este aspecto é ainda
mais relevante quando os dados indicam que: a) os casais tendem a esperar pedir
ajuda, em média, seis anos depois de terem detectado dificuldades conjugais
sérias (Notarius & Boungiorno, 1992, cit. por Gottman & Gottman, 1999);
b) muitos casais podem sentir menos resistência na adesão a um contexto psico-
educativo do que a um setting terapêutico (Halford & Simons, 2005); e c)
casais em lista de espera pioram drasticamente (e.g., Ryan & Gottman, s.d).
Contributos teóricos
Existem diferentes maneiras de perspectivar as relações íntimas adultas
(Gurman, 2009; Gurman & Fraenkel, 2002; Narciso & Ribeiro, 2009).
Contudo, parece haver uma tendência para perspectivar a conjugalidade como
processo (Narciso & Ribeiro, 2009) e para identificar, elucidar e aplicar
princípios teórico-práticos comuns nesta área (ver Gurman, 2009). Iremos,
assim, abordar mais especificamente os modelos teóricos sobre a conjugalidade
que consideramos mais pertinentes, dada a sua riqueza conceptual e empírica e
explicitaremos quais as ideias que fomos respigar a estes modelos.
Teoria da Construção de um Casamento Saudável3de Gottman
Gottman e colaboradores (e.g., Gottman et al., 2002; Gottman & Gottman,
2009a) desenvolveram um modelo desenvolvimentista, sistémico, integrativo e
empiricamente validado sobre o que faz uma relação ser bem sucedida. Segundo o
autor, nas relações satisfeitas, os casais conseguem que os comportamentos,
pensamentos e sentimentos positivos prevaleçam sobre os negativos ' Dominância
do Sentimento Positivo(Gottman & Gottman, 2009; p. 140). Assim, casamentos
satisfeitos e estáveis ou emocionalmente inteligentes (Gottman & Silver,
2001) caracterizam-se: 1) pelo afecto positivo ' esta é a única variável que
prediz concomitantemente a satisfação e a estabilidade conjugal; 2) pela
consonância entre os cônjuges da forma como lidam com os conflitos; 3) pelo
reconhecimento da inevitabilidade dos conflitos e de que existem problemas que
nunca se resolvem (segundo os autores 69% são problemas permanentes '
relacionados com diferenças fundamentais relativas à personalidade ou a
necessidades básicas ' e apenas 31% das discussões correspondem a questões
resolúveis). No entanto, os casais felizes não ficam presos nas suas posições
díspares, procurando encontrar compromissos que satisfaçam ambas as partes
através de formas de resolução de conflito funcionais e afectuosas: a) iniciam
as discussões de forma suave e positiva; b) deixam-se influenciar; c) são bem
sucedidos nas tentativas de reparação; d) conseguem que o processo de
diminuição da negatividade funcione; e) evitam usar os quatro cavaleiros do
apocalipse (i.e. crítica global, atitude defensiva, menosprezo e fuga; Gottman
& Silver, 2001; p. 41) e a beligerância e hostilidade dada a sua
perigosidade.
Segundo o modelo proposto por estes autores, o que faz o sucesso de um
casamento é uma profunda amizade/intimidade, por ser a melhor arma contra a
negatividade em relação ao parceiro e contra a perda de controlo nos conflitos
(e.g., Gottman & Gottman, 2009a). A este modelo iremos buscar aspectos
chave da satisfação e do sucesso conjugal relacionados com os processos dos
conflitos e da amizade/intimidade.
Modelo Sistémico-Transaccional de Stress e Coping de Bodenmann
Dos diferentes modelos de coping diádico que existem, escolhemos o Modelo de
Bodenmann (2005) pela sua natureza sistémica, integrativa, transaccional e pelo
foco nas relações amorosas íntimas. Para Bodenmann (2005) o stress e o coping
diádico são partes de um processo interpessoal que envolve ambos os membros do
casal e que ocorre num determinado contexto (temporal e espacial). O stress
diádico é o encontro com um factor stressanteespecífico que afecta ambos os
parceiros directa ou indirectamente. O stress afecta a satisfação, a qualidade
e o sucesso conjugal de diversas formas: a) pode diminuir o tempo que o casal
passa em conjunto e, consequentemente a disponibilidade para estabelecer e
concretizar o sentido e sentimento de pertença do casal, b) pode diminuir a
qualidade da comunicação diádica ' num estudo realizado em laboratório, a
qualidade da comunicação relacional sob condições de stress diminuía em 40% ',
e c) pode aumentar o risco dos indivíduos desenvolverem problemas físicos e
psicológicos (Bodenmann, 2005).
Segundo o autor, 1) não se pode analisar a avaliação de stress ou os esforços
de coping de um dos elementos sem considerar os efeitos no outro e no
casamento; 2) o coping diádico é apenas uma das várias formas que existem para
lidar com o stress; o coping individual e o recurso ao apoio da rede social são
outras formas de coping ; 3) o coping diádico é geralmente usado quando o
coping individual já foi accionado e falhou; 4) o coping diádico engloba
mecanismos de coping positivo (i.e., apoiante, em conjunto e delegado) e
negativo (i.e., hostil, ambivalente e superficial), que podem orientar-se para
o problema ou para a emoção.
Tendo em conta o nível de stress que marca a sociedade ocidental actual e a
inevitabilidade do stress quotidiano, o coping diádico é de vital interesse
para que o casal, em conjunto, consiga encontrar mecanismos de copingpara
proteger a relação dos efeitos negativos dostress(e.g., ostresscrónico diário).
Os programas de educação e enriquecimento conjugal devem assim promover
estratégias de coping diádico positivo que aumentem a resiliência conjugal
(Kayser & Scott, 2008; Pihet, Bodenmann, Cina, Widmer, & Shantinath,
2007; Ryan & Gottman, s/d) e habilitem a díade a lidar melhor com as
mudanças.
A este modelo de Bodenmann (2005) iremos buscar as estratégias de copingdiádico
positivo que consideramos serem de suma importância parauma maior eficiência
das intervenções, para uma melhor gestão do paradoxo estabilidade versus
mudança, e para promover a resiliência conjugal.
Modelo Sociocognitivo da Comunicação Conjugal de Fitzpatrick
O Modelo de Fitzpatrick (1988), permite identificar uma tipologia exaustiva e
mutuamente exclusiva de casais satisfeitos. Esta teoria tem por base diferentes
dimensões conceptuais que são usadas pelos casais para descrever o seu
relacionamento: ideologia do tradicionalismo, ideologia da incerteza e da
mudança, partilha, regularidade temporal, espaço indiferenciado, autonomia,
assertividade e evitamento do conflito. A autora desenvolveu um instrumento
para operacionalizar cada uma destas dimensões ' Relationship Dimension
Inventory' agrupando os relacionamentos numa tipologia de três definições
relacionais distintas: Tradicional, Independente e Separado; que quando
conjugando as definições de homens e mulheres originam diferentes tipos
conjugais. Parece ser o tipo conjugal (ou seja, a conjugação entre a definição
relacional da mulher e a definição relacional do marido) e não a definição
individual da relação que regula as interacções conjugais. Consoante o tipo
conjugal também varia o critério que constitui um casamento satisfeito.
Estes diferentes esquemas (cognições) conjugais afectam os processos afectivos
e comportamentais, que: 1) poderão ter implicações importantes para as
intervenções preventivas com casais; 2) podem ser extremamente úteis na
avaliação inicial do processo de intervenção e posterior desenho e aplicação de
estratégias de educação e enriquecimento conjugal (Ribeiro, 2002), e 3)
consideramos ser um ponto-chave que tem sido descurado nesta área.
Contributos interventivos
A educação e enriquecimento conjugal teve a sua origem nas instituições
religiosas (Hunt, Hof, & DeMaria, 1998) e continua em muitos países
ocidentais a ser proporcionada em contextos religiosos (Halford, 2004).
Nomeadamente, em Portugal, será um dos poucos contextos, onde é realizada.
Os programas de educação e enriquecimento conjugal variam em diversas
dimensões, mas todos visam fortalecer a relação, promover e/ou construir
capacidades interpessoais e prevenir o stress conjugal (Bowling, Hill, &
Jencius, 2005).
Segundo Halford e Moore (2002), podemos diferenciar a educação e enriquecimento
conjugal em três estratégias principais: 1) abordagens centradas na informação
e no conhecimento; 2)abordagens centradas na avaliação ou em inventáriose
3)abordagens focadas no treino de competências. No entanto, a maioria das
intervenções de educação e enriquecimentoconjugal usam elementos das três
abordagens (Silliman et al., 2001).
As abordagens centradas no conhecimento, enfatizam a transmissão da informação,
clarificação de expectativas e a progressiva consciencialização dos processos
relacionais chave que influenciam a qualidade e sucesso da relação. Recorrem
para tal, sobretudo a demonstrações, não havendo geralmente treino activo de
competências. Este tipo de abordagem tem subjacente o princípio da auto e
hetero consciencialização. Podemos apontar diversas limitações a estas
abordagens. Por exemplo: a) frequentemente o conteúdo e o processo dos
programas não estão bem documentados e faltam-lhes bases conceptuais, empíricas
e medidas estandardizadas; b) não está também previsto um espaço para adquirir
in loco as novas competências; e, c) os conteúdos poderão não ir ao encontro
das necessidades específicas dos grupos-alvo (Halford & Moore, 2002).
Contudo, estas abordagens poderão ser úteis em intervenções universais.
Nas abordagens centradas em inventários, geralmente, cada elemento do casal
preenche um inventário que avalia uma série de dimensões consideradas a priori
como fundamentais para o funcionamento conjugal, e que possam servir de base
para a consciencialização, conhecimento, e/ou treino de competências. Alguns
investigadores/técnicos usam os inventários como uma forma de pré-diagnóstico
das necessidades do casal, definindo com o casal os objectivos específicos de
aprendizagem para o posterior desenvolvimento de actividades experienciais.
Outros técnicos, usam os inventários apenas como base para consciencializar a
díade de aspectos relevantes e, posteriormente, fornecem feedback (Halford
& Moore, 2002). Segundo Silliman e colaboradores (2001), no caso de este
tipo de abordagem se basear apenas no feedback de informação relativa à
compatibilidade (e.g., personalidade, atitudes, percepções) pode conduzir a uma
discussão construtiva e enriquecedora, mas também pode ser deletéria para
casais com défices de capacidades de resolução de problemas ao aumentar a
ansiedade inerente, à percepção de incapacidade para lidar com as diferenças
tornadas salientes pela avaliação.
Existem diversos inventários disponíveis: o Premarital Personal and
Relationship Evaluation(PREPARE; Olson, Foumier, & Druckman, 1996); o
Facilitating Open Couple Communication Understanding and Study (FOCCUS; Markey
& Micheletto, 1997) e o Preparation for Marriage (PREP-M; Holman, Larson,
& Harmer, 1994), os quais foram considerados por Larson, Holman, Klein,
Busby, Stahmann e Peterson (1995) como os mais consistentes psicometricamente.
Ainda que estes inventários tenham sido desenhados para intervenções pré-
conjugais, a maioria dos autores desenvolveu versões destinadas a casais já
formados (e.g., o ENRICH, corresponde ao PREPARE). Dois questionários que
consideramos particularmente pertinentes são: o Sound of Relationship House
Questionnaires (SRHQ; Gottman, 1999) e o Dyadic Coping Inventory (DCI; de
Bodenmann, 2007), pois foram desenvolvidos com base na vasta investigação de
Gottman e de Bodenmann, respectivamente.
Esta abordagem tem proliferado em diversos países ocidentais e apresenta
algumas vantagens. Assim, para o FOCCUS, PREPARE e RELATE diversos estudos
apontam para que os três inventários predizem a satisfação relacional nos
primeiros anos de casamento; logo, medem factores relevantes para o sucesso
relacional (Halford, 2004). Uma outra vantagem, é que estes inventários
(construídos com base na vasta literatura existente sobre factores
determinantes da satisfação e estabilidade conjugal) possibilitam, quer ao
investigador quer ao casal, aceder aos perfis de resiliência e risco da díade.
Existe também um treino estruturado sobre a aplicação destes instrumentos.
A principal desvantagem desta abordagem é a inexistência de avaliação
sistemática sobre os efeitos da administração dos inventários e do feedback.
Abordámos já anteriormente este aspecto dos potenciais efeitos nefastos que um
mero feedback pode ter no casal. Uma segunda desvantagem prende-se com a
exclusiva análise do casal com base em medidas de auto-relato, o que pode não
permitir o acesso a dimensões importantes, não contempladas pelos inventários,
que predizem o insucesso conjugal (Halford, 2004).
Face às abordagens focadas no treino de competências, o seu postulado principal
é que algumas pessoas não possuem no seu repertório (ou esqueceram) certas
competências cruciais na promoção de relações íntimas satisfeitas e de
qualidade, porque foram, por exemplo, expostas na família de origem a modelos
ineficazes (Halford & Moore, 2002).
Estas abordagens enfatizam, assim, o ensino dessas competências. Existem
múltiplos programas de educação e enriquecimento conjugal dos quais destacamos
a) o Relationship Enhancement (RE; Guerney, 1987), b) o Prevention and
Relationship Enhancement Program(PREP; Markmanet al.,1988), c) o Couples
Communication Program (CCP; Miller, Miller, Nunnally, & Wackman,1992), d) o
Couple Commitment Relationship Enhancement Program(CoupleCARE; Halford, Moore,
Wilson, Dyer, & Farrugia,2004, e) o The Art & Science of Love: a
Workshop for Couples (ASL; Gottman & Gottman, 2006a), e f) o Couples Coping
Enhancement Training (CCET; Bodenmann & Shantinath, 2004)4.
Estes programas envolvem uma série de elementos: treino de competências,
conferências, demonstrações, apresentações audiovisuais, ensaio e feedback,
trabalhos de casa, etc. Relativamente aos conteúdos, as semelhanças são maiores
do que as diferenças. RE, PREP, CCP, Couple CARE e CCET trabalham a comunicação
positiva, a gestão de conflitos e a expressão positiva de afecto. No entanto, o
RE enfatiza sobretudo o desenvolvimento da empatia; o PREP a prevenção dos
conflitos negativos; o CCET, o coping individual e diádico com o stress; o
Couple CARE, o papel da auto-regulação; e o ASL, a amizade/intimidade, o
significado partilhado e formas construtivas de lidar com os conflitos.
A maior vantagem desta abordagem é que o treino de competências incide sobre
variáveis associadas ao sucesso relacional. No entanto, existe um debate aceso
sobre alguns aspectos. Vários estudos indicam que a utilização ou não
utilização de determinadas capacidades (e.g., activação elevada de afectos
negativos e formas construtivas comunicacionais) no contexto conjugal, pode ser
condicionada por múltiplos factores (e.g., atribuições disposicionais
negativas, desinvestimento emocional, más recordações, falta de compromisso).
Por exemplo, Vincent, Weiss e Birchler (1975) verificaram que determinadas
pessoas em relações insatisfeitas e com fracas capacidades comunicacionais não
demonstram as mesmas incapacidades noutros contextos.
Por outro lado, não existe consenso empírico sobre quais os aspectos
específicos comunicacionais que predizem a insatisfação e o stress conjugal e
mesmo se o ensino de competências comunicacionais contribuirá para uma maior
satisfação conjugal consistente ao longo do tempo (Spitsberg, 2003). Há, ainda,
autores que defendem que o treino de competências sem outro tipo de conteúdos
associados (e.g., promoção da intimidade, do compromisso, do afecto, da
empatia, da amizade, da gestão de questões relacionadas com a família de
origem) é, por si só, insuficiente para promover relações conjugais positivas
(Halford & Moore, 2002; Fincham, Stanley, & Beach, 2007).
Outras vantagens das abordagens focadas no treino de competências são: 1) a
existência substancial de estudos que comprovam a sua eficácia na mudança das
competências relacionais pelo menos a curto prazo e 2) o treino estandardizado
dos programas que tem conduzido à sua disseminação com eficácia. Todavia, a
evidência destas abordagens continua limitada pelos poucos estudos que existem
sobre a sua eficácia a longo prazo (i.e., follow upspara além de 12 meses) e os
existentes limitam-se ao PREP ou suas variantes (Halford, 2004).
Estas diferenças e semelhanças entre os programas levantam a questão sobre o
que é que se sabe sobre os determinantes da satisfação e estabilidade
conjugais.
Contributos empíricos
Existem mais de 200 estudos longitudinais publicados que tentam predizer a
satisfação, a qualidade, a estabilidade e o sucesso conjugal (ver para uma
revisão da literatura: Halfold, 2004; Halford & Moore, 2002; Halford,
Markman, Kline, & Stanley, 2003; Karney & Bradbury, 1995; Lindahl et
al.,1997; Markmanet al.,1988) . Estes estudos, segundo Halford e Moore(2002),
sugerem quatro grandes classes de variáveis com impacto no desenvolvimento da
satisfação conjugal ao longo do tempo: 1) processos adaptativos do casal (i.e.,
processos afectivos, comportamentais e cognitivos que ocorrem durante as
interacções conjugais); 2) transições ao longo do ciclo de vida (i.e., mudanças
desenvolvimentistas normativas e não normativas que afectam o casal ou um dos
seus elementos); 3) características individuais (i.e., factores estáveis
relativos à história, à personalidade e experiências que os indivíduos trazem
para a relação) e 4) variáveis contextuais (i.e., família de origem, rede
social e trabalho; história da relação e factores culturais).
Estas variáveis podem ser conceptualizadas segundo duas categorias: a)
indicadores de risco estático e b) indicadores de risco dinâmico. Os primeiros
são factores de risco que não podem ser mudados com uma intervenção,
particularmente: 1) idade; 2) experiências na família de origem: o divórcio
parental na família de origem, sobretudo nas mulheres; o testemunho de
violência entre aos pais, sobretudo nos homens, aumenta o risco de eles
próprios virem a ser violentos; 3) número de casamentos anteriores; 4) a
existência de filhos; 5) a aprovação da união pela família alargada e pelos
amigos do parceiro; 6) a relação com o trabalho; 7) o tempo de namoro; 8) a
coabitação antes do casamento; 9) a baixa religiosidade; 10) historial de
doenças psicológicas; e l1) o contexto cultural e a origem cultural dos membros
do casal5 (Halford & Moore, 2002).
Os indicadores de risco estático apresentam a vantagem de poderem ser medidos e
despistados com facilidade. A avaliação destes factores pode ajudar os
investigadores/interventores a avaliar o nível de risco de um determinado casal
e, assim, ajudar a delinear intervenções para quem mais precise ' intervenções
selectivas (Halford & Moore, 2002).
Os indicadores de risco dinâmicos são indicadores com maior potencial de
mudança, mas mais difíceis de avaliar. Nomeadamente: 1) défices na comunicação
e em comportamentos de gestão dos conflitos; 2) expectativas e crenças
irrealistas ' sobre a importância da comunicação, métodos de resolução dos
conflitos, a importância da família, dos amigos e papéis de género; 3)
atribuições negativas disposicionais; 4) formas destrutivas de resolução de
conflitos; 5) pouca intimidade; 6) padrões de expressão emocional negativa:
crítica global, desprezo, repugnância, postura defensiva, fuga emocional; e 7)
estratégias de coping ineficazes com o stress. Todavia, alguns indicadores de
risco dinâmicos aparecem, frequentemente, associados aos indicadores de risco
estático, o que permite uma porta de entrada para a sua avaliação ' e.g., a
comunicação negativa ou estilos de resolução de conflitos não construtivos
aparecem associados ao divórcio parental e à agressão na família de origem
(Halford & Moore, 2002).
Existem diferenças significativas entre homens e mulheres na forma como
vivenciam os processos relacionais (e.g., intimidade/proximidade, importância
da comunicação, forma de resolução de conflitos, relação com o trabalho,
conjugação de papéis familiares, iniciativa quanto ao divórcio, vivência e
avaliação da satisfação conjugal, sexualidade, estratégias de coping (e.g.,
Markman & Kraft, 1989; Narciso, 2001; Narciso & Ribeiro, 2009) que
devem ser alvo de atenção nas intervenções de Educação e Enriquecimento
Conjugal (e.g., Halford & Moore, 2002).
Geralmente é durante períodos de grande mudança ou altamente stressantes que os
problemas relacionais têm mais probabilidade de se desenvolver (Karney &
Bradbury, 1995). Todavia, os dados não são consensuais, havendo casais que
vivem estas transições como aumentando a satisfação, o compromisso e a
proximidade (Halford, Scott, & Smythe, 2000), o que leva a crer que outras
variáveis terão efeitos indirectos nesta relação entre eventos significativos e
problemas relacionais. No entanto, quanto menos indicadores de risco dinâmico e
estático os casais possuírem, mais resilientes parecem ser (Halford et al.,
2003; Markman, Halford, & Cordova, 1997) . Deste modo, a fase de
constituição do casal (casamento ou união de facto) parece ser uma boa altura
para intervir tendo em conta os desafios que o casal geralmente enfrenta.
Certos momentos chave, associados a um maior risco (e.g., transição para a
parentalidade, aparecimento de uma doença grave, desemprego) bem como casais
com necessidades especiais (i.e., casais que decidem adoptar um filho, casais
em que um dos parceiros tem uma doença psicológica e casamentos reconstituídos)
também devem ser alvo de intervenção. Estas parecem ser também as alturas em
que os próprios casais estão mais receptivos à Educação e Enriquecimento
Conjugal (Halford, 2004; Markman et al., 1997).
No entanto, independentemente da fase do ciclo de vida em que se intervenha, a
maioria dos estudos refere a necessidade de sessões posteriores de manutenção
(e.g., Markman et al., 1997; Ryan & Gottman, s.d.) o que nos leva à
reflexão sobre a eficácia e eficiência das intervenções. A investigação com
base na eficácia remete para resultados obtidos em meios controlados. A
investigação com base na eficiência está relacionada com resultados obtidos no
contexto natural dos sujeitos. A questão principal prende-se em saber até que
ponto os resultados da eficácia podem ser generalizados a contextos de
eficiência (Christensen & Heavey, 1999).
Avaliação e desafios actuais no campo da educação e enriquecimento conjugal
Os efeitos da educação e enriquecimento conjugal começaram a ser investigados
na década de setenta (Hunt et al., 1998). Diversas revisões de literatura e
meta-análises (ver Bradbury & Fincham, 1990; Halford, 2004; e Halford et
al., 2003) têm revelado resultados que apontam para a eficácia da educação e
enriquecimento conjugal em conduzir a mudanças nos comportamentos durante algum
período de tempo e a produzir aumentos moderados no ajustamento e estabilidade
conjugal, quer em intervenções universais, selectivas e indicativas (Blanchard
et al., 2009), quer em abordagens centradas na avaliação ou em inventários,
quer nas abordagens focadas no treino de competências (Halford, 2004; Halford
& Moore, 2002; Halford et al., 2008).
Contudo, o grau de confiança nestes resultados ainda não é claro por diversas
limitações metodológicas e dilemas ao nível da investigação. Por exemplo:
ausência de consenso relativamente ao efeito médio das intervenções (ver
Bradury & Fincham, 1990; Christensen & Heavey, 1999); discrepâncias
obtidas, consoante se avaliam competências relacionais ou aspectos relativos à
satisfação relacional; limitações relacionadas com os efeitos de medida em
medidas observacionais e de auto-relato (ver Blanchard et al., 2009;
Christensen & Heavey, 1999); alguns autores defendem que os critérios
subjacentes à avaliação dos resultados da educação e enriquecimento conjugal
devem ser alargados (ver Christensen & Heavey, 1999; Halford, 2004; Halford
et al., 2003; Jakubowski et al., 2004; Markman et al., 1997; Stanley, 2001); a
questão da durabilidade dos efeitos (ver Bowling et al., 2005; Christensen
& Heavey, 1999); o pouco que se sabe sobre o efeito de variáveis mediadoras
(ver Hawkins, Blanchard, Baldwin & Fawcett, 2008; Jakubowski et al., 2004;
Markman et al., 1997); a necessidade de incorporação de mecanismos de motivação
para aumentar a adesão de casais satisfeitos (ver Duncan, Holman & Yang,
2007; Halford & Moore, 2002; Silliman et al., 2001); o ainda incipiente
conhecimento das expectativas dos casaisface aos programas (Halford &
Moore, 2002) e dos factores relevantes para a variabilidade na procura de ajuda
(Bradbury & Fincham, 1990; Duncan et al., 2007).
Adicionalmente, a investigação no campo da educação e enriquecimento conjugal
enfrenta actualmente diversos desafios: 1) Como conciliar programas
estruturados, com a flexibilidade requerida pelas necessidades de cada casal,
diferentes estilos de conjugalidade e diferentes perfis de risco? Como
responder a esta questão consoante as intervenções? (Blanchard et al., 2009;
Christensen & Heavey, 1999; Hawkins et al., 2008), 2) Como lidar com a
pressão de agir já face aos problemas sociais relativos ao stress relacional e
ao divórcio, com a necessidade de se saber mais sobre a própria educação
relacional? (Stanley, 2001), e 3). Deverão os governos apoiar a educação e
enriquecimento conjugal e que cuidados devem ser tidos em conta na sua
disseminação? (ver Halford et al., 2008).
Estas são questões ainda sem resposta consensual no panorama internacional. No
entanto, podemos procurar ter em conta estes desafios quando pensamos no
desenho de estratégias de educação e enriquecimento conjugal em Portugal.
Ingredientes pertinentes para a educação e enriquecimento conjugal
Em Portugal, onde no campo da educação e enriquecimento conjugal está ainda
quase tudo por fazer, parece-nos de suma relevância:1) criar um protocolo forte
que permita avaliar indicadores de risco estático e dinâmico, e possibilite uma
análise dos perfis de risco/resiliência dos casais ' assim, construímos (Vedes,
Lind, & Lourenço, 2009) um instrumento que visa avaliar dados
sociodemográficos e indicadores de risco estático para o sucesso conjugal,
adaptámos para a população portuguesa o Dyadic Coping Inventory(Bodenmann,
2007) e a versão breve doSound Relationship Questionnaires(Gottman &
Gottman, 2006b); 2) ouvir asvozesde casais com diferentes ideologias conjugais,
através do formato Focus Group, sobre as suas necessidades em temos de
conteúdo, processo e formato face a um programa de educação e enriquecimento
conjugal; e 3) desenvolver estratégias de intervenção com base no cruzamento
dos dados recolhidos através dos passos anteriores.
Considerações relativas ao conteúdo
Tendo como fundamentação os contributos teóricos, interventivos e empíricos que
analisámos, consideramos que o Desenho de Estratégias de Prevenção para a
Promoção da Satisfação e Resiliência Conjugaldeverá,ao nível do conteúdo, ter
como objectivos primários: 1) promover a intimidade, dado o papel fulcral que
esta possui na satisfação/qualidade conjugal.Perspectivamos o constructo de
intimidade como um conjunto de processos afectivos, cognitivos e
comportamentais dinâmicos e entrelaçados (partilha, auto-revelação, apoio,
confiança, mutualidade, interdependência, e sexualidade), pelos quais o casal
se conhece, apoia, se reconstrói no outro e se torna inter(in)dependente (ver
Narciso, 2001, 2002). Esta definição dos componentes da intimidade, segundo
Narciso (2002) pode ser associada às competências que Gottman refere que os
casais emocionalmente inteligentes possuem (e.g., Gottman, Gottman &
DeClair, 2006); 2) promover competências para a resolução de
conflitossolucionáveis e para a gestão ou aceitação deconflitos perpétuos, bem
como evitar formas destrutivas de comunicação. Vários estudos demonstram que a
forma como os casais lidam com as situações de conflito é o melhor preditor do
sucesso da conjugalidade a longo prazo (e.g., Gottman et al., 2006); 3)
promover o coping diádico positivo. A ausência de coping ao nível da díade é um
dos principais preditores do divórcio (Bodenmann, 1997; Hahlweg, Markman,
Thurmaier, Engl, & Eckert, 1998; Jacobson, Schmaling & Holtzworth-
Munroe, 1987); 4) atender a diferentes tipologias de casais satisfeitos, com
diferentes objectivos e diferentes perfis de risco e resiliência (Halford,
2004) sob pena de se continuar na redundância da classe média branca, de um
formato interventivo one size fits alle no apanágio de um protótipo de
casamento ideal (ver Hendrick,2002) e 5) consciencializar para certas dinâmicas
conjugais relacionadas com as diferenças de género (e.g., Halford & Moore,
2002).6
Considerações relativas ao processo
Quanto ao processo, consideramos que uma maior eficácia e eficiência, poderá
ser alcançada caso o Desenho de Estratégias de Prevenção para a Promoção da
Satisfação e Resiliência Conjugalse baseie: 1) numa cuidada avaliação, que
utilize métodos quantitativos (i.e., a partir de diversos inventários que
avaliem as dimensões por nós anteriormente mencionadas bem como indicadores de
risco estático) e qualitativos (i.e., entrevista sobre o início, história
relacional e recursos do casal) (Blanchard et al., 2009; Christensen &
Heavey, 1999; Halford, 2004; Hawkins et al., 2008); 2) numa discussão com o
casal sobre os aspectos relacionais que visam abordar/trabalhar, e de que forma
(Halford & Moore, 2002; Hawkins et al., 2008); 3) em estratégias
integrativas, que utilizem componentes educativas, feedbacke treino de
competências (Silimanet al., 2001; Hawkinset al,2008; Ryan & Gottman,
s.d.); 4) em prescrições que promovam a reprodução e insight do casal no seu
contexto natural, bem como numa avaliação ao longo de diversos momentos
temporais da satisfação e da resiliência conjugal e, de acordo com esta
informação, desenhar e aplicar sessões de reforço (Blanchard et al., 2009;
Bowling et al., 2005; Markman et al., 1997; Ryan & Gottman, s.d.).
Conclusão
Vimos ao longo do artigo que é possível promover a satisfação e a resiliência
conjugal. Consideramos, que as nossas propostas poderão ser as mais eficazes e
eficientes para o início da educação e enriquecimento conjugal, desde que
empiricamente fundamentadas em Portugal, proporcionando directrizes que
procuram responder a diferentes tipos de intervenções, diferentes perfis de
risco e resiliência conjugal, diferentes conjugalidades satisfeitas e às
expectativas e necessidades dos casais. Gostaríamos de realçar a urgência em
iniciar a investigação e intervenção neste campo, em Portugal, porque uma maior
satisfação conjugal beneficia não só os casais e as suas famílias, mas também a
sociedade em geral.