Homoparentalidade: o estado da investigação e a procura da normalização
A diversidade de arranjos familiares
Os arranjos familiares de mães lésbicas e de pais gays são muitos e diversos.
Esta diversidade acontece face à dificuldade no acesso a formas de
parentalidade biológica e adoptiva que, na maioria dos países ocidentais, são
ainda quase exclusivas de famílias heteroparentais. Antes do fenómeno americano
conhecido como lesbian baby boom1, a grande maioria das famílias homoparentais
tratava‑se de famílias reconstituídas após o coming‑out (auto‑identificação
pública) do pai ou da mãe como homossexuais (Patterson, 1994; 2006). São as
mudanças legais e sociais que têm vindo a ocorrer em diversos países ocidentais
que têm tornado possível o acesso a diversas formas de parentalidade que
estavam anteriormente restritas a casais de sexo diferente, ou a pessoas
heterossexuais, como a adopção ou a inseminação artificial.
De facto, através do processo de Inseminação Artificial tornou‑se possível
mulheres lésbicas conceberem uma criança e educarem‑na sozinhas ou numa
relação conjugal, como é o caso de países como a Holanda ou a Bélgica (Bos
& Hakvoort, 2007; Brewaeys, 2001; Vanfraussen, Ponjaert‑Kristffersen &
Brewaeys, 2002). Em países onde o acesso a esta técnica de reprodução
medicamente assistida não é permitida fora de um casamento entre pessoas de
sexo diferente, como é aliás o caso de Portugal, é no entanto possível fazê‑lo
de uma forma privada com recurso a doação de esperma. Não sendo esta via
reprodutiva possível a homens, em situações onde a parentalidade biológica é
fundamental, o recurso a uma barriga de aluguer' revela‑se então uma via
privilegiada (Bergman, Rubio, Green & Padron, 2010). Através do recurso a
inseminação artificial ou a uma barriga de aluguer', os arranjos parentais têm
por sua vez múltiplas conjugações possíveis com base na negociação de
envolvimento entre o dador de esperma, ou dadora de óvulos, e a família. De
facto, estudos australianos têm revelado que em particular doadores
homossexuais têm como principal motivação o desejo de parentalidade, em muitos
casos requerendo algum tipo de envolvimento com a criança (Riggs, 2008; Ripper,
2008).
Por outro lado, a adopção de crianças é uma realidade somente em países em que
esta situação é legalmente possível para casais do mesmo sexo, ou a adopção
singular, de uma forma mais ou menos explícita, por mulheres lésbicas e homens
gays. Nos Estados Unidos, por exemplo, tem‑se assistido a um aumento
considerável do número de pessoas que recorrem a agências de adopção para
concretizar o desejo de parentalidade, nomeadamente entre homens (Brodzinsky
& Evan B. Donaldson Adoption Institute, 2003; Downing, Richardson, Kinkler
& Goldberg, 2009; Erich, Hall, Kanenberg & Case, 2009). Na Europa, o
acesso à adopção por parte de casais do mesmo sexo ou pessoas gays e lésbicas
singulares é possível, apenas, na Bélgica, Dinamarca, Islândia, Holanda,
Noruega, Eha, Suécia e Reino Unido (Commissioner for Human Rights, 2011) não
havendo ainda nestes países estimativas nacionais ou investigação significativa
com este tipo de famílias.
Nos países Europeus há diferenças consideráveis no que diz respeito às formas
de parentalidade. Em países como a Holanda, Bélgica ou Alemanha, onde a
legislação permite que as famílias recorram a diferentes vias como a adopção ou
a inseminação artificial, são diversos os estudos com mães lésbicas que
recorreram a inseminação artificial (Bos, van Balen & van den Boom, 2005;
Brewaeys, 2001; Herrmann‑Green & Gehring, 2007). Em contraste, em países
em que não há um acesso a estas formas de parentalidade (como em Itália ou
Portugal) ou em que este acesso é ainda recente (como é o caso de Eha), a larga
maioria das famílias homoparentais são ainda constituídas por filhos/as
provenientes de relações heterossexuais anteriores (Costa, Pereira & Leal,
2011a, 2011b; González & López, 2009; Lelleri, Prati & Pietrantoni,
2008).
Considerando esta situação, são ainda poucas as estimativas nacionais do número
de famílias homoparentais. Estudos comunitários revelaram que em Itália o
número de pessoas homossexuais com filhos/as varia entre 5% e 8% (Lelleri et
al. 2008) e em Portugal entre 3% a 10% (Costa et al., 2011a, 2011b), sendo a
grande maioria destas crianças concebidas em relações heterossexuais
anteriores. Devido ao facto de tanto a adopção como a reprodução medicamente
assistida e a barriga de aluguer' estarem vetados a casais do mesmo sexo,
torna‑se ainda mais difícil chegar a números aproximados destas famílias,
relevando‑as para uma perigosa invisibilidade e desprotecção.
Em contraste, de acordo com o Censos americanos de 2000, estimava‑se que mais
de 60 mil casais de homens e mais de 90 mil casais de mulheres tinham filhos/as
menores de 18 anos Foi também possível estimar o número de crianças em famílias
homoparentais, sendo que 270 mil crianças cresciam em famílias com dois pais ou
duas mães, e 540 mil com um pai gay ou uma mãe lésbica (US Census Bureau,
2003). Outras estimativas nacionais realizadas por meio de estudos comunitários
revelaram que aproximadamente uma em cada cinco mulheres lésbicas eram mães e
um em cada nove homens gays eram pais (Bryant & Demian, 1994).
A comparação com as famílias heteroparentais
O primeiro impulso para o estudo das famílias homoparentais surge da
preocupação com o desenvolvimento e bem‑estar das crianças. Tanto nos Estados
Unidos como na Europa têm sido diversos os casos de disputas de custódia de
crianças cuja mãe ou pai se revelam homossexuais, colocando‑se a questão de
serem ou não capazes de assumir as funções parentais das crianças, e se a sua
orientação sexual se reflectirá negativamente no desenvolvimento das mesmas. É
aqui que a investigação científica ganha um papel fundamental do ponto de vista
do impacto social.
De uma forma geral, os estudos dedicados às famílias homoparentais têm
reportado a não existência de diferenças significativas entre crianças em
famílias homoparentais e crianças em famílias heteroparentais no que diz
respeito a diversos índices de desenvolvimento. Numa revisão de estudos
publicados até ao ano de 2000, Anderssen, Amlie e Ytteroy (2002) reuniram 23
estudos empíricos de onde retiraram 7 categorias principais de desenvolvimento
infantil: (1) desenvolvimento emocional; (2) preferências sexuais; (3)
estigmatização; (4) comportamentos de género; (5) ajustamento comportamental;
(6) identidade de género; e (7) funcionamento cognitivo. Após a análise dos
resultados publicados nestes estudos, os autores concluíram não existirem
diferenças significativas entre os dois grupos, ou problemáticas
desenvolvimentais em crianças em famílias homoparentais. Resultados semelhantes
foram reportados em outros estudos de meta‑análise (Allen & Burrel, 1996;
Crowl, Ahn & Baker, 2008).
Por outro lado, também os estudos dedicados às competências parentais e
ajustamento relacional de pais gays e de mães lésbicas apontam, na sua
generalidade, para a não existência de diferenças significativas quando
comparados com pais e mães heterossexuais. No que diz respeito às
características de pais gays e mães lésbicas não há qualquer indício de
problemáticas ligadas à saúde mental ou à capacidade de estabelecer laços
afectivos seguros com os/as seus/suas filhos/as (Bos et al., 2005; Patterson,
2006; Ryan, 2007), demonstrando‑se também que casais do mesmo sexo e casais de
sexo diferente com filhos/as apresentam níveis de comunicação e suporte
conjugal semelhantes (Bos, van Balen & van den Boom, 2004; Bos, van Balen
& van den Boom, 2007).
Se os estudos comparativos e transversais apontam para a inexistência de
diferenças assinaláveis entre famílias homoparentais e famílias
heteroparentais, os estudos longitudinais com as primeiras não só reforçam as
conclusões anteriores, como contribuem para a expansão do conhecimento sobre o
desenvolvimento destas famílias, em especial no que diz respeito às
consequências a médio e a longo prazo de crescer em famílias homoparentais.
Nanette Gartrell e os seus colaboradores (Gartrell, Banks, Hamilton, Reed,
Bishop & Rodas, 1999; Gartrell, Banks, Reed, Hamilton, Rodas & Deck,
2000; Gartrell, Deck, Rodas, Peyser & Banks, 2005; Gartrell, Hamilton,
Banks, Mosbacher, Reed, Sparks & Bishop, 1996) são os responsáveis pelo
primeiro e mais significativo estudo longitudinal, de origem norte‑americana,
com um desenho experimental de 25 anos que inicia aquando da inseminação
artificial de cerca de 100 mulheres. Desde as primeiras entrevistas às futuras
mães foi possível assinalar o forte desejo de parentalidade e planeamento de
uma criança na família. Nos diferentes tempos de investigação, as mães
reportaram elevados níveis de saúde tanto própria como das crianças, redes de
suporte social de qualidade fora da família e um ajustamento comportamental
dos/as filhos/as semelhante à população normativa. No entanto, não obstante a
maioria das crianças terem uma atitude positiva em relação a terem duas mães,
18% das crianças experimentaram discriminação e bullying homofóbico na escola
aos 5 anos, e 43% confessaram terem sido vítimas de algum tipo de discriminação
com base na orientação sexual da(s) sua(s) mãe(s) aos 10 anos de idade
(Gartrell et al., 1999; Gartrell et al., 2000; Gartrell et al., 2005; Gartrell
et al., 1996).
Também em estudos com adolescentes e jovens adultos/as foram encontradas poucas
ou nenhumas diferenças entre estes/as e adolescentes de famílias
heteroparentais ao nível da auto‑estima e bem‑estar (Golombok, Tasker &
Murray 1997; Huggins, 1989; O'Connell, 1993; Tasker & Golombok, 1995),
ajustamento psicológico (Rivers, Poteat & Noret, 2008; Wainright, Russel
& Patterson, 2004), qualidade das relações de pares (Tasker & Golombok,
1995; Rivers et al., 2008; Wainright & Patterson, 2008) e orientação sexual
(Bailey, Bobrow, Wolfe & Mikach, 1995; Tasker & Golombok, 1995).
Diferenças e semelhanças entre famílias homoparentais e famílias
heteroparentais
Num artigo teórico sobre famílias homoparentais, Victoria Clarke (2002)
identifica quatro principais paradigmas de investigação. Segundo esta autora, o
primeiro paradigma sustenta a hipótese da ausência de diferenças entre famílias
homoparentais e famílias heteroparentais. A grande maioria da investigação tem
revelado que pais e mães homossexuais não divergem significativamente das
restantes famílias em domínios psicológicos e comportamentais cruciais (Stacey
& Biblarz, 2001). Este paradigma surge da necessidade de confrontar a
patologização de que estas famílias são vítimas e de reduzir a importância da
orientação sexual (e mesmo da sexualidade) no desenvolvimento individual humano
(Kitzinger, 1989), mas incorre no problema de um reforço do padrão
heterossexista de família e na normalização e invisibilidade das famílias
homoparentais, o que impede um conhecimento mais aprofundado das dinâmicas e
percursos únicos destas famílias.
Um segundo paradigma, mais conservador, sustenta que as famílias homoparentais
são diferentes e desviantes. Argumentam contra a parentalidade por pessoas gays
e lésbicas com base na patologização destes/as, especialmente argumentando que
os/as filhos/as destas famílias encontrarão problemáticas ao nível da
construção da identidade de género, identidade sexual, e terão uma maior
probabilidade de desenvolver uma orientação sexual homossexual (Clarke, 2002).
Mais, tendem igualmente a estigmatizar todas as pessoas homossexuais, e não só
aquelas que têm ou desejam ter filhos (ver, por exemplo, Cameron & Cameron,
1996). No entanto, estes estudos apresentam várias falhas metodológicas assim
como uma interpretação abusiva dos resultados, tendo mesmo conduzido à
suspensão do primeiro autor da Associação de Psicólogos Americanos (APA) em
1983 e a uma repreensão por parte da Associação de Sociólogos Americanos (ASA)
por manipulação de dados de investigação.
O terceiro paradigma surge como reacção ao primeiro, impulsionado pelos
argumentos de feministas lésbicas que sustentam que a maternidade lésbica é
essencialmente diferente e transformativa e não segue o padrão patriarcal. O
discurso é muito politizado com o intuito de afirmar uma identidade lésbica (de
onde advém a maternidade lésbica) diferente, e possuindo qualidades que a
maternidade heterossexual não possui. Segundo Clarke (2002), o problema que se
coloca é que este paradigma demonstra uma maior preocupação com a agenda
política do que com a ciência experimental, adoptando com frequência um
discurso construído de lésbicas para lésbicas'.
Finalmente, o paradigma que sustenta que as famílias homoparentais são
diferentes em consequência da opressão social e homofobia de que são vítimas.
De acordo com Stacey (1996, p. 135), as crianças de pais gays [e mães
lésbicas] são vicariantemente vítimas de homofobia e heterossexismo
institucional violentos. Todas elas sofrem de consideráveis desvantagens
económicas, legais e sociais impostas pelos seus pais [e mães], por vezes de
forma ainda mais severa. Elas arriscam‑se a perder um pai [ou mãe] ao simples
capricho de um juiz. Deste paradigma advém uma diversidade de estudos que
apresentam algumas diferenças entre famílias homoparentais e heteroparentais. A
literatura tem revelado que apesar de não serem encontradas diferenças
significativas na incidência de homossexualidade nem em problemáticas ligadas à
construção de género em filhos/as de pais gays ou de mães lésbicas, estas
crianças e adolescentes demonstram uma maior lateralidade nos comportamentos de
género, menor tipificação dos papéis de género, maior conforto com a sua
identidade de género, maior questionamento sobre a sua orientação sexual e uma
maior frequência de experiências amorosas com pessoas do mesmo sexo (Bos &
Sandfort, 2010; Gartrell, Bos & Goldberg, 2010; Golombok, 2000; Green,
Mandel, Hotvedt, Gray & Smith, 1986; Tasker & Golombok, 1997). Mais,
não obstante a literatura revelar não haver diferenças no que diz respeito à
qualidade da relação de pares, alguns estudos revelam que as crianças, e em
particular adolescentes em famílias homoparentais, são com frequência
vitimizados/as e/ou estigmatizados/as na escola em função do género parental
(Gartrell et al., 2005; Robitaille & Saint‑Jacques, 2009). Digno de
referência é que estas experiências parecem não influenciar a auto‑estima ou
as competências sociais destas, supondo‑se que o seu impacto seja mitigado por
factores protectores como a qualidade da relação parental, comunicação aberta
sobre a orientação sexual do pai ou da mãe na família, e contacto com famílias
semelhantes (Bos & van Balen, 2008; Fairtlough, 2008).
Por outro lado, têm sido também reportadas algumas diferenças no que diz
respeito ao ajustamento relacional e práticas parentais em famílias
homoparentais. Mães sociais' (mães não biológicas que asseguram as funções
parentais), envolvem‑se mais nas tarefas domésticas e de cuidados infantis
(Bos et al., 2007; Patterson, 2002), têm um maior desejo de parentalidade (Bos
et al., 2007), e utilizam menos comportamentos parentais de imposição de
limites e demonstrações de poder (Bos et al., 2004; Bos et al., 2007) do que
pais heterossexuais. Mães biológicas lésbicas revelam uma maior satisfação com
a sua companheira e possuem um maior desejo de parentalidade (Bos et al., 2007)
do que mães heterossexuais. No geral, as famílias constituídas por duas mães
apresentam maiores níveis de satisfação conjugal e melhor qualidade de
interacção mãe‑criança do que famílias de um pai e uma mãe (Bos et al., 2004;
Brewaeys, Ponjaert, van Hall & Golombok, 1997; Flaks, Fisher, Masterpasqua
& Joseph, 1995; Golombok et al., 1997).
Os estudos qualitativos com famílias homoparentais, ainda em pequena
quantidade, permitem aceder a estas diferenças de uma forma mais compreensiva.
Ao questionar os pais e as mães sobre as suas experiências de parentalidade,
dificuldades e obstáculos, torna‑se visível que a gestão da opressão social e
a antecipação de dificuldades ligadas à discriminação é uma constante nos seus
discursos, o que implica uma gestão quotidiana do stress, tanto por parte dos
pais e mães como por parte das crianças (Hash & Cramer, 2003; Lubbe, 2006;
Robitaille & Saint‑Jacques, 2009). De facto, pais [e mães] heterossexuais
não sentem as mesmas pressões ou necessidade de assumir com orgulho' a sua
heterossexualidade (Gabb, 2001, p. 347). A invisibilidade normativa da
heterossexualidade implica a gestão de uma série de tarefas de conciliação
entre as diferentes identidades, assim como uma desvantagem de poder e de
status com que necessariamente as famílias constituídas por pessoas gays ou
lésbicas se confrontam e que inevitavelmente traz consigo diferenças.
O cruzamento em que a literatura se encontra é precisamente na explicação para
estas diferenças. Como foi demonstrado, alguns/as autores/as pretendem
minimizar as diferenças em forma de normalização destas famílias, enquanto
outros/as utilizam estas diferenças sob a forma de agenda política de
contestação da norma heterossexual ou de patologização da parentalidade
homossexual. O que parece claro é que há diferenças inegáveis mas que não
significa que estas diferenças tenham uma tradução directa quer na qualidade
quer nas problemáticas destas famílias.
Principais críticas metodológicas
De uma forma geral as principais críticas apontadas aos estudos sobre
homoparentalidade dizem respeito aos processos de amostragem e aos métodos
utilizados. Uma das principais críticas consistentemente apontadas tem sido a
utilização de amostras auto‑selectivas, recrutadas através de amostragens de
tipo snowball e/ou em organizações LGBT2 (Tasker, 2005; Tasker & Patterson,
2006). As famílias que se voluntariam para estes estudos poderão não ser
famílias típicas ou representativas das famílias homoparentais, nomeadamente
famílias recrutadas através associações ou redes LGBT. Estas famílias possuem à
partida características menos comuns como o facto de estarem activamente
envolvidas em organizações de defesa dos direitos das minorias sexuais, ou
mesmo um elevado nível de conforto e de divulgação da sua configuração
familiar. Este envolvimento pode também implicar uma maior aceitação por parte
da família de origem e a presença de uma rede social de que a maioria das
famílias poderá não gozar. O número de participantes é também, com frequência,
muito pequeno o que implica uma maior cautela na interpretação e na
generalização dos resultados.
Uma outra crítica importante é que os/as investigadores/as desta área não
controlam de uma forma sistemática a sua reactividade interpessoal às famílias,
isto é, a sua assunção de normalidade' (ou de desvio' em alguns casos) destas
famílias não é controlada aquando da análise dos resultados obtidos (Tasker,
2005; Tasker & Patterson, 2006). Na grande maioria dos estudos, o objectivo
da investigação é claro tanto para os/as participantes como para os/as
investigadores/as o que poderá originar enviesamentos por desejabilidade social
dos/as participantes ou com base nas crenças dos/as investigadores/as.
Em resposta a estas críticas, estudos recentes provenientes tanto dos Estados
Unidos como da Europa vêm colmatar algumas das falhas apontadas aos processos
de amostragem através de duas formas: (1) recrutamento de famílias em clínicas
de reprodução medicamente assistida, e (2) análise de dados obtidos por meio de
estudos nacionais representativos. Nos Estados Unidos e Reino Unido começam a
ser publicados resultados sobre famílias homoparentais retirados de estudos
nacionais representativos, o que permite ultrapassar o problema da
auto‑selecção de participantes (ver, por exemplo, Golombok, Perry, Burston,
Murray, Mooney‑Somers, Stevens & Golding, 2003; Wainright et al., 2004).
Por outro lado, em alguns países Europeus como é o caso da Alemanha, Bélgica ou
Holanda, e também nos Estados Unidos, é já possível recolher amostras
aleatórias e em número suficiente através de clínicas de reprodução medicamente
assistida (Bos et al., 2004, 2007; Brewaeys et al., 1997; Chan, Raboy &
Patterson, 1998; Herrmann‑Green, & Gehring, 2007). Contudo, estes estudos
são limitados a casais de lésbicas que recorrem a esta forma de concepção, não
sendo por isso representativos da população.
Por outro lado, a diversidade de métodos utilizados no estudo de famílias
homoparentais é advogado por vários investigadores/as como uma das principais
mais‑valias destes estudos. Não obstante a validade das críticas aqui
referidas, o facto de os resultados serem semelhantes mesmo quando obtidos
através de diferentes métodos e metodologias de investigação vem reforçar a
consistência das suas conclusões. Os diferentes desenhos de investigação aqui
referidos (transversais, comparativos, longitudinais e qualitativos) têm em
todos os casos concluído a inexistência de problemáticas associadas à
parentalidade por pais gays ou mães lésbicas em domínios fundamentais da saúde
psicológica.
De acordo com Anderssen e seus colegas devido aos resultados não ambíguos nos
estudos revistos, acreditamos que estudos epidemiológicos maiores e com
instrumentos e testes mais robustos são menos necessários do que métodos mais
aprofundados e orientados para os processos (Anderssen et al., 2002; p. 349).
Por outras palavras, mais do que prosseguir uma linha de investigação que
procura normalizar as famílias homoparentais minimizando as suas diferenças,
seria aconselhável que os/as investigadores/as procurassem avaliar e
compreender as necessidades e processos específicos destas famílias.
Conclusão e direcções futuras
Segundo a Academia Americana de Pediatras (AAP), não há diferenças sistemáticas
entre pais gays e mães lésbicas e pais e mães heterossexuais na saúde
emocional, competências parentais e atitudes acerca da parentalidade. Nenhum
estudo revelou qualquer risco para as crianças como resultado de crescerem numa
família com um ou mais pais gays ou mães lésbicas (Perrin & Committee on
Psychosocial Aspects of Child and Family Health, 2002). Semelhantes pareceres
foram publicados pelas principais sociedades científicas norte‑americanas,
como é também o caso da Associação de Psicólogos Americanos (Paige, 2005). Os
estudos comparativos entre famílias homoparentais e famílias heteroparentais
foram necessários no sentido de proteger as primeiras e de salvaguardar os
interessas das crianças que se encontravam à guarda de mães lésbicas ou de pais
gays. Estes estudos foram impulsionados pelo número crescente de disputas
parentais após o coming‑out do pai ou mãe como homossexual nos Estados Unidos,
embora actualmente seja já seguro afirmar que as crianças e adolescentes com
pais ou mães lésbicas terão um desenvolvimento psicológico, emocional e social
dentro dos parâmetros normativos. Contudo, como foi aqui demonstrado, a
prossecução desta linha de investigação pode ser contraproducente para o
conhecimento científico ao minimizar as diferenças existentes. As famílias
homoparentais confrontam‑se com desafios únicos que é necessário compreender e
avaliar, especialmente quando se observa que as crianças e adolescentes poderão
estar em maior risco de serem vitimizados/as ao longo da sua vida com base na
configuração familiar. Desta forma, importa conhecer as situações e
características destes episódios de forma a poder introduzir mudança nos
contextos em que estas acontecem. Mais, pouco se sabe dos processos que
permitem às crianças com uma maior incidência de vitimização demonstrarem
elevados níveis de saúde mental, ajustamento comportamental e auto‑estima,
colocando‑se a hipótese de que a vitimização anterior dos pais ou mães lhes
permite estarem preparados/as para antecipar as dificuldades e estimular
comportamentos resilientes nas crianças (Stacey & Biblarz, 2001).
Mais recentemente é também sugerido que a orientação sexual dos pais e mães per
se não tem consequências nem ao nível do desenvolvimento infantil nem no
ajustamento e qualidade relacional de casais do mesmo sexo, embora o género dos
pais e mães possa estar associado à aprendizagem dos papéis e comportamentos de
género das crianças, especialmente no caso de casais de lésbicas. O género dos
pais, ou mesmo a interacção entre género e orientação sexual, está envolvido na
criação de novos tipos de estruturas e processos familiares que importa
conhecer (Stacey & Biblarz, 2001). Associado a estas questões ainda sem
resposta está também o vazio na literatura dedicada a pais gays. Se por um lado
são conhecidos vários estudos com mães lésbicas que recorrem às novas
tecnologias de reprodução, poucos estudos conseguiram recolher amostras de pais
gays em situações semelhantes ainda que se verifique já o fenómeno gay baby
boom cujos pais recorrem a adopção ou barrigas de aluguer' como via de
parentalidade. Partindo do pressuposto que é o género dos pais e mães que pode
estar na génese das diferenças, é especialmente importante aprofundar o
conhecimento sobre a parentalidade de homens gays.