Competência percebida no ensino secundário: do conceito à avaliação através de
um questionário compósito
Introdução
A competência percebida no domínio académico é uma dimensão auto‑avaliativa
que diz respeito às percepções e juízos que os alunos constroem acerca das suas
capacidades e competências pessoais nos domínios da realização escolar (Faria,
2008). Desenvolvendo‑se através das avaliações pessoais de experiências
anteriores, a competência percebida funda‑se na interpretação dos sucessos e
dos fracassos, nas percepções de controlo das realizações, no feedback dos
agentes de socialização e na reacção afectiva perante as consequências do
desempenho individual (Harter, 1992). De acordo com Harter (1992), estes
factores têm um impacto directo na competência percebida e na motivação do
aluno. Paralelamente, o processo de auto‑avaliação das percepções de
competência pessoal pode provocar, ainda, uma reacção afectiva secundária que
irá influenciar de igual modo a respectiva orientação motivacional. Assim,
Harter (1992) evidencia uma relação directa entre a competência percebida e a
motivação do aluno, mas também uma relação indirecta, através da mediação de
reacções afectivas, reforçando a importância da competência percebida no
domínio motivacional como, de resto, tinha já sido sugerido por Weiner (1985).
Deste modo, duas conclusões se sobrelevam do que foi referido: a importância da
competência percebida para a motivação dos alunos e o seu carácter
multidimensional. Efectivamente, decorrendo de interpretações, percepções e
afectos, constituindo em si mesma um processo de formulação de juízos pessoais,
e dando origem a novas reacções afectivas e a orientações motivacionais, a
competência percebida apresenta‑se como um construto compósito (Stocker, Pina
Neves, & Faria, 2010), integrando diferentes dimensões que se situam entre
o continuum do pólo cognitivo e do pólo emocional. Assim, enquanto o pólo
cognitivo diz respeito às interpretações das situações e resultados da
realização, aos juízos pessoais e à auto‑avaliação de competência, o pólo
emocional diz respeito a todos os sentimentos e afectos decorrentes dos
resultados da realização, do processo de auto‑avaliação e das respectivas
percepções de competência.
Ora, procurando analisar a competência percebida no seu sentido mais lato e
compreensivo, neste estudo apresenta‑se um modelo compósito da competência
percebida, baseado num modelo formulado e investigado anteriormente, sobre as
concepções pessoais de competência (Pina Neves & Faria, 2005), mas
apresentando agora variáveis cognitivas e variáveis emocionais: concepções
pessoais de inteligência (CPI) ' a minha competência intelectual pode ser
desenvolvida?; dimensões causais ' as causas dos meus resultados são internas,
estáveis e controláveis por mim?; auto‑conceito académico ' sou bom/boa aluno
(a)?; auto‑eficácia académica ' vou ter boas notas?; e competência emocional '
consigo lidar com situações emocionalmente difíceis?.
Concepções pessoais de inteligência
As CPI, de acordo com a perspectiva de Dweck (1996, 1999), são definidas como
teorias pessoais e implícitas que o aluno constrói acerca da natureza e
desenvolvimento da sua inteligência, através de um processo auto‑avaliativo
(Ciochină & Faria, 2006; Faria, 2008). Apesar de serem vistas num
continuum, as CPI tendem a ser mais estáticas ou mais dinâmicas. Alunos com
concepções estáticas da inteligência (fixed mindset) tendem a preocupar‑se
essencialmente com os seus resultados escolares objectivos e não com o processo
de aprendizagem per se, uma vez que acreditam que a inteligência tem uma
quantidade fixa e limitada, não sendo passível de desenvolvimento (Dweck, 2008;
Faria, 2008). Assim, neste caso, o que importa é apenas a demonstração
objectiva de inteligência, realizada sobretudo através da comparação social.
Pelo contrário, alunos com CPI dinâmicas (growth mindset) vêem a inteligência
como uma qualidade flexível (Ciochină & Faria, 2006; Dweck, 2008; Faria,
2008) e acreditam no seu desenvolvimento através do empenho, esforço e
investimento pessoal. Desta forma, torna‑se evidente que a competência
percebida de alunos com concepções estáticas será mais vulnerável, uma vez que
vai depender obrigatória e directamente dos resultados obtidos. Ou seja, apesar
do sucesso poder reforçar o sentimento de competência pessoal, o fracasso
debilita‑o, aumentando o risco de fuga ou evitamento de situações adversas,
susceptíveis de desafiar e vulnerabilizar a competência pessoal (Dweck, 1999,
2008).
Atribuições e dimensões causais
Do mesmo modo, as atribuições e dimensões causais têm sido reconhecidas como
mediadoras importantes de padrões de comportamento mais ou menos adaptativos,
nomeadamente nos domínios da motivação e do rendimento escolar, influenciando
as realizações, a persistência e as expectativas de sucesso (Dweck, 1999;
Perry, Stupnisky, Hall, Chipperfield, & Weiner, 2010; Weiner, 1985). Weiner
(1985, 2008) defende que perante os resultados das realizações escolares,
existe o desejo de encontrar as causas do sucesso e, especialmente, do
fracasso, como forma de compreensão, integração e transformação dessa
experiência (Pina Neves & Faria, 2008; Stocker, Pina Neves, & Faria,
2010). O mesmo autor (Weiner, 1985) propõe uma taxonomia de três dimensões
causais: locus de causalidade ' se a causa do resultado é internaouexternaao
aluno; estabilidade ' se a causa é estável ou instável ao longo do tempo; e
controlabilidade ' se a causa é controlável ou incontrolável pelo aluno.
Globalmente, considera‑se que um aluno que percepcione as causas de um sucesso
como internas, estáveis e controláveis, e externas, instáveis e controláveis
para o insucesso, protegerá e promoverá os seus níveis de competência percebida
e de motivação (Weiner, 1985).
Auto‑conceito académico
Por sua vez, o auto‑conceito, de acordo com o modelo hierárquico e
multidimensional de Shavelson, Hubner e Stanton (1976), tem origem num processo
cognitivo de auto‑avaliação realizado pelo indivíduo e diz respeito às
crenças, percepções e características do mesmo, organizando e dando estrutura,
coerência e significado às vivências pessoais (Hattie, 1992; Pajares &
Schunk, 2001). Marsh e Shavelson (1985), de acordo com a organização
hierárquica do auto‑conceito, apontam para a existência de auto‑percepções
globais e específicas do self, entre as quais o auto‑conceito académico. O
auto‑conceito académico diz respeito às crenças do aluno acerca das suas
competências e limites académicos, dos seus hábitos, gostos e interesses nos
domínios escolares. Mais ainda, este construto pode integrar dimensões
específicas da acção, ou seja, de acordo com o domínio disciplinar considerado
(Marsh, Byrne, & Shavelson, 1988; Pajares & Schunk, 2001). Assim, no
presente estudo, aborda‑se o auto‑conceito académico em três dimensões:
auto‑conceito assuntos escolares, auto‑conceito verbal e auto‑conceito
Matemática. Tomando como referência as correlações positivas entre as
auto‑percepções dos alunos e a respectiva realização, considera‑se que um
auto‑conceito académico positivo pode contribuir para uma melhor competência
percebida, promovendo confiança no selfacadémico e no desempenho individual
(Marsh, Byrne, & Shavelson, 1988; Pajares & Schunk, 2001).
Auto‑eficácia académica
De acordo com Bandura (1977), a auto‑eficácia é um construto microanalítico,
devendo ser operacionalizado em função do domínio específico a avaliar. Neste
caso, o domínio em questão é o académico, sendo possível, então, conceptualizar
o construto da auto‑eficácia académica (Stocker, Pina Neves, & Faria,
2010). A auto‑eficácia académica pode ser definida como o conjunto de
expectativas que os alunos constroem acerca das capacidades pessoais para
realizar tarefas, concretizar objectivos e alcançar resultados no domínio da
realização escolar (Pina Neves & Faria, 2007; Stocker, Pina Neves, &
Faria, 2010). À semelhança do auto‑conceito académico, na auto‑eficácia
académica foram consideradas três dimensões: auto‑eficácia escolar geral,
auto‑eficácia em Português e auto‑eficácia em Matemática. Assim, quanto mais
positivas forem as expectativas dos alunos face aos seus resultados, melhores
deverão ser os níveis de competência percebida, uma vez que acreditam na
qualidade do seu trabalho e antecipam resultados de sucesso (Pajares &
Schunk, 2001).
Competência emocional
Finalmente, a competência emocional é definida como a capacidade de o aluno
perceber, reconhecer, expressar, regular e gerir emoções, para compreender
sentimentos e cognições subsequentes (Mayer & Salovey, 1997; Salovey,
Mayer, & Goldman, 1995; Stocker, Pina Neves, & Faria, 2010). Neste
sentido, três dimensões ganham relevo: percepção emocional ' identificar,
perceber e interpretar emoções em si e nos outros ', expressão emocional '
exteriorizar sentimentos de forma adequada ', e capacidade para regular a
emoção ' regular e gerir emoções: reforçar emoções positivas, como o orgulho e
a esperança, e ultrapassar negativas, como a culpa e a vergonha (Faria et al.,
2006; Faria, Pina Neves, Stocker, Fontes Costa, & Costa, 2010; Lima Santos
& Faria, 2005; Salovey, Mayer, & Goldman, 1995). Assim, diferentes
autores relevam o papel da emoção na competência percebida e, consequentemente,
na motivação, no desempenho e na realização académica (Frederickson, 2001;
Pekrun, Maier, & Elliot, 2009; Perry, Stupnisky, Hall, Chipperfield, &
Weiner, 2010; Weiner, 1985). Efectivamente, alunos com elevados níveis de
percepção de competência emocional tendem a interpretar os resultados
académicos de forma mais adaptativa, e a percepcionar mais ajustadamente as
suas potencialidades e os seus limites, mostrando‑se mais curiosos, optimistas
e interessados (Mayer & Salovey, 1997; Pekrun, Maier, & Elliot, 2009).
Desta forma, estes cinco construtos psicológicos constituem e organizam‑se
conjunta e integradamente numa variável compósita que designamos por
competência percebida que, por sua vez, se relaciona, quer directa quer
indirectamente, com a motivação académica dos alunos.
Objectivos
São vários os estudos que investigam estas variáveis psicológicas individual e
isoladamente, dificultando a compreensão das relações que estabelecem entre si
e com os resultados escolares. Procurando contrariar esta tendência, no
presente artigo pretende‑se contribuir para uma compreensão alargada e
integrada da competência percebida, nomeadamente no que se refere às
possibilidades de avaliação da mesma numa perspectiva multidimensional. Deste
modo, apresentam‑se as etapas envolvidas na construção, adaptação e validação
de um instrumento compósito, Questionário Compósito de Competência Percebida
(QCCP), que integra dimensões e itens dos construtos que têm vindo a ser
apresentados (CPI, atribuições e dimensões causais, auto‑conceito e
auto‑eficácia académicos e competência emocional), seleccionados de escalas já
existentes e adaptadas à população portuguesa. Pretende‑se igualmente analisar
as respectivas qualidades psicométricas, e, finalmente, contribuir para o
incremento da avaliação, de modo compreensivo e multidimensional, das
percepções de competência pessoal de alunos do ensino secundário.
Método
Participantes
Participaram neste estudo 1794 alunos do ensino secundário do Porto (37,5% do
10º ano, 32,3% do 11º ano e 30,2% do 12º ano), de escolas públicas (60,1%) e
privadas, com idades compreendidas entre os 14 e os 21 anos (M=16,3;
Md=16,0;Mo=16;DP=1,06). A maior parte dos alunos é do sexo feminino (54,6%), do
nível sócio‑económico (NSE) médio‑alto (20,4% do NSE médio‑baixo, 24,2% do
NSE médio, 27,8% do NSE médio‑alto e 27,6% do NSE alto) e do curso
científico‑humanístico de Ciências e Tecnologias (44%).
Instrumento
A versão final do QCCP foi alcançada através de duas fases sequenciais
distintas: 1) revisão da literatura e análise dos instrumentos existentes para
avaliar cada construto; e 2) realização de um estudo‑piloto com 385 alunos do
ensino secundário.
Na primeira fase, após a revisão da literatura no domínio da competência
percebida, foram seleccionados os instrumentos que apresentaram melhores
resultados em diversas investigações no contexto português e que, assim,
integraram o QCCP: Escala de Concepções Pessoais de Inteligência(ECPI),
construída e validada por Faria (2006); Questionário de Atribuições e Dimensões
Causais(QADC), de Pina Neves e Faria (2008); Self‑Description Questionnaire
III (SDQIII), adaptado por Faria e Fontaine (1992); Escala de Auto‑Eficácia
Académica(EAEA), de Pina Neves e Faria (2006); e Emotional Skills and
Competence Questionnaire, validado para o contexto português por Lima Santos e
Faria (Questionário de Competência Emocional ' QCE ', Faria & Lima Santos,
2011; Lima Santos & Faria, 2005). Assim, foram mantidas todas as dimensões
teóricas destes instrumentos, com excepção do SDQIII, em que apenas se utilizou
a dimensão académica do auto‑conceito, e procedeu‑se à análise dos itens de
cada instrumento, comparando os resultados das suas qualidades psicométricas em
diferentes investigações, em momentos e com populações diferentes, de modo a
seleccionar os itens com melhores indicadores psicométricos.
No final, o QCCP integrou um total de 162 itens: 20 itens da ECPI ' 10 itens na
CPI estática e 10 na CPI dinâmica; 48 itens do QADC ' 16 itens no locus de
causalidade, 16 na estabilidade e 16 na controlabilidade; 30 itens do SDQIII '
10 itens no auto‑conceito verbal, 10 no auto‑conceito Matemática e 10 no
auto‑conceito assuntos escolares; 22 itens da EAEA ' sete itens na
auto‑eficácia em Português, oito na auto‑eficácia em Matemática e sete na
auto‑eficácia escolar geral; e, por fim, 42 itens do QCE ' 14 itens na
percepção emocional, 14 na expressão emocional e 14 na capacidade para lidar
com a emoção. Todos os itens estão organizados por construto, com instruções
intercalares e com escalas de resposta de tipo Likert (Quadro_1), de acordo com
a ordem seguinte: QCE, ECPI, EAEA, SDQIII e QADC.
Numa segunda fase, com o objectivo de testar a compreensão uniforme e unívoca
das instruções e dos itens por parte dos alunos e, posteriormente, de efectuar
um refinamento do instrumento, foi realizado um estudo‑piloto. A amostra deste
estudo foi constituída por 385 estudantes, equitativamente distribuídos pelos
três anos do ensino secundário do Grande Porto (10º ano ' 36,6%; 11º ano '
31,9%; 12º ano ' 31,4%), 55,6% raparigas e 44,4% rapazes, com idades
compreendidas entre os 13 e os 22 anos (M=16,3; Md=16,0; Mo=16; DP=1,25) e de
nível sócio‑profissional alto (31,9%), médio (34,2%) e baixo (33,9%), que
responderam colectivamente ao QCCP, não se tendo observado dificuldades
assinaláveis.
No que respeita as qualidades psicométricas do QCCP, globalmente, os resultados
mostraram‑se satisfatórios. Assim, relativamente à consistência interna,
analisada através do alpha de Cronbach, foram encontrados bons valores,
situados entre 0,72 e 0,95, sendo as dimensões da EAEA os seus melhores
representantes (entre 0,89 e 0,95).
Para testar a validade factorial do instrumento, procedeu‑se à realização de
uma análise factorial exploratória em componentes principais, com rotação
varimax, extraindo‑se 14 factores, um por cada dimensão analisada, que extraem
50% da variância total dos resultados. Os índices globais de saturação e de
comunalidade dos itens tendem a situar‑se, globalmente, acima de 0,30.
No que se refere à sensibilidade do instrumento, as respectivas dimensões
apresentam médias e medianas aproximadas, valores máximos e mínimos claramente
afastados, bem como coeficientes de assimetria e de curtose próximos da unidade
(à excepção da CPI dinâmica, do locus, da expressão emocional e da capacidade
para lidar com a emoção, que revelam valores de curtose mais elevados, entre
1,84 e 2,49).
A partir dos indicadores recolhidos realizou‑se um primeiro refinamento do
QCCP, que consistiu na reformulação dos itens com piores indicadores
psicométricos e que suscitaram dúvidas ligeiras no estudo‑piloto. Globalmente,
o sentido/significado dos itens foi mantido, procurando‑se apenas promover a
sua clarificação.
Procedimento
Para este estudo foram seleccionadas escolas públicas e privadas com ensino
secundário de diferentes zonas geográficas da cidade do Porto (Zona Oriental e
Ocidental), incluindo quatro freguesias distintas, com o objectivo de obter uma
amostra representativa de diferentes realidades sociais, culturais e económicas
do Porto. Dentro de cada escola, a selecção das respectivas turmas foi
totalmente aleatória.
Após a autorização das instituições escolares, oficializada num documento
escrito, foi pedida a autorização dos Encarregados de Educação dos alunos das
turmas seleccionadas, numa carta que explicava a temática e objectivos do
estudo, e as condições de administração dos questionários, nomeadamente o
carácter confidencial e voluntário. Em caso de autorização, a carta era
assinada e devolvida à escola.
A administração do QCCP foi realizada colectivamente, por turma, em tempos
lectivos e na sala de aula. Os procedimentos foram uniformizados para todas as
turmas e o tempo de preenchimento do questionário variou entre 20 e 40 minutos.
Análise de dados
No que respeita o tratamento dos dados, foi utilizado o SPSS (versão 17.0) para
as seguintes análises: análise factorial exploratória (AFE), consistência
interna das dimensões (alphade Cronbach), validade interna dos itens
(correlação item x total corrigido), correlação entre dimensões, sensibilidade
e poder discriminativo; e o EQS(versão 6.1) para as análises factoriais
confirmatórias (AFC).
A sensibilidade do QCCP foi analisada através das medidas de tendência central
(média, moda e mediana), de dispersão (desvio‑padrão e amplitude) e de
distribuição (assimetria e curtose) para as várias dimensões.
Para o estudo do poder discriminativo do instrumento compósito, foi analisada a
percentagem de escolha das alternativas de resposta de cada dimensão, sendo
posteriormente realizado um somatório das alternativas de concordância e das
alternativas de discordância, de modo a aceder à tendência global das
respostas.
Na AFC, as análises foram realizadas com matrizes de covariância construídas
pelo EQS, através do método de estimação máxima verosimilhança(maximum
likelihood' ML). Uma vez que a nossa amostra, de acordo com os indicadores do
EQS, violava os princípios da normalidade (valor de Mardia superior a 5)
pediu‑se a opção robusta em todas as análises (ML, robust ' correcção de
Satorra‑Bentler ' Satorra & Bentler, 1994). Para cada modelo foram tidos
em conta:
' matriz de covariância residual estandardizada ' discrepância entre as
covariâncias da matriz do modelo proposto e as da matriz obtida, existindo um
resíduo para cada par de variáveis que não deve ultrapassar o valor 2,58. A
distribuição dos resíduos deve ser simétrica e centrada em zero (Byrne, 2006).
' índices de ajustamento global ' analisam o modelo como um todo. São eles:
a) Qui‑Quadrado de Independência (Independence Chi‑Square Statistic) '
avalia a melhoria dos modelos alternativos face ao modelo nulo. Assim, o
qui‑quadrado de independência para o modelo nulo deve ser substancialmente
mais alto que o qui‑quadrado para o modelo alternativo, pois indica que o
modelo nulo não é ajustado;
b) Qui‑Quadrado (Chi‑Square Statistic ' χ2) ' discrepância entre o modelo
proposto e o modelo obtido, devendo ser o mais baixo possível e
não‑significativo;
c) Non‑Normed Fit Index (NNFI) e Comparative Fit Index (CFI) ' índices de
comparação entre o modelo proposto e o modelo nulo. Variando entre zero e um, o
valor original de referência para um bom ajustamento do modelo era 0,90, tendo
sido revisto para 0,95 (Hu & Bentler, 1999);
d) Root Mean‑Squared Residuals Standardized(RMRst) e Root Mean‑Squared Error
of Approximation (RMSEA) ' índices absolutos que verificam em que medida o
modelo proposto se ajusta à amostra. Quanto mais ajustado o modelo, menor o
valor destes indicadores. O RMRstrepresenta o valor médio dos resíduos
estandardizados, não devendo ultrapassar 0,08. O RMSEA considera o erro de
aproximação do modelo à população e não deve ultrapassar 0,06 (Hu &
Bentler, 1999).
' índices de ajustamento local ' indicadores que analisam os parâmetros
individuais do modelo como: significância dos parâmetros estimados e
respectivos valores de saturação, variância‑erro, entre outros.
' coeficiente de R2 (Squared Multiple Correlation Coefficient) ' avalia a
fiabilidade individual das variáveis manifestas, estimando a respectiva
quantidade de variância capturada pelo factor latente, não devendo ser inferior
a 0,25 (Maroco, 2010).
No Modelo 1 do QCCP, não se obtendo bons valores de partida (start values),
recorreu‑se ao procedimento retest, que estima automaticamente estes valores e
as respectivas saturações (Byrne, 2006). Este procedimento é usualmente
utilizado em modelos complexos, facilitando o processo iterativo no
estabelecimento dos parâmetros estimados, evitando problemas de
não‑convergência.
Por fim, todos os modelos foram reespecificados, isto é, modificados através,
por exemplo, da eliminação de vias não significativas, da libertação ou fixação
de parâmetros, da correlação de erros de medida e/ou da associação de um item a
outro factor além do proposto (loadingscruzados), de forma a diminuir
significativamente o χ2 e a promover o ajustamento do modelo (Byrne, 2006;
Maroco, 2010). Algumas destas decisões foram também apoiadas nas sugestões
dadas pelo Lagrange Multiplier Test (LM Test), um teste multivariado que estima
os índices de modificação para procedimentos alternativos.
Resultados
Análise factorial exploratória
Quanto à validade factorial do QCCP, realizada através de análises factoriais
exploratórias (AFE) em componentes principais com rotação varimax, foi pedida a
extracção de 14 factores, como no estudo‑piloto, correspondentes a cada uma
das dimensões teóricas do QCCP. Contudo, uma vez que todos os itens saturaram
os primeiros doze factores, optou‑se por aceitar um modelo com doze factores,
que explica 44% da variância total dos resultados. No teste de
Kaiser‑Meyer‑Olkin (KMO) foi obtido o valor de 0,92, o que revela uma boa
adequação da amostra ao modelo factorial. Por sua vez, o teste de esfericidade
de Bartlett apresentou valores adequados (χ2=88217,79; p=0,00), sugerindo que a
matriz de intercorrelações difere de uma matriz de identidade, estando as
variáveis correlacionadas entre si.
Globalmente, cada uma das dimensões do QADC e do QCE saturaram factores
independentes, diferenciando‑se dos restantes; a EAEA e o SDQIII tendem a
agrupar‑se em torno das dimensões Português vs. Matemática; e, por fim, a ECPI
saturou um único factor, com a excepção de cinco itens da CPI estática,
relacionados com a demonstração de inteligência. Assim vejamos: o Factor 1
corresponde aos itens de Matemática da EAEA e do SDQIII e aos itens académicos
gerais da EAEA, extraindo 9% da variância total dos resultados; o Factor 2 é
saturado essencialmente por itens da dimensão verbal da EAEA e do SDQIII,
correspondendo a 6% da variância; o Factor 3 integra todos os itens da CPI
dinâmica e cinco itens da CPI estática (ECPI) e extrai 5% da variância total; o
Factor 4 é saturado por todos os itens de percepção emocional e o Factor 5
pelos itens de expressão emocional (QCE), extraindo cada um 4% da variância dos
resultados; por sua vez, o Factor 6 e o Factor 7 representam todos os itens da
estabilidade e do locus (QADC ' com excepção de quatro itens do locus),
respectivamente, correspondendo a 4% e a 2% da variância; dos restantes
factores, cada um extrai 2% da variância total dos resultados, sendo que o
Factor 8 reúne essencialmente itens da dimensão auto‑conceito assuntos
escolares (SDQIII), o Factor 9 agrupa 11 itens da controlabilidade (QADC), o
Factor 10 é constituído por 10 itens da capacidade para lidar com a emoção
(QCE), o Factor 11 mistura itens semelhantes da controlabilidade e do locus
(QADC) e, por fim, o Factor 12 integra proeminentemente itens da CPI estática
(ECPI). Finalmente, os índices de saturação e de comunalidade dos itens são
globalmente iguais ou superiores a 0,30.
Consistência interna das dimensões e validade interna dos itens
A análise do alpha de Cronbach revela bons valores de consistência interna para
as dimensões do QCCP, tendo como referência o valor crítico de 0,70, já que se
situam entre 0,73 e 0,94, sendo as dimensões no domínio da Matemática da EAEA e
do SDQIII as mais consistentes (Quadro_2). As dimensões com piores resultados,
correspondem à capacidade para lidar com a emoção (QCE ' α=0,73), à
controlabilidade (QADC ' α=0,73), ao locus (QADC ' α=0,77) e à CPI estática
(ECPI ' α=0,77).
Os índices de correlação item x total corrigido (ritc), que correspondem à
correlação de cada item com o somatório da respectiva dimensão excluindo o
próprio item, corroboram os resultados da consistência interna, já que todos os
itens apresentam um valor de correlação superior a 0,20, com excepção do item
36 da capacidade para lidar com a emoção (QCE), do item 2 da CPI estática
(ECPI), do item 6 do locus (QADC) e do item 13 da controlabilidade (QADC),
sendo que estas foram as dimensões com menor consistência interna e em que
estes itens (com excepção do item do locus) contribuem para a diminuição do
alphadas mesmas.
Correlação entre as dimensões
A validade externa, que diz respeito à relação entre as dimensões de
determinado construto ou às relações entre dimensões de construtos diferentes,
foi estudada através da correlação entre as várias dimensões da competência
percebida (Quadro_3). Assim, espera‑se que os coeficientes de correlação sejam
mais fortes no caso da associação entre dimensões de um mesmo construto,
sugerindo validade convergente na sua avaliação, e mais fracos no caso da
associação entre dimensões de diferentes construtos, revelando validade
divergente. Contudo, é esperada uma associação significativa entre todas as
dimensões, já que o modelo teórico subjacente a este instrumento considera as
várias dimensões como constituindo o construto de competência percebida.
Tal como previsto, as dimensões analisadas apresentam globalmente correlações
mais fortes intra‑construto do que inter‑construto, evidenciando níveis de
convergência, por um lado, e de divergência, por outro.
Relações intra‑construto
Globalmente, as relações intra‑construto tendem a ser significativas e
positivas, embora algumas delas sejam fracas. Assim, observam‑se correlações
positivas e mais fortes (>0,30) entre as dimensões do QCE, da ECPI, e entre
percepções de causalidade mais internas e controláveis (QADC). A excepção surge
para a auto‑eficácia (EAEA) e para o auto‑conceito (SDQIII), em que as
correlações mais fortes parecem organizadas por domínio escolar (Português e
Matemática) e não por construto (auto‑eficácia vs. auto‑conceito).
Efectivamente, este resultado corrobora o modelo factorial encontrado, já que
as dimensões da auto‑eficácia e do auto‑conceito académicos misturam‑se de
acordo com a sua afinidade no domínio escolar. Este fenómeno foi já observado
em investigações anteriores (Pajares & Schunk, 2001; Pietsch, Walker, &
Chapman, 2003), e encontra possível explicação no facto de as escalas de
auto‑eficácia e de auto‑conceito partilharem alguma semelhança conceptual,
que se acentua quando se inter‑correlacionam as dimensões nos mesmos domínios
académicos. Dentro do construto da auto‑eficácia, as dimensões mantêm relações
mais fortes entre si (≥0,30), comparativamente com as dimensões do
auto‑conceito, já que o auto‑conceito Matemática apresenta uma relação fraca
com o auto‑conceito verbal (0,05).
Relações inter‑construtos
No que diz respeito às relações inter‑construtos, a magnitude das correlações
varia de acordo com as dimensões em análise, pelo que apresentaremos apenas os
resultados mais relevantes. Saliente‑se que as correlações fracas ou não
significativas correspondem, essencialmente, ao QADC. Assim, as percepções de
competência emocional associam‑se positiva e moderadamente (entre 0,20 e 0,33)
com as CPI dinâmicas, com as percepções de eficácia e de competência académicas
gerais e de Português (no domínio da Matemática, as correlações são fracas ou
não significativas).
Em relação às CPI, concepções menos estáticas da inteligência estão
relacionadas de forma moderada com o auto‑conceito verbal (0,22) e assuntos
escolares (0,27).
Tal como já foi referido, para as dimensões da auto‑eficácia e do
auto‑conceito académicos os coeficientes de correlação são superiores para as
dimensões afins dos dois construtos. Assim, as associações mais fortes surgem
entre a auto‑eficácia em Matemática e o auto‑conceito Matemática (0,76),
entre a auto‑eficácia escolar geral e o auto‑conceito assuntos escolares
(0,67) e entre a auto‑eficácia em Português e o auto‑conceito verbal (0,61).
Todas estas relações são positivas e significativas, pelo que podemos concluir
que quanto mais elevadas são as expectativas académicas nas três dimensões
consideradas, mais positivo é o auto‑conceito e vice‑versa, reforçando os
resultados de investigações anteriores (Pietsch, Walker, & Chapman, 2003).
Por sua vez, a estabilidade é a dimensão causal que mantém relações moderadas
(entre 0,20 e 0,21) com algumas dimensões psicológicas: auto‑eficácia e
auto‑conceito Matemática, e auto‑conceito assuntos escolares, sendo que
quanto mais positivas estas forem, mais estáveis serão as atribuições causais
no contexto académico.
Sensibilidade das dimensões e poder discriminativo dos itens
No que se refere à análise da sensibilidade do instrumento, o recurso às
estatísticas descritivas permitiu concluir que, no cômputo geral, o mesmo
apresenta médias e medianas aproximadas, valores máximos e mínimos claramente
afastados, bem como coeficientes de assimetria e de curtose próximos da unidade
(à excepção das dimensões do QCE, da CPI dinâmica e do locus, como se verifica
no Quadro_4). Assim, podemos concluir que estes indicadores enquadram
globalmente as respostas dos sujeitos dentro dos parâmetros da curva normal.
No que concerne o poder discriminativo, os resultados foram menos satisfatórios
na maioria das escalas, pois apesar de se observar algum equilíbrio na escolha
das várias alternativas de resposta, é igualmente verificado um ligeiro pendor
para as respostas de concordância (entre 27% e 97%), revelando concordância com
os itens positivos e discordância com os itens negativos, o que poderá ser
indicador da provável influência da desejabilidade social. Mais
especificamente, os itens do SDQIII e da EAEA revelam um poder discriminativo
mais forte do que as restantes, evidenciando uma distribuição de respostas mais
equilibrada pelas diferentes alternativas.
Análise factorial confirmatória
A análise factorial confirmatória (AFC) constitui um procedimento fundamental
em qualquer estudo que ambicione testar a validade de construto de um
instrumento, sendo por isso um procedimento essencial no quadro dos objectivos
deste estudo.
Tal como para a AFE, procurou‑se realizar uma AFC que integrasse todos os
itens do QCCP, correspondendo a 14 factores. Contudo, esta análise revelou‑se
inexequível face à complexidade e extensão do modelo proposto. Optou‑se então
pela realização preliminar de AFC's para cada escala (ECPI, QADC, SDQIII, EAEA
e QCE), de modo a aferir a sua organização e a seleccionar os itens com
melhores indicadores psicométricos (Quadro_5). Estes itens, considerados os
mais representativos do QCCP e que melhor avaliam a competência percebida,
integrariam posteriormente uma AFC mais parcimoniosa do instrumento compósito.
No que diz respeito à ECPI, os índices de ajustamento para o primeiro modelo
foram claramente maus (NNFI=0,84, CFI=0,86, RMSEA=0,07), com a excepção do
RMRst (0,07). Para encontrar um modelo final aceitável, foram excluídos os
itens com piores valores de R2, ficando a ECPI com 11 itens ' seis itens
dinâmicos (1, 9, 13, 15, 17 e 19) e cinco itens estáticos (6, 10, 12, 14, 16).
O ajustamento local e global deste modelo melhorou substancialmente, estando os
índices NNFI (0,97), CFI (0,97), RMRst(0,03) e RMSEA (0,05) dentro dos limites
considerados satisfatórios.
As dimensões causais têm sido, ao longo dos muitos anos de investigação no
domínio atribucional, um construto de complexa avaliação, dificultando a
construção de instrumentos de medida com boas qualidades psicométricas (Pina
Neves & Faria, 2008). Na AFC do QADC foi difícil encontrar um modelo
satisfatório, uma vez que os valores iniciais para os índices de comparação
eram claramente inadequados: NNFI=0,70, CFI=0,71 vs. RMRst=0,07 e RMSEA=0,05.
Após várias análises, em que fomos excluindo itens que apresentavam mau
ajustamento local e introduzindo parâmetros sugeridos pelo LM Test,
consistentes do ponto de vista teórico e metodológico, o modelo do QADC ficou
reduzido a um total de 8 itens para cada dimensão causal: itens 6, 7, 9, 10,
11, 12, 13, 16. Os seus indicadores globais são médios: NNFI=0,91, CFI=0,92,
RMRst=0,04 e RMSEA=0,04.
Em investigações anteriores com o SDQIII, o auto‑conceito Matemática foi a
dimensão que apresentou melhores resultados (Faria & Fontaine, 1992), tal
como neste estudo. Assim, no primeiro modelo, os itens que contribuíram para o
respectivo mau ajustamento pertencem essencialmente às dimensões do
auto‑conceito Português e assuntos escolares, traduzindo‑se em NNFI de 0,80,
CFI de 0,81, RMRste RMSEA de 0,08. Depois de várias análises em que os itens
com piores indicadores foram sendo excluídos (4, 10, 11, 14, 16, 19, 22, 28 e
29) e em que se incluíram algumas das sugestões do LM Test, os indicadores de
ajustamento local e global foram mais razoáveis: NNFI=0,93, CFI = 0,94,
RMRst=0,06 e RMSEA=0,06.
Na EAEA, o primeiro modelo apresentou um bom ajustamento local mas um
ajustamento global menos positivo (NNFI=0,91, CFI=0,92, RMRst=0,06,
RMSEA=0,06). Já que todos os itens apresentavam bons valores de R2e tinham
pouco erro associado, optámos por excluir os itens que em AFE's anteriores se
misturaram com outras dimensões (itens 6 e 15). Assim, o segundo modelo
melhorou ligeiramente os seus índices de ajustamento global, dando‑se como
aceite: NNFI=0,94, CFI=0,95, RMRst=0,06, RMSEA=0,05.
Finalmente, no que diz respeito ao QCE, os resultados corroboraram estudos
nacionais e internacionais anteriores (Faria et al., 2006; Faria & Lima
Santos, 2011; Lima Santos & Faria, 2005). Assim, a dimensão com piores
resultados em termos de ajustamento local foi a capacidade para lidar com a
emoção. Em termos de ajustamento global, o primeiro modelo, com todos os itens,
apresentou bons índices para RMRst (0,04) e para RMSEA (0,05), mas maus valores
para NNFI (0,80) e para CFI (0,80). Excluídos os itens com piores indicadores a
nível local e que contribuíram negativamente para este modelo, o QCE ficou
reduzido a 20 itens: 10 itens na percepção emocional (1, 4, 7, 10, 13, 19, 22,
34, 37, 40), 8 itens na expressão emocional (2, 8, 11, 17, 20, 26, 32, 38) e 2
itens na capacidade para lidar com a emoção (3, 12). Neste modelo, com 20 itens
e com a introdução de uma covariância‑erro sugerida pelo LM Test, todos os
índices de ajustamento local e global são aceitáveis ' NNFI=0,93, CFI=0,94,
RMRst=0,04 e RMSEA=0,04 (Hu & Bentler, 1999).
Assim, após a selecção dos itens com melhor ajustamento local e que mais
contribuíram para um bom ajustamento global, procedemos à realização de uma AFC
que integrou os referidos itens. Contudo, este modelo continuava a ser
demasiado complexo, pelo que tivemos que ponderar reduzi‑lo. Neste sentido,
uma vez que o QADC foi a escala que apresentou piores resultados a nível de
ajustamento local e global e que foi, também, a escala que menos se
correlacionou com as outras, que revelou pior consistência e pior validade
interna das respectivas dimensões e itens, optou‑se pela sua exclusão da AFC
para o instrumento compósito.
Então, esta análise contou com a integração de 72 itens distribuídos pelos
respectivos 11 factores: percepção e expressão emocional, capacidade para lidar
com a emoção; CPI dinâmica e estática; auto‑eficácia Português, Matemática e
escolar geral; auto‑conceito Português, Matemática e assuntos escolares. No
primeiro modelo os valores de partida não eram bons, pelo que pedimos uma
segunda análise ' Modelo 1 (Quadro_6) ', com os valores de partida dados
automaticamente pelo EQS (retest).
Neste modelo, assim como nos subsequentes, o valor do χ2 é substancialmente
menor que o valor do χ2de independência, rejeitando‑se o modelo nulo. Os
valores residuais estandardizados são menores que 2,58 e a análise da
distribuição de frequência revela que a maior parte dos resíduos (96,23%) se
concentra entre os valores ‑0,1 e 0,1 (portanto, próximos de zero),
verificando‑se que apesar de poder existir uma discrepância mínima entre o
ajustamento do modelo proposto e o do modelo obtido, estes valores indicam um
bom ajustamento (Byrne, 2006). Por sua vez, os índices de ajustamento global
são razoáveis, já que: NNFI=0,91, CFI=0,91, RMRst=0,05 e RMSEA=0,04. Ao nível
do ajustamento local, todos os itens apresentam bons, e significativos, valores
de saturação, com reduzida quantidade de erro associada, sendo que os factores
correspondentes ao QCE são os que apresentam itens com piores indicadores.
Todos os itens capturam mais de 30% da variância dos resultados (R2>0,30).
Apesar de globalmente os factores apresentarem fortes valores correlacionais
entre si, correlações que envolvam os dois factores das CPI (dinâmico e
estático), o auto‑conceito Matemática e assuntos escolares, e as três
dimensões da competência emocional tendem a revelar valores mais baixos. Estes
resultados vão de encontro aos observados nas covariâncias entre factores, uma
vez que parte das covariâncias que envolvem estes factores não são
significativas.
Ora, a não significância das covariâncias entre alguns factores pode indicar
dificuldade na estimação dos parâmetros do modelo, dada a sua complexidade e o
extenso número de parâmetros considerados. Assim, para os factores cuja
covariância não foi significativa, substituímos os valores de partida, que
tinham sido gerados automaticamente pelo EQS, pelos respectivos valores de
correlação, já que são mais exactos. Neste processo, nos pares de factores
cujas correlações foram muito baixas, optámos por fixar os seus valores de
partida em zero (os parâmetros não são estimados) e assumir a inexistência de
correlação. São eles: CPI dinâmica ' auto‑conceito assuntos escolares;
expressão emocional ' auto‑conceito Matemática; e CPI dinâmica '
auto‑eficácia Matemática. Esta nova AFC deu origem ao Modelo 2 (Quadro_6).
No Modelo 2 os valores residuais estandardizados, os índices de ajustamento
global e local, e os valores de R2 são muito semelhantes aos encontrados para o
Modelo 1, não havendo alterações assinaláveis. As diferenças surgem para a
significância das covariâncias entre os factores, já que três delas passaram a
ser significativas: CPI dinâmica ' auto‑eficácia escolar geral; CPI estática '
auto‑eficácia Matemática; capacidade para lidar com a emoção ' auto‑eficácia
Matemática. Assim, são cinco os pares de factores que continuaram sem se
relacionarem significativamente: capacidade para lidar com a emoção '
auto‑conceito assuntos escolares; CPI dinâmica ' auto‑conceito Matemática;
percepção emocional ' auto‑conceito Matemática; capacidade para lidar com a
emoção ' auto‑conceito Matemática; CPI dinâmica ' auto‑conceito verbal. Estes
resultados sugerem que, apesar de estas dimensões serem parte integrante da
competência percebida, a competência emocional e a CPI dinâmica poderão não
estar directamente associadas com o auto‑conceito académico, principalmente
com o auto‑conceito Matemática. Relembramos que já nas análises correlacionais
encontrámos valores baixos ou não significativos entre estas dimensões.
Ainda no Modelo 2, foram analisados possíveis parâmetros desajustados, através
do LM Test, que deram origem à reespecificação deste modelo. Assim, foram
introduzidas três covariâncias‑erro (integradas uma a uma), que diminuiriam o
valor do χ2e que, por outro lado, faziam sentido conceptualmente: e71, e68 '
itens 38 e 32 da expressão emocional (conhecer o próprio estado emocional/
sentimentos); e21, e20 ' itens 30 e 27 do auto‑conceito Matemática (ser bom/
boa a Matemática); e17, e13 ' itens 24 e 18 do auto‑conceito Matemática
(dificuldades na Matemática).
Surgiu, assim, o Modelo 3 (Quadro_6), com um χ2significativamente mais baixo (∆
χ2=356,3; p<0,000) e com valores do NNFI e CFI ligeiramente mais elevados
(0,92), mantendo‑se constantes os outros indicadores do ajustamento global. Os
valores residuais são semelhantes aos dos modelos anteriores (96,31% dos
resíduos estão entre o intervalo ‑0,1 e 0,1), os valores de saturação são
superiores a 0,55, a quantidade de erro associada aos itens varia entre 0,34 e
0,83, os valores de R2 superam 0,30 e as correlações entre os factores são as
mesmas do Modelo 2 (Quadro_7).
Considerando os resultados da análise das qualidades psicométricas do QCCP,
verificou‑se que é possível aceitar a existência e promover a utilização de um
instrumento compósito da competência percebida, que permita avaliar várias
dimensões deste construto. Contudo, trata‑se de um instrumento ainda em
(re)construção, necessitando de mais estudos que permitam o seu refinamento e
melhoramento.
Discussão
Neste trabalho, após uma discussão acerca da necessidade de construir um quadro
conceptual que reúna num só construto as concepções pessoais de competência,
apresentaram‑se os primeiros estudos e respectivos resultados das qualidades
psicométricas do Questionário Compósito de Competência Percebida,
explorando‑se a sua consistência interna, sensibilidade e validade de
construto.
Globalmente, a AFE com os 12 factores revelou índices globais de saturação e de
comunalidade satisfatórios, extraindo 44% da variância total dos resultados. Os
resultados obtidos tendem a corroborar as outras análises psicométricas
realizadas, pelo que procuraremos discutir aqui a sua relação. Efectivamente,
as dimensões da auto‑eficácia e do auto‑conceito académicos tendem a
misturar‑se, na AFE, em factores comuns associados a Português e a Matemática,
indo de encontro aos resultados correlacionais, cujos coeficientes são tanto
mais elevados quanto mais academicamente afins forem as suas dimensões
(auto‑eficácia Português/auto‑conceito verbal; auto‑eficácia Matemática/
auto‑conceito Matemática). Contudo, o mesmo já não se verifica para as
dimensões académicas gerais (auto‑eficácia escolar geral e auto‑conceito
assuntos escolares), já que: os itens da auto‑eficácia escolar geral
misturam‑se com os da auto‑eficácia Matemática, verificando‑se também uma
forte correlação entre estas dimensões; e que parte dos itens do auto‑conceito
assuntos escolares saturam o Factor 1 e o Factor 2, juntamente com os itens de
Matemática e verbais, respectivamente. Tal poderá sugerir que os domínios de
Português e de Matemática assumem um papel de relevo, uma vez que os itens
relativos aos domínios académicos gerais (auto‑eficácia escolar geral e
auto‑conceito assuntos escolares) apresentam correlações elevadas e
misturam‑se com os itens de Português e de Matemática. Contudo, estes
resultados podem também evidenciar fraca validade discriminativa dos domínios
académicos gerais de ambos os construtos. Efectivamente, Pina Neves e Faria
(2006) debateram‑se com a mesma questão, pois encontraram resultados
semelhantes para as dimensões da auto‑eficácia: fortes associações entre a
dimensão académica geral e as duas dimensões específicas (Português e
Matemática). Assim, estes resultados, apoiados por estudos anteriores, parecem
pôr em questão a necessidade de uma dimensão académica geral, vaga e pouco
discriminativa, e/ou a existência de um factor de segunda ordem (Pina Neves
& Faria, 2006), o qual postula que os factores de primeira ordem estimados
são na realidade subdimensões de um construto mais amplo. Contudo, esta
hipótese poria em causa o pressuposto específico e microanalítico da
auto‑eficácia, exigindo uma revisão teórica, metodológica e empírica deste
construto.
Apesar de grande parte dos estudos com a ECPI encontrarem dois factores
distintos (estático e dinâmico ' Faria, 2006) e de as AFC neste trabalho também
terem revelado essa possibilidade, há que ter em consideração que: todos os
itens são cotados no mesmo sentido (dinâmico), e que as duas dimensões avaliam
o mesmo construto ' a natureza e (im)possibilidade de desenvolvimento da
inteligência. Logo, poderá ser compreensível a mistura de cinco itens estáticos
no factor da CPI dinâmica da AFE (Factor 3). Efectivamente, as CPI podem ser
mais dinâmicas ou mais estáticas, tratando‑se de dimensões fortemente
correlacionadas, e permitindo um somatório total dos itens, ou seja, o cálculo
de uma dimensão total. Assim, pode colocar‑se a hipótese de estarmos perante
um construto passível de ser avaliado de forma bifactorial (CPI dinâmica e CPI
estática), mas também como um construto unidimensional, logo, unifactorial.
Contudo, mais estudos teriam de ser realizados, nomeadamente através da
comparação dos resultados de uma AFC para um modelo unifactorial e para um
modelo bifactorial, para pistas mais seguras e empiricamente fundamentadas
serem discutidas.
Já as dimensões do QCE parecem apresentar forte validade divergente. De facto,
todas as dimensões do QCE saturam factores isolados na AFE, com excepção de
quatro itens da capacidade para lidar com a emoção. Apesar de esta dimensão ser
menos diferenciada e consistente, o que também foi observado noutros estudos
nacionais e internacionais (Faria et al., 2006; Faria & Lima Santos, 2011;
Lima Santos & Faria, 2005), o QCE parece revelar neste estudo uma estrutura
mais diferenciada e clara do que em investigações anteriores, podendo para tal
ter contribuído a adaptação dos itens, preliminar e decorrente do
estudo‑piloto, que apresentavam piores qualidades. Assim, apesar das fortes
correlações observadas entre as três dimensões da competência emocional, estas
parecem possuir adequada validade divergente.
O mesmo parece acontecer com as dimensões causais, cuja estrutura factorial é
mais diferenciada do que aquela que foi encontrada por Pina Neves e Faria
(2008). Efectivamente, as autoras verificaram elevada convergência entre o
locuse a controlabilidade, convergência esta presente noutras investigações e
profusamente discutida na literatura (Weiner, 1985). No presente estudo, o
locus e a controlabilidade estão fortemente correlacionados e observa‑se esta
convergência entre cinco itens do locus e seis itens da controlabilidade, que
saturam um único factor. Contudo, se tomarmos em consideração que se tratam de
itens com as mesmas causas atribucionais e que todos os outros itens saturam
factores diferenciados, o cômputo geral parece ser mais positivo. Assim,
globalmente, as três dimensões causais tendem a diferenciar‑se, sendo a
estabilidade a dimensão mais consistente (Pina Neves & Faria, 2008).
Contudo, a diferenciação verificada nas dimensões do QADC parece ocorrer também
a nível inter‑construto. De facto, apesar de as dimensões causais serem
relevantes para a competência percebida dos alunos, tendo grande impacto na
motivação (Perry, Stupnisky, Hall, Chipperfield, & Weiner, 2010; Pina Neves
& Faria, 2008; Stocker, Pina Neves & Faria, 2010; Weiner, 1985), a sua
relação com as outras dimensões da competência percebida parece ser diminuta,
possivelmente também devido à especificidade dos seus itens e escala de
resposta, que diferem dos restantes. Este aspecto, aliado ao facto de o QADC
ter apresentado os piores índices de ajustamento global e local na AFC,
levou‑nos, na impossibilidade de integrar todas as dimensões na AFC, pela sua
complexidade, a excluir os seus itens desta análise estatística. Assim, a AFC
foi realizada com as dimensões da competência percebida integradas no QCCP, com
excepção do locus, da estabilidade e da controlabilidade. Esta análise permitiu
aprofundar o estudo da validade de construto deste instrumento, assim como
analisar a adequabilidade do seu racional teórico.
Efectivamente, nas AFC's realizadas foi possível verificar a necessidade de
alteração de algumas escalas, já que em todas elas foi necessário retirar itens
das análises, de modo a promover o ajustamento do respectivo modelo. Tal poderá
implicar, em futuros estudos, alterações ao nível teórico e conceptual, ao
nível do conteúdo/formulação dos itens e/ou a exclusão de itens que contribuem
menos para a avaliação de determinada dimensão. Mais especificamente, o QCE e o
QADC demonstraram ser os instrumentos que necessitam de maior atenção, ficando
reduzidos na AFC a 50% dos seus itens. Já a EAEA e o SDQIII foram os
questionários que melhores qualidades psicométricas revelaram em todas as
análises, retendo na AFC 91% e 70% dos itens, respectivamente.
O modelo final, com 11 factores, revela um ajustamento global satisfatório, com
indicadores psicométricos aceitáveis. A nível do ajustamento local, apesar de
os valores de saturação, de R2, dos resíduos e da quantidade de erro serem
adequados, existem factores cujas covariâncias não são significativas,
sugerindo a sua não relação. Estes pares de factores, não significativos,
concentram‑se em torno das dimensões das CPI, do auto‑conceito e da
competência emocional. Assim, embora outros estudos evidenciem a importância
destas dimensões na relação e/ou previsão do rendimento académico (Dweck, 2008;
Pajares & Schunk, 2001; Pekrun, Maier, & Elliot, 2009; Stocker, Pina
Neves, & Faria, 2010), no presente trabalho estas parecem não se associar
entre si.
Contudo, convém relembrar que foram analisadas dimensões psicológicas
específicas, ou seja, dimensões que integram construtos mais alargados (i.e.:
auto‑conceito Matemática vs.auto‑conceito académico). Assim, parece‑nos
possível, e explicável do ponto de vista teórico, que dimensões mais gerais
(como CPI total, competência emocional e auto‑conceito académico) possam
apresentar relações significativas entre si, mas que dimensões mais
específicas, por se diferenciarem mais, não se relacionarem significativamente
entre si. Mesmo assim, são resultados que merecem especial atenção em futuros
estudos que integrem estas dimensões psicológicas, de modo a explorar melhor a
sua relação.
Conclusões
Perante estes resultados, parece‑nos fundamental a prossecução de estudos que
aprofundem as potencialidades e os limites do QCCP, já que globalmente se
revelou um instrumento útil no que diz respeito à avaliação da competência
percebida. Tendo apresentado bons níveis de consistência interna e de
sensibilidade, mas uma validade discriminativa e de construto menos claras,
seria importante replicar estas análises com diferentes amostras e/ou com
várias amostras em simultâneo (i.e.: amostra de validação e de calibração ou
recorrendo ao método bootstrapping), verificando a estabilidade dos resultados.
Efectivamente, apesar de a amostra deste estudo ter sido seleccionada
aleatoriamente e representar diferentes realidades da cidade do Porto (áreas
geográficas, escolas, anos, cursos ) seria útil replicá‑lo com alunos de
outras zonas do país, nomeadamente mais rurais, e procurar maior
representatividade do NSE.
Seria também importante realizar estudos de invariância métrica, com o
objectivo de avaliar a estabilidade da estrutura do QCCP em diferentes grupos
(género, nível sócio‑económico, ano de escolaridade, curso ). Além disso,
testar novos modelos através da AFC, nomeadamente com as dimensões alargadas
dos construtos (CPI, dimensões causais, auto‑conceito e auto‑eficácia
académicos, competência emocional), e comparando modelos alternativos nos casos
das CPI (uni e bifactorial), do auto‑conceito e da auto‑eficácia (com e sem
dimensões académicas gerais), poderá contribuir para a ponderação da
adequabilidade dos itens e das dimensões do QCCP, podendo levar à reformulação
e/ou eliminação de itens/dimensões, no sentido de melhorar e refinar este
instrumento compósito de competência percebida.
No que diz respeito à intervenção escolar e à prática educacional, este estudo
pode ser um primeiro passo para, no futuro, existir um instrumento compósito de
competência percebida, mais curto e de fácil preenchimento e cotação, que
permita aos profissionais escolares aceder às várias dimensões do perfil
motivacional do aluno e, assim, adequar e implementar eficazmente estratégias,
de acordo com as respectivas características motivacionais, que promovam a
motivação para a aprendizagem e a prossecução da mestria.
Assim, partilhamos da opinião que a construção e a validação de um instrumento
é sempre um processo inacabado e dinâmico, considerando este trabalho como um
passo preliminar na construção e validação de um instrumento compósito de
competência percebida com boas potencialidades de utilização no contexto
escolar.