O Impacto da adoção no desenvolvimento da criança
Introdução
Com a queda do regime de Nicolae Ceauşescu na Roménia, em 1989, tornaram-se
públicas as condições e as experiências de privação severa a que as crianças
institucionalizadas naquele país estavam expostas, muitas desde a primeira
infância. Esta situação, altamente preocupante e atípica do ponto de vista da
adversidade extrema encontrada, conduziu a uma resposta humanitária que
envolveu a adoção internacional de muitas daquelas crianças, por parte de
famílias da Europa Ocidental e da América do Norte (Rutter et al., 2009). Do
ponto de vista teórico e científico, esta circunstância abriu portas para a
realização de experiências naturais (Haugaard & Hazan, 2003), na procura de
respostas à seguinte questão: até que ponto é possível a recuperação, em
diferentes domínios do desenvolvimento, em crianças que foram expostas a
experiências precoces de privação de cuidados parentais adequados, após a sua
integração num contexto de cuidados de maior qualidade?
Com o intuito de analisar o impacto da exposição precoce a condições de
cuidados desfavoráveis, investigadores têm dedicado, nos últimos anos, uma
atenção crescente ao estudo dos resultados e dos processos desenvolvimentais em
crianças que foram adotadas internacionalmente (Palacios & Brodzinsky,
2010). Apesar das experiências adversas vividas no período que antecedeu a
adoção ' e.g., complicações ao nascimento, negligência e/ou maus-tratos
vivenciados na família biológica, cuidados em contexto institucional pouco
individualizados ', vários estudos têm revelado ganhos acentuados em diferentes
áreas do desenvolvimento após a integração da criança na família por adoção
(Cohen, Lojkasek, Zadeh, Pugliese, & Kiefer, 2008; Johnson, 2000; Juffer
& Van IJzendoorn, 2009; Londen, Juffer, & Van IJzendoorn, 2007; Tan
& Yang, 2005; Van IJzendoorn, Juffer, & Klein Poelhuis, 2005).
Simultaneamente, estudos levados a cabo com crianças que foram adotadas têm
permitido identificar a presença de variações individuais, quer no grau em que
o desenvolvimento da criança que foi adotada é afetado pelas experiências
anteriores, quer no nível de recuperação posterior (Rutter et al., 2009;
Rutter, Kreppner, O'Connor, & The ERA Study Team, 2001).
De seguida, são apresentados os resultados de estudos que se debruçaram sobre a
análise do desenvolvimento da criança que foi adotada, sobretudo
internacionalmente, alguns dos quais realçam o seu estatuto, quer no momento de
chegada à família por adoção, quer nos meses e anos seguintes à adoção. A
presente revisão da literatura foi operacionalizada em duas fases. Durante a
primeira fase deu-se início à pesquisa em duas plataformas eletrónicas de base
de dados (i.e., EBSCOhost e ISI Web of Knowledge) e as consultas incluíram o
período entre 1945 e 2011. Foram utilizados como descritores os seguintes
termos: adopção (adoption), adoptado (adoptee), recuperação desenvolvimental
após a adopção (developmental_recovery_after adoption), crianças pós-
institucionalizadas (post-institutionalized_children), crianças
institucionalizadas (institution-reared_children) e institucionalização
(institutionalization). A segunda fase desta revisão foi dedicada à exclusão
dos trabalhos não relevantes à pesquisa, primeiramente através de uma análise
do resumo e, em seguida, através de uma avaliação mais detalhada, com base na
leitura integral e na identificação dos principais resultados. Do total, foram
encontradas 150 produções possivelmente relevantes e 57 foram selecionadas após
a avaliação detalhada (i.e., 43 estudos originais, quatro estudos de revisão e
cinco capítulos de livros, dois relatórios e três comunicações apresentadas em
congressos internacionais). No que concerne aos critérios de inclusão, foram
identificados estudos, desde clássicos a atuais, que se debruçaram sobre a
análise do impacto da adoção no desenvolvimento da criança, nos seguintes
domínios: (a) desenvolvimento físico, (b) desenvolvimento cognitivo, (c)
desenvolvimento sócio-emocional, e (d) problemas de comportamento.
Desenvolvimento físico
São vários os estudos que têm documentado os efeitos negativos da
institucionalização no desenvolvimento físico da criança (e.g., Frank, Klass,
Earls, & Eisenberg, 1996; Johnson, 2000). Na verdade, este é o problema
mais frequentemente observado em crianças institucionalizadas (Bakwin, 1949;
Fried & Mayer, 1948; Smyke, Koga, Johnson, Zeanah, & The BEIP Core
Group, 2004) e recentemente adotadas (e.g., Le Mare & Audet, 2006; Loman,
Wiik, Frenn, Pollack, & Gunnar, 2009; Miller, Chan, Comfort, & Tirella,
2005; Pormerleau et al., 2005). Porém, quando a criança é retirada de um
contexto de privação de cuidados, verifica-se uma acentuada e imediata
recuperação (Johnson, 2000, 2002). Estudos de follow-up com crianças que foram
adotadas internacionalmente têm confirmado este padrão de mudança (e.g., Ames,
1997; Rutter & The ERA Study Team, 1998), havendo evidência (e.g., Gunnar,
2000; Johnson, 2000) de que crianças recentemente adotadas tendem a apresentar
ao nível do comprimento, peso e perímetro cefálico (entendido como uma medida
indireta do crescimento cerebral) valores inferiores aos apresentados por
crianças da mesma idade integradas na família biológica. Nos meses seguintes à
chegada à família por adoção, verifica-se a ocorrência de mudanças
significativas ao nível do crescimento, naqueles três parâmetros.
Num estudo conduzido no Reino Unido, que monitorizou o desenvolvimento físico
de crianças romenas desde o momento da sua integração na família por adoção até
aos 11 anos de idade, os autores observaram ganhos ao nível do desenvolvimento
físico, e verificaram que uma idade precoce no momento da adoção contribui
grandemente para os mesmos (O'Connor, Rutter & The ERA Study Team, 2000;
Rutter & The ERA Study Team, 1998). Os autores constataram que 51%, 34% e
38% das crianças no momento da adoção apresentavam um comprimento, peso e
perímetro cefálico, respetivamente, abaixo do percentil três, mas aos quatro
anos de idade aquelas percentagens baixaram para 1%, 2% e 13%. A recuperação
neste domínio foi notória, tendo-se mantido até aos seis anos de idade. Porém,
na reavaliação levada a cabo aos seis anos de idade, concluiu-se que as
crianças que foram adotadas mais tardiamente tinham menos peso e um menor
perímetro cefálico, do que as crianças romenas adotadas mais cedo.
Independentemente da idade, o perímetro cefálico revelou-se como a única medida
cujos valores, aos quatro, seis e 11 anos de idade, ficavam aquém do esperado
(Rutter et al., 2009).
Estes resultados que revelam o padrão de ganhos no peso e no comprimento após
adoção, bem como no perímetro cefálico apesar de mais lento, foram confirmados
por uma meta-análise (Van IJzendoorn, Bakermans-Kranenburg, & Juffer,
2007), na qual se constatou, 8 anos depois da integração na família por adoção,
ganhos consideráveis ao nível do comprimento e do peso (23 e 18 estudos; 3.437
e 3.259 crianças, respetivamente). Os autores verificaram que, no momento da
integração na família por adoção, a força da diferença ao nível do comprimento
entre as crianças que foram adotadas e as crianças da comunidade era de d=-
2.432, sendo independente da idade. Todavia, anos após a integração na família
por adoção, as crianças continuavam a ser mais baixas do que os pares da
comunidade, pelo que, segundo os autores, a puberdade poderá ser uma das causas
explicativas do facto da estatura final ficar aquém daquilo que seria de
esperar, tendo em conta a rápida e acentuada recuperação verificada. No
entanto, é de salientar que, anos após a adoção, aquela diferença é
consideravelmente menor, em comparação com a diferença registada no momento da
adoção. O mesmo padrão de ganhos foi identificado para o peso. Quanto ao
perímetro cefálico, observou-se um processo mais lento de mudança, sugerindo
que o crescimento cerebral parece ser mais suscetível do que o comprimento e o
peso a efeitos negativos duradouros.
Apesar do prognóstico favorável ao nível do desenvolvimento físico, alguns
estudos (e.g., Teilmann, Pedersen, Skakkebaek, & Jensen, 2006) têm alertado
para o fato das crianças que foram adotadas internacionalmente e do sexo
feminino constituírem um grupo de risco para a ocorrência precoce da puberdade,
o que poderá levar a uma menor estatura. Tuvemo e Proos (1993), por exemplo,
concluíram que 13% das crianças que foram adotadas por famílias na Suécia, e
provenientes da Índia, atingiram a menarca antes dos 10 anos de idade, sendo o
risco maior nas crianças com um menor comprimento no momento de integração na
família por adoção, mas com uma recuperação mais acentuada. A probabilidade de
ocorrência precoce da puberdade parece ser maior quanto mais tardia for a idade
na adoção (Teilman et al., 2006). Apesar da etiologia da menarca precoce não
ser ainda totalmente compreendida, aqueles autores sugerem que a mesma poderá
ser explicada por fatores diversos, nomeadamente (1) a acumulação e a
durabilidade de acontecimentos de vida stressantes, durante a primeira e a
segunda infância, associados a uma idade mais tardia na adoção; e (2) a
presença de determinados estímulos ambientais na família por adoção (e.g.,
melhoria das condições nutricionais e um padrão de crescimento instável), que
exercem influência no sistema límbico e que conduzem a alterações metabólicas e
endócrinas (e.g., alterações nos fatores de crescimento semelhantes à insulina
ou somatomedinas). A puberdade precoce, por sua vez, poderá levar à fusão
prematura da cartilagem de crescimento, reduzindo a duração do crescimento e a
estatura final.
Desenvolvimento Cognitivo
O desenvolvimento cognitivo de crianças institucionalizadas e que foram
adotadas é alvo de estudo há mais de 60 anos. Entre 1930 e 1950 surge o
primeiro conjunto de estudos, a partir do qual são documentados défices
cognitivos e atrasos na linguagem, sendo que resultados semelhantes foram
encontrados em estudos posteriores, uns menos recentes (e.g., Bowlby, 1951;
Provence & Lipton, 1962; Spitz, 1945) outros mais atuais (e.g., Loman et
al., 2009; Londen et al., 2007; Zeanah, Smyke, Koga, Carlson, & The Beip
Core Group, 2005), havendo evidência de que no momento da adoção as crianças
que estiveram previamente em instituições tendem a evidenciar atrasos no
desenvolvimento cognitivo (Miller & Hendric, 2002), seguindo-se, meses
depois, a ocorrência de ganhos consideráveis (Rutter, O'Connor & The ERA
Study Team, 2004).
Tal como para o desenvolvimento físico, diferentes estudos têm apontado para
uma recuperação massiva ao nível do desenvolvimento cognitivo, após a
integração da criança na família por adoção. Num estudo com 123 crianças que
foram adotadas antes dos 18 meses de idade, Pormerleau et al. (2005) avaliaram
o desenvolvimento cognitivo das crianças antes de completarem um mês de
integração na família por adoção, e três e seis meses depois. Entre a avaliação
inicial e os seis meses verificou-se uma evolução positiva ao nível do
desenvolvimento cognitivo, apesar de os resultados permanecerem abaixo do que
seria de esperar para a idade, tal como mais recentemente foi evidenciado por
outro estudo (i.e., Van den Dries, Juffer, Van IJzendoorn, & Bakermans-
Kranenburg, 2010). Estes resultados vão assim ao encontro do estudo de Cohen et
al. (2008), no qual se concluiu que a completa recuperação no domínio cognitivo
não ocorre antes dos dois anos de integração na família por adoção. Cohen et
al. (2008) examinaram as trajetórias de desenvolvimento de 70 crianças do sexo
feminino provenientes da China e que foram adotadas por famílias Canadianas. As
crianças foram avaliadas no momento da adoção, com 13 meses de idade, e
reavaliadas seis, 12 e 24 meses depois. Quarenta e três crianças da comunidade,
da mesma idade e género, serviram de grupo de controlo. Os autores concluíram
que na avaliação inicial as crianças que foram adotadas apresentavam
desempenhos significativamente inferiores aos das crianças da comunidade em
termos cognitivos, sendo que o mesmo já não se verificou na reavaliação dos 24
meses após a adoção.
Será que as crianças que foram adotadas tendem a apresentar resultados mais
positivos em termos do seu desenvolvimento cognitivo do que as crianças que
permaneceram institucionalizadas? A este respeito, numa série de meta-análises
concluiu-se que as crianças que foram adotadas apresentavam um desempenho
significativamente superior ao das crianças que permaneceram em instituições em
termos de Quociente de Inteligência (Q.I.). Todavia, quando comparadas com os
pares da comunidade, as crianças que foram adotadas parecem não diferir em
termos de Q.I., no que concerne à adoção internacional. Parecem apresentar,
porém, um atraso, apesar de ligeiro, em termos de linguagem, quando comparadas
com os pares da comunidade (Van IJzendoorn et al., 2005), bem como, tal como
evidenciado noutros estudos, piores desempenhos em provas de memória (Bauer,
Hanson, Pierson, Davidson, & Pollak, 2009; Pollak et al., 2010) e funções
executivas (Bauer et al., 2009).
Desenvolvimento Sócio-Emocional
A investigação tem vindo a documentar de forma consistente a ocorrência de
dificuldades sócio-emocionais em crianças institucionalizadas (Zeanah et al.,
2009). Porém, a questão que se coloca é se estes problemas persistem após a
adoção. Aliado a isto, estarão as crianças que foram adotadas em maior risco de
evidenciar padrões específicos de problemas emocionais e sociais?
Diferentes estudos apontam para a ocorrência de comportamentos atípicos em
crianças que foram adotadas e cuja história de cuidados anterior à adoção é
marcada pela vivência em acolhimento institucional. Assim, estereotipias (i.e.,
repetição automática dos movimentos, como o balançar do corpo) foram observadas
em mais de 50% das crianças da Europa do Leste que foram adotadas por famílias
canadianas (Benoit, Joycelyn, Moddemann, & Embree, 1996). Resultados
semelhantes têm sido encontrados noutros estudos. Também Beckett et al. (2002)
encontraram uma percentagem elevada de crianças que apresentavam estereotipias
(47%), bem como comportamentos de autoagressão (24%), no momento da adoção. Aos
seis anos de idade, os autores constataram que aquelas percentagens tinham
diminuído consideravelmente (18% e 13%, respetivamente), pelo que verificaram
ainda dificuldades no relacionamento com os pares.
O estudo ERA veio chamar a atenção para a presença de um padrão de
comportamento do tipo autístico em algumas crianças romenas que foram adotados
por famílias do Reino Unido, marcado por dificuldades ao nível da reciprocidade
social e comunicação e pela presença de uma preocupação excessiva por
interesses particulares (Kumsta et al., 2010), devido à vivência de
experiências prévias relacionais inadequadas (Rutter et al., 2009). Os autores
concluíram que 6% de uma amostra de 111 crianças apresentava aquele padrão,
pelo que, aos quatro anos de idade, o padrão era indistinguível do autismo
típico. Todavia, aos seis anos de idade registou-se uma acentuada diminuição
das características autisticas, acompanhada de uma maior flexibilidade na
tentativa do uso de diferentes formas de comunicação (Kumsta et al., 2010). Aos
11 anos de idade, cerca de ¼ das crianças deixaram de apresentar aquele padrão
comportamental (Rutter et al., 2009).
No que concerne à (des)organização e aos comportamentos perturbados de
vinculação, para a criança que foi adotada, a construção de uma relação de
vinculação segura com a família por adoção é uma tarefa desafiante,
considerando, por um lado, as experiências prévias de separação e de perda
(Bowlby, 1982), e, por outro, as condições de privação social em contexto
institucional, que podem dificultar a construção de uma relação seletiva e
diferenciada com os pais por adoção (Zeanah et al., 2005).
a) (Des)organização da Vinculação
No âmbito de um projeto longitudinal (Juffer & Rosenboom, 1997), que
incluiu 160 crianças que foram adotadas antes dos seis meses de idade,
procedeu-se à avaliação da qualidade da relação de vinculação entre a criança e
os seus pais por adoção, após uma intervenção breve centrada no reforço dos
comportamentos sensíveis maternos. Verificou-se que 74% das crianças eram
seguras, o que é comparável com os valores encontrados na comunidade (i.e.,
65%; Van IJzendoorn & Kroonenberg, 1988). Num outro estudo, 22% das
crianças que foram adotadas foram classificadas como desorganizadas (Juffer,
Bakermans-Kranenburg, & Van IJzendoorn, 2005). Esta percentagem também não
se diferenciava dos 15% identificados em populações normativas (Van IJzendoorn,
Schuengel, & Bakermans-Kranenburg, 1999). Contudo, Cohen e Farnia (2011)
demonstraram que, apesar de a maioria das crianças adotadas da sua amostra
apresentar uma vinculação segura, as mesmas tendiam a ser mais desorganizadas
quando comparadas com as da comunidade.
Numa meta-análise, verificou-se que crianças que foram adotadas tendiam a
apresentar resultados menos favoráveis do ponto de vista da (des)organização
(i.e., 47% de crianças seguras e 31% de crianças desorganizadas), quando
comparadas com pares da comunidade (i.e., 62% de crianças seguras e 15% de
crianças desorganizadas). Todavia, observou-se também que aquelas crianças que
foram adotadas apresentavam resultados mais favoráveis quando comparadas com
crianças que permaneceram institucionalizadas (i.e., 11% de crianças seguras e
73% de crianças desorganizadas) (Van den Dries, Juffer, Van IJzendoorn, &
Bakermans-Kranenburg, 2009). Ademais, as crianças que foram adotadas antes dos
12 meses de idade não se diferenciavam dos pares da comunidade, relativamente à
segurança da vinculação. Quanto à desorganização, não foram verificadas
diferenças significativas em relação à idade na adoção. Sendo assim, estas
meta-análises indicam que a adoção parece constituir-se, simultaneamente, como
um fator de risco, resultante num maior número de relações de vinculação
inseguras e desorganizadas (comparativamente com pares da comunidade), e como
um fator protetor, capaz de levar à mudança (comparativamente com crianças
institucionalizadas; e.g., Zeanah et al., 2005; 65% de crianças classificadas
como desorganizadas, respetivamente, neste estudo).
b) Comportamentos Perturbados de Vinculação
Um dos resultados mais frequentemente associado à experiência institucional e à
privação de cuidados parentais tem sido a ocorrência de comportamentos
indiscriminados, associados a défices noutros domínios psicológicos (Rutter et
al., 2009), e que a investigação tem vindo a descrever como um problema
clinicamente relevante com tendência a persistir anos após a adoção (O'Connor
& Zeanah, 2003), no caso das crianças que foram expostas a cuidados
institucionais (O'Connor & Spagnola, 2009; O'Connor et al., 2000; Rutter et
al., 2007).
Os sistemas de nosologia amplamente utilizados no âmbito das perturbações
psiquiátricas (i.e., DSM-IV-TR, American Psychiatric Association, 2000; e ICD-
10, World Health Organization, 2007) descrevem a Perturbação Reativa de
Vinculação como um problema com início antes dos cinco anos de idade, que se
caracteriza por relações sociais acentuadamente perturbadas na maior parte dos
contextos e que parece estar associada a uma história de cuidados patogénicos,
que se manifestam: (a) pela negligência permanente das necessidades emocionais
básicas da criança e relacionadas com o conforto, estimulação e afeto; (b) pela
negligência permanente das necessidades físicas básicas da criança; e (c) por
mudanças repetidas da pessoa que trata primariamente da criança, o que impede a
formação de vínculos estáveis. Esta perturbação pode manifestar-se de forma
predominantemente inibida (i.e., dificuldade persistente para iniciar e
responder à maioria das interações sociais de modo adequado, tendo em conta o
nível de desenvolvimento da criança; retração e hipervigilância; constrição
emocional e procura de proximidade do cuidador de forma bizarra ou ambivalente;
a criança não se deixa confortar nem recorre ao cuidador em momentos mais
exigentes) ou desinibida (i.e., vínculos difusos e sociabilidade
indiscriminada; incapacidade para estabelecer vínculos seletivos adequados, uma
vez que a criança procura contacto e proximidade com qualquer cuidador
disponível, ou seja, de forma indiscriminada).
A literatura tem dado maior atenção ao tipo desinibido, visto que este parece
ser mais comum do que o tipo inibido. Tendo por base os pressupostos da Teoria
da Vinculação (Bowlby, 1982), o comportamento indiscriminado representa um
desvio da organização normativa do sistema comportamental de vinculação. Os
fatores etiológicos envolvidos estão longe de serem entendidos, apesar de
consistentemente serem atribuídos a uma história de cuidados patogénica, tendo-
se hipotetizado que o tipo desinibido da Perturbação Reativa de Vinculação
poderá ser independente de uma relação de vinculação estabelecida (O'Connor
& Zeanah, 2003).
A este respeito, o estudo de Rutter et al. (2007) demonstrou que cerca de 7½
anos depois da adoção, 26% das crianças romenas que foram adotadas entre os 6-
42 meses de idade, e que estiveram em instituições, apresentavam comportamentos
indiscriminados de vinculação. Contrariamente, apenas 9% das crianças que foram
adotadas e que não tinham experienciado cuidados institucionais, ou que foram
integradas na família por adoção antes dos seis meses de idade, revelaram tais
comportamentos. Estes resultados vão ao encontro dos identificados noutros
estudos (e.g., Wallin, Dozier, Bick, & Bernard, 2011), nos quais se
constatou que os comportamentos indiscriminados de vinculação tendem a
persistir anos após a integração da criança na família por adoção.
Problemas de Comportamento
Num estudo canadiano, constatou-se que as crianças filhas por adoção apresentam
mais problemas de externalização e internalização, comparativamente com pares
da comunidade (Marcovitch et al., 1997). Os resultados do estudo de Marcovitch
et al. (1997) vão ao encontro do recente estudo de Wiik et al. (2011), no qual
se constatou a ocorrência de mais problemas de comportamento em crianças que
foram adotadas e que tinham estado institucionalizadas. Merz e Mcall (2010),
por sua vez, analisaram a ocorrência de problemas de comportamento em crianças
que foram adotadas e que eram provenientes de instituições romenas,
caracterizadas por (a) providenciarem cuidados de saúde e de nutrição
adequados, mas (b) por apresentarem simultaneamente mudanças frequentes de
cuidadores, escassas oportunidades de interação entre a criança e o adulto e
cuidados pouco responsivos. Concluíram que as crianças provenientes de
instituições revelavam mais problemas de externalização e de atenção do que os
pares nunca institucionalizados e que sempre viveram com a família biológica.
Não obstante, outros estudos revelam que a maioria das crianças que foram
adotadas encontra-se bem adaptada, anos depois da integração na família por
adoção (Palacios & Sánchez-Sandoval, 2005; Rutter et al., 2001). Assim
sendo, alguns estudos apresentam resultados divergentes dos anteriores, quanto
à prevalência de problemas de externalização e internalização. Neste sentido,
Rutter et al. (2001), por exemplo, verificaram que crianças que foram adotadas
internacionalmente não evidenciavam uma maior incidência daqueles problemas,
quando comparadas com crianças com adoção nacional e integradas em famílias do
Reino Unido mais precocemente. Por sua vez, noutro estudo também não foram
identificadas diferenças significativas, ao nível dos problemas de
externalização e internalização, entre um grupo de crianças que foram adotadas
e um grupo de crianças da comunidade (Palacios & Sánchez-Sandoval, 2005).
Perante a divergência entre estudos, importa colocar a seguinte questão: as
crianças filhas por adoção evidenciam mais problemas de comportamento do que os
seus pares da comunidade? Para responder a esta questão, uma série de meta-
análises (Juffer & Van IJzendoorn, 2005) foram levadas a cabo. Os autores
identificaram diferenças entre as crianças que foram adotadas e as da
comunidade, quer ao nível dos problemas de externalização, quer ao nível dos
problemas de internalização, com resultados mais positivos a favor dos pares da
comunidade. Ainda assim, o tamanho do efeito era pequeno (d=-.24 e d=-.16,
respetivamente). Uma diferença substancial residia entre os dois grupos: as
crianças que foram adotadas estavam sobrerepresentadas nos serviços de saúde
mental, devido sobretudo à presença de dificuldades de aprendizagem.
Conclusão
Os resultados dos estudos mencionados ao longo deste artigo apontam para a
ocorrência de mudanças positivas no desenvolvimento da criança após a sua
integração numa família por adoção. De acordo com o modelo proposto por Van
IJzendoorn e Juffer (2006), a mudança mais rápida e acentuada tenderá a ocorrer
no desenvolvimento físico, em particular no peso e no comprimento, seguindo-se
o desenvolvimento cognitivo e a segurança da vinculação. Por outro lado, esse
modelo adianta, em consonância com resultados de estudos mencionados neste
artigo, que anos após a adoção tendem a persistir dificuldades, nomeadamente
problemas de comportamento. Este não é o único domínio no qual a investigação
identifica défices a longo prazo. Rutter et al. (2001) falam da Síndrome de
Pós-Institucionalização, ao salientarem a manutenção de problemáticas
particulares anos após a adoção, entre elas comportamentos atípicos (e.g.,
comportamentos estereotipados, características autisticas), défice de atenção e
comportamento indiscriminado de vinculação.
Heterogeneidade nos Resultados Desenvolvimentais
Apesar dos ganhos observados em diferentes domínios do desenvolvimento, os
investigadores têm vindo a salientar, simultaneamente, a heterogeneidade
encontrada nos resultados (e.g., Pormerleau et al., 2005). Em particular, os
estudos sobre o impacto da adoção no desenvolvimento da criança têm analisado o
contributo exercido pelas seguintes variáveis: tempo de institucionalização e o
tempo de permanência na família por adoção. Contudo, a investigação tem vindo a
apontar para a influência de outras variáveis possivelmente envolvidas nos
mecanismos explicativos da mudança e da variabilidade observada após a adoção.
Tal como salientado por Rutter et al. (2009), um entendimento daquela
heterogeneidade deverá estar alicerçada na combinação de três fatores,
nomeadamente (a) as experiências pré-natais, (b) as de cuidados anteriores e
posteriores à adoção, e (c) a constituição genética.
Palacios e Brodzinsky (2010), assentes numa perspetiva histórica, apontam para
a necessidade da investigação atual sobre a temática estar centrada na
identificação de fatores neurobiológicos, desenvolvimentais e relacionais
possivelmente envolvidos na experiência da adoção. Desta forma, é fundamental o
estudo da interação entre as características da criança e as características
dos contextos nos quais aquela se movimenta, tanto antes como depois da adoção.
Assim sendo, realçamos o contributo (a) de características atribuídas à criança
(e.g., fatores genéticos, temperamento), (b) de características atribuídas aos
cuidados prestados na família biológica (e.g., experiências de maus-tratos) e
na instituição (e.g., responsividade e individualização dos cuidados), e (c) de
características atribuídas ao contexto da família por adoção (e.g.,
sensibilidade materna, modelos internos dinâmicos e função reflexiva dos pais
por adoção).
Quanto a esta última dimensão parecem ser de particular relevância os
resultados de programas de intervenção conduzidos com famílias por adoção e de
acolhimento (e.g., Circle of Security, Attachment and Biobehavioral Catch-up),
que têm vindo a demonstrar o impacto positivo dos comportamentos sensíveis
maternos na segurança e organização da vinculação do/a filho/a por adoção
(Dozier, Lindhiem, & Ackerman, 2005), bem como na promoção de um
desenvolvimento cognitivo e social adaptado (e.g., Jaffari-Bimmel, Juffer, Van
IJzendoorn, Bakermans-Kranenburg, & Mooijaart, 2006), exercendo uma
influência positiva também ao nível neuroendocrino (Dozier et al., 2005).
Subjacente aos programas de intervenção mencionados está o pressuposto de que
uma relação de vinculação segura entre a criança e a/o mãe/pai adotiva/
o constituiu-se como uma dimensão fundamental e um contributo necessário para a
construção de uma trajetória de desenvolvimento posterior adaptada.
Contributo para a Investigação Acerca da Adoção Nacional
Os resultados de estudos que analisaram o impacto da adoção internacional no
desenvolvimento da criança podem, assim, revestir-se de particular importância
para delinear e refletir acerca de futuras investigações sobre a adoção
nacional.
Desta foram, e com base na sistematização realizada e nas suas conclusões,
consideramos premente a realização de estudos centrados na monitorização das
trajetórias de desenvolvimento de filhos por adoção, iniciando-se no momento de
chegada da criança ao contexto institucional, com períodos curtos entre as
avaliações. Contrapondo aos frequentes estudos transversais e de carácter
retrospetivo, aquele desenho de investigação poderá vir a possibilitar aos
investigadores uma análise mais aprofundada do impacto específico no
desenvolvimento de experiências anteriores à institucionalização e da própria
institucionalização. Aliado a isto, a elaboração de estudos longitudinais,
assente em reavaliações posteriores e em diferentes estádios do
desenvolvimento, poderá vir ainda a ser um veículo privilegiado para testar se
a recuperação no desenvolvimento físico, mental e sócio-emocional da criança
está limitada pelo nível de privação vivenciado precocemente. Pela sua escassez
e relevância, sublinhamos também a necessidade de realização de mais estudos
centrados na compreensão de várias características das famílias por adoção
(e.g., variáveis indicadoras da qualidade da relação, práticas educativas
parentais, motivações subjacentes à adoção), conforme o domínio
desenvolvimental em estudo, assim como na obtenção de informações aprofundadas
acerca da família biológica (i.e., fatores genéticos e ambientais).