Quem tem medo dos feminismos?
Magalhães, Maria José; Tavares, Manuela; Coelho, Salomé; Góis, Manuela; Seixas,
Elisa (coord.) (2010), Quem tem medo dos feminismos? Congresso Feminista 2008,
2 vols, Nova Delphi, Funchal.
Carla Cerqueira
Doutoranda em Ciências da Comunicação, Universidade do Minho
«Quem tem medo dos feminismos?» é a interrogação que os dois volumes que saíram
do Congresso Feminista realizado em Portugal, em 2008, procuram enfatizar. Mais
do que procurar respostas, apresentam pistas para a reflexão, num projecto
caracterizado pela inter e multidisciplinaridade.
A colectânea de textos revela que o Congresso Feminista 2008 foi um marco de
enorme relevância na sociedade portuguesa. Constituindo-se como um
acontecimento de carácter científico e interventivo, que juntou académicas/os e
activistas feministas de diferentes gerações, trouxe da penumbra para a esfera
pública o debate sobre os feminismos. Marcado pela diversidade de perspectivas
teóricas, metodológicas e analíticas, mostrou que já foi e está a ser feito
muito trabalho neste campo, mas que há ainda um longo caminho a percorrer.
O primeiro volume apresenta uma panóplia de artigos sobre as mulheres e os
média; as questões de liderança; a pobreza e exclusão social; a violência de
género e as problemáticas em torno do poder e da ciência. Os movimentos sociais
e políticas públicas; o trabalho, sindicalismo e empoderamento das mulheres
também marcam presença nesta primeira parte, tal como os direitos humanos.
Foca-se igualmente a questão das famílias, casamentos e trajectos
emancipatórios e o papel de homens e mulheres na mudança social.
No que concerne ao segundo volume, este abarca reflexões sobre as religiões; a
história das mulheres; as correntes feministas; as trajectórias migratórias; a
saúde e educação. Simultaneamente, foca a escrita feminista e feminina; as
análises no campo das representações, sexualidade e erotismo, em paralelo com o
tráfico de mulheres e prostituição e as artes.
Há ainda oportunidade para ler os textos que resultaram da comemoração do
centenário de Simone de Beauvoir e da homenagem à feminista portuguesa Madalena
Barbosa. Outra secção de extrema relevância prende-se com os questionamentos em
torno do que é ser feminista no século XXI e quais são os desafios que têm que
ser enfrentados.
Como é referido no prefácio, durante décadas houve um apagamento e
silenciamento dos feminismos, por isso esta obra tem o mérito de dar
visibilidade à panóplia de trabalhos que estão a ser realizados sob a alçada
feminista, recuperando a sua memória histórica e dando um novo fôlego a quem
pretende enveredar por esta área de investigação-acção.
Se durante muito tempo o movimento feminista português foi secundarizado,
relegado para um plano inferior, este é um ponto de viragem essencial para
perceber que este não é frágil, fragmentado e guetizado, mas plural, no
pensamento e na acção, comprometido socialmente, empenhado em despertar a
consciência da academia, das variadas instituições e, de um modo mais
abrangente, da sociedade.
É, neste sentido, que esta obra cria um espaço discursivo polifónico, que cruza
novas e velhas questões, mas que, acima de tudo, apresenta uma visão holística
dos problemas sociais, económicos e políticos vividos por mulheres e homens.
Junta no mesmo espaço reivindicações diversas que pretendem quebrar os tectos
de vidro existentes e que cimentam os alicerces conjuntos entre investigação e
activismo. Este aspecto é crucial numa altura em que os estudos feministas já
possuem legitimidade intelectual no seio da academia, mas sabemos que continuam
numa localização marginal quando comparados com outras áreas do saber. Porque,
parafraseando Sofia Neves, que recorreu ao trabalho de Donna Haraway, na sua
intervenção no Congresso, a ciência é um acto político situado e
contextualizado.