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EuPTHUHu1645-00862008000200010

EuPTHUHu1645-00862008000200010

National varietyEu
Year2008
SourceScielo

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Diabetes mellitus tipo 2 e sintomas psicopatológicos

O diagnóstico de Diabetes Mellitus(DM) é um grande desafio para muitas pessoas, uma vez que impõe múltiplas exigências que atingem todos os aspectos do quotidiano, caracterizando-se a vivência destes doentes por sucessivas alterações e estados de desequilíbrio relacionados com alterações biofísicas e por reajustamentos psicológicos que conduzem frequentemente a situações de desgaste.

Viver bem com a diabetes é mais que uma simples questão de números relativos aos resultados analíticos, devendo os técnicos de saúde focar também a sua atenção no bem-estar psicológico geral, na componente emocional da diabetes, pois estes doentes conhecem bem a frustração de ter uma doença que não irá desaparecer nunca, o medo das complicações e o reconhecimento d e que, por vezes, os maiores esforços para controlar a doença podem não ser suficientes.

Compreender os processos pelos quais um individuo passa quando se confronta com uma situação de doença crónica como a diabetes, pode tornar os técnicos de saúde mais capazes de os ajudar a lidar mais efectivamente com a sua doença, e a conseguir um maior nível de ajustamento psicossocial à sua doença, parecendo indubitável que, para além dos aspectos biológicos e aspectos médicos tradicionais, se torna então fundamental reconhecer a importância da avaliação dos processos psicológicos do indivíduo.

A saúde mental, a saúde física e a social são componentes da vida estreitamente interligados e profundamente interdependentes e à medida que cresce a compreensão deste relacionamento, mais evidente se vai tornando que a saúde mental é indispensável para o bem-estar dos indivíduos (OMS, 2002).

O caso da DM é um exemplo flagrante de inter-relação com a psicopatologia, e uma boa saúde mental terá um papel determinante no controlo adequado da doença, notando-se frequentemente que a falta de adesão ao tratamento não se deve à falta de conhecimentos por parte do doente relativamente à doença, podendo um acompanhamento psicossocial e educacional ser, muitas vezes, necessário para aumentar a adesão ao auto-cuidado.

Não pode esquecer-se o modo como um elevado número de estudos têm apontado para uma forte associação positiva entre diabetes mellitustipo 2 e manifestações de afecto negativo, encontrando-se referências a mais alta prevalência de sintomatologia depressiva e de ansiedade entre diabéticos, quando comparados com a população geral (Palinkas, Barret-Connor, & Wingard, 1991; Lustman, Clouse, Griffith, Carney, & Freedland, 1997; Miyaoka, Miyaoka, Motoniya, Kitamura, & Asai, 1997; Talbot, Noewen, Gingras, Bélanger, & Audet, 1999; Peyrot & Rubin, 1999; Amorim, 1999; Lloy, Dyer, & Barnett, 2000; Gary, Crum, Cooper-Patrick, Ford, & Brancati, 2000; Goodnick, 1997; De Groot, Anderson, Freedland, Clouse, & Lustamn, 2001; Anderson, Freedland, Clouse, & Lustman, 2001; Gottlieb, 2003; Kruse, Schmitz, & Thefeld, 2003; Nichols & Brown, 2003; Góis, 2004), mantendo­se e recorrendo a depressão ao longo do tempo (Peyrot, 2003; Peyrot & Rubin, 1999).

A comorbilidade de afecto negativo e diabetes associa-se com aspectos tão importantes como sejam o agravamento do controlo glicémico, mais pobre adesão ao regime terapêutico e consequente risco aumentado de complicações a longo prazo (Lenmark, Persson, Fisher, & Rydelius, 1999; Gary et al., 2000; Ciechanowski, Katon, & Russo, 2000; Matos, 2000; Goldney, Phillips, Fisher, & Wilson, 2004), em associação às negativas consequências psicológicas e sociais, com acentuado decréscimo na qualidade de vida (Egede & Zheng, 2002; Goldney et al., 2004) e um maior recurso aos cuidados de saúde (Egede & Zheng, 2002). Por estas razões se torna crescente o interesse pelo estudo dos aspectos psicológicos e perturbações mentais na população diabética (Anderson et al., 2001; Miranda et al., 2001; Johannes, Schmitz, & Thefeld, 2003).

Uma relação causal entre sintomas depressivos e de ansiedade, o controlo glicémico e as complicações da DM é, no entanto, difícil de estabelecer, parecendo, segundo Moreira et al. (2003), existir uma relação cíclica na qual o agravamento de um tem efeitos directos e indirectos sobre o outro, uma vez que estas patologias possuem características próprias que favorecem o agravamento mútuo das duas condições.

Torna-se de uma importância vital a identificação e o consequente tratamento destas situações entre doentes diabéticos, de modo a possibilitar a ajuda a estes indivíduos na gestão mais efectiva das circunstâncias da doença; contudo, o que parece acontecer é que, frequentemente, esta situação passa despercebida, referindo ainda Peyrot (2003), citando Lustman e Harper, que somente um terço dos diabéticos deprimidos são diagnosticados.

No presente estudo, procurou avaliar-se a presença de sintomatologia depressiva e ansiosa nos indivíduos com DM tipo 2 em atendimento ambulatório e comparar estratégias de Copingutilizadas no confronto com a doença, percepção de Suporte Social e tipo de Locusde Controlo dos indivíduos com e sem manifestações de sintomatologia depressiva, e com e sem sintomatologia ansiosa, determinando que variáveis discriminam os diabéticos que apresentam sintomas depressivos e de ansiedade relativamente aos que não apresentam essa sintomatologia.

MÉTODO Participantes Participaram no estudo 304 doentes em atendimento ambulatório na consulta da especialidade de endocrinologia (186 do sexo feminino e 118 do sexo masculino), com uma média de idades de 59,25 (DP= 8,56), maioritariamente casados ou a viver em união de facto, com formação escolar baixa e a maior parte em situação de reforma (somente 23,6 % têm actividade profissional activa remunerada). Dos indivíduos estudados, 74,8% tem valores de HgA1c igual ou superior a 7%, e 86,8% sofrem de, pelo menos, uma complicação crónica ou doença associada à diabetes.

Estes indivíduos foram retirados de um universo de doentes que recorreram à consulta num período de dois anos que satisfizeram os seguintes critérios de inclusão: ter o diagnóstico de Diabetes Mellitustipo 2 e estar informados do seu diagnóstico; não apresentar perturbação do estado de consciência; idade inferior a 70 anos; não apresentar outras patologias significativas (foram excluídos os indivíduos com outras doenças que impliquem incapacidade ou tratamento com elevado grau de complexidade); ter tempo de diagnóstico superior a um ano e dar consentimento informado de participação no estudo.

Material Face aos objectivos propostos para o estudo, para além de um questionário de caracterização sócio-demografica e clínica, foi necessário ainda utilizar um conjunto diversificado de instrumentos: Waysof Coping Questionnaire de Folkman e Lazarus (1988), na adaptação portuguesa de Ribeiro e Santos, 2001.Trata-se de um instrumento usado para investigação do modo como os indivíduos lidam com os acontecimentos específicos desencadeantes de stress, foi desenvolvido por Folkman e Lazarus (1988).

Pensado para ser auto-administrado, pode ser feito através de entrevista, o que permite ao investigador assegurar-se que as respostas se referem ao acontecimento específico a ser estudado (diabetes) e não a uma condição generalizada.

Na versão portuguesa surge com 48 itens a que os indivíduos respondem numa escala ordinal de 4 pontos, indicando com que frequência usaram cada estratégia num contexto particular: 0 ' nunca usei; 1 ' usei de alguma forma; 2 ' usei algumas vezes; 3 ' usei muitas vezes, classificando-se ou subdividindo-se em oito subescalas de coping (ver Quadro 1).

Quadro 1 Subescalas de coping de acordo com Ways of Coping Questionnaire de Folkman e Lazarus (1988)

Genericamente, a consistência interna é baixa, referindo os autores da escala o mesmo problema, admitindo ser comum em escalas de coping. Neste estudo, em duas sub escalas (Coping de Auto Controlo e Assumir a Responsabilidade), os valores α de Cronbach obtidos são considerados inaceitáveis (respectivamente 0,36 e 0,45), não sendo possível obter resultados satisfatórios, mesmo considerando a eventual exclusão de cada um dos itens, razão pela qual não serão tidas em conta neste estudo. Todos os outros valores são superiores a 0,6.

Escala de Apoio Social de Matos e Ferreira (2000). A construção desta escala partiu da elaboração de uma série alargada de itens, dos quais, após análise qualitativa e pré-teste para determinar clareza, compreensibilidade e relevância da problemática, resultou este instrumento que engloba um conjunto de 16 questões que permite cinco possibilidades de resposta, numa escala tipo likert, com a atribuição de uma pontuação de1a5,emque5corresponde a níveis mais elevados de Apoio Social, excepto os itens 2, 5, 12, 13, 14 e 16 que, pela forma como estão formulados, são cotados inversamente.

Os itens agrupam-se em três factores ou dimensões que são mais frequentemente associados a este constructo teórico: Apoio informativo, que se refere ao aconselhamento e à informação que facilitam os esforços de resolução de problemas; Apoio emocional; Apoio instrumentalna resolução de problemas em concreto.

Os resultados do estudo sugerem que as subescalas do questionário de avaliação de Apoio Social, aplicadas à amostra de indivíduos com DM tipo 2 em estudo apresentam um valor de alfa de Cronbach aceitável (entre 0,61 e 0,80).

Escala de Locus-de-Controlo de Saúde de Ribeiro (1994).Esta escala é constituída por 14 itens (8 pertencentes a um primeiro factor denominado Locusde Controloe 6 a um segundo factor denominado Outros Poderosos) que são cotados segundo uma escala tipo likertde sete posições, variando o resultado do somatório dos itens entre 14 e 98, correspondendo o valor mais baixo ao locusde controlo mais interno e o mais elevado ao locusde controlo mais externo.

Para este estudo as subescalas do questionário de avaliação de Locusde Controlo em Saúde, apresentam um valor de alfa de Cronbach aceitável (entre 0,65 e 0,89).

Hospital Anxiety and Depression Scale, HADS de Zigmond e Snaith (1983), na versão portuguesa, Escala de Ansiedade e Depressão Clínica de Ribeiro et al (2007).Esta escala surgiu numa tentativa de resolver algumas dificuldades existentes na maior parte das escalas de avaliação de Ansiedade e Depressão, nomeadamente o problema de poderem ser influenciados pelos sintomas da doença física do indivíduo, sendo excluídos pelos autores de uma forma propositada todos os itens que se relacionam simultaneamente com a perturbação emocional e a perturbação física. Para além deste aspecto, permite fazer uma clara distinção entre os itens relativos à ansiedade e os itens de depressão, itens que não avaliam o mesmo, ainda que, por vezes, alguma sobreposição seja inevitável (Silva, 2003; Zigmond & Snaith, 1983).

Este instrumento é constituído por 14 itens de escolha múltipla, itens esses que se dividem equitativamente em duas subescalas com cotação independente ' ansiedade e depressão (Zigmond & Snaith, 1983). É pedido ao respondente que pontue cada um dos itens das duas subescalas com valores de 1 a 4, permitindo avaliar o estado emocional ao longo da última semana numa escala de gravidade com valores que variam de 0 a 3 para cada um dos itens das subescalas e os valores mais elevados indicam presença de sintomas de ansiedade ou de depressão com maior gravidade. A ordem das respostas relativamente à gravidade é alternada nos itens, de modo a evitar algum viés pela sistematização da resposta.

Não possibilitando um diagnóstico específico, permite distinguir grupos com diferentes prevalências e intensidade de ansiedade e depressão, para além de que, na prática clínica, valores elevados deverão conduzir a estudo especializado (Herrman, 1997).

Para este estudo, as subescalas apresentam um valor de alfa de Cronbach entre 0,72 e 0,82.

Procedimentos A fim de poderem aplicar-se os critérios de inclusão, mas também para poderem obter-se alguns dados clínicos e resultados analíticos necessários de acordo com os objectivos preconizados, foram consultados, para além dos processos hospitalares, os processos dos doentes no Centro de Saúde da sua área de residência. Os doentes foram então contactados na consulta da especialidade ou, em alguns casos, no Centro de Saúde da área de residência, sendo claramente explícita a razão desse contacto.

Para recolha da informação pretendida, foi levada a cabo uma entrevista estruturada com uma duração aproximada de 45 minutos, em que, após um contacto inicial, se aplicaram o questionário de caracterização sócio-demográfica e os restantes instrumentos preconizados para o estudo.

Foi condição imprescindível para a obtenção dos dados, o consentimento informado por parte do doente, salvaguardando assim os interesses do mesmo e garantindo o respeito pelos direitos humanos e dignidade da pessoa, consentimento esse obtido após informação acerca do investigador, da investigação e objectivos da mesma. Foram também dadas as informações de que seriam respondidas todas as questões que quisessem pôr e providenciados todos os esclarecimentos acerca dos aspectos que considerassem importantes. O doente foi ainda claramente informado do direito de recusar a participação ou desistir durante a mesma, sem que isso trouxesse qualquer implicação ou consequência para ele. Foi garantido o anonimato, privacidade e confidencialidade da informação recolhida, quer da entrevista e questionários quer da consulta do processo clínico. O estudo foi aprovado pelas Comissões de Ética das Instituições envolvidas.

Para a análise estatística dos dados foi utilizado o programa StatisticalPackage for Social Sciences(SPSS) para Windows, versão 13.0.

RESULTADOS Considerando o valor 11 como o ponto de corte a partir do qual se consideram situações de ansiedade e depressão clínicas (Ribeiro et al., 2007), identificam-se 8,2% de indivíduos com ansiedade e 9,2% com depressão.

No entanto, se se atender aos valores considerados como sugestivos de presença do respectivo estado, como refere Snaith (2003) e de acordo com a escala original (Ribeiro et al., 2007), pode considerar-se bastante mais elevado o número de indivíduos com alguma alteração em relação ao considerado normal.

Quadro 2 Frequências absoluta e relativade ansiedade e depressão de acordo com a presença de sintomatologia

É possível determinar a existência de diferenças significativas nos valores médios obtidos entre homens e mulheres quer para a escala de Ansiedade (t= 4,438; p<0,001) quer para a escala de Depressão (t= 4,345; p<0,001), com valores mais elevados para as mulheres. A idade, por sua vez, mostra-se negativa e significativamente correlacionada com ansiedade (r= -0,19; p= 0,001). Mostra-se também correlacionada com depressão, mas, neste caso, de forma positiva (r= 0,15; p= 0,008).

A comparação dos resultados de acordo com o estado civil ou diferentes níveis de escolaridade, não evidencia diferenças significativas.

Em relação à situação na profissão, os indivíduos activose os não activos, apresentam diferenças em relação à depressão (t= -5,32; p<0,001), apresentando os activosvalores médios mais baixos (M= 3,4; DP= 2,9), em relação aos não activos(M= 5,7; DP= 3,8). No entanto, tendo em conta que os indivíduos não activostêm uma média de idades mais elevada, fez-se a comparação dos resultados da escala de ansiedade e depressão dos indivíduos activose não activosem cada grupo etário e verificou-se a existência de diferenças significativas em relação à sintomatologia depressiva nos indivíduos com idade inferior ou igual a 50 anos (z= -2,667; p= 0,008), mas não nos outros dois grupos etários (51-60 e 61 a 70).

O tipo de tratamento, ou o facto de ter ou não complicações da DM não se mostraram como factores de diferenciação na comparação dos resultados. No entanto, quando se analisa o padrão de associação entre o número de complicações da DM e os resultados da avaliação de sintomas de depressão e ansiedade é possível encontrar uma correlação positiva e significativa em relação à depressão (r= 0,19; p= 0,001), mas não em relação à ansiedade. Foi, ainda, possível observar diferenças significativas nos resultados de avaliação da depressão, tendo em conta os diferentes tipos de complicações (χ2= 9,540; p= 0,023), com os indivíduos com complicações macro­vasculares e microvasculares a apresentar valores mais elevados, seguidos dos indivíduos com complicações macrovasculares e depois microvasculares.

Não foi possível encontrar evidência estatística que permita afirmar a existência de diferenças, quando comparamos os resultados de HgA1c dos indivíduos sem sintomatologia de ansiedade e depressão e os que apresentam resultados compatíveis com a existência dessas condições ou sugestivos da sua presença. Saliente-se, contudo, que, se no caso da ansiedade os valores médios obtidos para HgA1c são bastante semelhantes nos indivíduos com e sem sintomatologia (M= 8,07; DP= 1,60 e M= 8,05; DP= 1,61 para o primeiro e segundo grupos, respectijvamente), no caso da sintomatologia depressiva, os indivíduos que têm resultados compatíveis com a sua presença ou sugestivos da mesma evidenciam um valor médio superior (M= 8,33; DP= 1,83), em relação aos que não apresentam sintomatologia (M= 7,99; DP= 1,52).

Observam-se diferenças significativas, quando se faz a comparação dos resultados de utilização das várias estratégias de copingavaliadas, entre os indivíduos que apresentam resultados compatíveis ou sugestivos da presença de ansiedade e os que não apresentam tal sintomatologia, com os primeiros a utilizar mais a estratégia de Fuga/Evitamento(t= -3,51; p= 0,001) e menos a de Resolução Planeada de Problemas(t= 2,64; p= 0,009) e a de Reavaliação Positiva (t= 3,02; p= 0,003).

O mesmo acontecendo, em relação aos indivíduos que apresentam resultados compatíveis ou sugestivos da presença de sintomatologia de depressão e os que não se encontram nestas situações com os primeiros a utilizar mais a estratégia de Fuga/Evitamento(t= -7,77; p<0,001) e menos as de Procura de Suporte Social (t= 4,58; p<0,001), Resolução Planeada de Problemas(t= 6,27; p<0,001), Reavaliação Positiva(t= 4,88; p<0,001) e CopingConfrontativo(t= 3,42; p= 0,001).

No caso da percepção de Suporte Social, na comparação dos resultados tendo em conta a presença, ou não, de sintomas de ansiedade observam-se diferenças significativas, com valores mais elevados para os indivíduos que não apresentam sintomatologia (t= 4,75; p<0,001).

Situação idêntica é encontrada em relação à depressão (t= 4,86; p<0,001).

Relativamente aos resultados obtidos pela utilização da Escala de Locusde Controlo em Saúde, também se observam diferenças significativas quando se faz a comparação dos resultados entre os indivíduos que apresentam resultados compatíveis ou sugestivos da presença de ansiedade e os que não apresentam sintomatologia (t= -2,07; p= 0,040), situação muito idêntica é encontrada em relação à sintomatologia de depressão (t= -3,739; p<0,001).

Procedeu-se à análise discriminante de cada situação (ansiedade e depressão) separadamente, a fim de determinar quais as variáveis que discriminam os indivíduos dos grupos que apresentam sintomas dos que não apresentam, tendo por base algumas das variáveis em estudo.

Foram seleccionadas um conjunto de variáveis a fim de se proceder à análise discriminante (Idade; tempo de diagnostico. Índice de Massa Corporal, numero de complicações, HgA1c,Locusde controlo, Coping: Procura de Suporte Social; Fuga/ Evitamento; Resolução Planeada de Problemas; Reavaliação Positiva; Confrontativo; Distanciamento,Suporte Social: Apoio Informativo, Emocional e Instrumental, Género, Escolaridade e Actividade profissional) em que os níveis de significância obtidos permitiram rejeitar a hipótese de igualdade de médias para uma elevada percentagem de variáveis, portanto susceptível de caracterizar as especificidades dos indivíduos com e sem sofrimento depressivo, embora os valores de Wilk`s Λ representem diferenças não muito fortes.

A relação entre a função discriminante e as variáveis originais, no caso da Sintomatologia Depressiva (Quadro 3) permite ver a contribuição de cada variável para a discriminação dos grupos e mostra que para a discriminação entre os grupos de indivíduos que não apresentam sintomatologia depressiva e os que apresentam sintomas de depressão ou sugestivos, a variável que assume maior importância é o Copingde Fuga/Evitamento.

Quadro 3 Matriz de correlação entre a função discriminante e as variáveis mais importantes incluídas na análise discriminante

A conclusão da análise discriminante pelo método stepwise permitiu a obtenção de uma variável canónica ou função discriminante com os resultados de significância (Wilk´s Lambda de 0,747; χ2= 84,574; p<0,001) que permitem concluir que o poder discriminatório da função é significativo e os dois grupos são significativamente diferentes com base nas variáveis CopingFuga/Evitamento, Apoio Emocional, Apoio Instrumentale IMC, conjuntamente.

A função discriminante apresenta uma correlação canónica de 0,503 com um CR2de 0,253, portanto uma capacidade explicativa de 25,3% (aceitável, tratando­se de variáveis psicossociais).

Pela análise dos valores dos coeficientes padronizados (standartizados) é é possível avaliar a importância relativa de cada variável que integra a função discriminante.

Foi ainda possível determinar, através dos resultados da matriz de classificação, a taxa de classificação correcta ou acordo de classificação de 73,8%.

Quadro 4 Coeficientes padronizados das variáveis que integram a função discriminante

A relação entre a função discriminante e as variáveis originais, permite observar que as variáveis que assumem maior importância na discriminação entre o grupo de indivíduos que não apresenta sintomas de ansiedade e os que apresentam sintomas de ansiedade ou sugestivos, são o Apoio Instrumental,o Copingde Fuga/Evitamentoe o Género. De notar que a variável que se refere à situação na profissão, apesar de apresentar um valor relativamente baixo, nomeadamente em relação a Apoio Emocional, e Apoio Informativo, assim como outras estratégias de coping e Locus de Controlo, faz parte da função discriminante.

Quadro 5 Matriz de correlação entre a função discriminante e as variáveis mais importantes incluídas na análise discriminante

Os resultados de significância da análise discriminante pelo método stepwise permitiu a obtenção da função discriminante, sendo de concluir que o poder discriminatório da função é significativo e os dois grupos são significativamente diferentes, (Wilk´s Lambda de 0,833; χ2=53,064; p<0,001) com base nas variáveis género, desempenho de actividade profissional, CopingdeFuga/ Evitamentoe ApoioInstrumental, conjuntamente.

A mesma função discriminante apresenta uma correlação canónica de 0,409 com um CR2de 0,167, portanto uma capacidade explicativa de 16,7%.

Pela análise dos valores dos coeficientes padronizados (estandardizados) é possível avaliar a importância relativa de cada variável que integra a função discriminante nessa mesma função.

A taxa de classificação correcta ou acordo de classificação é, neste caso de 70,8%.

Quadro 6 Coeficientes padronizados das variáveis que integram a função discriminante

DISCUSSÃO Os resultados sugerem a existência de uma elevada prevalência de sintomatologia de ansiedade e principalmente de sintomatologia depressiva. Conscientes de que as associações entre os sintomas de ansiedade e/ou sintomas de depressão com diabetes não provam causalidade, podendo a associação ser bidireccional, o que está em apreço é que estas condições ocorrem frequentemente em conjunto e podem afectarse uma à outra.

Relativamente ao controlo glicémico (valor de HgA1c) e sintomatologia de ansiedade e depressão, não foi encontrada evidência estatística para afirmar a existência de relação entre estas variáveis.

Variáveis sóciodemográficas, particularmente o género, a idade e a situação na profissão encontram-se associadas a diferenças significativas na apresentação de sintomatologia afectiva. As mulheres apresentam significativamente mais sintomas, os indivíduos mais velhos apresentam mais sintomatologia depressiva e menos ansiedade, e não desempenhar uma actividade profissional remunerada relaciona-se de forma significativa com a apresentação de mais sintomatologia depressiva, excepto para os indivíduos mais idosos. Relativamente às variáveis clínicas, existe uma relação positiva entre sintomatologia depressiva e o número de complicações da DM existentes, assim como com a gravidade das complicações.

Diferenças são também observadas nos resultados das variáveis tidas para este estudo como moderadoras de stress, caso caso o indivíduo apresente ou não sintomatologia afectiva.

Os resultados parecem indicar que as estratégias emocionais, particularmente as que envolvem evitamento, estão relacionadas com afecto negativo, podendo concluirse que os indivíduos identificados com problemas psicológicos, concretamente sintomatologia de ansiedade e depressão, mais provavelmente respondem ao stressdesencadeado pela diabetes usando mais as estratégias de copingde evitamentodo que os indivíduos que não apresentam estes sintomas.

Contrariamente, estratégias mais focadas no problema, como o caso da Resolução Planeada de Problemasou CopingConfrontativoou estratégias emocionais de significado positivo, como é o caso da estratégia Reavaliação Positivaou ainda Procura de Suporte Socialque pode ser enquadrado, quer nas funções de copingfocado no problema (procura de informação ou aconselhamento para resolução do problema) quer focado nas emoções (se se refere a uma procura de aconselhamento para que o indivíduo se sinta apoiado) apresentam uma relação inversa, ou seja, estão associadas com ausência de alterações do afecto.

Saliente-se, contudo, que apesar desta discussão de resultados apontar para que sejam as alterações do afecto a influenciar o estilo de copingadoptado, não se põe totalmente de parte que seja eventualmente o copinga afectar o humor ou, então, que se trate de um processo bi-direccional. Certezas estão na existência de relação entre estes aspectos e na importância que vai ter no ajustamento do indivíduo à sua doença, pois falando de doença crónica como o factor que é desencadeante de stress, falamos de uma fonte que não pode ser eliminada, e o copingeficaz nestas circunstâncias é o que lhe vai permitir gerir uma situação que não pode ser dominada, conduzindo ao processo que se denomina de adaptação.

O Suporte Social é considerado como tendo um papel central na manutenção da saúde do indivíduo, funcionando como protector em relação a situações adversas (neste caso, a diabetes e as implicações que esta doença implica no quotidiano do individuo), facilitando a adaptação à situação de crise emocional, podendo ainda ter um papel na adesão a um regime terapêutico. Na análise da sua relação com a sintomatologia afectiva manifestada por estes doentes foi encontrada uma correlação negativa entre todos os tipos de Suporte Social avaliados e os resultados da avaliação da sintomatologia de ansiedade e depressão, com resultados que indicam correlações mais fortes em relação à depressão.

Curiosamente, no caso da ansiedade, parece mais importante o Apoio Instrumentale, no caso da depressão, parece mais importante o Apoio Emocionalque, apesar tudo, não deixa de ser compreensível, tendo em conta as manifestações das diferentes situações, observando-se diferenças significativas na percepção de Suporte Social, quando se comparam os grupos de indivíduos com e sem sintomatologia afectiva parecendo ser, de facto, um aspecto importante na distinção destes indivíduos.

Também o Locusde Controlo, segundo Oliveira e Paixão (1998), parece ser uma variável amortecedora ou protectora dos efeitos provocados pela doença crónica, e tem também efeito na adesão do indivíduo ao processo de tratamento prescrito.

Tudo indica que uma crença maior no controlo pessoal se associa a resultados mais benéficos ao nível da saúde, embora segundo Oliveira e Paixão (1998), a promoção da internalidade em detrimento da externalidade nem sempre se justifique, dependendo da natureza e da gravidade das condições e do tempo de evolução das mesmas.

No presente estudo, verifica-se, como resultados, que os indivíduos que apresentam mais sintomas de ansiedade e de depressão têm um Locusde Controlo mais externo.

A diabetes exige que os cuidados diários sejam da responsabilidade do doente.

Uma adaptação com sucesso a este papel é obtida quando os doentes estão capazes de aceitar a responsabilidade pessoal de ter e tratar a sua diabetes; daí a importância de ter em conta esta variável integrada na rede de variáveis psicossociais a considerar no estudo da vivência da diabetes.

As alterações do afecto mostram-se, nos diabéticos, como uma importante co­morbilidade que requer uma gestão cuidadosa, devido ao seu marcado impacto, comprovado, neste estudo, sublinhando-se a importância de determinar que variáveis melhor diferenciam os diabéticos que apresentam sintomas depressivos e de ansiedade dos que não apresentam essa sintomatologia, visto que estas poderão ser de fundamental importância no planeamento de uma intervenção compreensiva que inclua a atenção ao perfil destes doentes.

No caso da sintomatologia depressiva, os indivíduos que apresentam sintomatologia diferenciam-se por uma maior utilização da estratégia de copingFuga/Evitamentoe por um mais elevado IMC, ao passo que os indivíduos que não apresentam sintomatologia manifestam uma maior percepção de Apoio Emocionalede Apoio Informativo.

Em relação à ansiedade, os indivíduos que manifestam sintomatologia caracterizam-se pela maior utilização da estratégia de copingFuga/Evitamentoe os que não apresentam sintomatologia pelo facto de percepcionarem maior Apoio Instrumental, serem homens e desenvolverem uma actividade profissional.

Quer a sintomatologia de ansiedade quer a depressiva associam-se a um impacto significativo para percepção de pobre estado de saúde (QV); assim, um tratamento compreensivo, incluindo uma intervenção nos sintomas psicológicos, poderá ser efectivo em melhorar a percepção do estado de saúde de doentes diabéticos que procuram tratamento e, eventualmente poderá reflectir-se nos resultados clínicos.


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