Adaptação do inventário de temperamento para crianças em idade escolar- School-
Age Temperament Inventory - SATI de Mcclowry a uma população portuguesa
O estudo do temperamento tem-se tornado progressivamente mais comum no domínio
da psicologia clínica e da saúde infantil, na medida em que se tem vindo a
demonstrar que este pode constituir um factor de risco ou protecção em
situações em que o desenvolvimento da criança possa estar ameaçado, como por
exemplo pela presença de uma doença do tipo crónico (McClowry, 1995). No
entanto, existe ainda um leque muito restrito de instrumentos disponíveis no
nosso país para a avaliação deste domínio, que suportem quer a actuação no
campo clínico quer no da investigação da Psicologia Pediátrica.
A versão original do SATI (School-Age Temperament Inventory) foi já estudada
com diversas amostras de diferentes origens sócio-culturais tendo-se confirmado
a sua validade e fidelidade. No estudo que se apresenta examinam-se as
características psicométricas da versão portuguesa do instrumento. Procurámos
também tipificar o temperamento de uma amostra de crianças com idades
compreendidas entre os 8 e os 12 anos de idade assim como estudar diferenças de
sexo e de idade.
TEMPERAMENTO
Existem múltiplas definições de temperamento, assim como diferentes concepções
quanto à sua estrutura e componentes e ainda quanto à sua avaliação (Carranza
& Salinas, 2003; Goldsmith et al., 1987). Parece no entanto consensual
considerar que o temperamento é um constructo constitucional e com base
biológica que está subjacente ao estilo comportamental característico do
indivíduo (Chess & Thomas, 1986 cit in Benchell & Glasgow, 1997) e que
se mantém constante em diferentes contextos (McClowry, 1995), embora seja mais
facilmente observável em situações novas e/ou stressantes. O temperamento é
também frequentemente conceptualizado como sendo parte de algo mais abrangente,
que é a personalidade (Rothbart, Bates & Bates, 1998), embora nem todos os
autores considerem que as fronteiras entre estes dois constructos sejam fáceis
de traçar (Goldsmith et al., 1987). Segundo Derryberry e Reed (1994 cit in
McClowry, 2002a, p.3), traduzidos livremente, o temperamento é um sistema de
processamento de informação através do qual nós vemos e interagimos com o
mundo, quer alterando as respostas dos outros, quer contribuindo para o nosso
próprio desenvolvimento. Rothbart e colaboradores (1998) definem o
temperamento como as diferenças individuais de base constitucional e que se
expressam a nível da reactividade emocional, motora, atencional e da auto
regulação. Ainda segundo estes últimos autores, reactividade e auto-regulação
são termos abrangentes que incluem processos psicológicos mais específicos
dentro do domínio do temperamento, como por exemplo a reactividade negativa. A
maioria dos autores considera que o temperamento é constituído por diferentes
dimensões, embora nem sempre estas sejam identificadas da mesma forma.
Goldsmith e colaboradores (1987) consideram que os estilos comportamentais são,
em parte, determinados pelas diferenças individuais em dimensões como a
actividade, flexibilidade, emotividade e ritmicidade. McClowry (1995) baseando-
se numa revisão de literatura, identificou quatro dimensões que parecem surgir
de forma consistente:
Persistência' que exprime o grau de auto-direcção pessoal que a
criança exibe no cumprimento de tarefas e outras responsabilidades
Reactividade negativa(também descrita como emocionalidade) ' que
descreve a intensidade e a frequência com que a criança exprime afectos
negativos
Aproximação/ retraimento(também descrita como sociabilidade) ' que
retrata a resposta inicial da criança perante pessoas desconhecidas e novas
situações
Actividade' mais relacionada com agitação motora.
A maior parte dos estudos realizados sobre o temperamento tem-se centrado na
primeira infância e infância média (Goldsmith et al., 1987;McDevitt &
Carey, 1978), embora existam também autores que defendem a sua relevância
relativamente a crianças em idade escolar (McClowry, 2002a), na medida em que,
durante este período do desenvolvimento, o temperamento vai influenciar as
interacções sociais da criança, assim como a sua adaptação aos ambientes
familiar (McClowry et al., 1994 cit in McClowry, 1995) e escolar (Rothbart
& Jones, 1998).
São vários os estudos que relacionam as várias dimensões do temperamento, com
resultados desenvolvimentais ou seja, com a adaptação da criança e adolescente,
embora a maioria destes estudos se centre no domínio da psicopatologia
(Rothbart et al., 1998). Por esta razão, um instrumento que caracterize o
temperamento da criança em idade escolar poderá ser utilizado para identificar
como é que o temperamento desta funciona enquanto factor de risco ou protecção
relativamente ao seu desenvolvimento psicológico (McClowry, 1995).
Outro tipo de estudos procura identificar perfis ou tipologias que permitam
descrever as crianças em função de tipos qualitativamente diferentes, que se
caracterizam por uma determinada combinação de dimensões. Desta forma, o
temperamento da criança pode ser abordado como um sistema de componentes em
interacção, evitando-se reduzi-lo a uma variável ou dimensão isoladas (Robins,
Caspi, Moffitt, & Stouthamer-Loeber, 1996).
No âmbito desta abordagem, a teoria mais divulgada tem sido a de Thomas, Chess
e Birch, conhecida como sendo a teoria das três constelações e que resultou da
investigação denominada New York Longitudinal Study(1968 cit in Thomas &
Chess, 1977). Segundo estes autores, existem 3 perfis de temperamento, nos
quais é possível enquadrar cerca de 60 a 65% das crianças (Thomas & Chess,
1977).
O perfil designado de Criança Fácil, descreve as crianças vulgarmente
denominadas de fáceis (cerca de 40%) e que são descritas como regulares em
termos fisiológicos (padrões alimentares, de sono e de eliminação), que abordam
as situações novas com relativo à-vontade, que se adaptam facilmente a mudanças
e que possuem um humor moderado, geralmente positivo.
O segundo perfil corresponde às chamadas crianças difíceis, A Criança Difícil,
inclui uma menor percentagem de crianças (cerca de 10%), que biologicamente são
irregulares e que perante situações novas tendem a reagir negativamente, por
exemplo, através de choro. Essas crianças demoram mais a adaptar-se a mudanças
e necessitam de mais tempo para se habituarem a pessoas que não conhecem ou a
novos alimentos. O seu humor é descrito como sendo intenso e basicamente
negativo.
Existe ainda um terceiro perfil, a que os autores chamaram A Criança de
adaptação lenta, que descreve cerca de 15% das crianças, sendo estas
caracterizadas por terem reacções negativas de intensidade moderada quando
colocadas perante novas situações, embora acabem por as aceitar e mostrar um
interesse positivo por estas, após repetida exposição. Em termos de rotinas
biológicas, são mais ou menos regulares.
Existem ainda cerca de 30 a 35% de crianças, que não se encaixam em nenhum
destes perfis, apresentando combinações variadas das diferentes dimensões.
Nesta mesma linha, McClowry (2002) realizou um estudo em que, utilizando
registos maternos de uma amostra de 833 crianças entre os 4 e os 12 anos de
idade, procurou identificar perfis de temperamento. Para desenvolver os perfis,
a autora utilizou as dimensões derivadas de um instrumento criado por ela
própria, o School-Age Temperament Inventory ' SATI(1995), que descreveremos na
secção seguinte, tendo encontrado quatro perfis de temperamento, os quais
permitiram classificar 42% das crianças avaliadas. O primeiro perfil, que
denominou de activação elevadacaracteriza-se por uma saturação das seguintes
dimensões: elevada actividade, elevada reactividade negativa e baixa
persistência na tarefa. O segundo perfil que McClowry (2002) designou como
cautelosainclui elevado retraimento (baixa sociabilidade) e elevada
reactividade negativa. O terceiro perfil que a autora denominou de
empreendedorinclui o tipo de crianças que possui uma baixa actividade, uma
baixa reactividade negativa e uma elevada persistência de tarefa. Por fim, o
quarto perfil apelidado de sociáveldescreve as crianças que possuem uma elevada
sociabilidade e uma baixa reactividade negativa. Ainda baseando-se nos
resultados da sua investigação, a autora sugere que os perfis activação elevada
e cauteloso são aqueles que são encarados como desafiantes, enquanto os perfis
empreendedor e sociável são os que incluem as crianças geralmente
caracterizadas como fáceis (McClowry, 2002a).
Os métodos utilizados para a avaliação do temperamento têm sido diversos, desde
os relatos parentais, a formas de auto-relato e técnicas de observação
(McClowry, 2002a). Todas as metodologias possuem vantagens e desvantagens mas a
investigação tem mostrado uma maior utilidade dos relatos parentais (Rothbart
et al., 1998). Dada a grande exigência de tempo das técnicas de observação,
torna-se mais prática a utilização dos relatos parentais quer na área da
investigação, quer na própria prática clínica. Por outro lado, os pais
geralmente possuem um conhecimento do comportamento da criança que é mais
aprofundado e simultaneamente construído a partir de uma multiplicidade de
contextos ou situações. Por fim, os vários estudos realizados com recurso a
este tipo de metodologia têm demonstrado que existe um grau satisfatório de
validade e objectividade nos relatos que os pais fazem acerca do temperamento
dos seus filhos (Rothbart et al., 1998).
TEMPERAMENTO E DOENÇA
O temperamento é uma variável que tem sido muito estudada a propósito da doença
física e em particular em relação à adaptação à doença crónica na infância.
As teorias mais clássicas que procuraram compreender a doença crónica do ponto
de vista psicológico, defendiam que as crianças que sofriam deste tipo da
doença eram detentoras de traços temperamentais ou de personalidade que as
distinguiam das outras crianças. Dependência, estilo defensivo, alexitimia,
angústia, falta de autonomia e neuroticismo foram alguns dos traços utilizados
por exemplo para caracterizar as crianças com asma (Creer, 1982).
Actualmente a literatura tende a considerar que os traços temperamentais
funcionam como variáveis intermédias no processo que descreve o impacto de uma
doença crónica na adaptação psicológica da criança (Benchell & Glasgow,
1997; Wallander & Varni, 1998). Por exemplo, Varni e colaboradores (1989c
cit in Wallander & Varni, 1998) estudaram os efeitos directos e
interactivos do temperamento da criança e do ambiente familiar no processo de
adaptação de crianças com deficiências físicas (em membros), tendo verificado
que uma grande emocionalidade predizia uma pior adaptação. Por seu turno,
Benchell e Glasgow (1997) investigaram o papel do temperamento na adaptação da
criança com diabetes, tendo constatado que o nível de actividade e a
flexibilidade/rigidez eram duas dimensões do temperamento que se relacionavam
com a percepção dos pais acerca dos problemas comportamentais dos seus filhos,
no sentido em que as crianças que apresentavam estilos comportamentais mais
flexíveis e níveis de actividade mais baixos eram as que os pais mais relatavam
como tendo menos problemas comportamentais. Verificaram ainda que uma outra
dimensão do temperamento, a persistência na tarefa, estava associada à
competência social, de forma, a que as crianças mais persistentes eram
encaradas pelos seus pais como sendo mais socialmente adaptadas, quando
comparadas com crianças com outro tipo de temperamento.
Um outro dado que reforça a importância do temperamento nos processos de
adaptação às situações de doença deriva da literatura sobre a resiliência, que
tem apontado um temperamento dito sociável como constituindo um factor
protector face às situações de risco em geral (Owen &McCall, 1996; Kimchi
& Schaffer, 1990 cit in Sharp & Cowie, 1998; Vinson, 2002;Werner,
1993).
O INSTRUMENTO
O School-Age Temperament Inventory(SATI) é um questionário destinado a pais ou
cuidadores de crianças com idades compreendidas entre os 8 e os 11 anos de
idade. É composto por 38 itens avaliados numa escala do tipo Likert cujas
opções de resposta vão de 1 (nunca) a 5 (sempre), destinados a avaliar quatro
dimensões já descritas anteriormente: reactividade negativa (negative
reactivity), persistência de tarefa (task persistance), sociabilidade (approach
/ withdrawal) e actividade (activity).
Esta escala demora cerca de 10 minutos a ser preenchida e a sua cotação é
obtida para cada uma das dimensões avaliadas, através da soma total das
respostas dividida depois pelo respectivo número de itens. Através destes
resultados parciais para cada uma das quatro dimensões, torna-se possível obter
um perfil de temperamento da criança.
O desenvolvimento deste instrumento partiu de uma revisão de literatura, em que
foi identificado um consenso relativamente às dimensões ou factores que compõem
o temperamento em crianças em idade escolar, sendo estes aqueles que serviram
de base para a sua construção. Este foi testado numa amostra de 435 mães e 228
dos seus cônjuges, tendo a análise factorial dos resultados coincidindo com as
dimensões inicialmente identificadas (McClowry, 1995).
As qualidades psicométricas do instrumento foram também avaliadas, havendo
dados suficientes para se concluir que o SATI constitui um instrumento
fidedigno e válido. A fidelidade foi analisada através do coeficiente alpha de
Cronbach, para o qual foram obtidos valores entre 0,85 e 0,90, tanto para os
relatos das mães como para os dos pais e ainda através do procedimento teste-
reteste apenas para os relatos das mães, utilizando-se um intervalo de 4 a 6
meses, em que foram encontradas correlações na ordem dos 0,80 a 0,90 (McClowry,
1995).
A validade também foi avaliada, nomeadamente a validade de constructo das
quatro dimensões (reactividade negativa, persistência de tarefa, sociabilidade
e actividade), através de uma análise factorial exploratória com rotação
varimax, tendo a variância explicada encontrada sido de 72%para os 4 factores
(McClowry, 1995). Foi ainda estudada a validade convergente através de uma
comparação com resultados obtidos com um outro instrumento de avaliação do
temperamento, a Temperament Battery for Children-Revised(Presley & Martin,
1994 cit in McClowry, 1995). As correlações encontradas entre dimensões
semelhantes variaram entre 0,67 e 0,87.
O SATI foi posteriormente reavaliada em termos das suas qualidades
psicométricas, com três amostras diferentes de pais de crianças e adolescentes
com idades compreendidas entre os 8 e os 14 anos de idade e de origens sócio-
culturais diferentes (duas das amostras eram de origem Norte-americana e uma
Australiana), tendo sido encontrados resultados que confirmaram a validade e
fidelidade do instrumento (McClowry, Halverson, & Sanson, 2003).
Apesar de o SATI ter sido inicialmente desenvolvida para crianças com idades
compreendidas entre os 8 e os 11 anos, a autora concluiu deste estudo que o
instrumento era igualmente aplicável até aos 14 anos (McClowry et al., 2003).
MÉTODO
Participantes
O SATI foi aplicado a uma amostra de encarregados de educação (pais e mães) de
211 crianças pertencentes a duas escolas da área do Grande Porto, uma pública e
uma privada. A maioria dos questionários foi preenchida pela mãe da criança (n
= 157, 74,4%), sendo os restantes ou preenchidos pelo pai (n = 44, 29,9%) ou
pelas duas figuras parentais (n = 10, 4,7%). As 211 crianças, distribuídas
igualmente pelo sexo masculino e sexo feminino, tinham idades compreendidas
entre os 8 e os 12 anos de idade, com uma média de idade de 9,75 como se pode
verificar no Quadro 1.
Quadro 1
Distribuição em função do sexo e da idade
Procedimento
As instituições escolares foram contactadas através do seu Conselho Executivo e
após terem concordado participar no estudo, foi-lhes pedido que autorizassem a
colaboração dos técnicos do Serviço de Psicologia e Orientação Vocacional, os
quais seleccionaram as turmas de forma assegurar uma distribuição mais
homogénea ao longo das idades. Os questionários foram entregues aos pais
directamente (em situações em que estavam agendadas reuniões por motivos
pedagógicos) ou através das crianças, às quais tinham sido distribuídos pelos
técnicos do Serviço de Psicologia do respectivo estabelecimento de ensino.
Elaboração da versão portuguesa
A autorização para a adaptação do instrumento foi obtida junto da autora. O
inventário foi traduzido da língua original - Inglês Americano para Português
por dois técnicos da área da Psicologia e com domínio da Língua Inglesa e
posteriormente submetido a uma retro-tradução, desta vez por um terceiro
técnico com habilitações semelhantes aos anteriores. Depois de enviado à autora
e aprovado, o inventário foi posteriormente analisado, em termos de
equivalência conceptual e linguística, tendo participado neste processo 3
técnicos, uma da área da Língua Portuguesa e dois da área da Psicologia e da
Consulta Psicológica com Crianças. Para a elaboração da versão final do
instrumento (instruções, itens e opções de resposta) foram assim consideradas
todas as informações provenientes dos técnicos anteriormente referidos
relativas a possíveis questões de dificuldade de compreensão, ambiguidades e
interpretação, que decorreram sobretudo da opinião dos peritos em Psicologia,
com base em considerações desenvolvimentais.
Depois de se terem introduzido as alterações sugeridas pelos procedimentos
anteriormente descritos, passou-se à aplicação do instrumento para analisar as
características psicométricas do inventário.
RESULTADOS
Propriedades Psicométricas do SATI
Para o estudo das características psicométricas do instrumento, para além das
análises descritivas (médias e desvios padrão) utilizou-se a análise da
validade de constructo (mais especificamente validade factorial) e para a
análise da fidelidade, o cálculo da consistência interna (através do cálculo do
coeficiente alpha de Cronbach).
Para a análise da fidelidade dos itens foi ainda realizado da correlação entre
os itens de cada sub-escala e o respectivo sub-total.
Para estudar a validade de constructo do inventário foi feita uma análise
factorial exploratória, utilizando o método de análise de componentes
principais com transformação ortogonal varimax (do SPSS). Uma vez que segundo a
autora da versão original, se trata de um instrumento com 4 dimensões, era
esperado encontrar-se a presença de 4 factores, pelo que se começou por
seleccionar esta solução. Os resultados obtidos confirmaram a distribuição de
todos os itens por 4 factores, consistentemente interpretáveis e convergentes
com as dimensões do constructo original e que denominamos Reactividade
Negativa, Persistência de Tarefa, Sociabilidade e Actividade, como se pode
verificar no Quadro_2.
A inclusão dos itens num determinado factor foi realizada utilizando um
critério de saturação igual ou superior a 0,35. Todos os itens cumpriram este
critério com excepção do item número 27, que saturou no factor 3 apenas com
0,297. McClowry (1995) utilizou como critério a saturação igual ou superior a
0,50 e, no nosso estudo, uma grande maioria dos itens obedece também a esta
condição. Nos casos em que um item saturava mais do que um factor (ou seja, os
itens 19, 32 e 37) optou-se por incluí-lo no factor onde o valor de saturação
era mais elevado, à semelhança do procedimento usado por McClowry no seu estudo
original (1995) e em estudos posteriores do inventário (McClowry et al., 2003).
A fidelidade foi calculada através da consistência interna para cada uma das
sub-escalas. Os coeficientes alfa de Cronbach para as sub-escalas foram de 0,87
para a sub-escala de Reactividade Negativa, de 0,84 para a sub-escala de
Persistência de Tarefa, de 0,82 para a sub-escala de Sociabilidade e de 0,77
para a sub-escala de actividade.
Método de Extracção: Análise de Componentes Principais.
Método de Rotação: Varimax com normalização do tipo Kaiser
A Rotação convergiu em 6 iterações
Foi ainda realizada uma análise da fidelidade dos itens através do cálculo da
correlação (através do coeficiente de Kendall) entre cada um dos itens que
compunha cada uma das sub-escalas (correspondentes aos quatro factores
encontrados) e o total dessa mesma sub-escala. Como se pode verificar no Quadro
3, de forma geral, os itens apresentam correlações muito significativas de
nível moderado a elevado, com o total da subescala a que pertencem.
Estudo do temperamento
Relativamente à caracterização do temperamento e pela análise do Quadro 4
podemos observar que todas as dimensões apresentam valores médios acima do
ponto médio da escala correspondente, sendo a persistência na tarefa aquela que
apresenta o valor mais elevado e a sociabilidade o valor mais baixo. É de
relembrar que esta última escala se encontra inversamente cotada, pelo que o
valor exprime na verdade, o grau de retraimento.
Comparando ainda os nossos resultados com os obtidos por McClowry (1995),
verificamos que são muito semelhantes à excepção da dimensão reactividade
negativa, que é ligeiramente inferior na amostra portuguesa.
Quadro 4
Medidas descritivas relativas às dimensões do temperamento na amostra
Portuguesa e na amostra original
Influência da idade e do género
Tal como no estudo de McClowry (1995) foi feito um estudo da influência da
idade e do género nas dimensões do temperamento. Para tal foram realizadas
análises de variância (ANOVA) para os diferentes factores em separado (ver
Quadro 5).
Quadro 5
Resultados nas subescalas/dimensões do SATI em função da idade e género
Relativamente à idade, os resultados indicam que esta não parece ter influência
em nenhuma das dimensões avaliadas. Já em relação ao sexo, este parece ter um
efeito a nível da dimensão actividade, no sentido em que os rapazes revelam
maior actividade do que as raparigas, resultado que vai de encontro aos de
McClowry (1995). Não foram encontradas diferenças significativas nas restantes
dimensões em função do sexo dos sujeitos.
Perfis de Temperamento
Para a identificação de perfis de temperamento, as dimensões derivadas do SATI
foram submetidas a uma análise factorial de segunda ordem, com rotação varimax.
Este foi também o procedimento utilizado por McClowry (2002), com o objectivo
de maximizar a possibilidade de identificar factores distintos. Seguindo também
os critérios utilizados por McClowry (2002), apenas foram interpretadas
saturações superiores a 0,40, tendo sido extraídos dois factores de segunda
ordem, que explicam uma variância total de 39,1%. O factor 1 agrupa 3 dimensões
com as seguintes saturações: elevada reactividade negativa (r=0,604), baixa
persistência de tarefa (r=0,631) e elevada actividade (r=0,582). O factor 2
caracteriza-se pela saturação de apenas duas dimensões: elevado retraimento
(r=0,527) e elevada reactividade negativa (r=0,426).
Estes perfis correspondem aos encontrados por McClowry (2002), os quais a
autora denominou deActivação elevada e de Cauteloso, respectivamente. Tal como
no estudo de McClowry, para definir em cada dimensão o que é um resultado
elevado e um resultado baixo, dividimos os resultados em 3 grupos usando os
percentis 33 e 66. O terço superior foi chamado de elevado e o inferior de
baixo. No Quadro 6 estão indicados os valores correspondentes aos percentis
assim como as médias e desvios padrão da amostra total para cada uma das
dimensões.
Quadro 6
Valores correspondentes aos percentis e médias e desvios padrão da amostra
totalpara cada uma das dimensões
McClowry (2002) também considerou os perfis opostos destes, que correspondem a
valores inversos nas mesmas dimensões e que designou como Empreendedor (baixa
actividade, baixa reactividade negativa e elevada persistência de tarefa) e
Sociável (elevada sociabilidade e baixa reactividade negativa).
Foi a partir destes resultados que calculámos o número (frequência) de sujeitos
em cada um dos perfis. Vinte e nove por cento das crianças (n=61) foram
classificadas pelos quatro perfis: 9,5% no perfil Activação Elevada, 5,7% no
perfil Cauteloso, 7,6% no perfil Empreendedor e 3,8% no perfil Sociável. Apenas
5 crianças obtiveram resultados que as incluem simultaneamente em dois tipos de
perfil: 2 (0,95%) nos perfis Activação elevada e Cauteloso e 3 (1,42%) nos
perfis Empreendedor e Sociável.
DISCUSSÃO
De uma forma geral, a versão portuguesa do SATI parece ser um instrumento com
boas qualidades psicométricas e que se aproximam bastante das encontradas quer
no estudo realizado durante o desenvolvimento do inventário, quer em avaliações
posteriores (McClowry et al., 2003). Os valores encontrados de alfa de Cronbach
para as diferentes sub-escalas mostram que o instrumento é fidedigno.
A versão portuguesa reproduz a mesma estrutura factorial e uma igual
distribuição dos itens pelas quatro dimensões do temperamento. A interpretação
dos factores é equivalente à proposta pela autora, podendo dizer-se que o
temperamento nestas idades comporta quatro dimensões distintas.
A dimensão reactividade negativa, definida pelos itens que saturam no factor 1
(2,5,10,12,14,17,20,23,26,29,32,33 e 37) traduz a intensidade e a frequência
com que a criança tem reacções afectivas negativas, tais como choro, gritos,
expressões de frustração e de fúria. Relativamente à estrutura factorial
inicial, no nosso estudo há uma diferença na composição deste factor que se
refere à inclusão do item 12 (parece ficar nervoso(a) ou ansioso(a) em
situações novas, tais como visitas a parentes, novos amigos ou colegas), que
segundo McClowry (1995) seria antes revelador da dimensão sociabilidade
(invertido). Entre as possíveis explicações para este facto podemos apontar
alguma imprecisão na tradução, que pode ter destacado mais a reacção afectiva
do que propriamente o estímulo que a desencadeia ou a existência de diferenças
de ordem cultural que se exprimem em hábitos sociais mais ou menos comuns em
determinadas culturas. A visita a familiares pode ser um acontecimento mais
comum entre a nossa população e daí que possa funcionar menos como estímulo à
avaliação da resposta da criança a novas situações. Uma outra diferença em
relação aos dados do estudo original do Inventário, é que de uma forma geral as
médias dos nossos resultados para esta dimensão são menos elevadas do que os
obtidos pela autora, o que poderá revelar mais uma vez diferenças de
temperamento com base em processos de socialização distintos, que parecem
resultar em reacções mais adaptadas (ou controladas) das crianças portuguesas.
O factor 2, que exprime a dimensão persistência na tarefa, inclui os mesmos
itens propostos por McClowry (1995), ou seja, os itens
4,6,8,11,15,16,18,22,25,30 e 36. Caracteriza o grau de orientação para a tarefa
que a criança possui e está próximo do que alguns autores denominam
impulsividade - auto-controlo. A dimensão sociabilidade, representada pelo
factor 3, descreve as respostas sociais da criança, mais especificamente as
suas respostas iniciais quando confrontada com situações ou pessoas que não lhe
são familiares. Com excepção do item 12, que como foi já mencionado
anteriormente, no nosso estudo passou a fazer parte do factor 1, todos os
outros itens que saturam nesta dimensão correspondem ao previsto pela autora e
são os seguintes: 3,7,9,21,27,31,34,e 38.
Por fim, o quarto factor, que representa a dimensão que McClowry (1995)
denominou de Actividade, é definido pelos seguintes itens: 1,13,19,24,28 e 35.
Esta dimensão é expressão da forma como a criança despende e exibe a sua
tendência para a actividade motora.
Para além da caracterização do temperamento na amostra estudada, foi ainda
estudada a hipótese de existir um efeito da idade e do sexo nos resultados em
cada uma das dimensões. Esta hipótese não se verificou no que diz respeito à
idade, para nenhuma das dimensões. Em contraste, McClowry (1995) encontrou
diferenças significativas na dimensão actividade entre as crianças de 8 anos e
as de 10 e 11 anos, no sentido em que as mais novas revelavam possuir um maior
nível de actividade do que as mais velhas. A inexistência de um efeito da idade
nos nossos resultados, sugere que uma vez que existe uma certa consistência na
expressão das dimensões avaliadas, este instrumento pode ser utilizado para
estudos longitudinais, onde se procure estudar a relação do temperamento com
índices de adaptação psicológica.
Relativamente ao sexo, os nossos resultados revelaram a existência de uma
diferença significativa entre rapazes e raparigas na dimensão actividade,
apresentando os rapazes maior actividade do que as meninas, o que vai de
encontro aos estudos de McClowry (1995) e de McClowry e colaboradores (2003).
Estes últimos estudos encontraram também diferenças entre meninos e meninas
relativamente à persistência na tarefa (sendo as meninas mais persistentes do
que os rapazes), diferença que embora tendencial, não é estatisticamente
significativa nas crianças da amostra Portuguesa.
Por fim, tal como a autora do instrumento, procurámos, a partir dos resultados
do nosso estudo identificar perfis de temperamento. Seguindo a mesma
metodologia de McClowry (2002, 2002a), encontrámos resultados semelhantes aos
seus, tendo sido identificados os mesmos 4 perfis resultantes da combinação dos
factores extraídos na análise factorial de segunda ordem.
A adaptação do inventário de temperamento para crianças em idade escolar 'SATI
parece ter dado origem a um instrumento válido, que poderá servir de suporte à
avaliação do temperamento em crianças portuguesas com idades compreendidas
entre os 8 e os 12 anos.
O interesse de um instrumento válido e fiável para a avaliação do temperamento
prende-se como facto de este estar relacionado coma adaptação psicossocial da
criança (Rothbart&Bates, 1998) e assim, ser utilizado para estudar como é
que este poderá funcionar como factor de risco ou protecção em termos de
adaptação psicológica (McClowry, 1995). O SATI contribui para consolidar a
hipótese teórica de que existem quatro dimensões fundamentais do temperamento,
conceptual e empiricamente distintas: reactividade negativa, persistência na
tarefa, sociabilidade e actividade. A avaliação da criança em cada uma destas
dimensões fornece dados importantes para a investigação e para a intervenção,
quer no plano da prevenção, quer para desenhar estratégias de apoio bem
direccionadas em casos de desadaptação psicossocial, por exemplo, associadas à
presença de uma doença crónica. Neste sentido, também a possibilidade de
avaliar perfis se reveste de um interesse especial, porquanto parece reflectir
a realidade complexa do temperamento e poderá servir como uma orientação útil
no domínio da intervenção clínica. Seguindo o conceito de Goodness of fit
(Thomas & Chess, 1977), os perfis poderão servir para intervir junto dos
pais e educadores emgeral no sentido de os orientarem a adaptarem as suas
práticas educativas às características comportamentais das suas crianças
(McClowry, 2002b). Esta estratégia pode servir para promover um melhor
desenvolvimento em geral e inclusive para dar resposta a algumas situações
clínicas no domínio da saúde infantil.
A consistência dos resultados de adaptação deste instrumento reforça o seu
interesse para a investigação do temperamento e do seu papel na adaptação
psicológica das crianças e adolescentes.