Controlo alimentar materno e estado ponderal: resultados do questionário
alimentar para crianças
A obesidade e o sobre-peso têm aumentado de forma assustadora nos países
desenvolvidos, particularmente entre crianças e jovens. Os países do sul da
Europa estão entre os que apresentam maior taxa de crescimento desta patologia,
em Portugal a prevalência estima-se em 31,6% (Padez, Fernandes, Mourão,
Moreira, & Rosado, 2004). Os desafios colocados pela obesidade,
principalmente em termos de saúde, e as dificuldades em implementar mudanças
socioeconómicas e comportamentais que permitam o controlo da situação, impõem
aos especialistas a necessidade de estratégias de prevenção mais eficazes.
Entre as principais causas ambientais do peso em excesso destacam-se o
comportamento alimentar e os baixos níveis de actividade física. Nos últimos
anos a atenção tem sido focalizada nas atitudes de controlo dos pais face à
alimentação dos seus filhos (e.g. Viana, Candeias, Rego & Silva, 2009). É
dado como adquirido que nascemos com a capacidade inata de regular a ingestão
de acordo com as necessidades energéticas (Birch & Deysher, 1986; Shea,
Stein, Basch, Contento, & Zybert, 1992). Esta capacidade é influenciada
pelas aprendizagens que decorrem do contato com os alimentos e das atitudes e
interações familiares a respeito dos alimentos. As atitudes dos cuidadores
podem contribuir para a desregulação da ingestão promovendo o desequilíbrio
entre gasto energético e ingestão e como consequência a obesidade (Johnson
& Birch, 1994). Esta consequência verifica-se na medida em que estas
atitudes poderão, em alguns casos, contribuir para a confusão entre os indícios
internos de fome e da saciedade e os estímulos externos como a aparência e o
gosto dos alimentos (Birch & Fisher, 2000).
As atitudes de controlo têm sido classificadas como (Birch, Zimmerman &
Hind, 1980; Birch & Deysher, 1986): - restritivas, envolvem a exclusão dos
alimentos considerados menos saudáveis e redução da quantidade ingeridas pelos
filhos; - pressão para comer, implica pressão para ingerir alimentos mais
saudáveis (frutas, vegetais, etc.) e mais quantidades; - vigilância ou controlo
discreto(monitorização) implicam estar atento aos hábitos alimentares dos
filhos e atitudes subtis de controlo tais como: não comprar para casa alimentos
menos saudáveis e agir como modelo promovendo refeições saudáveis (Klesges,
Stein, Eck, Isbell, & Klesges. 1991). Embora não seja possível estabelecer
uma relação de causa ' efeito, as atitudes restritivas surgem associadas a
maior peso da criança enquanto que, pelo contrário, a pressão para comer se
associa a menor peso (e.g. van Strien, Niekerk, & Ouwens, 2009; Ventura
& Birch, 2008). As atitudes de controlo subtil e mais discreto parecem
associar-se a um estado ponderal mais saudável (Clark, Goyder, Bissel, Blank,
& Peters, 2007; Ogden, Reynolds, & Smith, 2000).
O Child Feeding Questionnaire (CFQ) foi desenvolvido com o objectivo de
investigar as atitudes de controlo alimentares relacionadas com obesidade de
crianças e jovens (Birch, Fisher, Grimm-Thomas, Markey, Sawyer, & Johnson,
2001). Foram realizados estudos com questionário em contexto sócio-culturais e
demográficos diversos. Nem sempre os resultados confirmaram plenamente a
estrutura factorial descrita pelos autores. Por exemplo, Anderson, Hughes,
Fisher, e Nicklas (2005) e Corsini, Danthiir, Kettler e Wilson (2008)
propuseram soluções fatoriais dos itens do questionário um pouco diferentes da
original. Em ambos os casos as discrepâncias verificaram-se em torno de 2 itens
da subescala Restrição, itens esses classificados como "Comida como
recompensa".
Este trabalho tem como objectivo investigar as relações entre as atitudes da
mãe e o estado ponderal (IMC) dos filhos. Para tal, procedeu-se primeiro à
verificação da validade do CFQ para a investigação em mães de crianças e jovens
portugueses e avaliação das características psicométricas o instrumento.
MÉTODO
Participantes
A amostra acidental foi obtida em escolas de ensino básico da área do Porto. É
composta por 292 mães e os respectivos filhos de ambos os sexos, com idades
entre os 7 e os 12 anos. As crianças foram separados em 4 grupos tendo em conta
a distribuição do IMC conforme a idade e o género, de acordo com a metodologia
utilizada por Carnell e Wardle (2007). No grupo 1 ficaram as crianças cujo
percentil de IMC era igual ou menor que 50 (normais-leves); no grupo 2 aquelas
cujo IMC se situava entre os percentís 50 e 85 (normais-pesadas); no grupo 3 as
que tinham IMC entre os percentís 85 e 95 (sobre- peso); e no grupo 4 as que
tinham percentís superiores ao 95 (obesas). No Quadro 1 podem observar-se as
características da amostra (mães e filhos).
Quadro 1
Características da amostra
Material
O Questionário Alimentar para Crianças (Child Feeding Questionnaire - CFQ)
(Birch et al. 2001) é composto por 31 itens que se distribuem por 7 subescalas.
Quatro subescalas avaliam o risco e preocupação com o peso, são elas: Percepção
da responsabilidade dos pais pela alimentação dos filhos (RESP) (3 itens);
Percepção do excesso de peso Próprio (PPW) (4 itens); Percepção do excesso de
peso dos filhos (PCW) (6 itens), e Preocupação com o excesso de peso dos filhos
(CN) (3 itens). As restantes avaliam as atitudes de controlo dos pais com
respeito à alimentação dos filhos e são: Restrição (RST) (8 itens); Pressão
para comer (PE) (4 itens); Monitorização (MN) (3 itens). As siglas referem-se
às iniciais das denominações das subescalas em Inglês. O número de itens
respondidos na subescala PCW varia conforme a idade destes, pois é pedida a
avaliação do peso ao longo de diferentes níveis etários relacionados com os
anos de escolaridade. Neste estudo, as idades das crianças da nossa amostra
obrigaram a que apenas fossem utilizados 5 itens desta subescala. Todos itens
são cotados numa escala de Lickertde 5 pontos. O questionário foi traduzido,
adaptado e retrovertido para inglês e submetido à avaliação dos autores.
Procedimentos
Tendo sido selecionada a amostra, foram desencadeados os procedimentos do
consentimento informado às mães. As crianças foram pesadas e medidas, foram
calculados os IMC e os respectivos Z scores. As mães responderam ao CFQ e a
algumas questões sócio-demográficas.
O tratamento estatístico implicou a análise da estrutura fatorial do
questionário de acordo com o modelo original, pelo que começamos pela Análise
Fatorial Confirmatória (AFC). Uma vez que os resultados foram apenas
satisfatórios passamos à Análise Fatorial Exploratória (AFE). Foi então
investigada a homegeneidade das subescalas e analisados os índices de
consistência interna (alpha de Cronbach). Os resultados obtidos contribuiram
para as decisões sobre quais os modelos a submeter a novas AFC. Os valores
médios das subescalas foram associados aos grupos de peso. Foram utilizados os
programas IBM SPSS 20 e AMOS 20.
Alguns itens foram previamente associados entre si, tal como proposto por Birch
e col. (2001), dando lugar a novos itens compostos. Isto foi feito com os itens
17, 18 e 19 (RST 1) os itens 21 e 22 (RST 3) e os itens 23 e 24 (RST 4). O item
20 (RST3) da manteve-se sem qualquer alteração. Este procedimento tem sido
sugerido como meio de reforçar a unidimensionalidade do fator onde se inserem
os itens (Bandalos, 2002). O mesmo procedimento foi utilizado a propósito dos
itens 8, 9 e 10 (PCW 1).
RESULTADOS
Análise Fatorial Exploratória e Confirmatória - A AFE foi realizada recorrendo
ao método dos Componentes Principais e rotação Varimax. Deste modo obtiveram-se
os valores de saturação fatorial dos itens distribuídos pelos 7 fatores. É de
notar que alguns itens PCW e RST se encontram agrupados conforme anteriormente
descrito. Esta solução fatorial é apresentada no Quadro 2. Como se verifica, os
itens saturam nos respectivos fatores (subescalas). Os índices de saturação são
elevados, com excepção do item PPW 4 que apresenta o valor 0,30.
Quadro 2
Análise Factorial Exploratória (% total de variância 65,7)
Foi realizada a AFC da solução do 7 fatores e dado que os resultados obtidos
foram apenas satisfatórios experimentaram-se outras possíbilidades Foi então
testado um segundo modelo em que se experimentou uma solução de oito factores.
Esta implicou a separação da subescala RST em duas. Uma contendo todos os itens
17, 18, e 19 (RST 1), os itens 23 e 24 (RST 4) e o item 20 (RST 3), a outra
contendo os itens 21 e 22 separados a que chamamos Comida recompensa (FRw -
Food Reward). Experimentamos ainda um terceiro modelo, este também com 7
factores, em que excluiram os itens 21 e 22 (RST 3). No Quadro 3 observam-se
os valores dos índices de adequação dos três modelos testados. Os índices
confirmatórios foram o chi quadrado na razão dos graus de liberdade (c²/ df) e
o "Root Mean Square Error of Approximation"
(RMSEA), consideradas medidas de discrepância entre o dados e o modelo
proposto, valores baixos indicam menor discrepância. Uma vez que o chi quadrado
é influenciado pelo número da amostra, tendendo a ser significativo em amostras
grandes, tem sido sugerida, em alternativa, a razão entre o chi quadrado e os
graus de liberdade (Bentler, 1990). Para o c²/ df propõem-se valores inferiores
a 5 como indicadores de uma discrepância aceitável. No caso do RMSEA valores
inferiores a 0,05 indicam bom ajustamento (Hu & Bentler, 1999). O
"Comparative Fit Index"
(CFI) o "Normed Fit Index"
(NFI) e o "Tucker Lewis Index"
(TLI) foram selecionados como medidas de ajustamento entre os dados e o
modelo. Valores superiores a 0.90 são indicadores de um ajustamento suficiente
enquanto que valores superiores a 0,95 são indicadores de bom ajustamento (Hu
& Bentler, 1999). Como se observa no quadro, os valores do 1º modelo
testado são apenas suficientes em quase todos os indices, a excepção é o valor
de NFI. O 2º e o 3º modelos apresentam valores e que se podem considerar bons
indicadores de ajustamento em todos os índices com excepção de NFI.
Quadro 3
Análise Factorial Confirmatória: índices de adequação dos 3 Modelos testados.
Análise da homogeneidade e consistência interna (alpha de Cronbach) - A
homogeneidade de cada uma das sete subescalas do modelo original, e ainda da
subescala de Restrição sem os itens 21 RST e 22 RST que identificamos como
Restrição-A, foi investigada através da análise fatorial dos itens da cada uma
das subescalas. Realçamos que para esta análise todos os itens do CFQ foram
tomados individualmente. No quadro 4 pode observar-se o número de faores com
"valor próprio" superior a 1 assim como a percentagem de variância explicada
por esse factor. Na maior parte dessas subescalas foi encontrado 1 só fator.
Foram excepção Perceção do excesso de peso na criança (PCW) e Restrição (RST)
que apresentaram 2 factores. Os resultados da homogeneidade nestas subescalas
sugeriam medidas de agrupamento como explicadas em Procedimentos. No mesmo
quadro podem verificar-se os valores de alpha que são elevados, sugerindo uma
boa consistência interna.
Quadro 4
Homogeneidade e consistência interna das subescalas do CFQ.
Correlação entre as subescalas - Verificou-se que Restrição e Restrição-A se
correlacionam com Percepção de peso próprio (r= 0,16; p<0.01 e r= 0,22;
p<0,001), Perceção do peso dos filhos (r= 0,18; p<0,01 e r= 0,24; p<0,001),
Preocupação com o peso dos filhos (r=0,42; p<0,001 e r= 0,48; p<0,001) e
Monitorização (r= 0,32; p<0,001 e r= 0,42; p<0,001). Pressão para comer
associa-se a Perceção da Responsabilidade (r= 0,18; p<0,01) e negativamente a
Percepção do peso dos filhos (r= -0,29; p<0,001) e a Preocupação com o peso dos
filhos (r= -0,24; p<0,001). Monitorização correlciona-se positivamente com
Percepção da responsabilidade (r= 0,28; p<0,001) e Preocupação com o peso dos
filhos (r= 0,38; p<0,001). Percepção de peso próprio associa-se ainda a
Perceção do peso dos filhos (r= -0,27; p<0,001) e Preocupação com o peso dos
filhos (r= 0,27; p<0,001). Percepção do peso dos filhos correlaciona-se com
Preocupação com o peso dos filhos (r= 0,37; p<0,001).
Associação entre os valores das subescalas e o estado ponderal das crianças e
jovens
A relação entre os resultados médios de todas as subescalas e o estado ponderal
das crianças foi investigada através da análise de variância (ANOVA) das médias
em função dos quatro grupos de peso em que se dividiu a amostra. Como se
observa no Quadro 5, apenas os resultados das subescalas Perceção da
responsabilidade e Monitorização não apresentam diferenças estatisticamente
significativas em função dos grupos de peso.
Quadro 5
Médias (Desvio Padrão) das subescalas do CFQ por grupos de peso e análise
comparativa.
A análise da variância nos mesmos grupos de peso nos dois sexos reproduziu
resultados idênticos. A análise comparativa por sexos (teste "t
") apenas encontrou diferenças significativas entre as médias da subescala
Pressão para comer, sendo os resultados obtidos na amostra de mães das meninas
os mais elevados (sexo feminino: M
= 3,64; DP
= 1.05; sexo masculino: M
= 3,32; DP
= 1,15; p
= 0,01).
As correlações entre as notas médias das subescalas do CFQ e o Z score do IMC
das crianças, no total da amostras e nos dois sexos, podem observar-se no
Quadro 6. Percepção da responsabilidade não mostrou associação significativa
com o Z score do IMC. Monitorização mostra-se associada ao estado ponderal
apenas no caso das mães de raparigas. Todas as demais subescalas se encontram
associadas com o estado ponderal, sendo que no caso de Pressão para comer a
correlação é negativa.
Quadro 6
Correlação, r de Pearson, entre os resultados das subescalas do CFQ e os Z
Scores do IMC por sexos e no total da amostra.
DISCUSSÃO
Validação do CFQ - As atitudes parentais face à alimentação dos filhos incluem-
se entre os determinantes fundamentais do comportamento alimentar das crianças
e jovens (e.g. Spruijt-Mertz, Lindquist, Birch, Fisher, & Goran, 2002). A
existência de instrumentos que têm como objectivo a investigação destas
atitudes, instrumentos validados e utilizados em diferentes países, permite o
estudo transcultural das inter-relações do estilo alimentar parental, do estilo
alimentar das crianças e jovens, e dos fatores que eventualmente mediam estas
associações.
Esta investigação destina-se a estudar as características deste questionário,
investigando a sua validade e a da teoria que lhe está subjacente. Na análise
confirmatória, a solução que nos permitiu obter uma estrutura factorial com
melhores índices foi o 2º modelo testado em que a subescala Restrição foi
separada em duas: Restrição-A e Comida como recompensa. A análise da
homogeneidade da subescala Restrição mostrava que os itens deta dimensão se
distribuiam por dois factores. De facto, o conteúdo destes itens (RST3 21 e 22)
permite pensar que dificilmente se englobam no constructo de restrição. Eles
referem-se a comportamentos muito específicos que indicam a utilização dos
alimentos como estratégia de controlo do comportamento. O item 21: "Eu ofereço
doces (rebuçados, gelados, bolos ou pastéis)à minha criança como recompensa por
bom comportamento" e o item 22: "Eu ofereço à minha criança os seus alimentos
preferidos em troca de bom comportamento". É de notar que poucas mães do nosso
estudo afirmaram utilizar estas estratégias; apenas 11,1% (RST 21) e 13,4% (RST
22) assinalaram "concordar" ou "concordar ligeiramente". A maioria parece não
utilizar este tipo de controlo. Perante um problema idêntico com estes mesmo
itens, Anderson e col. (2005) optaram por suprimi-los. Corsini e col. (2008),
identificaram um problema idêntico e decidiram juntar estes itens num factor
independente. Estes autores sugeriram, no entanto, que os itens não sejam
utilizados até ser melhor esclarecido o conceito "Comida como recompensa"
(Corsini et al. 2008). Estas conclusões levaram-nos a experimentar uma solução
com 7 factores mas em que se eliminaram os mesmos 2 itens de Comida recompensa
(3º modelo). Os indíces confirmatórios podem considerar-se bons, pelo que este
modelo, pelas razões antes descritas, deverá ser preferêncialmente utilizado
No que diz respeito aos valores da consistência interna das sub escalas, são
semelhantes aos mesmos índices descritos nos trabalhos já citados, sugerem boa
consistência em todas elas. Realçamos que o alpha de Restriçãomelhora quando se
eliminam os 2 itens cujo conteúdo remete para Comida Recompensa.
Associação entre fatores do CFQ - A associação entre os fatores do questionário
fornece dados para reflexão a propósito das implicação mútua estratégias do
controlo. A relação entre Restrição e os fatores que se referem a preocupação
com o peso era esperada. As atitudes restritivas são utilizadas habitualmente
como modo de controlar o peso e como resposta ao excesso de peso. Os alimentos
proibidos são, geralmente, os mais energéticos e tornam-se frequentemente os
mais apetecidos, contribuindo por isso as atitudes restritivas para o peso em
excesso (Birch, Fisher, & Davison, 2003; Joyce & Zimmer-Gembeck, 2009).
Em sentido inverso, a Pressão para comer associa-se negativamente com os
fatores de Perceção do excesso de peso e Preocupação com o peso. Esta dimensão
é utilizada como modo de melhorar e aumentar a ingestão em crianças mais leves
e tem, muitas vezes, um efeito contrário. Crianças com pouco interesse por
alguns alimentos tendem a diminuir o interesse quando pressionadas (e.g.
Scaglione, Salvioni & Galimberti, 2008). Em alguns estudos Pressão e
Restrição surgem associadas (Birch et al., 2001; Kauer et al., 2006), o que
poderá sugerir que estes dois tipos de controlo poderão ser utilizados
complementarmente por algumas mães. Nesta investigação as duas escalas não
estão associadas, pelo que não se confirma a complementaridade das estratégias.
Quanto à Monitorização, esta dimensão associa-se positivamente à Restrição, à
Preocupação com o peso e à Perceção da responsabilidade. A Monitorização tem
sido considerada como um modo de controlo mais eficaz pois, tratando-se de
atitudes subtis, é mais provável que não interfira de modo significativo com a
capacidade da criança em regular a ingestão de acordo com as suas necessidade
(Klesges et al., 1991).
Subescalas do CFQ e estado ponderal das crianças - Nesta investigação os
valores das sub escalas do CFQ foram estudados em associação com o estado
ponderal das crianças e jovens, quer considerando este como variável categórica
(4 grupos de peso) quer como variável continua (z score do IMC). Os resultados
mostram não existir relação no que refere aos valores da sub escala Percepção
da responsabilidade. No caso da sub escala Pressão para comer a associação com
o peso é negativa, quanto maior o peso menor a pressão para comer. Tal como
Carnell e Wardle (2007) sugerem, o resultado desta sub escala traduz,
provavelmente, uma reacção ao baixo peso dos filhos. Como esperávamos,
Restrição está associada ao estado ponderal. Esta atitude parece traduzir-se em
maior ingestão e é, também, uma reacção das mães ao peso mais elevado. Numa
revisão recente sobre a relação entre apetite e obesidade infantil, os autores
concluíram que a resposta à saciedade aumentava conforme aumentava a pressão
para comer, enquanto a resposta à comida aumentava de acordo com o aumento da
restrição (Carnell & Wardle, 2008). Atitudes mais restritivas dos pais
repercutem-se em maior sensibilidade dos filhos às pistas externas dos
alimentos e maior desinibição alimentar (Fisher & Birch, 2002; Fisher,
Carper, Fisher, & Birch, 2000).
No caso da subescala Monitorização há associação apenas com o estado ponderal
das raparigas. Os nossos resultados sugerem que conforme sobe o peso das
raparigas aumenta a monitorização das mães. Esta diferença entre os sexos
traduzirá, eventualmente, diferenças na importância atribuída pelas mães ao
peso conforme se trate de rapazes ou raparigas. É de notar que Monitorização se
refere a um controlo discreto e subtil, e mais adaptado, que implica mais a
modelagem e a influência. A este propósito Snoek, Engels, Janssen, e van Strien
(2007) verificaram que atitudes menos autoritárias de controlo se traduziam em
menor ingestão emocional. Atitudes mais flexível e baseadas na modelagem
permitem melhores resultados da ingestão infantil do que um controlo rígido
(Scaglione et al., 2008). Brown, Ogden, Vogele, e Gibson (2008) verificaram que
um controlo subtil (covert control
) dos pais estava associado a hábitos alimentares mais saudáveis e a um consumo
mais elevado de frutos e vegetais das crianças.
Pode concluir-se desta investigação que se confirma a estrutura factorial do
CFQ, com algumas objecções, assim como as suas características psicométricas,
mostrando que o instrumento é útil na investigação em amostras portuguesas. De
acordo com os resultados, pode ser considerada a possibilidade de se utilizar a
subescala de Restrição completa ou eliminando os 2 itens já identificados. A
este propósito, realçamos que quando analisados os resultados de RST e RST-A,
na relação quer com os demais factores do questionário quer com o peso dos
sujeitos, eles não acrescenta informação discrepante. Apesar disto, a opção
pelo modelo 3 (com RST-A) é apoiada por melhores indices confirmatórios.
A investigação confirma a importância do conceito de controlo parental e
especificamente das estratégias avaliadas pelo CFQ enquanto determinantes do
peso em excesso em crianças e jovens (Viana, Franco & Morais, 2011).
Em geral, na bibliografia, a pressão para comer tende a ser menor quando a
criança apresenta maior peso; a restrição imposta pela mãe associa-se ao
aumento de peso dos filhos (Fisher & Birch, 1999). Os resultados da
presente investigação vão no mesmo sentido. A imposição de atitudes que reduzem
a responsividade às pistas internas de fome e saciedade, aumentando a
sensibilidade aos indícios externos, perturbam a capacidade de regulação
energética e estão associadas ao aumento de peso (Birch et al., 2001). Um
controlo mais discreto e subtil associa-se à regulação mais eficaz da ingestão
pela criança (Clark et al., 2007; Ogden et al., 2006). As atitudes de controlo
alimentar dos pais têm uma influência directa no comportamento alimentar dos
filhos (Viana et al., 2009), traduzindo-se este último em consequências no
estado ponderal (Viana, Sinde & Saxton, 2008). O conhecimento destas
atitudes deve ser tido em conta na planificação de programas de educação
alimentar para pais, no aconselhamento aos pais de crianças em risco de excesso
de peso, e na definição de programas de redução do peso.