Determinantes de adesão em doentes submetidos a angioplastia transluminar
percutânea coronária
Determinantes de adesão em doentes submetidos a angioplastia transluminar
percutânea coronária
Determinants of adherence in cardiac patients after precutaneous transluminar
coronary angioplasty (ptca)
C. Páscoa 1 & M. C. Santos 2
A doença crónica é por definição uma situação clínica tratável mas não curável,
sendo a sua evolução largamente determinada pelo comportamento do doente em
relação ao tratamento (WHO, 2003).Segundo um vasto número de estudos, a forma
como o doente lida com a doença e com as indicações terapêuticas é um fator
determinante da sua qualidade de vida e da prevenção da morbilidade e
mortalidade (Simpson, et al., 2006).
As doenças cardiovasculares estão incluídas no grupo das doenças crónicas e
estudos epidemiológicos recentes apontam-nas como das mais frequentes causas de
morte em Portugal, com cerca de 40% dos óbitos registados (Portal da Saúde,
2010). De entre as diversas patologias cardíacas, o enfarte agudo do miocárdio
(EAM) é das patologias que apresenta uma taxa de incidência mais elevada, com
cerca de 12 milhões de mortes por ano (WHO, 2002).
Um dos tratamentos eletivos do EAM é a Angioplastia Transluminal Percutânea
Coronária. Este procedimento tem como frequente complicação clínica a trombose
intrastent, que consiste na oclusão súbita dos stents coronários por formação
de trombos no seu interior. Esta complicação pode ter, como consequência, a
morte súbita em 20 a 40% dos casos ou a recidiva de EAM (Iakovou, Mehran, &
Dangas 2006; Mauri, Hsieh, & Cutlip, 2007).
A prevenção da trombose intrastent é feita através da administração de
terapêutica antiagregante plaquetária (Eisenstein, et al., 2007; Elliot, Maddy,
Toto, & Bakris, 2000). A combinação que tem provado ser mais eficaz é a
associação de aspirina e clopidogrel e, por vezes, a ticlopidina. De acordo com
alguns estudos, o clopidogrel deve ser administrado, no mínimo, durante um ano
e a aspirina não pode deixar de ser prescrita (Mauri, Hsieh, & Cutlip,
2007).
A evidência científica da importância da medicação na prevenção da trombose
intrastent nem sempre se tem traduzido em adesão ao tratamento e estudos
recentes têm concluído que frequentemente os doentes não cumprem a terapêutica
antiagregante plaquetária, potenciando, assim, um elevado número de eventos de
trombose (Grove, & Kristensen 2007; Iakovou, Mehran, & Dangas, 2006).
A definição de adesão foi inicialmente apresentada por Haynes, Taylor e Sackett
(1979) que utilizaram o termo compliance para referir o grau em que os
comportamentos do doente estão de acordo (i.e., seguem) com as recomendações
prescritas pelo especialista. Com a emergência do modelo biopsicossocial, esta
definição foi criticada por ser centrada exclusivamente na perspetiva do
profissional de saúde e pelo papel passivo atribuído ao doente (Vermeire,
Hearnshaw, Royen, & Denekens, 2001) e a adesão passou a ser entendida como
um processo que integra aspectos psicossociais, como as crenças, as
preferências e escolhas do doente (DiMatteo, Haskard, & Williams, 2007;
Ross, Walker, & MacLeod, 2004).
Nos últimos anos, Treharne, Lyons, Hale, Douglas e Kitas (2006) propuseram o
termo concordancedefendendo que a adesão resulta de um processo comunicacional
entre os profissionais de saúde e o doente, o que implica não só um acordo
quanto ao tratamento mas também a mútua responsabilização pela sua
implementação. A adesão passa, assim, a ser compreendida como um processo
dinâmico e dialético que acontece ao longo de toda a história clínica do doente
e que resulta de uma multiplicidade de determinantes individuais, sociais e
contextuais, incluindo, nestas últimas, o próprio processo terapêutico.
Apesar de não ser um problema recente ' Hipócrates já terá alertado os seus
discípulos para a possibilidade dos doentes mentirem quando dizem que tomaram
certos medicamentos (Burgoon, Buller, & Woodall,1996) ' e contar com um
corpo vasto de investigação, a adesão à terapêutica continua a ser considerada
como um problema mal compreendido, muito associada ao aumento de morbilidade e
mortalidade dos doentes (Gehi, Ali, Na, & Whooley, 2007; Nelson, Reid,
Ryan, Willson, & Yelland, 2006; Simpson, et al., 2006) e a custos elevados
para o sistema de saúde (Di Matteo, 2004; Sokol, McGuigan,Verbrugge, &
Epstein, 2005). A não adesão tem ainda sido considerada um sério obstáculo no
tratamento de doenças e na erradicação de algumas das patologias mais graves
que afetam a Humanidade (Wahl, et al., 2005; WHO, 2003).
Segundo a Organização Mundial de Saúde (WHO), o índice geral de não adesão ao
tratamento em doenças crónicas nos países desenvolvidos estima-se em 50% (WHO,
2003). De acordo com Ye, Gross, Schommer, Cline e Peter (2007), os resultados
de não adesão variam entre os 25% e os 80%, dependendo de aspetos relacionados
com a doença, com o doente e sua família ou com o contexto (e.g., relação com
os profissionais de saúde). Em Portugal, o estudo realizado por Cabral e Silva
(2010) conclui que a adesão plena às prescrições médicas ronda um terço da
população de doentes em tratamento.
Ainda que o problema de não adesão seja abrangente, é nos doentes crónicos que
se constata maior taxa de não adesão à terapêutica (Frishman, 2007; Zolnierek,
& DiMattteo, 2009).
Especificamente em relação a doentes cardíacos, a não adesão ao tratamento é
hoje um foco de investigações multidisciplinares e os resultados destes estudos
têm concluído índices elevados de não adesão em áreas tão diversas como as
prescrições farmacológicas (valores de não adesão entre 31% a 58%), presença em
consultas de follow-up (entre 16% e 84%) ou recomendações de dieta (entre 13% e
76%) (Evangelista, Doering, Dracup, Westlake, Hamilton, & Fonarow, 2003;
Gehi, Ali, Na, & Whooley, 2007).
Num estudo apresentado por Kramer, et al., (2006), baseado nos registos de mais
de 17.000 doentes a quem tinham sido receitados ß-bloqueadores depois de
enfarte do miocárdio, os autores verificaram que apenas 45% aderiam ao
tratamento um ano após o seu início. Resultados similares (60% de não adesão)
foram encontrados por Jackevicius, Mamdani e Tu (2002) em relação à prescrição
de estatina em doentes pós enfarte do miocárdio. A não adesão destes doentes
foi apontada como um determinante importante de hospitalização devido a falhas
cardíacas (Ashton, Kuykendall, Johnson, Wray, & Wu, 1995; Ho, Bryason,
& Rumsfeld, 2009; Leventhal, Riegel, Carlson, & DeGeest, 2005;) e do
aumento de taxas de mortalidade (Ho, et al., 2006; Horwitz, et al., 1990). Em
relação ao aumento de mortalidade, o estudo de Rasmussen, Chong e Alter (2007),
com 31.455 doentes pós enfarte do miocárdio, verificou que, após um ano, os
doentes com níveis menos elevados de adesão ao tratamento farmacológico tinham
um risco 25% mais elevado de mortalidade.
A explicação da não adesão dos doentes ao tratamento recomendado pelos
especialistas tem sido foco não só de inúmeros estudos empíricos, como também
do desenvolvimento de modelos que, ao longo dos últimos 50 anos, tentaram
integrar determinantes e clarificar processos que permitam perceber o
comportamento dos doentes e prever situações de risco.
De entre esses modelos, o Health Belief Model (HBM) (Rosenstock, 1974) tem sido
amplamente utilizado como referência de investigações sobre o comportamento de
não adesão a medidas preventivas de doença, a rastreios e exames de rotina ou a
consultas e/ou a tratamentos médicos (Sirur, Richardson,Wishart, & Hanna,
2009; Sullivan, White,Young, Chang, Roos, & Scott, 2008).
Este modelo defende que o comportamento de adesão é determinado pelas crenças
do doente em relação a cinco dimensões: a) a vulnerabilidade percebida (i.e.,
as crenças individuais em relação ao risco de ter ou vir a desenvolver doença);
b) a severidade percebida (i.e., as crenças individuais relativas à gravidade
da doença e das suas consequências); c) os benefícios percebidos (i.e., as
crenças individuais sobre os benefícios do comportamento de adesão); d) as
barreiras percebidas (i.e., as crenças individuais em relação aos impedimentos
de adesão ou de adoção de um determinado comportamento) que podem ser ser
psicológicas, como a dor, ou práticas, como a dificuldade de acesso aos
serviços de saúde; e e) pistas para a acção (i.e., pistas internas como
sintomas ou pistas externas como a pressão de familiares ou de amigos ou a
influência dos profissionais de saúde).
O HBM tem vindo a sofrer modificações ao longo do tempo e, recentemente, Aalto
e Uutela apresentaram o Extend Health Belief Model (Aalto, & Uutela,
1997) (Fig. 1), incluindo, no modelo inicial, variáveis como o suporte social
(i.e., o apoio de familiares amigos ou de outros); a autoeficácia (i.e., a
atribuição pessoal de competência para a realização do tratamento); o locus de
controlo (i.e., a atribuição pessoal de competência para a regulação da própria
vida); e o valor da saúde, (i.e., o grau em que o indivíduo valoriza o seu bem-
estar).
Figura 1
Extended Health Belief Model (Aalto & Uutela, 1997)
Estudos recentes demonstram a validade das dimensões que integram este modelo
para a previsão da adesão ao tratamento num conjunto alargado de doenças
crónicas (Sirur, Richardson, Wishart, & Hanna, 2009).
Na investigação realizada por Sullivan, White, Young, Chang, Roos, & Scott
(2008), com doentes com patologia cardíaca em programas de reabilitação, os
autores verificaram que a adesão a comportamentos de redução do risco de
enfarte do miocárdio era essencialmente determinada pelas crenças individuais
em relação a custos/benefícios do tratamento. A importância das crenças
relativas a custos/benefícios do tratamento na adesão foi igualmente evidente
no estudo de Olsen, Smith e Oei (2008), em que o HBM e essencialmente estas
dimensões explicaram 21,8% da variância na adesão ao mecanismo de CPAP em
doentes com apneia obstrutiva de sono.
Também em relação à toma dos medicamentos prescritos pelos especialistas,
Mardbly, Akerlind e Jorgensen (2007), reforçando as conclusões de estudos
anteriores (Horne, & Weinman, 1999), verificaram que, de uma amostra de 324
sujeitos, a adesão às prescrições era significativamente mais elevada nos
sujeitos que referiam crenças mais positivas e menos negativas em relação aos
medicamentos que faziam parte dessas prescrições.
Quanto à dimensão autoeficácia, um alargado número de estudos tornou evidente
que a adesão ao tratamento fica comprometida quando o doente considera não ter
competência para o realizar (Toh, Jackson, Gascard, Manning, & Tuck, 2010).
A autoeficácia foi a determinante com valores de significância mais elevados no
estudo de Hedge e Stallworthy (2000) sobre a adesão aos antirretrovirais em
doentes do HIV, tendo o seu valor preditivo de intenção de adesão superado os
verificados em dimensões como o humor, efeitos secundários do tratamento,
estilos de coping ou outras dimensões do HBM. Reforçando estes resultados,
Schweitzer, Head e Dwyer (2007), numa investigação com doentes cardíacos
concluíram que a autoeficácia estava significativamente mais correlacionada com
o comportamento de adesão do que as outras variáveis estudadas, como a
ansiedade e a depressão.
Ainda que alguns estudos tenham encontrado resultados pouco consistentes em
relação ao valor preditivo de adesão das crenças relativas à vulnerabilidade e
severidade da doença, estas dimensões do HBM foram associadas a comportamentos
de prevenção de patologias como a osteoporose (Wallace, 2002) ou de adesão a
exames de rotina como a mamografia (Lila, Rutten, & Iannotti, 2003). Num
estudo recente de meta-análise (DiMatteo, Haskard, & Williams, 2007), com o
objetivo de analisar o r side effects e a relação entre a adesão e a as crenças
dos doentes quanto à severidade e vulnerabilidade percebidas, os autores
concluíram que, na totalidade dos 27 artigos analisados, foi verificada a
existência de correlação significativa entre as duas variáveis.
O suporte social é uma das dimensões que mais tem sido estudada e associada a
índices elevados de adesão, à diminuição do tempo de recuperação e à manutenção
da saúde (DiMatteo, 2004; Helgeson, & Cohen, 1996; Lett, Blumenthal,
Babyak, Strauman, Robins, & Sherwood, 2005). Apesar de não existir ainda
consenso quanto ao mecanismo de atuação dos vários tipos de suporte social
(e.g., suporte emocional; suporte logístico; coesão familiar), os diversos
estudos têm concluído que o suporte social exerce, por um lado, uma ação
moderadora das reações emocionais dos doentes, contribuindo para a diminuição
de estados de stresse e de depressão e para o aumento de sentimentos e
comportamentos promotores de bem-estar (DiMatteo, Lepper, & Croghan, 2000)
e, por outro lado, medeia a mudança de estilos de vida e a adesão ao tratamento
(Dunbar-Jacob, & Mortimer-Stephens, 2001). A este respeito, num estudo
recente, Molloy, Perkins-Porras, Bhattacharyya, Strike e Steptoe (2008)
concluíram que, independentemente da idade, género e severidade clínica, o
suporte logístico (i.e., pratical support) era preditivo de adesão ao
tratamento farmacológico e à reabilitação em doentes pós síndroma coronário
agudo, um ano depois da alta hospitalar.
As relações que se estabelecem entre o doente e os profissionais de saúde
representam um papel importante na adaptação do doente à doença e,
evidentemente, na adesão ao tratamento. A relação positiva e a comunicação
efetiva trazem ao doente não só a segurança indispensável para que relate as
suas dificuldades em seguir o tratamento, como também possibilita o aumento de
conhecimento do tratamento e dos seus benefícios. Uma relação de cooperação e
partenariado, em que o doente se sente envolvido nas decisões do tratamento,
tem sido amplamente referida como facilitadora da compreensão do tratamento por
parte do doente, da sua motivação e da responsabilização em seguir o tratamento
acordado (Jahng, Martin, Golin, & DiMatteo, 2005; Martin, et al., 2003).
Num estudo de revisão e meta-análise apresentado por Zolnierek e DiMatteo
(2009), em que foram analisados 106 estudos correlacionais e 21 intervenções
experimentais, os autores verificaram um risco acrescido de 19% de não adesão
nos doentes que relataram ter uma comunicação pobre com o seu médico.
A importância da comunicação profissional de saúde-doente e da educação do
doente/família sobre o tratamento tem sido amplamente referida na literatura e
ficou bem patente nos resultados do programa de educação sobre o tratamento
(uma hora de educação/informação ao paciente num modelo face-a-face (1-on-1)
realizado por Koelling, Johnson, Cody e Aaronson (2005), em que intervieram
médicos, enfermeiros e uma amostra de 223 doentes com indicação para alta
hospitalar após patologia cardíaca. Comparando os resultados em termos taxas de
re-hospitalização e de morte e ainda os gastos financeiros, seis meses após a
alta, entre os doentes que participaram neste programa e o grupo de controlo
(que apenas recebeu informação sobre a medicação em folhetos), os autores
verificaram que os doentes do grupo experimental apresentaram 35% menos risco
de re-hospitalização ou de morte e que os gastos com o seguimento destes
doentes eram $2823 mais baixos.
Das investigações apresentadas pode considerar-se que as dimensões do Modelo de
Crenças de Saúde têm provado constituir uma base importante para o estudo dos
comportamentos humanos relacionados com a saúde e poderem contribuir para o
desenvolvimento de medidas para a promoção da adesão ao tratamento. Ainda que
as doenças cardíacas tenham sido, como se referiu, alvo destas investigações,
não foram, no entanto, encontrados na literatura estudos sobre as determinantes
de adesão em doentes submetidos a PTCA e especificamente sobre a aplicação das
dimensões do HBM na compreensão dos comportamentos de adesão destes doentes.
A investigação que aqui se apresenta teve como objetivo central Identificar as
determinantes do comportamento de adesão ao tratamento em doentes submetidos a
Angioplastia Transluminal Percutânea Coronária (PTCA).
MÉTODO
Participantes
Neste estudo participaram 21 doentes seguidos em consulta de especialidade no
Serviço de Cardiologia num Hospital Central de Lisboa. Entre 2004 e 2008 foram
realizadas, em média, neste serviço 789.8 PTCA's por ano, das quais 11.8 por
trombose intrastent. Segundo os dados clínicos recolhidos para esta
investigação, em 95% dos casos as recidivas acontecem por não adesão dos
doentes à terapêutica antiagregante plaquetária que é prescrita após a
realização de um primeiro cateterismo com PTCA.
Indo ao encontro dos objetivos do estudo, a amostra (Quadro 1) foi constituída
por duas subamostras que constituíram dois grupos: grupo A e grupo B. Para a
constituição do grupo A foram contactados todos os doentes atendidos no serviço
onde foi realizado o estudo e que, cumulativamente, (1) eram referidos pelo
médico especialista que os acompanha como doentes com evidência de não seguir
a terapêutica recomendada e (2) tinham faltado às duas últimas consultas de
follow-up sem ter havido justificação de doença. Este grupo integrou
inicialmente 56 doentes. Deste grupo inicial, 30 tinham falecido no momento da
tentativa de primeiro contacto telefónico; 6 não demonstraram ter capacidade
cognitiva para participar (e.g., idosos acamados e com sinais evidentes de
demência) e 3 não se encontravam a viver no país. Dos 17 indivíduos restantes
foi possível acabar o processo de investigação em tempo útil de investigação
com 12.
Quadro 1
Características sóciodemográficas da amostra
O grupo B foi constituído por todos os doentes que estiveram presentes na
consulta de follow-up de PTCA entre os meses de outubro e dezembro de 2009 e
que, cumulativamente, (1) eram referidos pelo médico assistente como doentes
com evidência de seguir a terapêutica como recomendada e (2) não tinham
faltado às duas últimas consultas de follow-up. Para garantir a maior
homogeneidade possível entre os dois grupos foi ainda considerado, como
critério para a constituição do grupo B, dados similares aos dos participantes
do grupo A em relação a (3) idade, género e situação sócioeconómica. Todos os
doentes contactados aceitaram participar e com todos foi possível acabar o
processo. Este grupo foi constituído por 9 doentes.
Como se pode observar no quadro 1, a média de idades do grupo A é de 59,4 anos
e a raça predominante é a caucasiana (n=10). O género predominante é o
masculino (n=12). O grupo B apresenta uma média de idades de 54,8 anos e a raça
predominante é a caucasiana (n=8). O sexo predominante é o masculino (n=7).
Quanto à escolaridade, o grau com maior incidência no grupo A é o intervalo <
9º ano (n=8) e no grupo B o mesmo intervalo (n=7). Em relação à profissão, a
maioria dos doentes do grupo A (n=5) exerce a atividade na construção civil,
enquanto, no grupo B, a maioria dos doentes (n=7) exerce a atividade técnico
profissional. Quanto ao estado civil, no grupo A, a maioria dos doentes (n=9) é
casada e vive (n=6) com a companheira e filhos. No grupo B, a maioria dos
doentes (n=8) é casada e vive só com o companheiro (n=6).
Material
Para além de um questionário demográfico (para a obtenção de informação quanto
a: género; idade; estado civil; constituição do agregado familiar; e
escolaridade), foi utilizada uma entrevista semiestruturada. Com a escolha
desta metodologia pretendeu-se recolher informação que ultrapassa a programada
em entrevistas estruturadas ou em questionários. Deste modo, partindo de
questões sobre dimensões predefinidas, o sujeito é estimulado a refletir e a
introduzir na entrevista novas perspetivas e novas questões.
A entrevista que foi utilizada teve como referência as questões de investigação
e integrou as dimensões enunciadas pelo Extend Health Belief Model (EHBM)
(Aalto, & Uutela, 1997). Para além destas dimensões, foram ainda
consideradas questões sobre a avaliação subjetiva do comportamento de adesão e
duas dimensões que resultaram da revisão bibliográfica que fundamentou esta
investigação e que têm sido amplamente referidas como determinantes de adesão
em saúde. A entrevista foi ainda completada com duas questões abertas.
Assim, a entrevista semiestruturada foi constituída pelas seguintes dimensões:
(1) Conhecimento do doente relativo à sua situação clínica e ao seu tratamento
(e.g., data do primeiro cateterismo, estado clínico atual relatado pelo médico
assistente, medicação actual); (2) Avaliação subjetiva do comportamento de
adesão; (3) Dimensões do HBM: severidade, vulnerabilidade, custos/benefícios do
tratamento, autoeficácia para a realização do tratamento e suporte social; (4)
Dimensão relação com os profissionais de saúde e avaliação da informação
recebida sobre o tratamento.
As duas perguntas abertas recaíram sobre outras possíveis causas do
comportamento de não adesão ao tratamento e sobre possíveis ajudas para a
promoção da adesão à terapêutica.
Para cada uma das dimensões foram apresentadas ao doente questões de partida
(e.g., quais são para si os aspetos positivos e negativos do tratamento?;
até que ponto o tratamento altera as suas rotinas e por isso se torna mais
difícil de realizar?). Para a definição destas questões foram considerados
alguns dos itens que fazem parte de questionários estandardizados baseados no
HBM. Após a questão inicial, o doente era estimulado a falar sobre outras
possíveis determinantes que considerasse relevantes relativamente a essa
dimensão.
Procedimento
Após a aprovação do Conselho de Ética do Hospital, o estudo foi iniciado com a
constituição dos dois grupos da amostra. Para este efeito foi pedido à equipa
médica do sector de Hemodinâmica do Serviço de Cardiologia os dados clínicos em
relação aos doentes que realizaram PTCA entre os anos de 2004 e 2008. Partindo
desta informação, foram confirmadas as faltas dos doentes às consultas e foram
registados todos os doentes que compareciam regularmente às consultas de
follow-up. Os doentes pertencentes ao grupo A foram os primeiros a ser
contactados via telefónica. Foi-lhes explicado o objetivo da investigação e foi
pedida a sua colaboração. Com os que se mostraram disponíveis foi marcada a
entrevista a ser realizada no hospital ou, em caso de impossibilidade de
comparência no hospital ou de preferência do doente, no seu domicílio. Estas
entrevistas decorreram entre os meses de junho e outubro de 2009. Antes da
entrevista foram de novo explicados os objetivos do estudo e foi pedida a
assinatura do consentimento informado e esclarecido.
Os doentes pertencentes ao grupo B foram contactados, selecionados e
entrevistados entre os meses de outubro e dezembro de 2009 na sua vinda à
consulta de follow-up. A todos os doentes foi explicado o objetivo da
entrevista e foi pedida a assinatura do consentimento informado e esclarecido.
Todas as entrevistas foram gravadas e posteriormente integralmente transcritas
ao longo dos meses de recolha de dados e ainda durante os meses de janeiro e
fevereiro de 2010. Após a análise dos dados, as entrevistas foram destruídas.
Foram seguidos procedimentos para assegurar a confidencialidade dos dados,
nomeadamente através de: não inclusão da identificação dos doentes (ou dos seus
cuidadores) nos processos de investigação; privacidade no momento das
entrevistas; acesso exclusivo dos investigadores ao material recolhido.
Análise de dados
Nesta investigação foi utilizada a análise de conteúdo de orientação
fenomenológica, em que se procurou a compreensão do objeto de estudo (i.e., o
fenómeno) através da reflexão e análise sobre a interpertação subjetiva do
sujeito entrevistado. Esta análise foi complementada com uma estatística
descritiva simples para obtenção de valores de frequência de cada uma das
categorias e subcategorias obtidas.
A análise de conteúdo das verbalizações do doente decorreu em quatro fases
descritas na literatura e utilizadas em estudos semelhantes (Deschamps, 1993;
Santos, 2009; Smith, & Eatough, 2006): fase 1 ' Transcrição integral das
entrevistas, leitura e primeira visão global das significações de cada sujeito;
fase 2 ' Identificação, para cada uma das dimensões, de unidades de informação
(i.e., identificação de conteúdos referentes a cada uma das dimensões da
entrevista); fase 3 ' Análise dos conteúdos das unidades de informação e
constituição de categorias e subcategorias; fase 4 ' Síntese das categorias e
reverificação do texto global das entrevistas. De forma a validar a análise
efetuada de todas as verbalizações, categorias e subcategorias encontradas,
foram revistas por um especialista não integrante do grupo de investigação. Os
resultados desta revisão foram sujeitos a nova reanálise e foram discutidos até
ser conseguida a concordância entre os elementos envolvidos.
RESULTADOS
Considerando cada uma das dimensões da entrevista verificou-se (ver quadro 2):
Quadro 2
Conhecimento do doente relativo ao tratamento
(1) Dimensão ' Conhecimento do doente relativo à sua situação clínica e ao seu
tratamento e grau percebido de adesão ao tratamento
A maioria, 50% (n=6 ) (Quadro 2), dos elementos do grupo A (doentes que não
aderem ao tratamento) e a maioria ainda mais significativa do grupo B (doentes
que aderem ao tratamento), 67% (n=6), referiu lembrar-se da data do último
cateterismo, assim como das suas causas. Quanto às recomendações terapêuticas
atuais, todos os doentes do grupo A manifestaram dificuldade em descrevê-las;
50% (n=6) referiu não ir às consultas e 58% (n=7) não se lembrar da última
consulta. No grupo B, 44% (n=4) dos doentes descreve corretamente a medicação;
e 100% (n=9) refere ir às consultas.
(2) Dimensão ' Avaliação subjetiva do comportamento de adesão
Quanto à avaliação subjetiva do comportamento de adesão (Quadro 3), pode
observar-se que a maioria 83% (n=10) do grupo A demonstra ter conhecimento do
regime terapêutico. Quanto à avaliação do grau de adesão à terapêutica, a
maioria dos doentes do grupo A, 58% (n=7), refere sigo na maioria das vezes e
42% (n=5) referiu muitas vezes não sigo. No grupo B todos referem ter
conhecimento do regime terapêutico e 89% (n=8) dos doentes refere sigo na
maioria das vezes.
Quadro 3
Avaliação subjetiva do comportamento de adesão
(3) Dimensões do Modelo de Crenças de Saúde: Severidade percebida;
vulnerabilidade percebida; custos/benefícios do tratamento; autoeficácia para
realização do tratamento; suporte social
Em relação às Dimensões do Modelo de Crenças de Saúde verifica-se:
Na dimensão da severidade percebida, a maioria dos doentes do grupo A, 83%
(n=10), refere que a doença é severa podendo levar à morte e incapacidade,
e.g., Acho assustador. É muito assustador. Pode-se morrer(Sujeito1-S1). Nos
doentes do grupo B, também 78% (n=7) relatou que a doença é severa devido à
perda de funcionalidade e à possibilidade e morte, e.g., É uma coisa bem
complicada! Eu não sei bem o que é, mas acho que é complicado. Podemos morrer.
(...) (S13).
Na dimensão Vulnerabilidade, a maioria muito alargada de doentes do grupo A,
75% (n=9), respondeu sentir-se vulnerável a recidiva de enfarte vida, e.g, Eu
estou sempre preparado (...) Não sei, sabe que a minha vida é stresse. O
stresse é o meu maior problema...(S7). Em comparação, no grupo B, 45% (n=4)
refere estar vulnerável a novos episódios, e.g., Não estou livre de me
acontecer, basta uma pessoa se enervar(S15) e 45% (n=4) refere não estar
vulnerável, justificando essa diminuição de vulnerabilidade pela adesão ao
tratamento prescrito, e.g., Eu penso que as coisas podem acontecer. Estamos
sujeitos a isso, mas eu faço o que posso e tenho juízo com o tratamento e por
isso acho que estou mais protegido (S9).
Em relação à dimensão de Custos/benefícios do tratamento, os elementos do grupo
A referiram que o tratamento não é eficaz, 33,3% (n=4), ou que é relativamente
eficaz, 33,3% (n=4), sendo as razões invocadas para a avaliação a não eficácia
na manutenção de sintomas e/ou a não perceção de melhoras. Estes doentes
referiram ainda considerar que o tratamento não poderá prevenir uma situação de
crise ou o agravamento da sua situação clínica, e.g., Não sei se resolverá...
até agora não tenho tido problemas, no entanto não digo que um dia não tenha um
problema fatal. Não sei se o tratamento resolve isso (S12). No grupo B, 66%
(n=6) refere que o tratamento é eficaz. Para a maioria destes doentes, o
tratamento tem como finalidade não a cura da doença mas a prevenção de
situações de crise, e.g., Eu sinto melhoras mas também uma pessoa tem que
pensar que estas coisas não dão assim avisos. Nem sempre se sente. Uma pessoa
faz o tratamento para que uma situação grave não volte a acontecer(S14).
Em relação ao custos do tratamento, a maioria dos indivíduos do grupo A, 66%
(n=8), refere a existência de custos associados essencialmente a aspetos
financeiros decorrentes do preço dos medicamentos, e.g., Eram caros, sim, eu na
altura não tinha hipótese de os comprar todos os meses, havia meses que não os
podia comprar. (...) Sim, era dos fatores mais relevantes para eu não os tomar.
(...) Falei disso, falei ao médico de família, mas só com a requisição não
chegava (S1). No grupo B, também a maioria, 67% (n=6), refere a existência de
custos relacionados com o preço dos medicamentos e com as deslocações para idas
ao médico. No entanto, a maioria destes doentes refere também o caráter
prioritário da aquisição dos medicamentos, e.g., são caros, mas sem eles eu
posso morrer. Temos que não comprar outras coisas. Sem isto eu posso morrer
(S16).
Tanto a maioria do grupo A, 58% (n=7), como a do grupo B, 78% (n=7), refere
ainda que o tratamento não tem efeitos secundários negativos. No entanto, um
elevado número, 42% (n=5), de doentes do grupo A refere ter sintomas
desconfortáveis, e.g., Desconfortável é sempre, o tratamento pode não ser
muito, mas tem coisas menos boas. Eu tenho um pouco de hemorragia intestinal.
(S4).
Quanto às Consequências da não adesão ao tratamento, os doentes do grupo A, 33%
(n=4), referem não existir consequências graves a curto prazo e 42% (n=5)
referem existir, apontando que, em casos extremos, a não adesão pode
potencializar novos EAM ou até mesmo a morte, e.g., Bem, normal não é... (...)
Ter outro EAM ou um AVC ser internado novamente (S8). A totalidade dos
doentes do grupo B afirma a possibilidade de consequências negativas, referindo
igualmente a possibilidade de outro EAM ou morte, e.g., Eu acho que corre o
risco de ter outro enfarte e até de morrer mesmo, pelo menos foi o que o médico
me disse e eu levo isso muito a sério (S21).
Em relação às consequências da sua situação clínica (i.e., modo como a situação
clinica influencia positiva ou negativamente a situação de saúde ou a vida do
doente), tanto no grupo A, 75% (n=9), como no grupo B, 78% (n=7), a maioria dos
doentes referiu a possibilidade de consequências físicas (i.e., nova recidiva
de enfarte do miocárdio). No entanto, enquanto um número elevado de doentes que
não adere, (GA) 42% (n=5), afirmou que a possibilidade de nova crise de saúde
estava essencialmente associada a causas externas a si, como fatores de vida ou
stresse, ( ) são os nervos. Os nervos e a vida que uma pessoa leva. Isso
depois dá-nos estas coisas. Se não fosse a vida que temos era diferente (S5),
os elementos do grupo dos doentes que aderem referiram que as consequências são
graves, mas evitáveis se o regime terapêutico for seguido como recomendado.
Na dimensão da Autoeficácia (i.e., a autoatribuição de competência para a
realização autónoma do tratamento), 66,5% (n= 8) dos doentes do grupo A referiu
ter competência e não necessitar de nenhum tipo de ajuda. No entanto, 33% (n=4)
afirmou necessitar de ajuda para lembrar as rotinas do tratamento, e.g., É
mais a preocupação de sair de casa de manhã, ( ) e esqueço-me. Saio e esqueço-
me. Preciso de que me lembrem (S3). Quanto aos doentes do grupo B, 88% (n=8)
manifesta não ter necessidade de qualquer ajuda.
Em relação aos recursos de apoio, tanto os doentes do grupo A, 75% (n=9), como
os do grupo B, 100%, referiram que a família é a sua mais importante fonte de
suporte e afirmam a sua importância no tratamento, e.g., é a minha família que
me ajuda. Sem eles isto era bem pior. Estão sempre ali e a quer que eu esteja
bem. Somos muito unidos(S15).
(4) Perceção da relação com os profissionais de saúde e avalição da
informação recebida
Quanto à dimensão relação entre o doente e os profissionais de saúde, os
doentes do grupo A, 84% (n=10), referiram que a relação foi Boa, tendo sido
realçados como principais aspetos positivos a disponibilidade para atender o
doente e a família, a comunicação e a competência técnica. No grupo A, 16% (n=
2) relatou ter tido uma má relação terapêutica, e.g., Nunca tive grande
proximidade com as enfermeiras, eram muito distantes (...) Sim, muito mais no
médico de família, porque tudo o que sabemos foi o nosso médico de família
(S4). A totalidade dos doentes do grupo B, 100%, classifica-a como Boa, e.g.,
Trataram-me bem. Não tenho nada que dizer. Eram disponíveis e atenciosos, na
generalidade (S20).
Quanto à informação facultada no hospital, 58% (n=7) dos doentes do grupo A
referiu que a informação foi suficiente. Contudo, para 42% (n=5) de doentes,
ela foi considerada insuficiente, e.g., Sobre a medicação disseram para não
deixar de tomar, pronto... uma pessoa não fica esclarecida (S3). No grupo B,
88% (n=8) dos doentes respondeu que se sentiu informado e que considera essas
informações importantes para a adesão ao tratamento, e.g., ( ) eu tomo a
medicação porque sei para o que serve. Sei que se deixar de tomar posso ter
outro enfarte. Eles lá no hospital disseram as coisas bem (S19).
(5) Perguntas abertas:
Na análise de conteúdo das respostas à primeira das perguntas abertas, Que
outras razões poderão levar à não adesão ao tratamento?, nos doentes que não
aderem verificou-se que um número expressivo de doentes do grupo A referiu como
determinantes de não adesão: o esquecimento, e.g., Sim, é mesmo por
esquecimento, uma pessoa esquece-se, que é que hei-de fazer! (S3); a
desmotivação associada a sentir-se cansado da doença, sentir tristeza e
desesperança, e.g., Estou farto disto. Uma pessoa cansa-se. Sente uma tristeza
por dentro e às tantas vamos morrer mesmo(S8); e o custo dos medicamentos.
Foram ainda referidos: a ausência de sintomas; a não evidência de melhoria do
estado de saúde; a falta de apoio; a dificuldade de acesso às consultas; a
falta de organização dos serviços; e os problemas familiares.
O grupo B apresentou uma diversidade de possíveis causas para a não adesão,
essencialmente relacionadas com: a saturação da doença; a falta de vontade de
viver; a falta de apoio social familiar; o custo dos medicamentos; o
esquecimento associado ao que referiram como desmazelo ou pouca
responsabilização; os efeitos secundários de tratamento; problemas familiares
e a não compreensão do tratamento.
Relativamente à segunda questão aberta, O que acha que poderia ajudar a que
fosse mais fácil seguir o tratamento?, colocada ao grupo A, verificou-se que
um número expressivo de indivíduos referiu: maior acompanhamento/monitorização
por parte dos serviços de saúde, e.g., Possivelmente perguntarem mais por nós.
Uma pessoa passa muito tempo sem apoio nenhum! (S5) e a comunicação mais
efetiva com a equipa de saúde, e.g., Se as consultas forem efetivas e os
tempos de espera reduzidos... se fosse sempre possível uma pessoa falar com
calma! É que muitas vezes nem me lembro quando estou lá dentro na consulta do
que tenho que dizer ( ) de certeza muitas mais pessoas apareciam às consultas e
seguiam os tratamentos (S12); ajuda económica devido ao custo dos
medicamentos; a melhor organização dos serviços e a resolução de outros
problemas de vida, e.g., se a minha vida não tivesse outros problemas talvez
me sentisse melhor e tivesse mais motivação (S11).
Na segunda questão colocada ao grupo B, O que é que o tem ajudado a aderir ao
tratamento?, foi referido: o apoio familiar e o amor sentido em relação à
família; a vontade de viver e a crença de que é responsável pela sua saúde; o
medo de sofrer um novo enfarte e consequente necessidade de uma cirurgia
cardíaca; e o medo de morrer.
DISCUSSÃO
Pretendeu-se, com este estudo, identificar determinantes de adesão ao
tratamento em doentes pós angioplastia. Como amostra foram utilizados dois
grupos de doentes com comportamentos diferentes em relação à adesão ao
tratamento. O estudo fundamentou-se no modelo de crenças de saúde (HBM), já
amplamente utilizado em investigações similares. Para além das dimensões deste
modelo, foram incluídas, na entrevista semiestruturada que serviu para a
recolha de dados, as dimensões: conhecimento da doença e do tratamento; a
avaliação subjetiva do comportamento de adesão; a relação com os profissionais
de saúde e a perceção dos doentes sobre a adequação da informação recebida em
relação ao tratamento no momento da prescrição do mesmo. A recolha de dados foi
complementada com duas questões abertas, em que foi solicitado aos
participantes que referissem outras razões para a não adesão e que apontassem o
que considerariam potenciais ajudas para a promoção da adesão.
Em relação ao conhecimento dos doentes quanto à sua situação clínica, a maioria
dos doentes que não adere ao tratamento mostrou ter dificuldade em descrever as
recomendações terapêuticas e possuir um baixo nível de conhecimento acerca da
doença e do seu regime terapêutico. Reforçando os dados transmitidos pela
equipa médica na fase da constituição da amostra, um número elevado de doentes
deste grupo reconheceu que, na maioria dos dias, não segue o tratamento
farmacológico recomendado. Ainda neste grupo, um número muito expressivo de
doentes considerou a informação recebida, sobre a sua situação clínica e sobre
o tratamento, como insuficiente.
Estes resultados reforçam a importância da compreensão do regime terapêutico na
adesão ao tratamento e remetem para dois aspetos amplamente referidos na
literatura como fatores de risco de não adesão: a falta de literacia dos
doentes, que é especialmente prevalente em doentes idosos (Martin, Williams,
Haskard, & DiMatteo, 2005); e a deficiente informação dos doentes acerca da
doença e do tratamento (Alm-Roijer, et al., 2004; Gascon, et al., 2004). Os
dois fatores, quer separadamente quer com frequência em conjunto, têm sido
apontados como causa de inadequada interpretação das indicações de tratamento
(Williams, et al., 1995), desmotivação (Starace, Massa, Amico, & Fisher,
2006) e desvalorização da importância do regime terapêutico (Vlasnik, Aliott,
& DeLor,2005).
No que respeita às dimensões do HBM, as maiores diferenças encontradas entre os
dois grupos encontram-se nas dimensões: custos/benefícios; perceção de
consequências; e autoeficácia.
Em relação à dimensão custos/benefícios foi referido pelos doentes que não
aderem: os custos financeiros do tratamento; alguns sintomas desconfortáveis,
que estes doentes referem como efeitos secundários do tratamento; e,
essencialmente, a crença na não eficácia do tratamento.
Em relação a esta dimensão, a maioria dos doentes que adere afirma não só
compreender que o tratamento tem sobretudo objetivos preventivos, não podendo
por isso ser avaliado pelos resultados a curto prazo, mas também sentir
melhorias do seu bem-estar e sentir-se menos vulnerável a novas crises de
saúde.
Estes resultados vão ao encontro das conclusões de outros estudos, segundo os
quais o custo financeiro da doença crónica e, especificamente, o custo dos
medicamentos, constitui uma das principais causas de não adesão à terapia, em
especial nos doentes crónicos e idosos (Cabral, & Silva, 2010; Krueger,
Felkey, & Berger, 2003; Telles-Correia, Barosa, Mega, Barroso, &
Monteiro, 2007). A este respeito, o estudo de Federman, Adams, Ross-Degnan,
Soumerai e Ayanian (2001), sobre suplementos de seguros de saúde e o uso
efetivo de medicamentos cardiovasculares em doentes com doença coronária,
concluiu que doentes com menores recursos financeiros e menor cobertura de
seguro de saúde apresentavam níveis mais baixos de adesão a medicamentos (e.g.,
estatinas) que são essenciais para a prevenção da sua morbilidade e
mortalidade. Segundo os mesmos autores, a disponibilização de seguros de saúde
mais abrangentes poderia resultar na redução de crises de saúde e contribuir
para a diminuição de hospitalizações e do número de outros procedimentos que
envolvem gastos importantes dos serviços de saúde.
Ainda na dimensão custos/benefícios, os doentes que não aderem ao tratamento
referem, ao contrário dos que aderem, atribuir relativa/baixa eficácia ao
tratamento. Isto é, consideram que a medicação que lhes foi prescrita não só
não tem efeitos positivos em termos de bem-estar imediato, como não poderá, de
forma efetiva, prevenir outras crises de saúde que alguns doentes percebem como
inevitáveis. Estes resultados são coincidentes com conclusões de outros estudos
(Harvey, & Lawson, 2009; Krousel-Wood, et al.,2004; Harvey, & Lawson,
2009; Tavafian, Hasani, Aghamolaei, Zare, & Gregory, 2009) e reforçam a
ideia, defendida por autores como Horne e Weinman (1999), de que a adesão à
prescrição de tratamento é determinada pela atribuição individual da sua
eficácia, quer em termos de efeitos imediatos, quer no que respeita à evolução
da doença.
Quando questionados em relação às possíveis consequências da sua situação
clínica, embora a maioria dos doentes dos dois grupos refira a possibilidade de
recidiva de enfarte de miocárdio, os doentes diferem em relação à atribuição de
causalidade desse possível evento. Assim, enquanto um número muito expressivo
de doentes que não adere afirma considerar que uma nova crise de saúde terá
como causa fatores que o doente não controla, como situações de vida ou
stresse, os doentes que aderem referem o tratamento como forma de prevenção da
evolução da doença e também como meio de melhorar a sua qualidade de vida.
Também em relação às consequências da não adesão ao tratamento, enquanto a
totalidade dos doentes que adere refere que a não adesão pode potenciar novas
crises e mesmo a morte, praticamente metade dos doentes que não adere entende
que as consequências, em especial as consequências a curto prazo, não são
graves. Estes resultados corroboram investigações anteriores que, orientadas
pelo modelo de crenças de saúde, concluíram que a perceção de riscos ou
consequências negativas contribui para o aumento de comportamentos de adesão
(Harrison, Mullen, & Green, 1992). No presente estudo foi possível
identificar outras determinantes que os doentes percebem como mediadores dessas
consequências (e.g., o stresse ou a adesão ao tratamento). A inexistência de
estudos similares não permite a discussão destes resultados. No entanto, a
identificação destes mediadores reforça a ideia de que a atribuição de
consequências resulta de um processo complexo e multideterminado.
Quanto à dimensão da autoeficácia, indo ao encontro de estudos anteriores como
os realizados por Schweitzer, Head e Dwyer (2007), Urmimala, Sadia e Wholley
(2009) e Chambers e Turner (2005), também aqui um maior número de doentes que
adere ao tratamento referiu ser mais autónomo na sua realização. Neste caso, a
necessidade de ajuda, que foi referida pelos doentes que não aderem, prende-se
não tanto com a competência para a realização do tratamento mas sobretudo com a
dificuldade em lembrar os horários dos medicamentos. No mesmo sentido, o
esquecimento foi reforçado como possível causa de não adesão pelos doentes dos
dois grupos na resposta à pergunta aberta integrada na entrevista. Problemas de
memória e não lembrar a toma dos medicamentos na hora prevista têm sido
amplamente referidos na literatura como causas de não adesão ao tratamento em
especial na população idosa (Brekke, Sunesson, Axelsen, & Lenner, 2004).
Este problema tem sido foco de programas de intervenção que, iniciados ainda
antes da alta hospitalar, procuram ajudar o doente a lembrar o tratamento
(e.g., através de objetos de lembrança, como cartões, ou sinais em lugares
comuns na rotina do doente) ou através de associação da toma de medicamentos a
outras rotinas do dia-a-dia do doente.
Em relação às dimensões do HBM, severidade e vulnerabilidade, diferindo do
encontrado por DiMatteo, Haskard e Williams (2007), neste estudo as crenças de
maior severidade ou de maior vulnerabilidade não parecem estar associadas a
comportamento de maior adesão. Na realidade, a maioria dos doentes de ambos os
grupos considerou a doença severa e um número mais expressivo de doentes que
não aderem referiu sentir-se muito vulnerável a novas crises de saúde. A
análise de conteúdo das verbalizações permitiu verificar a orientação destas
respostas e identificar diferenças entre os dois grupos, concluindo que a
avaliação de menor vulnerabilidade afirmada pelos doentes que aderem se deve à
proteção que estes doentes atribuem ao tratamento.
Indo ao encontro da literatura relativamente ao suporte social, todos os
doentes, independentemente do seu comportamento de adesão, referiram ter na
família o seu maior suporte e considerar que o seu apoio é indispensável para a
adesão ao tratamento (DiMatteo, 2004).
Quanto à dimensão relação com os profissionais de saúde e avaliação da
adequação da informação recebida, a maioria dos doentes dos dois grupos referiu
que a relação mantida com os profissionais de saúde foi positiva, valorizando
sobretudo as atitudes de disponibilidade, a comunicação e a competência técnica
dos profissionais de saúde. No entanto, em relação à adequação da informação
recebida no momento da explicação do tratamento, um número elevado de doentes
que não adere afirma considerar que não foi suficientemente informado. Os
resultados evidenciam a relação entre a qualidade da informação recebida e o
comportamento e adesão e reforçam a ideia de que o adequado fornecimento de
informação, que integra a explicação clara do diagnóstico e do tratamento, é
indispensável para assegurar a adesão ao tratamento (Joyce-Moniz, & Barros,
2005).
A análise de conteúdo do discurso dos doentes, em relação à primeira questão
aberta, permitiu ainda identificar como determinante de adesão a desmotivação
associada ao estado de humor e especificamente ao humor deprimido. Num conjunto
vasto de estudos, a depressão tem sido apontada como uma determinante
importante de não adesão, muitas vezes mal entendida na consulta médica. No
entanto, estados deprimidos, que implicam a referenciação para apoio
psicológico, ou depressão, frequente em idosos com doença crónica e que exige,
para além de apoio psicológico, tratamento farmacológico adequado, estão
associados a menor motivação, a desesperança e, consequentemente, a menor
adesão ao tratamento (DiMatteo, Lepper, & Croghan, 2000).
Os resultados deste estudo vão de encontro a muitas das conclusões de estudos
anteriores e reforçam a importância das dimensões do moledo de crenças de
saúde, essencialmente das dimensões custos/benefícios, consequências,
autoeficácia e relação com os profissionais de saúde, como determinantes do
comportamento de adesão. A metodologia qualitativa utilizada permitiu, por um
lado, compreender algumas das orientações de resposta dos doentes e, por outro
lado, identificar outras dimensões que os doentes consideraram potenciar
comportamentos de não adesão. De entre estas, parece muito relevante o
conhecimento que o doente tem da sua doença e do tratamento, o estado de humor
e a desmotivação em relação à vida.
Estes resultados têm implicações práticas para a intervenção dos profissionais
de saúde. Em primeiro lugar, os resultados são muito claros em relação ao papel
ativo do doente no processo de adesão e reforçam a importância de se atender às
suas crenças em relação à doença e ao tratamento. Assim, reforçando a
conceptualização mais atual de adesão, será importante que esta seja
considerada pelos profissionais de saúde como o resultado de um confronto
dialético entre as crenças e conhecimentos dos profissionais de saúde e as
crenças e conhecimentos do doente. Em segundo lugar, parece igualmente evidente
que, para além das crenças do doente, a adesão poderá ser igualmente
influenciada por questões emocionais que não deverão ser descuradas. Estados
deprimidos, muitas vezes associados a crenças de perda ou de desmotivação em
relação à vida, deverão ser foco de atenção e de intervenção em todas as fases
do tratamento. Em terceiro lugar, estes resultados apontam para os benefícios
do aumento do conhecimento do doente em relação à sua situação clínica e ao seu
tratamento. Este aumento de conhecimento (diferente de aumento de informação)
permitirá ao doente e à sua família um efetivo envolvimento no tratamento. Por
último, parece evidente que estes doentes beneficiariam com programas de
acompanhamento que incluindo, entre outras, ações tão simples como telefonemas
de monitorização ou de motivação para a adesão ao tratamento, poderão resultar
em ganhos para a qualidade de vida do doente e em contribuições para a
diminuição dos gastos dos serviços de saúde.