Coping religioso/espiritual e câncer de mama: Uma revisão sistemática da
literatura
O câncer é um conjunto de mais de 200 doenças que têm como característica comum
o crescimento anormal de células que invadem diferentes partes do corpo e que
podem proliferar-se (metástase), destruindo os tecidos circundantes e afetando
o funcionamento do organismo (Speechley & Rosenfield, 2000). O câncer de
mama é uma das mais comuns neoplasias humanas e sua etiologia é multifatorial,
envolvendo alimentação, fatores reprodutivos e desequilíbrios hormonais (Fabri,
Carcangiu, & Carbone, 2008). As células que revestem os ductos mamários e
que formam o câncer de mama são normalmente ordenadas em conteúdo e disposição,
sendo reconhecidas através de sua característica de calcificação (Fallowfield
& Clark, 2002).
O
Coping1
pode ser definido como o conjunto de estratégias cognitivas e comportamentais
que são utilizadas pelas pessoas em resposta a alguma situação estressante, ou
seja, são as tentativas elaboradas pelos indivíduos para preservar a sua saúde
mental e física em circunstâncias adversas (Antoniazzi et al., 1998; Lazarus
& Folkman, 1984; Straub, 2005). Para selecionar as respostas que serão
utilizadas para lidar com um evento estressor, o indivíduo realiza duas
avaliações, a primária e a secundária. Na avaliação primária, o indivíduo
analisa se a circunstância é potencialmente prejudicial e ameaçadora, revelando
quão importante é este evento para o seu bem-estar. Se a situação é
compreendida como algo nocivo, o indivíduo inicia a avaliação secundária, na
qual examina os recursos disponíveis para lidar com o evento estressante
(Snyder & Dinoff, 1999). Por vezes, o controle da situação está além das
condições dos indivíduos e o copingse apresenta mais como uma forma de lidar
com a situação do que propriamente de resolvê-la (Curtis, 2000). Há, portanto,
uma importante distinção entre as estratégias de coping que são direcionadas ao
manejo e resolução da situação estressante e aquelas em que o objetivo é a
regulação da resposta emocional do problema. Essas formas são referidas,
respectivamente, como coping focalizado no problema e coping focalizado na
emoção (Lazarus & Folkman, 1984).
A literatura relacionada ao coping concentra-se na área da Psicologia Clínica
da Saúde, de forma especial nos casos de doenças crônicas e intervenções
médicas (Faria & Seidl, 2005; Straub, 2005), e articula conhecimentos
provindos de áreas como Psicologia, Fisiologia, Psiconeuroimunologia e
Antropologia (Paiva, 2007). A saúde e o bem-estar são os resultados mais
adequados do coping, contudo, nas situações em que a forma de lidar com um
evento da vida é mal adaptativa, essa pode causar efeitos adversos à saúde
física e emocional (Shaw, 1998).
A religião e a espiritualidade são, por muitas vezes, formas adotadas para
lidar com o estresse gerado pelo câncer de mama (Astrow, Wexler, Texeira, He,
& Sulmasy, 2007). Contudo, cabe destacar que esses conceitos, ainda que se
sobreponham, apresentam características distintas. Conforme Miller e Thoresen
(2003), existem problemas quando esses constructos são igualados ou separados,
sendo frequentemente abordados em conjunto na maioria dos contextos. Diante
disso, os autores definem religião como um fenômeno institucional, social e
delimitado, que inclui práticas, crenças e modos de organização específicos, e
que é centralmente preocupado com a espiritualidade. A espiritualidade, por sua
vez, seria o interesse pela vida e pelo imaterial, que se reflete no modo de
viver, no emocional e social. Miller e Thoresen (2003) exemplificam a
complexidade da diferenciação e da sobreposição desses conceitos quando afirmam
que o campo da religião é a espiritualidade, assim como o campo da medicina é a
saúde. Pargament (1997) definiu coping religioso2 como o uso da fé, religião ou
espiritualidade no manejo das situações estressantes ou dos momentos de crise
que ocorrem ao longo da vida. Segundo Koenig (2008), frequentemente, as pessoas
dependem de suas crenças e práticas religiosas para lidar com as adversidades
da vida, sendo essas promotoras de um senso de controle e de auxílio que
encoraja a tomada de decisões e facilita o processo de coping.
Embora, durante muito tempo, ciência e religião tenham sido consideradas áreas
contraditórias, foi possível, neste milênio, visualizar uma abertura à
investigação dos aspectos religiosos envolvidos na vida humana (Sousa, Tillman,
Horta, & Oliveira, 2004). Há um aumento de pesquisas que têm investigado o
papel da religião e da espiritualidade no contexto da saúde (Faria & Seidl,
2005; Paiva et al., 2009), as quais têm indicado que o envolvimento religioso,
geralmente, está associado com a saúde física e mental, afetando os resultados
em saúde (Koenig, 2007). Em revisão de literatura (brasileira e internacional)
abrangendo os temas qualidade de vida e espiritualidade, os artigos encontrados
nas bases de dados PsycINFO e PubMed/Medline, entre 1979 e 2005, evidenciaram a
existência de uma forte associação entre esses temas, o que, por sua vez, tem
resultado em discussões sobre a inclusão da dimensão espiritual no conceito de
saúde, indo além do bem-estar físico, mental e social (Panzini, Rocha,
Bandeira, & Fleck, 2007). Entretanto, os autores apontam que, no Brasil, as
pesquisas voltadas ao impacto da religiosidade na qualidade de vida e nas
relações com a saúde ainda são escassas, sugerindo que novos estudos sejam
desenvolvidos, a fim de que esses forneçam dados empíricos que auxiliem no
planejamento de práticas em saúde embasadas espiritualmente.
Os fatores religiosos e espirituais têm sido associados a diversos aspectos de
adaptação ao diagnóstico e tratamento do câncer, indicando sua importância para
a saúde e para a recuperação dos pacientes (Al-Azri, Al-Awisi, & Al-
Moudhri, 2009; Alcorn et al., 2010; Barros, 2008; Feher & Maly, 1999; Lin,
& Bauer-Wu, 2003; Mytko & Knight, 1999; Schnoll, Harlow, & Brower,
2000; Soothill, Morris, Harman, Thomas, Francis, & McIllmurray, 2000;
Stefanek, McDonald, & Hess, 2005; Thuné-Boyle, Stygall, Keshtgar, &
Newman, 2006; Yanez et al., 2009). De fato, a maioria das pesquisas tem
destacado em seus resultados a prevalência do uso positivo do coping religioso/
espiritual (CRE) quando comparado à sua utilização de uma forma negativa (Gall,
Guirguis-Younger, Charbonneau, & Florack, 2009; Hebert, Zdaniuk, Schulz,
& Scheier, 2009; Thuné-Boyle, Stygall, Keshtgar, Davidson, & Newman,
2011; Zwingmann, Wirtz, Müller, Körber, & Murken, 2006; Zwingmann, Müller,
Körber, & Murken, 2008).
A revisão sistemática de literatura realizada por Thuné-Boyle et al. (2006)
investigou o uso de estratégias de CRE e seus efeitos na adaptação à doença,
bem-estar psicológico e qualidade de vida em pacientes com câncer. A busca em
quatro bases de dados, compreendida entre os anos de 1977 a 2004, resultou na
análise de 17 artigos. Desses, dez investigaram especificamente alguns tipos de
câncer, sendo que a maioria era de mama. A análise dos artigos permitiu
verificar que, embora muitos estudos americanos não tenham encontrado
resultados significativos, um número equivalente de pesquisas encontraram
evidências de que o CRE é benéfico no processo de adaptação ao câncer. Apenas
três estudos encontraram efeitos prejudiciais no uso dessa estratégia de
coping, sendo que um deles tinha por objetivo investigar o CRE negativo. No que
se refere aos estudos europeus, nenhum concluiu que o CRE era importante. Tais
resultados, como sugerido por Thuné-Boyle et al. (2006), podem ter ocorrido
devido às deficiências metodológicas, principalmente no que diz respeito à
mensuração e conceitualização do CRE.
A revisão sistemática de Thuné-Boyle et al. (2006) ilustra a escassez de
estudos que tratam da temática do CRE em pacientes com câncer, já que, dos 17
artigos selecionados, 10 não examinaram o CRE como objetivo principal. Com
vistas a sistematizar os dados já existentes, e focando em um determinado tipo
de câncer, esta revisão sistemática da literatura tem por objetivo examinar os
efeitos do CRE na saúde psicológica de mulheres com câncer de mama que
vivenciam o período do diagnóstico e/ou do tratamento ou, ainda, que sejam
sobreviventes à doença. A partir das categorias analisadas na revisão
sistemática de Thuné-Boyle et al. (2006), pretende-se investigar: a) as
associações existentes entre o CRE (positivo ou negativo) e a adaptação à
doença; b) como os estudos têm medido o CRE; e c) as principais limitações
metodológicas dos estudos envolvidos nessa revisão.
MÉTODO
Critérios de Inclusão/Exclusão dos Artigos
a) os artigos devem examinar o papel da religiosidade/espiritualidade como uma
estratégia decoping em mulheres que tenham sido recentemente diagnosticadas com
câncer de mama, que estejam em fase de tratamento ou que sejam sobreviventes à
doença; b) os artigos devem ser quantitativos e devem medir o uso da
religiosidade/espiritualidade no processo de enfrentamento do câncer de mama
(variável independente), sendo o bem-estar psicológico e/ou adaptação à doença
utilizados como variáveis dependentes; c) os artigos devem ser provenientes de
revistas científicas datadas dos últimos seis anos (2006 - 2011) e os termos
coping religioso (religious coping) ou copingreligioso/espiritual (religious/
spiritual coping) devem aparecer no título, no resumo ou nas palavras-chave dos
artigos; d) foram excluídos os artigos que não apresentavam acesso disponível
ao texto completo pelo portal da CAPES e que não foram enviados pelos autores
após solicitação via e-mail, e produções oriundas de congressos (resumos,
resumos expandidos ou textos completos), dissertações de mestrado, teses de
doutorado, livros ou capítulos de livros, resenhas, comentários de artigos e
editoriais; e) foram excluídos os artigos resultantes de estudos com
metodologia qualitativa, artigos de validação/adaptação de instrumentos e
revisões teóricas e/ou sistemáticas da literatura; f) foram excluídos os
artigos que não estavam em Inglês, Espanhol, ou Português.
Bases de Dados
As pesquisas foram feitas nas bases de dados LILACS, Medline, PshycInfo e Web
of Science e os descritores utilizados foram: religious
beliefs,spirituality,religiosity,religious experiences,religion,coping
behavior,adjustment, breast cancer,religious coping e spiritual coping. Em cada
base de dados foram feitas as seguintes combinações dos descritores: religious
beliefs and breast cancer,spirituality and coping behavior and breast
cancer,religiosity and coping behavior and breast cancer,religious
experiences and coping behavior and breast cancer,adjustment and spiritual
coping or religious coping and breast cancer,religious coping and breast
cancerespiritual coping and breast cancer.
Procedimentos de Organização do Material
A Figura_1 ilustra os procedimentos realizados para a seleção do material. A
pesquisa feita na base de dados LILACS não obteve resultados.
RESULTADOS
Aspectos Gerais
O quadro_1 apresenta a descrição das nove pesquisas encontradas, todas
desenvolvidas em países da Europa (Aukst-Margetic, Jakovljevic, Ivanec,
Margetic, Ljubicic, & amija, 2009; Laarhoven, Schilderman, Vissers,
Verhagen, & Prins, 2010, Thuné-Boyle et al., 2011; Zwingmann et al., 2006;
Zwingmann et al., 2008) e da América do Norte (Gall et al. 2009; Hebert et al.,
2009; Morgan, Gaston-Johansson, & Mock, 2006; Schreiber, 2011), todos
disponíveis na língua inglesa.
Um dos estudos, desenvolvido no Reino Unido (Thuné-Boyle et al., 2011),
destacou diferenças nos resultados quando comparados às pesquisas realizadas
nos Estados Unidos. Ao contrário dos EUA, em que existe uma alta proporção de
pessoas com uma determinada afiliação religiosa e que frequentam regularmente
serviços religiosos, a população do Reino Unido apresentou, em geral, baixos
níveis de envolvimento religioso/espiritual. Contudo, algumas mulheres que se
declararam não religiosas relataram ter feito uma breve oração antes de irem
para a sala de operação. Embora as estratégias de coping religioso negativo
tenham sido menos comuns do que outras estratégias de copingnão-religioso,
essas corresponderam a 53,5% (Reavaliação dos poderes de Deus), indicando que
mais da metade da amostra tinha algum conflito com a sua fé em relação ao
diagnóstico do câncer de mama. Os resultados demonstraram que houve uma
significativa redução nas estratégias decoping religioso ao longo do tempo,
sugerindo que as pacientes estão mais propensas a buscar a ajuda de Deus nos
primeiros estágios do curso da doença do que nos seguintes. As estratégias de
coping religioso positivo foram significativamente maiores no período em torno
da cirurgia do que aos três e 12 meses pós-cirúrgicos.
As estratégias de coping religioso também foram mobilizadas no período de
adaptação à doença no estudo de Gall et al. (2009), sendo as estratégias
relacionadas à busca de apoio e conforto elevadas no período em torno da
cirurgia e reduzidas ao longo do tempo, enquanto que as estratégias de
construção de sentido permaneceram elevadas ou aumentaram a longo prazo.
Estratégias de coping religioso positivas e negativas foram preditoras de
angústia. O aumento do descontentamento espiritual, por exemplo, foi preditor
de um aumento na angústia emocional, enquanto que a entrega ativa e a ajuda
religiosa predisseram uma diminuição no estresse. Da mesma forma, aspectos
negativos e positivos do coping religioso estiveram associados ao bem-estar
emocional: uma diminuição no descontentamento espiritual acompanhada do aumento
da ajuda religiosa foi preditora de um aumento no bem-estar emocional.
Em contrapartida, no estudo de Hebert et al. (2009), o coping religioso
positivo não apresentou nenhuma associação com o bem-estar, ao passo que o
coping religioso negativo foi preditor de pior saúde mental, maior depressão e
menor satisfação de vida, indicando um pior ajustamento psicológico relacionado
a esse tipo de estratégia. Conforme os autores, tais achados destacam a
importância de interrogar as pacientes sobre possíveis conflitos religiosos/
espirituais e, a partir disso, desenvolver intervenções que promovam o bem-
estar emocional. Resultados semelhantes foram encontrados no estudo piloto de
Morgan et al. (2006), realizado com mulheres afro-americanas. Os autores não
descreveram nenhuma associação significativa entre as variáveis pesquisadas e o
coping religioso positivo. Todavia, verificaram a existência de associações
negativas entre o coping religioso negativo e o bem-estar físico. Ademais,
associações positivas entre bem-estar espiritual e os domínios de qualidade de
vida (físico, emocional e bem-estar funcional) foram encontradas.
Somado a isso, Schreiber (2011) aponta para a busca de conhecimento das visões
de mundo das pacientes, no intuito de facilitar o acesso aos recursos
religiosos/espirituais que elas possam ter. A autora, ao investigar as
implicações das visões de Deus na vida de sobreviventes de câncer de mama,
encontrou diferenças significativas entre aquelas que viam Deus como alguém
engajado (engaged), mas não naquelas que viam Deus como zangado (angry). Altos
níveis de bem-estar psicológico e baixos índices de medo da recorrência da
doença, de depressão, ansiedade e estresse foram encontrados naquelas que viam
Deus como altamente engajado, o que aponta para os efeitos potenciais da fé na
adaptação psicológica. Laarhoven et al. (2010) também investigaram as imagens
de Deus em pacientes sob cuidados paliativos (13% com câncer de mama) e
concluíram que a adesão a uma imagem impessoal de Deus foi preditora positiva
para as estratégias de coping de Busca por conselho e informação, Busca de
apoio moral e Negação, e preditora negativa para a estratégia Humor. Em
contrapartida, a adesão a uma imagem pessoal de Deus esteve associada a apenas
uma estratégia, a única do instrumento relacionada a aspectos religiosos/
espirituais: Voltar-se à religião. Os autores apontam para a urgência de
consideração dessas diferentes percepções de Deus nas pesquisas, tendo em vista
as diferenças das crenças e práticas religiosas entre os países.
Em um estudo feito com pacientes alemãs, Zwingmann et al. (2006) descobriram
que tanto o coping religioso positivo quanto o negativo contribuíram para o
coping depressivo, mas não para o coping focalizado no problema. O coping
depressivo foi predito negativamente pelo coping religioso positivo e
positivamente pelo coping religioso negativo, o que indica que ambos os padrões
de coping religioso predisseram a adaptação psicossocial. Embora o
copingdepressivo tenha sido menos utilizado nesse estudo, esse revelou-se como
sendo um forte preditor para a ansiedade e depressão, sendo que o coping
religioso correspondeu a 14% da variância do coping depressivo. O coping
religioso negativo foi predito pela idade e pelo estado civil, demonstrando que
mulheres mais velhas e sem parceiro apresentam mais coping religioso negativo.
Já o coping religioso positivo não foi predito por nenhuma variável. Além
disso, nenhuma relação significativa foi encontrada entre variáveis clínicas e
os estilos de coping religioso.
Também realizado com mulheres alemãs, Zwingmann et al. (2008) verificaram que a
ansiedade esteve negativamente relacionada ao copingreligioso positivo e
positivamente associada ao coping religioso negativo. O comprometimento
religioso não apresentou associação significativa com a ansiedade, em
contrapartida, apresentou uma forte associação com ocoping religioso positivo.
O coping religioso negativo, por sua vez, não apresentou associação com o
comprometimento religioso, tampouco com o coping religioso positivo. Como no
estudo de Zwingmann et al. (2006), não foram encontradas associações
significativas entre variáveis clínicas e ocoping religioso. Todavia, mulheres
mais velhas apresentaram maior comprometimento religioso, maiores índices de
coping religioso negativo e menor ansiedade, enquanto as mulheres com maior
nível de escolaridade ou que moravam com um companheiro obtiveram um menor
índice do coping religioso negativo. De modo particular, esse estudo apresentou
diferenças relacionadas à afiliação religiosa e demais variáveis investigadas,
demonstrando que mulheres católicas (45%) relataram maiores níveis de
comprometimento religioso, maiores índices de copingreligioso positivo e menor
ansiedade, enquanto que as protestantes (38%) demonstraram maior coping
religioso negativo. De acordo com os autores, o uso do padrão negativo de
coping religioso foi relativamente baixo na amostra.
Por fim, Aukst-Margetic et al. (2009) constataram que mulheres com maior
religiosidade estavam convencidas de que a fé ajudou-as na cura da doença e que
a concordância com essa afirmativa estava positivamente associada com o apoio
social que um envolvimento religioso oferece. Além disso, a percepção de que a
fé ajudou a lidar com o câncer esteve fortemente apoiada entre aquelas mulheres
que tinham mais filhos. Já a concordância com a afirmativa de que a doença
diminuiu a fé esteve fortemente associada com piores índices de qualidade de
vida. Neste estudo, destacou-se o alto índice da afirmativa a doença aumentou
a minha fé, enfatizando a importância da religiosidade no processo de coping e
adaptação ao câncer de mama.
Variáveis Clínicas
Somente uma das pesquisas (Laarhoven et al., 2010) não foi realizada por uma
amostra composta exclusivamente por mulheres com câncer de mama. Três foram
realizadas com mulheres recentemente diagnosticadas (Thuné-Boyle et al., 2011;
Zwingmann et al., 2006; Zwingmann et al., 2008), duas com pacientes em qualquer
estágio da doença (Aukst-Margetic et al., 2009; Hebert et al., 2009), uma com
mulheres antes e depois do procedimento da biópsia (Gall et al., 2009), uma com
pacientes sob cuidados paliativos (Laarhoven et al., 2010), uma com mulheres
diagnosticadas com a doença pela primeira vez e que estavam recebendo
tratamento quimioterápico ou radioterápico (Morgan et al., 2006) e uma com
sobreviventes do câncer de mama (Schreiber, 2011).
Dentre os estudos que apresentaram o nível do câncer das participantes, todos
tinham como maioria os estágios iniciais da doença: 33% em estágio I e 48,7% em
estágio II (Aukst-Margetic et al., 2009), 75,3% entre os estágios 0 e II (Gall
et al., 2009), 70% em estágio I e II (Hebert et al., 2009), 72,1 % em estágio
II (Morgan et al., 2006), 92% em estágio I e II (Thuné-Boyle et al., 2011), 31%
em estágio I e 47% em estágio II (Zwingmann et al., 2006) e 30% em estágio I e
47% em estágio II (Zwingmann et al., 2008). Schreiber (2011) e Laarhoven et al.
(2010) não apresentaram nenhuma variável clínica.
Hebert et al. (2009) não encontraram particularidades no coping religioso entre
as participantes em diferentes estágios do câncer. Em contrapartida, Gall et
al. (2009) verificaram diferenças nos níveis decoping religioso entre mulheres
nos estágios avançados e iniciais da doença. Todavia, optaram por combinar os
grupos nas análises, uma vez que os padrões de mudança no coping religioso
haviam sido muito similares ao longo do tempo entre as participantes, não
existindo associações significativas entre o estágio do câncer e a angústia
emocional e o bem-estar. Corroborando com esses resultados, encontram-se
Zwingmann et al. (2006) e Zwingmann et al. (2008), que não encontraram nenhuma
associação significativa entre as variáveis clínicas (estágio da doença, tempo
de diagnóstico e procedimento cirúrgico) e as religiosas, e Morgan et al.
(2006), que não encontraram associação significativa entre variáveis clinicas
(estágio da doença e tempo de diagnóstico) e o bem-estar espiritual.
Apenas uma pesquisa (Morgan et al., 2006) detalhou as combinações de
tratamentos vivenciadas pelas pacientes (63,6% cirurgia e quimioterapia e 36,4%
cirurgia, quimioterapia e radioterapia), uma variável clínica que deveria ser
incluída pelos estudos quando o tema de investigação é justamente o processo de
coping/enfrentamento da doença. Cinco estudos apresentaram algumas informações:
Aukst-Margetic et al. (2009) recrutaram para o estudo mulheres da unidade de
radioterapia, as quais diferiam do tratamento recebido anteriormente; Gall et
al. (2009) descreveram que 57% das participantes tinham realizado mastectomia e
que 50,6% tinham variadas combinações de tratamento após a cirurgia, tais como
quimioterapia, radioterapia e hormonoterapia; Thuné-Boyle et al. (2011) citaram
que 61% das participantes haviam sido submetidas à mastectomia conservadora e
que as demais haviam sofrido algum outro tipo de mastectomia, existindo um
total de 40% da amostra que realizara esvaziamento das axilas em nível II;
Zwingmann et al. (2006) e Zwingmann et al. (2008) relataram que praticamente
todas as participantes do estudo haviam realizado cirurgia de mastectomia.
Variáveis Relacionadas à Religião
Praticamente todas as pesquisas apresentaram as percentagens quanto à filiação
religiosa das participantes, sendo, dentre elas, predominantes a Igreja
Católica (Gall et al., 2009; Laarhoven et al., 2010; Zwingmann et al., 2006;
Zwingmann et al., 2008), a Protestante (Hebert et al., 2009; Schreiber, 2011;
Thuné-Boyle et al., 2011) e a Batista (Morgan et al., 2006). Apenas o estudo de
Aukst-Margetic et al. (2009) não apresentou esse dado, justificado pelo fato da
população da Croácia ser predominantemente Católica (87,98%).
Somado a isso, Gall et al. (2009) avaliaram a frequência a encontros religiosos
e a importância percebida da religião/espiritualidade na vida das
participantes; Hebert et al. (2009) verificaram, além da frequência a encontros
religiosos, a frequência de oração e os níveis de consideração espiritual/
religiosa; Zwingmann et al. (2008) mediram o comprometimento religioso (grau de
religiosidade que guia a vida diária de alguém).
Medidas de Avaliação de Coping Religioso/Espiritual
Três estudos (Gall et al, 2009; Hebert et al., 2009; Thuné-Boyle et al., 2011)
foram realizados com itens selecionados da RCOPE (Pargament, Koenig &
Perez, 2000). Já Zwingmann et al. (2006) e Zwingmann et al. (2008) optaram por
desenvolver itens semelhantes aos encontrados na Brief RCOPE (Pargament et al.,
1998), que poderiam se encaixar ao contexto religioso/cultural de seu país, uma
vez que ainda não estão disponíveis na Alemanha instrumentos que avaliem o
coping religioso no seu respectivo idioma.
Morgan et al. (2006) e Schreiber (2011) foram os únicos pesquisadores que
utilizaram uma escala completa para a avaliação do coping religioso, a
BriefRCOPE (Pargament et al., 1998) e a Religious/Spiritual Coping Short Form -
RCOPE ' (Pargament et al., 2000), respectivamente. Além disso, Schreiber (2011)
procurou identificar como as sobreviventes de câncer de mama viam a Deus e o
que elas creem que Ele faz no mundo, através do Image of God Scale - IGS
(Bader, Dogherty, Froese, Johnson, Mencken, Park & Stark, 2006), um
instrumento desenvolvido em Waco (Texas) que permite a identificação de quatro
visões de Deus: benevolente, autoritário, crítico e distante. De modo similar,
Laarhoven et al. (2010) utilizaram a Images of God Scale(Van der Vem, 1998),
uma escala holandesa que avalia a adesão a uma imagem de Deus pessoal,
impessoal e/ou que não pode ser conhecido e que tem sido utilizada, dentre
outros, em um grande estudo (n=1008) sobre o desenvolvimento sociocultural nos
Países Baixos.
Aukst-Margetic et al. (2009), de forma particular, utilizaram o Santa Clara
Strengh of Religious Faith Question' SCSORF ' (Plante & Boccaccini, 1997),
um instrumento que mede a força das crenças religiosas independentemente da
denominação ou afiliação religiosa e que já foi validado em pacientes com
câncer. Nesse estudo, o uso da religiosidade como um mecanismo de coping foi
avaliado a partir de três afirmativas, respondidas a partir de uma escala
Likert de quatro pontos: a doença aumentou minha fé, a doença diminuiu minha
fé e minha fé ajudou a lidar com a doença.
Características Metodológicas
Dentre os estudos analisados, três eram longitudinais (Gall et al, 2009; Hebert
et al., 2009; Thuné-Boyle et al., 2011) e os demais transversais (Aukst-
Margetic et al., 2009; Laarhoven et al., 2010; Morgan et al., 2006; Schreiber,
2011; Zwingmann et al., 2006; Zwingmann et al., 2008). Esse dado vai ao
encontro do observado na revisão sistemática de literatura de Thuné-Boyle et
al. (2006), em que a maioria (n=9) das pesquisas eram transversais.
No que se refere ao tamanho das amostras, verificou-se que o número de
participantes dos estudos variou entre 11 e 284 (M = 148,6, DP = 84,1). Dois
estudos longitudinais apresentaram as taxas de perda ao longo do tempo: Gall et
al. (2009) tiveram perdas de 24,4% e de 23,4% em sua amostra ao longo de dois
anos, sendo essas de mulheres com câncer de mama e com diagnóstico benigno,
respectivamente. Os autores verificaram que as participantes do estudo não
diferiram das desistentes em termos de idade, importância religiosa e
espiritual, angústia e bem-estar no pré-diagnóstico (2-4 dias após a biópsia).
Contudo, no que tangia ao coping religioso, as participantes demonstraram um
menor uso da delegação passiva (coping religioso negativo) no pré-diagnóstico
do que as desistentes; Thuné-Boyle et al. (2011) tiveram uma perda de 19% em
sua amostra ao longo de um ano e observaram que a única diferença entre as
mulheres que continuaram no estudo em relação às mulheres desistentes era o
nível de escolaridade, sendo as médias em anos de estudo de 14,9 e 12,5,
respectivamente.
Além disso, foi possível observar que todas as informações foram coletadas em
clínicas e/ou hospitais, com exceção de Morgan et al. (2006) e Schreiber
(2011), que enviaram o material por correio, oferecendo incentivo financeiro
para a participação.
DISCUSSÃO
As pesquisas que tiveram por objetivo avaliar o coping religioso encontraram a
primazia do padrão positivo quando comparado ao negativo (Gall et al, 2009;
Hebert et al., 2009; Morgan et al., 2006; Schreiber, 2011; Thuné-Boyle et al.,
2011; Zwingmann et al., 2006; Zwingmann et al., 2008). No entanto, em alguns
estudos o coping religioso positivo não apresentou nenhuma relação com o bem-
estar físico e psicológico (Hebert et al., 2009; Morgan et al., 2006;
Schreiber, 2011), ao passo que o coping religioso negativo esteve associado ao
aumento de angústia emocional (Gall et al., 2009), de coping depressivo
(Zwingmann et al., 2006) e de ansiedade (Zwingmann et al., 2008) e de pior
ajustamento psicológico (Hebert et al., 2009) e bem-estar físico (Morgan et
al., 2006).
Somado a isso, foi possível observar que nesses estudos (Gall et al, 2009;
Hebert et al., 2009; Morgan et al., 2006; Schreiber, 2011; Thuné-Boyle et al.,
2011; Zwingmann et al., 2006; Zwingmann et al., 2008) os instrumentos
escolhidos para avaliar o coping religioso foram apropriados, já que foram
utilizados itens selecionados da RCOPE Scale (Pargament et al., 2000) ou a
escala completa. Conforme Thuné-Boyle et al. (2006), a RCOPE Scale (Pargament
et al., 2000) oferece uma medida baseada teoricamente que examina toda a gama
de estratégias benéficas e prejudiciais de coping religioso, abordando tal
constructo de uma forma multidimensional. Em contrapartida, no estudo de Aukst-
Margetic et al. (2009), o coping religioso foi medido através de três
afirmativas, que parecem não abranger a complexidade de tal conceito. Como o
estudo de Laarhoven et al. (2010) não tinha por objetivo avaliar o
copingreligioso de um modo específico, a escala utilizada foi a de COPE-Easy
(Carver, Scheier,& Weintraub, 1989), que inclui aspectos religiosos.
No que se refere às principais limitações metodológicas dos estudos analisados,
destacam-se: o delineamento transversal (Aukst-Margetic et al., 2009; Laarhoven
et al., 2010; Morgan et al., 2006; Schreiber, 2011; Zwingmann et al., 2006;
Zwingmann et al., 2008), a ausência de controle de comorbidades e de variáveis
psicológicas em mulheres em diferentes momentos de tratamento da doença (Aukst-
Margetiæ et al., 2009; Hebert et al., 2009), a impossibilidade de saber por que
as pacientes que receberam o material por correio não responderam (Schreiber,
2011), a amostra ser composta apenas por mulheres recém diagnosticadas e, por
conseguinte, com melhor prognóstico (Thuné-Boyle et al., 2011; Zwingmann et
al., 2006; Zwingmann et al., 2008), a mensuração da adaptação psicossocial
através de subescalas de ansiedade e depressão (Zwingmann et al., 2006;
Zwingmann et al., 2008), a perda de participantes que na avaliação inicial
haviam apresentado maiores índices de delegação passiva (Gall et al., 2009), e,
por fim, a impossibilidade de generalização dos dados devido ao número reduzido
das amostras e às diferenças culturais e religiosas.
Sugere-se que futuros estudos tenham por objetivo específico a avaliação do
coping religioso/espiritual em mulheres com câncer de mama. Tendo em vista o
quão invasivos são os tratamentos de câncer, bem como os seus respectivos
impactos físicos e psicológicos nas áreas da sexualidade, maternidade e
feminilidade (Silva, 2008; Muller, Hoffman,& Fleck, 2006; Wanderley, 2003),
sugere-se que esses venham a explorar de uma forma mais detalhada as
implicações das variáveis clínicas no processo de coping religioso/espiritual,
tais como tempo de diagnóstico, tipo de tratamento realizado, gravidade da
doença, recorrência do câncer, etc. Além disso, sugere-se que sejam feitos
estudos com pacientes em fase terminal, a fim de investigar a interação dos
fatores religiosos/espirituais quando do risco eminente de morte.
O presente estudo revisou, exclusivamente, os artigos que apresentavam os
termos coping religioso ou coping religioso/espiritual no título, no resumo
ou nas palavras-chave, como feito por Thuné-Boyle et al. (2006). Devido a isso,
é provável que artigos que investiguem o coping religioso através de escalas
abrangentes de coping tenham ficado excluídos da análise. O material aqui
encontrado confirma a escassez de estudos nessa área, tanto que optou-se por
incluir na análise o estudo de Laarhoven et al. (2010), que apresentava uma
amostra com diferentes tipos de câncer. Não obstante, destaca-se que o termo
religious/spiritualcoping foi escrito apenas no resumo de Thuné-Boyle et al.
(2011), razão pela qual, ao discutir os resultados deste trabalho, foi
utilizado o termo coping religioso.