Nota Editorial
Nota Editorial
Ana Bénard da Costa*
*A directora
Continuando a sua política editorial de abertura à comunidade científica
internacional que trabalha nas áreas das Ciências Sociais e Humanas sobre o
continente africano e dando continuidade à abrangência temática que tem
caracterizado esta publicação científica, o número da revista que aqui se
apresenta reúne um conjunto díspar de artigos. Estes abordam temáticas diversas
em contextos também eles diferentes e da autoria de cientistas oriundos de
distintos pontos do Globo. Simultaneamente, a revista continua a apostar na
captação não só de autores de reconhecido mérito científico mas também dos
trabalhos de um conjunto crescente de novos investigadores que todos os anos
têm vindo enriquecer o debate em torno das temáticas africanas.
Dividido em duas secções ' Artigos e Recensões ' este número 23 da revista
Cadernos de Estudos Africanos inclui artigos centrados não só em países
africanos mas também em países onde a influência e a presença de africanos se
faz sentir (Brasil e Portugal); artigos que abordam questões culturais,
sociais, económicas e políticas; artigos centrados apenas em países específicos
(Moçambique e Camarões) e artigos que abordam relações entre vários países e
continentes; artigos produzidos por autores sedeados na Europa (Portugal),
África (Camarões) e América do Sul (Brasil); e artigos escritos em língua
portuguesa e inglesa por cientistas em pleno desenvolvimento da sua carreira e
por outros que ainda estão em fase de conclusão dos seus doutoramentos.
Iniciando-se com um texto que reflete sobre questões raciais em Moçambique,
este número da revista continua com o referido artigo focalizado na influência
africana na economia cultural baiana, segue-se um outro centrado em questões
políticas nos Camarões e a revista termina com dois artigos que abordam a
questão da formação superior de estudantes moçambicanos e angolanos no exterior
(Portugal e Brasil).
No artigo que abre este número da revista, "É pena seres mulato!": Ensaio sobre
relações raciais", o autor, Gabriel Mithá Ribeiro, reflete sobre a racialização
da sociedade moçambicana em torno das demarcações entre a esmagadora maioria
negra e a minoria mestiça/"mulata". O autor argumenta que este fenómeno social
oscila entre a aceitação mútua (carga neutra) e a elaboração de estereótipos
depreciativos também mútuos (carga negativa). Centra a sua reflexão numa
análise dos estereótipos através dos quais os "mulatos" têm sido rotulados e
argumenta que a instrumentalização simbólica da minoria "mulata" tem servido
para domesticar ansiedades colectivas da po-pulação negra.
O segundo artigo, sobre a influência africana na economia cultural baiana, da
autoria de Noelio Dantaslé Spinola, reflete sobre os resultados de uma pesquisa
de campo em torno de cultos religiosos como o can-domblé. O autor constata que
estes se transformam em veículos inspiradores e condutores de atividades
económicas que se materializam através do folclore.
No terceiro artigo, intitulado "The search for a Cameroonian model of democracy
or the search for the domination of the state party: 1966-2006", o autor, David
Mokam, analisa discursos de jornais camaroneses comparando-os com os de jornais
do Níger e o Benim, de forma a demonstrar que, desde 1966, os governantes dos
Camarões têm procurado criar uma "exceção camaronesa" no seu método de
governação, com o propósito último de apresentar um modelo camaronês de
democracia quando, na realidade, o objetivo escondido tem sido o de perpetuar o
domínio do partido-Estado no cenário político do país.
Os dois últimos artigos deste número da revista analisam uma problemática
semelhante, a da formação de estudantes universitários africanos no exterior. O
primeiro desses artigos centra-se nos estudantes universitários angolanos que
estudam em Portugal e no Brasil e analisa os motivos que levaram estes
estudantes a optarem por estes países para fazerem a sua formação. A autora,
Ermelinda Liberato, centra a sua análise no papel da família, nos fatores
económicos, na inserção na sociedade de acolhimento e no posterior retorno a
Angola depois de concluída a formação.
O último artigo deste número, da autoria de Ana Bénard da Costa, analisa as
trajetórias individuais e familiares de quadros superiores moçambicanos
formados em Portugal, procurando compreender os fatores que influencia-ram os
seus percursos escolares e qual o impacto da experiência de formação em
Portugal ao nível dos processos de estruturação identitários. Este artigo
reflete-se sobre as redes sociais e de cooperação no domínio do ensino superior
que influenciaram a ida, a integração em Portugal e posteriormente a
reintegração e os percursos profissionais dos informantes em Moçambique. Por
último, na sua análise, a autora aborda questões relacionadas com o impacto da
formação superior de moçambicanos em Portugal no processo de desenvolvimento de
Moçambique.
A encerrar este número, a revista apresenta um conjunto de recensões a livros
que saíram recentemente e com um interesse indiscutível para todos aqueles que
se dedicam aos estudos das Ciências Sociais e Humanas sobre o continente
africano. Curiosamente, todos os livros recenseados nesta secção se relacionam
com questões que envolvem mobilidade internacional (migrantes, comunidades na
diáspora e em trânsito). Esta secção inclui uma recensão de Sara Santos Morais
ao livro de Daniele Ellery Mourão Identidades em Trânsito: África 'na Pasajen':
Identidades e Nacionalidades Guineenses e Cabo-verdianas; uma outra recensão de
Samuel Weeks ao livro de Pedro Marcelino The New Migration Paradigm of
Transitional African Spaces: Inclusion, Exclusion, Liminality and Economic
Competition in Transit Countries: A Case Study on the Cape Verde Islands. E uma
recensão da autoria de Alina Esteves sobre o livro de Eugénio Pinto Santana,
Moçambicanidades Disputadas. Os Ciclos de Festas da Independência de Moçambique
e da Comunidade Moçambicana em Lisboa.
Mais uma vez este número da revista resultou de um esforço conjunto que
envolveu toda a equipa editorial, de secretariado e de revisão e edição, bem
como o apoio de diversos membros da sua comissão científica. Uma especial
referência tem de ser feita a todos aqueles que aceitaram em regime de
anonimato comentar os artigos pois sem o seu esforço seria impossível a revista
garantir e continuar a elevar os seus padrões de qualidade científica.