Saudosismo dos anos setenta ou a arrogância da ignorância? O projecto de
Decreto-lei de Educação Especial
Saudosismo dos anos setenta ou a arrogância da ignorância?
O projecto de Decreto-lei de Educação Especial
Isabel Sanches*
Circulou em meios privados e ultimamente na Internet, de livre acesso, o
projecto de Decreto-lei de Educação Especial, o qual merece algumas reflexões.
1. Sobre a Educação Especial
A partir dos anos sessenta do século passado, inúmeras foram as mudanças
introduzidas, no âmbito da educação das minorias, até aí mais ou menos
ignoradas pelos sistemas educativos. No final dos anos sessenta, iniciou-se, em
Portugal, com origem nos países do norte da Europa, o movimento da integração
escolar que levou à escola pública as crianças e os jovens em situação de
deficiência sensorial, os quais encontraram resposta na modalidade Ensino
Especial. Os alunos em situação de deficiência faziam parte da classe regular e
eram orientados pelo professor de ensino especial, o qual para eles construía,
sempre que possível, um programa específico e com eles o desenvolvia e/ou
supervisionava.
Em 2007, o projecto de diploma de Educação Especial, no artigo 1.º que define o
Objecto e Âmbito do diploma, propõe-se estabelecer o «regime de educação
especial a praticar na educação pré-escolar nos ensinos básicos e secundário
dos sectores público, particular, cooperativo ou solidário». Em seu artigo 2.º
explicita que a «educação especial visa responder a necessidades educativas
especiais, resultantes de limitações significativas ao nível da actividade e da
participação num ou vários domínios de vida, decorrentes de alterações
funcionais e estruturais de carácter permanente».
A Educação Especial, como modalidade de atendimento a crianças e jovens
considerados com necessidades educativas especiais, surgiu nos anos setenta,
no seguimento do famoso Warnock Report (1978). É um modelo de atendimento
centrado nas dificuldades do aluno e em serviços de atendimento especialmente
criados para ele. Em Portugal, só em 1991, teve expressão legislativa com o
Decreto-lei 319/91, de 23 de Agosto.
Decorrente do mesmo relatório (Warnock Report), a categoria «necessidades
educativas especiais » veio substituir a perspectiva médica, mediante a qual
eram avaliadas as crianças e jovens, assente em critérios médicos e organizados
em função da deficiência (deficiente visual, deficiente motor ). A perspectiva
educativa, organizada à volta de critérios educativos e tendo como grande
categoria as «necessidades educativas especiais», foi um passo em frente, mais
em termos teóricos (talvez ), em relação ao atendimento que se preconizava para
estes alunos. A avaliação educativa dos alunos era da competência e da
responsabilidade dos professores/educadores que com eles trabalhavam e a eles
cabia, também, a definição do seu programa educativo, programa desenvolvido e/
ou supervisionado, sempre que possível, pelo professor de educação especial.
Tínhamos, assim, duas educações paralelas, a educação especial e a educação
regular, com os respectivos especialistas, os professores da educação regular
para todos os alunos e os professores de educação especial para os alunos
considerados com necessidades educativas especiais.
Em Portugal, as escolas, sobretudo a partir do Decreto-lei 319/91, de 23 de
Agosto, foram aplicando o regime educativo especial, usando a terminologia
necessidades educativas especiais, mas nunca descolando das situações de
deficiência e recusando-se, em muitos casos, a alargar esta modalidade de
intervenção a todos os alunos com dificuldades no seu processo de aprendizagem.
Os alunos considerados com necessidades educativas especiais eram os alunos com
deficiência, comprovada por atestado médico, vulgo os alunos 319, o que veio a
ser agravado com os decretos 6/2001 e 7/2001, de 18 de Janeiro, ao introduzir o
conceito necessidades educativas especiais de carácter permanente.
Mesmo com o decreto a seu favor , os professores de educação especial, na
generalidade, e também as escolas , têm tido muita dificuldade em descolar o
olhar do défice do indivíduo, caracterizando-o por esse mesmo défice, em vez de
considerar a sua globalidade, tendo em conta o seu potencial e também as suas
dificuldades. O termo necessidades educativas especiais entrou facilmente no
discurso mas não nas práticas quer legislativas quer pedagógico-educativas. A
categorização dos alunos continuou a ser feita segundo critérios médicos,
repercutindo-se nos critérios para colocação dos professores. Em 12 de Maio de
1998, a Direcção Regional de Educação de Lisboa (DREL), emite o ofício circular
n.º 66, cujo assunto é: «Colocação de Docentes para apoio educativo ' Despacho
conjunto n.º 105/97, de 01 de Julho ». Neste ofício circular «são identificadas
vagas para três grandes áreas de especialização em Educação Especial ' A1, A2,
A3 e OUTRAS», a saber:
«A1 - que corresponde às áreas de especialização genericamente designadas por
Deficiência Mental, Deficiência Motora, Problemas Intelectuais, Problemas de
Comportamento e Multideficiência, Dificuldades de Aprendizagem e outras do
mesmo âmbito;
A2 ' que corresponde às áreas de especialização em Deficiência Auditiva e
Graves Problemas de Comunicação;
A3 ' que corresponde à área de especialização em Deficiência Visual;
OUTRAS ' que corresponde à Formação especializada em Supervisão Educativa,
Orientação Educativa, Intervenção Artística, Animação Social, etc.»
Pelo que acaba de ser dito (o espaço é curto para introduzir muitas outras
razões), se verifica que a Educação Especial, uma educação centrada no aluno e
nas suas dificuldades, com apoio de especialistas, nunca foi convenientemente
implementada entre nós, nem em termos legislativos, nem nas práticas
pedagógicas. Talvez por isso a necessidade de o fazer agora: foi a criação do
quadro de educação especial (Decreto-lei 20/2006, de 31 de Janeiro) e é este
projecto de decreto-lei, em 2007. O que em tempos foi desejado pelos actuais
legisladores ou consultores não é, obviamente, o que se deseja agora, na
actual conjuntura sócio-educativa.
Nunca conseguimos arranjar formas de descolar da perspectiva médica e pensar
adequadamente nos alunos, não como doentes precisados de reabilitação, mas
como alunos para quem tinham de ser criadas respostas educativas para as suas
necessidades educativas. Fazer uma avaliação do aluno, por professores e/ou
educadores , para compreender bem as aquisições que ele já fez, nas várias
áreas de desenvolvimento (situação educativa actual) e programar as etapas que
se deveriam seguir foi tarefa de alguns, muito poucos, em termos operativos . A
ambivalência legislativa não facilitou em nada a opção por uma determinada via
nas práticas a implementar. O que se constata, em termos de práticas educativas
dos professores de apoio educativo , é uma prevalência da modalidade Educação
Especial, na sua intervenção junto dos alunos considerados com necessidades
educativas especiais .
2. Sobre a Educação Inclusiva
Com a Declaração de Salamanca (1994), onde Portugal assumiu o compromisso de
promover a educação para todos, incrementando as mudanças políticas necessárias
para o desenvolvimento da educação inclusiva, dotando as escolas das condições
e recursos necessários para educar todas as crianças, em especial as que eram
consideradas com necessidades educativas especiais, o conceito de inclusão
escolar deveria substituir o de integração no sistema educativo português e a
Educação Especial dar lugar à Educação Inclusiva (Costa, 1996; Niza, 1996;
Bairrão, 1998; Correia, 1999; Conselho Nacional de Educação, 1999; Rodrigues,
2001).
A escola da Inclusão obriga a mudanças a nível jurídico-legislativo, a nível da
organização e da gestão da escola, a nível dos professores, do currículo e dos
modelos de apoio aos alunos (Costa, 1996; Ainscow, Porter & Wang, 1997),
donde a necessidade de as escolas serem apoiadas com uma legislação que
configure os novos princípios e consequentes práticas educativas.
A mudança é sempre difícil e, por isso, deve ser bem sustentada. Sabe-se que a
lei não faz a mudança, mas ajuda muito. Ao contrário de outros países, em
Portugal, a lei aparece depois e não antes das «coisas» acontecerem. Começou-se
a integração escolar no final dos anos sessenta e legislação de apoio não
existia; a gratuitidade e obrigatoriedade escolares para os alunos considerados
com necessidades educativas só surgiram em noventa, quando eles frequentavam a
escola desde os anos setenta. Teremos de esperar vinte/trinta anos para que
tenhamos legislação que contemple a educação inclusiva? Já lá vão treze
Os termos escola inclusiva e educação inclusiva têm entrado a medo nos vários
articulados legislativos após Salamanca (1994). Neste projecto de Decreto-lei a
sua presença poderemos dizer que é omissa, uma vez que apenas no artigo 2.º se
faz referência à «inclusão educativa e social», o que é um retrocesso em
relação a normativos anteriores, não revogados por este projecto de decreto-lei
(ex: Despacho nº 10 856/2005, de 13 Maio ' republicação do Despacho nº 105/97,
de 30 de Maio). A implementação das práticas tem sido ainda mais difícil,
embora se possam documentar casos de sucesso, mesmo com crianças e/ou jovens em
situações muito complicadas.
Centrar a intervenção educativa no grupo/turma e na escola, em vez de a centrar
no défice do aluno é o caminho para a escola e a educação inclusivas, numa
perspectiva de educação para todos e com todos, como preconizam os vários
documentos internacionais que têm vindo a ser produzidos, como sejam a
Conferência Mundial sobre Educação para Todos, em Jomtien (1990 ) e a
Conferência Mundial sobre Necessidades educativas especiais que deu origem à
Declaração de Salamanca (1994). Situam os direitos das crianças e dos jovens
considerados com Necessidades educativas especiais (NEE) no contexto mais lato
dos direitos da criança e do homem, fazendo referência à Declaração Universal
dos Direitos do Homem (1948), à Convenção relativa aos Direitos da Criança
(1989 ), à Declaração Mundial sobre Educação para Todos (1990) e às Normas das
Nações Unidas sobre a Igualdade de Oportunidades para as Pessoas com
Deficiência (1993). Destacam-se, ainda, a Carta do Luxemburgo (1996) com a
proclamação europeia do princípio da não-discriminação, consagrada também no
artigo 13 do Tratado de Amesterdão (1997), o Enquadramento de Acção de Dakar
(2000), cujo objectivo principal é atingir a Educação para Todos até ao ano
2015, a Declaração de Madrid (2002), com o princípio de «Não discriminação mais
Acção positiva fazem a Inclusão social» e a Flagship de Educação para Todos
(2004) ' o direito à educação para as pessoas em situação de deficiência: o
caminho para a inclusão.
O projecto de Decreto-lei aqui apresentado ignora ou tenta ignorar todo um
trajecto que está a ser feito em todos os países, em todo o mundo, com inúmeras
dificuldades, é certo, mas o desafio é conseguir. Foi-nos possível constatar
esse envolvimento mundial, em 2005, em Glasgow, no Inclusive and Supportive
Education Congress «Inclusion:Celebrating Diversity?», onde estavam presentes
representantes dos diferentes continentes. Mais uma vez queremos ficar na cauda
da Europa, implementando práticas de que os outros países estão a tentar
libertar-se?
3. Sobre a categorização dos alunos
Com a introdução no sistema educativo do conceito Necessidades educativas
especiais, pretendia-se suprimir os efeitos estigmatizantes da categorização
dos alunos, tendo, contudo, criado uma super etiqueta que distingue os que têm
necessidades educativas dos outros, ou seja, os outros, os diferentes, os mais
frágeis, colocando-os numa situação de dependência, pois eles têm necessidades
e os outros não (Armstrong & Barton, 2003). Apesar desta vontade (aparente)
de se livrar das etiquetas, os diagnósticos médicos continuam a ser o grande
suporte para as decisões a tomar a nível educativo e a incorporar e a marcar o
discurso dos profissionais da educação .
Uma parte importante do processo de segregação advém da decisão do tipo de
dificuldades que são contempladas com medidas de apoio, por parte do sistema
educativo, as quais assentes em processos de categorização dos alunos, vão
produzindo e alimentando os estereótipos. O esforço para basear as práticas
educativas na capacidade do indivíduo e na sua maneira de funcionar está longe
de ser uma realidade.
Indiferentes aos efeitos que o «rótulo» produz no indivíduo rotulado, os
sistemas continuam apostados em responsabilizar unicamente o indivíduo pela sua
situação de desvantagem, sem se questionarem a eles próprios, como diz Poizat
(2004: 44):
A partir do momento em que as nomenclaturas sublinham a importância da situação
na qual se encontra o indivíduo, insistem no papel central do contexto como
factor determinante da existência de deficiência e se se afastam de uma
concepção de deficiência ligada ao indivíduo, em si mesmo, a necessidade de
categorização para os sistemas de informação é posta em causa.
Poizat continua:
A noção de deficiência em situação faz referência a uma abordagem dinâmica e
social, abandonando uma concepção estática e unicamente médica da deficiência
que aparece, a partir daí, como a expressão de um equilíbrio interno entre três
elementos interactivos: individual, situacional e contextual (p.45).
É, pois, para os contextos que se voltam hoje os olhares, sendo eles decisivos
na qualidade de vida dos seus utentes. E os contextos educativos têm uma
importância acrescida pelo papel que desempenham no desenvolvimento do
indivíduo. Constata-se que as pessoas em situação de deficiência fazem grandes
progressos quando os contextos lhes são favoráveis. Encontram-se hoje pessoas
em situação de deficiência em todos os sectores da vida social, académica ou
desportiva, o que vem questionar a decisão de seleccionar antes ou após o
nascimento. O natural é que as crianças cresçam na sua família, na sua
comunidade, com a ajuda dos seus amigos. Porquê escolas diferentes, organizadas
em função de parcelas do indivíduo, desprezando a sua globalidade? Porquê
«esconder» o que nos incomoda? Em vez de aprender a viver com todos, a «moral e
os bons costumes» estabelecem os que são «bons» e os que são «maus, perigosos,
inconvenientes, incapazes » e, assim, surgem as prisões, os asilos, as casas da
terceira idade e os ghettos, enfim, a «repartição dos indivíduos no espaço»
(Foucault, 1975:166), e, com este projecto de decreto-lei, as «Escolas de
Referência » e as «Unidades de Ensino Estruturado e Unidades de Apoio
Especializado ».
É o «melhor para eles», como se ouve dizer com frequência, ou é o melhor para
nós que, assim, não nos vimos confrontados com o «espelho partido» que podia
ser o nosso ou o medo de nos confrontarmos com a nossa própria imagem,
distorcida? Em nome das boas intenções, se fizeram grandes atrocidades. A
sociedade actual tudo divide e agrupa (os indivíduos, os saberes), mas a vida e
o indivíduo não é uma fatia biológica, teológica, sociológica, mas um todo
global de todos esses saberes em interacção contínua, exigindo o equilíbrio e a
cooperação de todos. Será mesmo necessário categorizar para resolver ou é
somente o modelo de agir que conhecemos, com uma longa tradição, e com muita
dificuldade em o mudar? Por vezes o diagnóstico, qualquer que ele seja, não tem
a função de indicar o caminho a seguir, mas encaixar o indivíduo, para
justificar a «impossibilidade» de intervenção.
Embora a categorização tenha sido uma actividade importante para o
conhecimento, ela é muitas vezes um obstáculo ao reconhecimento do indivíduo
como pessoa (Gardou, 2005). Não é preciso categorizar para intervir, é preciso
permitir que o desenvolvimento se processe à sua medida ou, por vezes, somente
manter a sua humanidade. O ponto de partida para a intervenção, em termos
educativos, ou para a afectação de recursos, não pode ser o défice, mas a
funcionalidade existente e esperada. É passar «da visão dos pontos fracos á
valorização dos pontos fortes» (Gardou, 2003: 59), é ter como ponto de partida
e de chegada a pessoa em toda a sua globalidade, é mudar a perspectiva da
intervenção: do grupo homogéneo passar ao grupo heterogéneo, de um pequeno
grupo que faz as regras passar a uma organização em que todos são co-
responsáveis pelas decisões e pelo seu cumprimento.
Mas a não categorização também pode trazer alguns riscos, se ela própria se
transformar em «assimilação normalizadora, disfarçada em prática inclusiva»
(Gardou, 2003: 55), o que nos transporta para o processo de normalização, tão
defendido, na época da integração escolar. É o primado do normocentrismo e a
anulação do direito à diferença.
4. Sobre as Escolas de Referência e as Unidades de Ensino Estruturado e as
Unidades de Apoio Especializado
Depois de trinta anos de luta para que cada aluno considerado com necessidades
educativas especiais pudesse ser educado no meio menos restritivo possível, na
escola do seu bairro, da sua comunidade de pertença, surge neste projecto de
diploma a ideia inovadora de referenciar escolas para onde vai determinado tipo
de alunos, oriundos «de um ou mais concelhos, em função da sua localização e
rede de transportes existentes» (ponto 1, art.º25.º). Em vez de melhorar o
sistema existente, dotando-o de meios e de condições para que cada um possa
usufruir do convívio saudável dos seus familiares e amigos próximos, regredir é
a palavra de ordem Toda a gente conheceu bons institutos para cegos onde se
ensinava, eficazmente, em certos casos, esta faixa de alunos. Toda a gente
conhece, mas convém lembrar o que a ghetização desencadeia no espírito de quem
é ghetizado. As várias formas de diferenciação positiva ou negativa têm vindo a
ser abandonadas porque elas produzem resultados positivos só para quem as
desencadeia, sempre à custa do dinheiro do contribuinte, numa avaliação dentro
do próprio sistema que as implementa para as justificar.
O aprender a lidar com o outro, na sua diversidade, para que não se estimule o
fosso entre os mais e os menos capazes, os mais ricos e os mais pobres, os que
pensam e agem de forma diferente, é o grande desafio do nosso século, o século
da globalização, com tudo o que a mesma tem de bom e de mau. É a cooperação, é
um outro olhar sobre o outro, é a alteridade o desafio da nossa maneira de ver
e encarar o futuro que se está e revelar e que não podemos ignorar.
A opção tem de estar do lado da criação de escolas onde todos possam aprender
juntos, criando as condições de resposta adequada a cada situação, ou seja,
personalizar sem individualizar o ensino que desencadeia aprendizagens
significativas para cada um. Na medida em que o são para cada um, sê-lo-ão para
todos. Diferenciar, mesmo positivamente, separando, não vai ensinar cada um a
aprender a lidar com o outro que é diferente de si porque nunca se tem a
possibilidade de ouvir uma outra forma de expressão, uma outra forma de estar,
de fazer e de sentir. Aprender a lidar com o outro na sua diversidade é estar
com ele, aprender com ele, trocar experiências e saberes, nos contextos que são
de todos. De que me servem grandes aquisições académicas se não me dão
hipóteses:
- de as demonstrar, uma vez que à partida estou excluído?
- de desenvolver adequadamente competências sociais?
-de as partilhar com os meus pares, mais ou menos capazes do que eu?
- de aprender com os mais capazes?
- de ensinar os que têm mais dificuldades do que eu?
Há muitos saudosismos para alguns daqueles que passaram e viveram o 25 de Abril
de 1974. Só assim se explica que agora, passados trinta anos, se proclame como
grande inovação a existência de «Unidades de Ensino Estruturado e Unidades de
Apoio Especializado », nas escolas regulares. Já nos esquecemos das classes
especiais extintas após o 25 de Abril, de 1974, pela discriminação de que eram
alvo os alunos que as frequentavam? Estavam na mesma escola, mas tinham os
intervalos em momentos diferentes para não se cruzarem uns alunos com os
outros.
Para concluir
Em termos legislativos, o conceito necessidades educativas especiais e o
regime educativo especial foram objecto de legislação em 1991, com o Decreto-
lei 319/91, de 23 de Agosto, passados treze anos sobre o Warnock Report, embora
tivéssemos aderido ao processo de integração no final dos anos sessenta. Já
nessa altura se prefigurava uma outra perspectiva em relação à educação de
alunos com dificuldades no seu percurso educativo, a escola inclusiva. Agora em
2007, voltamos quase quarenta anos atrás, para implementar nas escolas de
ensino regular, a modalidade Educação Especial?
Foi criado, em 2006, o grupo de docência da Educação Especial, sendo definidos
critérios de acesso que remetem aos anos sessenta (deficiência motora,
deficiência mental, deficiência visual, deficiência auditiva ) porque, segundo
alguns era uma velha reivindicação dos professores de educação especial. De tão
velha perde por inoportuna.
Continuamos a apostar na categorização dos alunos (a categorização só serve
quem a define), tendo por referência critérios da saúde expressos na
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde da
Organização Mundial de Saúde (art.º4.º), no momento em que a nível mundial se
tenta descategorizar e olhar para a pessoa no seu todo, rejeitando olhares
parcelares que despersonalizam a pessoa.
Será que temos de esperar quarenta anos para aceder a legislação que tenha como
princípio orientador a Educação Inclusiva? O que será que nessa altura se
perspectivará em termos educativos?
Verifica-se que o projecto de decreto-lei não é mais que o antigo Decreto-lei
319/91, de 23 de Agosto, em que a substância é a mesma, agravada com alguma das
«inovações» que introduz: as escolas de referência, as unidades de ensino
estruturado e de apoio estruturado e o retrocesso de trinta anos em relação à
educação de minorias no espaço escolar público.
A globalização está aí, com vantagens e inconvenientes (é natural) para uns e/
ou para outros, mas a perspectiva em termos legislativos não é abrir para
todos, é antes continuar a pensar em termos de grupos muitos definidos,
apresentando sempre as vantagens imediatas desses grupos, os quais aderem de
imediato.
Nós continuamos a acreditar que a discriminação, seja ela positiva ou negativa,
acaba, a curto ou a médio prazo, por discriminar negativamente os contemplados.
Lutar contra a discriminação é também atravessar Portugal em cadeira de rodas,
como o fez, recentemente, um jovem em situação de deficiência!... Que
sentimentos despertam estas notícias nos decisores políticos ou em cada um de
nós?
Uma investigação aprofundada deveria estar na origem da tomada de decisões de
política educativa tão questionáveis. Que interesses económicos ou de poder
estarão na base dessa tomada de decisões?
Notas
1 Quando se fala em «alunos com necessidades educativas especiais» estamos a
marcar o indivíduo com um rótulo que parece ser característica principal desse
indivíduo, tem um carácter permanente; quando usamos a expressão «alunos
considerados com necessidades educativas especiais» estamos a dizer, e bem, que
o rótulo é o resultado da necessidade que a sociedade tem de rotular os seus
indivíduos, para os fins ou objectivos que são seus e não do indivíduo.
2 Tradução de Special education needs.
3 Decorrente da experiência do terreno, podemos afirmar que as escolas nunca
deixaram de exigir obrigatoriamente os relatórios médicos para aplicar o regime
educativo especial (Decreto-lei 319/91, de 23 de Agosto).
4 Decreto-lei 319/91, de 23 de Agosto.
5 Salvaguardem-se as minorias esclarecidas que conseguem romper as normas do
sistema e levar por diante aquilo que, no momento, parece ser o mais adequado
em termos da Europa ocidental: passar da categorização médica para a grande
categoria necessidades educativas especiais, naquilo que ela contém em termos
de substância e o que a mesma implica, em termos educativos.
6 Note-se que este despacho introduzia, em alguns artigos, a perspectiva da
escola inclusiva.
7 Argumenta-se que a criação do quadro de educação especial foi uma forte
reivindicação sindical dos professores de educação especial. Teria sido
ajustado no momento próprio, não desfasada no tempo e quando outras
perspectivas invadem o sector.
8 Não se excluem, nas avaliações, os contributos de outros técnicos, eles são
muito importantes, mas as questões educativas têm de ser da responsabilidade
primeira dos agentes da educação, em termos de avaliação e de construção de
respostas.
9 É certo que era obrigatório um Plano Educativo Individual e um Programa
Educativo para «as situações mais complexas»! (Decreto-lei 319/91, de 23 de
Agosto).
10 Investigação realizada no ano 2003/2004, na Direcção Regional de Educação de
Lisboa. É neste âmbito a afirmação que se segue.
11 Ver Sanches, I. (2007). À la recherche des indicateurs d'éducation
inclusive. Ce que disent de leurs pratiques les enseignants de soutien éducatif
au Portugal. Thèse de Doctorat. Université Lumière Lyon2.
12 «A educação básica deve ser oferecida a todas as crianças e as crianças com
necessidades educativas especiais devem fazer parte integrante do sistema
educativo».
13 Artigo 23º «As crianças com deficiência têm direito à participação na
comunidade e a sua educação deve conduzir à plena integração e desenvolvimento
pessoal possível».
14 Em Portugal, o Despacho 1438/2005, de 4 de Janeiro, vem responsabilizar o
professor do 1.º ciclo do ensino básico e o conselho de turma dos outros ciclos
de ensino, pela análise da situação específica do aluno e a definição das
medidas de apoio educativo a adoptar. Esta medida já fazia parte do Decreto-lei
319/91, de 23 Agosto, mas nunca tinha sido adoptada, em pleno.
15 Art.º 25.º
16 Art.º 26.º
17 Art.º 27.º
18 Artigos 25.º, 26.º e 27.º.
19 Afirmação decorrente da constatação da autora, nos anos setenta, em escolas
do distrito de Lisboa.
20 Em 1986, foi introduzido o conceito necessidades educativas específicas,
pela Lei de Bases de Sistema Educativo.