O nacional-socialismo e a construção de uma «Nova Ordem» na Europa
O nacional-socialismo e a construção de uma «Nova Ordem» na Europa
Cláudia Ninhos
Investigadora do Instituto de História Contemporânea da FCSH'UNL. Licenciada em
História, com minor em Línguas, Literaturas e Culturas (Alemão), pela FCSH'UNL,
encontra-se a terminar uma dissertação de mestrado em História Contemporânea
sobre as relações luso-alemãs.
MAZOWER, MARK
Hitler's Empire. Nazi Rule in Occupied Europe.
Londres, Penguin Books, 228, 725 páginas
Especialista em história contemporânea, Mark Mazower tem-se dedicado,
sobretudo, ao estudo da história da Europa, em especial dos Balcãs, na época
contemporânea (século XX). Nesta obra, Mazower procura compreender a forma como
a Nova Ordem europeia foi pensada e implementada pela Alemanha nacional-
socialista depois de dominar cerca de um terço da Europa e metade dos seus
habitantes. Numa primeira parte, começa por analisar a expansão nazi no
continente europeu, desde a contestação do tratado de Versalhes até à «guerra
de aniquilação» empreendida contra a União Soviética a partir de 1941. Na
segunda é exposta a forma como a germanização foi empreendida nos territórios
ocupados. Por fim, o autor analisa a concepção de Europa desenvolvida pelo
regime nazi.
À CONQUISTA DA EUROPA
Sem dúvida que o nacional-socialismo e a II Guerra Mundial continuam a ser dos
temas mais apetecidos pela historiografia contemporânea, suscitando acaloradas
polémicas e dividindo estudiosos, tanto na Alemanha como fora dela. A dimensão
das ambições imperialistas alemãs pode ser incluída, obviamente, no seio destas
polémicas. Terá sido a política externa alemã conduzida ao sabor das
oportunidades surgidas, em que uma vitória levava a outra, alimentada por uma
crescente ambição imperialista por parte da Alemanha? Ou existia um plano
previamente delineado? Na opinião de Mark Mazower, Hitler não era uma mero
«oportunista», sem qualquer programa de política externa. A política de
controlo e domínio da Europa seria, para ele, prioritária (p. 2), até porque o
controlo da Europa asseguraria uma posição geopolítica fundamental (p. 3).
Para Hitler, aquela guerra era a continuação do conflito de 1914-1918, mas
também das guerras do século xix. Ela traria, por fim, a solução final para a
unificação alemã (p. 5). De uma guerra alemã, para satisfazer as reivindicações
e ambições da Alemanha, o conflito acabaria, contudo, por evoluir para uma
guerra à escala mundial. O primeiro capítulo do livro procura, desta forma, na
história alemã, desde 1848 até 1918, os antecedentes da política externa
seguida pelo regime nazi. Mazower considera que o que viria a ser o império de
Hitler não teve início com a invasão da Polónia, nem com a criação do Partido
Nazi. Foi, antes, «o capítulo final da história de uma ideia mais antiga ' a
ideia de uma Grande Alemanha» (p. 15). Nesta matéria, o que terão herdado os
alemães da sua História, em especial da Prússia? Muito, de acordo com o autor.
A forma como trataram os polacos seria, a este propósito, um exemplo. A Nova
Ordem nazi procurava, acima de tudo, unificar todos os alemães num único
Estado. Com este objectivo, e sob a orientação de um partido de massas e de um
líder, Adolf Hitler, procuraram «estabelecer uma dominação permanente no Leste
sobre os Eslavos e, desta forma, tornando-se suficientemente poderosos para
exercer um domínio sobre a Europa» (p. 30). No que Guilherme II falhara, o
nacional-socialismo acabaria por ser bem-sucedido. O conceito de «Grande
Alemanha» era, pois, crucial para os nazis e para Hitler (p. 43). Era em seu
nome que apelavam à autodeterminação, à revogação dos termos da paz e à
devolução dos territórios, tudo isto facilitado por uma «atmosfera» de
humilhação e de rejeição do Tratado de Versalhes. «De Versalhes a Viena» seria,
afinal, um curto espaço de tempo, um período de expansão e de escalada de
violência em nome da conquista e da defesa de um Lebensraum, e que conduziria à
eclosão da II Guerra Mundial. Para este historiador, a guerra era entendida por
Hitler como necessária para garantir a segurança do Reich, para criar um Estado
alemão de grandes dimensões, mas também para «pôr à prova» os próprios alemães
(p. 54).
CONSTRUINDO UMA NOVA ORDEM
Depois da conquista tornava-se necessário encetar a organização e germanização
dos territórios, através da transferência forçada de populações e da
colonização. Para tal, fizeram regressar ao Reich os «alemães» que estavam
longe da pátria, libertando territórios no Leste, na Polónia, para os instalar.
A germanização tentada durante a guerra foi, para Mazower, a «tentativa mais
violenta e ambiciosa de nacionalizar pessoas e territórios na história da
Europa» (p. 184). Não passou, contudo, de uma utopia, de uma «combinação
tóxica» de um «nacionalismo romântico» com experiências «sociais-científicas»
(p. 211). Para organizar todo o processo, Hitler nomeia oficiais para gerirem
os territórios conquistados (p. 223) e a SS acabará por surgir também como uma
alternativa ao partido para recrutar dirigentes, até porque esta organização
estava submetida ao ideal de criar uma nova ordem racial na Europa, sob o
domínio alemão (pp. 224-225).
A colonização, na Checoslováquia, foi feita segundo os moldes dos
«protectorados estabelecidos pelas potências coloniais» (p. 59). O protectorado
da Boémia-Morávia continuava a ter, aparentemente, alguma soberania, mantendo
um presidente, um governo ou a administração pública, ainda que todos
estivessem obrigados a agir «em conformidade com os direitos políticos,
militares e económicos do Reich» (p. 59). Na Polónia, a situação haveria de ser
diferente. Depois do Pacto Molotov-Ribbentrop e da invasão da Polónia pelos
exércitos soviéticos na zona leste, as ideias em torno do repatriamento de
alemães tornaram-se prementes, até porque estas minorias temiam o Exército
Vermelho. Os repatriamentos começariam, assim, em Outubro (p. 80). Este
gigantesco programa de colonização expulsou milhares de judeus e polacos das
suas casas, colocando-os em guetos, e instalou colonos de origem étnica alemã
(p. 81). A concentração de judeus polacos em guetos era, contudo, uma solução
transitória, tendo-se inclusivamente pensado na criação de uma «reserva» de
judeus na colónia francesa de Madagáscar (p. 87).
Se até à invasão da França as conquistas alemãs eram explicadas pela defesa de
um espaço vital, o rápido avanço dos alemães sobre a Holanda, a Bélgica e a
vitória sobre a França, confirmaria a verdadeira dimensão das ambições
imperialistas de Hitler (p. 89). Na Primavera de 1940, a Dinamarca capitularia
em escassas horas, mantendo a independência formal. O rei e o parlamento
continuaram em funções, tendo sido indicado um representante do Reich (p. 103).
Em relação à Noruega, que ofereceu resistência, a situação alterou-se. O rei
refugiou-se em Londres, a monarquia foi abolida e os partidos políticos
dissolvidos (p. 105). A situação haveria de ser similar na Holanda. Depois de
dominar grande parte da Europa de Leste e Ocidental, o passo seguinte haveria
de ser o lançamento de uma ofensiva contra a União Soviética.
Rompendo o Pacto Molotov-Ribbentrop que, segundo a opinião sustentada pelo
historiador, resultou de uma opção estratégica para afastar a Grã-Bretanha de
um potencial aliado no continente e obrigá-la a chegar a acordo com os alemães,
a Alemanha lança-se numa «guerra de aniquilação» (p. 140) pela conquista da
União Soviética, uma importante zona estratégica em termos raciais e económicos
(p. 144). A operação «Barbarossa» foi lançada por directivas que permitiam o
recurso a represálias contra as próprias populações, sem que os soldados fossem
julgados por crimes contra civis. A segunda ordem, depois da invasão, permitia
que os oficiais do PC fossem mortos e a SS e os militares receberam ordens para
executar todos os comissários soviéticos. As «Linhas orientadoras para a
conduta das tropas na Rússia» faziam da guerra, segundo Mazower, «uma luta de
vida ou de morte contra uma ideologia, e não contra um estado» (p. 142), tendo
sido criados, no seio da SS, Einsatzgruppenespeciais para controlar e pôr fim a
qualquer oposição nas zonas ocupadas (p. 143). «A brutalidade demonstrada por
muitos alemães comuns em relação aos civis soviéticos» excedeu «as habituais
tensões da guerra» (p. 140). O nível de violência utilizado durante o conflito
atingirá o pico na ofensiva contra a União Soviética, não sendo sequer
comparável à utilizada na Polónia. Na sua opinião, «mais do que a luta épica na
frente, foi a conduta das forças atrás das linhas de combate – em relação a
prisioneiros de guerra, partisanse não combatentes – que testemunhou o impacto
ideológico do Nacional-Socialismo na sociedade e nos militares alemães» (pp.
139-140).
O EUROPEÍSMO NACIONAL-SOCIALISTA
Uma das questões-chave abordadas pelo autor no livro é a relação entre o
nacional-socialismo e a ideia de Europa. O autor procura provar que no seio do
III Reich também se desenvolveram ideias europeístas, rejeitando as teses de
alguns autores1, segundo as quais assim que o regime nacional-socialista se
instalou na Alemanha, os projectos europeus foram parar aos «arquivos»
2
, que terá procurado destruir «a essência espiritual da Europa», ou até que as
«ideias nazis» acerca da Europa eram «ideias anti-europeias»3. Para Mazower,
Hitler foi «o mais europeu» de todos os líderes políticos da II Guerra Mundial.
Na sua opinião, em 1940 desenvolve-se a ideia de uma «missão europeia» (p. 5)
que será reforçada com a declaração de guerra à União Soviética. Como Hitler
confidenciou a Ciano, a luta contra a União Soviética promoveu o
desenvolvimento de um «sentimento de solidariedade europeia […] de grande
importância para o futuro» (p. 559).
Qual era, afinal, a concepção nazi de Europa? A Europa era concebida em
contraposição à URSS e aos Estados Unidos (p. 555), não como uma «associação de
estados-nações», mas como «uma união formal de povos europeus» (p. 557).
Mazower defende, contudo, que à medida que a Alemanha aumentava a sua grandeza,
mais «imperialista» e «autoritário» se tornava o discurso, afirmando-se como um
«árbitro do continente» (p. 557), como se pode depreender pelas palavras de
Goebbels. O ministro da Propaganda, em Abril de 1941, mostrando alguma cautela,
confessava a jornalistas alemães que tinham «algumas ideias acerca disso [sobre
como concebiam a nova Europa]», mas que se essas ideias fossem traduzidas «em
palavras» poderiam criar «mais inimigos». Por isso, afirmava: «Hoje apenas
falamos em Lebensraum. Qualquer um pode interpretá-lo como desejar. Quando
chegar a altura certa, saberemos muito bem o que queremos» (p. 121). O
planeamento da Nova Ordem a implementar na Europa foi feito por Hitler «longe
do Ministério dos Negócios Estrangeiros», em parceria com Goering e Walter
Funk. As ideias de Europa de Goering baseavam-se, na opinião do autor, «em
ideias pré-nazis de hegemonia continental económica alemã mais do que nas
fantasias de pureza racial de Himmler» (p. 123). No Ministério da Economia
discutiram-se também planos para a criação de uma comunidade económica
europeia, pois a criação de um «Mercado Comum» era «algo sonhado pelos Nazis»
(p. 572).
De acordo com o autor, a implementação de uma Nova Ordem no continente contou
com a colaboração, não coerciva, entre a Alemanha e civis e homens de negócios
de vários países europeus, apesar de, depois da guerra, se ter assistido a «uma
amnésia colectiva» (p. 6). A colaboração e as simpatias granjeadas poderiam ter
constituído a «oportunidade política», perante a qual os nazis, todavia, se
mostraram totalmente incapazes de responder (p. 7). De acordo com o
historiador, este facto pode ser explicado pela dicotomia entre as elevadas
expectativas e a desilusão causada pelo comportamento dos alemães que apenas
olhavam para a Europa como um instrumento para servir os interesses do III
Reich (p. 7).
Algumas das ideias desenvolvidas pelo regime nazi acabariam, contudo, por ter
continuidade pois, como refere o autor, «nenhuma ordem política começa do nada.
E a Europa do pós-guerra», apesar de desejosa de «proclamar a sua ruptura com o
passado», estava intrinsecamente «ligada a ele» (p. 575). Não obstante os
«arquitectos do Mercado Comum», no pós-guerra, terem sido homens que se
distinguiram na luta contra o nazi-fascismo, algumas «figuras-chave e
conselheiros» haviam, durante a guerra, trabalhado para o regime nazi, embora
se tenham desiludido e afastado antes do final do conflito.
O livro escrito por Mark Mazower não é, obviamente, mais uma introdução à
história da II Guerra Mundial ou do domínio nazi sobre a Europa. Embora comece
por analisar a evolução do expansionismo alemão, procura provar que Hitler
tinha um pensamento próprio acerca da política externa alemã e que, no seio do
regime nacional-socialista, também existiu uma ideia de Europa, desenvolvida no
âmbito, sobretudo, dos ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Economia,
onde foram produzidos vários textos por indivíduos que, não sendo os líderes do
processo de unificação europeia, haveriam de desempenhar um importante papel
nesse processo. O autor afasta-se da imagem comum de que entre os nazis não se
desenvolveu um pensamento europeu, que as suas ideias eram a negação da
«essência» europeia. O autor procura provar, afinal, que foram adoptadas, e
assimiladas, algumas ideias que o regime nazi havia já formulado.
NOTAS
1
cf., por exemplo, Soulier ou Michael Saleweski.
2
SOULIER, Gérard – A Europa. História Civilização. Instituições. Lisboa:
Instituto Piaget, 1997, p. 253.
3
LIPGENS, Walter (ed.) – (1985), Documents on the History of European
Integration, vol. I, Continental Plans for European Union 1939-1945. Berlim-
Nova York: Walter de Gruyter, p. 54.
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