Como pigmeus aos ombros de gigantes
EDITORIAL
Como pigmeus aos ombros de gigantes
A Equipa de Redacção
Dando curso ao que vem sendo a prática da Medievalista Online, o presente
número mantém o princípio de divulgar investigações o mais variadas possível
quanto aos temas, aos géneros ou às regiões. Seguimos, assim, de certo modo, a
largueza de vistas de Jacques Le Goff, o grande medievalista cujo falecimento
assinalamos neste número através de um In Memoriam da autoria do nosso
Director.
A orientação que Le Goff deu à investigação medieval, seguida com entusiasmo na
França, nos países da Europa meridional e na América Latina durante dezenas de
anos, é actualmente menos consensual. Não tanto do ponto de vista metodológico
e prático, mas nas suas justificações teóricas. Com efeito, continua a servir
de modelo de investigação sobre as matérias mais diversas. Não se pode
esquecer. Por isso, como "pigmeus aos ombros de gigantes", também nós queremos
ver mais longe, apresentando aos leitores da nossa revista trabalhos tão
variados do ponto de vista político, iconográfico, filosófico ou litúrgico.
Abel Estefânio, voltando ao problema da autenticidade do célebre "pacto
sucessório" entre D. Henrique e D. Raimundo, que antes julgara um falso do
século XVII (veja-se a Medievalistanº 10, de Julho-Dezembro de 2011), encontra
agora argumentos de sentido contrário e propõe datá-lo de 1105-1107. É um caso
típico da erudição necessária para praticar a crítica de autenticidade de que
depende a interpretação histórica de acontecimentos decisivos.
Há também um contributo inédito no artigo de Carla Fernandes acerca do túmulo
de Rodrigo Sanches em Grijó, porque, embora muito conhecido, estava metido num
arcosólio que ocultava três das suas faces, nas quais estão esculpidas a
Adoração dos Reis Magos, a Apresentação de Jesus no Templo, e o Calvário. A
descoberta vem enriquecer decisivamente a iconografia religiosa portuguesa do
século XIII.
Segue-se o artigo de Nuria Sanchez, que trata de uma questão muito debatida
pelos historiadores da Filosofia Escolástica, mas pouco conhecida dos
medievalistas em geral, em virtude do seu grau de tecnicidade: a teoria do
monopsiquismo do intelecto humano, defendida por Averróis e os averroístas
latinos, como Siger de Brabante, e contestada por S. Tomás de Aquino.
Curiosamente, Dante, no seu tratado intitulado Monarchia, mostra-se também
favorável às ideias de Siger sobre o monopsiquismo para considerar a Humanidade
como um todo indivisível, imanente e laico, opinião algo surpreendente para a
sua época.
Francisca Pires de Almeida propõe uma interessante investigação acerca das
fórmulas e variantes do ritual do baptismo em Portugal nos séculos XII a XVI,
isto é, desde a introdução do rito romano até ao Concílio de Trento. A Autora
tira partido das variantes detectadas nos livros litúrgicos diocesanos e nas
constituições sinodais para mostrar uma inesperada multiplicidade de
observâncias. As variantes revelam maior cuidado pastoral do clero diocesano do
que se poderia supor tendo em conta o estereótipo comum da decadência religiosa
do fim da Idade Média.
A secção de artigos deste número da Medievalista termina com o estudo da figura
de um mercador eborense, Fernão Gonçalves. Os indícios documentais
sobreviventes do seu rico percurso, minuciosamente interrogados por Joaquim
Serra, acabam por nos revelar toda uma trajectória de ascensão económica,
social e política que soube aproveitar em seu favor as redes clientelares da
sua família protectora, a proximidade com importantes instituições urbanas e o
estratégico posicionamento político a favor do emergente Mestre de Avis e
futuro rei João I. Fernão Lopes far-lhe-ia justiça, ao registá-lo, algumas
décadas volvidas sobre os acontecimentos narrados, entre os principais
apoiantes eborenses do monarca.
Segue-se a rubrica das recensões, desta vez consagrada a dois colóquios
organizados pela Universidade de Clermont-Ferrand: um de carácter estrutural,
realizado em 2007, sobre as aldeias de montanha desde a Antiguidade até ao
século passado, e outro, mais comparatista, realizado em 2010, sobre a relação
entre as ordens militares e os meios urbanos nos séculos XII a XIV.
Por fim, apresenta-se uma tese de doutoramento da Universidade de S. Paulo
(Brasil) defendida em 2011, sobre O amor pela forma no Cancioneiro Geral de
Garcia de Resende;e dá-se notícia das actividades do projecto intitulado "O
imaginário da devoção privada nos Livros de Horas" em 2013 e 2014; e ainda da
realização do X Encontro da Secção Portuguesa da Associação Hispânica de
Literatura Medieval, que teve lugar em Lisboa, em 2014.
À nossa medida, dar continuidade ao projecto da Medievalista é também uma forma
de homenagearmos Jacques Le Goff. Aos seus ombros, procuramos ver mais longe;
não, sem dúvida, com novas sínteses ou interpretações globais, mas com análises
de pormenor e de carácter pluridisciplinar.
Nota da Redacção: No nº 14 da Medievalista, na secção de Recensões, foi
incluído um texto sobre a tese de doutoramento da Doutora Maria Amélia Álvaro
de Campos, intitulada Santa Justa de Coimbra na Idade Média. O Espaço Urbano,
Religioso e Socio-Económico, defendida na Universidade de Coimbra. Quando se
refere o júri da prova e a distribuição das arguições não se diz, por lapso,
que a Professora Doutora Maria Alegria Fernandes Marques proferiu uma das
arguições principais. Pelo facto, apresentamos as nossas desculpas à Professora
Doutora Maria Alegria Fernandes Marques e aos leitores.
COMO CITAR ESTE ARTIGO
Referência electrónica:
Editorial. Como pigmeus aos ombros de gigantes. Medievalista [Em linha].
Nº16 (Julho ' Dezembro 2014). [Consultado dd.mm.aaaa]. Disponível em http://
www2.fcsh.unl.pt/iem/medievalista/MEDIEVALISTA16\.