QUIRÓS CASTILLO, Juan Antonio (ed.): El poblamiento rural de época visigoda en
Hispania. Arqueología del campesinato en el interior peninsular. Bilbau:
Universidad del País Vasco, “Documentos de Arqueología Medieval 6”, 2013.
RECENSÃO
QUIRÓS CASTILLO, Juan Antonio (ed.) – El poblamiento rural de época visigoda en
Hispania. Arqueología del campesinato en el interior peninsular. Bilbau:
Universidad del País Vasco, “Documentos de Arqueología Medieval 6”, 2013.
Catarina Meira*
*Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, 2785 São
Domingos de Rana, Cascais, Portugal. E-mail: catarinabmeira@gmail.com
Data do texto: 26 de Abril de 2015
O livro que aqui me proponho a analisar – El poblamiento rural de época
visigoda en Hispania. Arqueología del campesinato en el interior peninsular –
consiste no sexto volume da série monográfica “Documentos de Arqueología
Medieval”publicada sob a responsabilidade da Universidad del País Vasco e do
seu diretor editorial Juan Antonio Quirós Castillo. A finalidade desta
prestigiada coleção monográfica é a de editar estudos, atas de encontros, teses
ou resultados provenientes de escavações no domínio da Arqueologia e da
História Pós-Clássica, mantendo um padrão de qualidade e de singularidade dos
textos.
Este volume é o resultado de um projeto de investigação multidisciplinar
denominado «Desigualdad en los paisajes medievales del norte peninsular» cujo
financiamento partiu da iniciativa conjunta do Ministerio de Ciencia e
Innovación do Governo de Espanha e do Governo Basco e é fruto da colaboração
entre as empresas de Arqueologia Strato e Área Sociedad Cooperativa Madrileña
com a Universidad del País Vasco. Para este número contribuíram 11 autores que
trabalham essencialmente no território espanhol e que fazem do mundo rural
altomedieval o centro dos seus estudos.
As 432 páginas que compõem este trabalho encontram-se divididas em 7 capítulos,
os quais podem ser sumariados em 4 partes distintas: uma primeira introdutória,
que apresenta o contexto geográfico, o tema da arqueologia dos espaços
domésticos e as estratégias metodológicas adotadas nas escavações arqueológicas
do centro peninsular; uma segunda, onde se expõem detalhadamente os resultados
das intervenções em 11 sítios; uma terceira, de índole mais analítico, em que
se discute em volta da arqueologia funerária, da arquitetura doméstica e dos
registos faunístico e palinológico; e, finalmente, uma última parte dedicada a
uma proposta de interpretação relativa à articulação do território em questão
durante a Alta Idade Média.
O capítulo inicial, designado Introducción. ¿Por qué la arqueologia preventiva
ha hecho posible la arqueologia del campesinato altomedieval?(pp. 29-63),
corresponde a uma introdução no qual se debatem as condições em que a
arqueologia preventiva se desenvolveu no centro da Península Ibérica. As
intervenções arqueológicas nos 11 sítios que se dão aqui a conhecer começaram a
ser realizadas na última década do século XX, no âmbito de obras de urbanização
ou de implantação de infraestruturas de traçado linear (caminhos ferroviários,
estradas, gasodutos e linhas de transporte de eletricidade). Deve-se à
arqueologia preventiva a “refundación” da arqueologia altomedieval que ocorreu
muito devido à introdução de uma série de inovações metodológicas de carácter
prático e teórico que impactaram qualitativamente o registo arqueológico.
Dessas aportações há a sublinhar: a escavação em grandes áreas, que
possibilitou a descoberta de assentamentos de extensas dimensões datados da
Alta Idade Média e que permitiu estabelecer relações entre as distintas
estruturas que os integravam; a compreensão dos processos formativos e a
natureza dos depósitos arqueológicos secundários, de modo a apurar a
funcionalidade, a sequência ocupacional e a natureza das ocupações; e, por fim,
a conceptualização do registo material através de uma definição mais clara dos
conceitos de “aldeia” e “granja”.
O segundo capítulo – El registro arqueológico del campesinato del interior
peninsular en época altomedieval(pp. 65-258) – apresenta os resultados
originados pelas escavações de oito aldeias e de três granjas altomedievais,
localizadas nas províncias de León, Valladolid, Segóvia e Madrid. Os dados
expostos, que se pautam pelo seu teor técnico, foram organizados em fichas
cujos campos permitem uniformizar a informação e caracterizar de forma mais
esquemática os contextos arqueológicos, possibilitando ao leitor uma comparação
mais imediata entre os sítios analisados. As realidades arqueológicas
mencionadas neste capítulo dispõem de um registo gráfico e fotográfico de
grande qualidade. Também não se pode deixar de apontar a relevância das tabelas
que apresentam os resultados de datações por Radiocarbono e por
Termoluminiscência, as quais se assumem cada vez mais como métodos
imprescindíveis para a atribuição de cronologias absolutas.
Prácticas y ritos funerariosé o título que dá nome ao terceiro capítulo (pp.
259-288). São postas em perspetiva as linhas de investigação que ao longo do
tempo nortearam este tema. As necrópoles altomedievais foram inicialmente
tratadas como testemunhos de povos invasores que, entrando na Península
Ibérica, recheavam as suas sepulturas de armas e de adereços de adorno pessoal
muito sumptuosos. As teorias histórico-culturalistas, caracterizadas por uma
visão etnicista desses espólios, ainda hoje constituem as bases de muitas
propostas interpretativas para os espaços funerários pós-romanos. Com a
finalidade de reformular os modelos anteriormente vigentes, Alfonso Vigil-
Escalera Guirado, autor deste capítulo, propõe uma nova abordagem à complexa
variedade dos registos funerários: é elaborada uma distinção entre necrópoles
pós-imperiais (p.e. necrópole da aldeia de El Pelícano, Madrid), necrópoles
visigodas (p.e. necrópole da aldeia de Gózquez, Madrid) e necrópoles
hispanovisigodas (p.e. necrópole da aldeia de La Indiana, Madrid) a partir de
fatores relativos à arquitetura funerária, à orientação das sepulturas, à
presença e ao tipo de espólios, à própria implantação desses espaços e à sua
longevidade temporal. A diversidade de modos de inumação é sintetizada em três
grupos, que se definem através do carácter mais ou menos privado do depósito
funerário e da visibilidade dos rituais. As evidências arqueológicas apontam
para a deposição de corpos em necrópoles comunitárias, de cariz nitidamente
público, que estariam associadas a uma aldeia e em utilização durante o período
de ocupação da mesma; em sepulturas isoladas ou em pequenos grupos, nas quais
se cumpriam os preceitos rituais, mas num âmbito mais restrito, porventura
familiar; ou em estruturas não funerárias (p.e. silos, poços, entre outras),
onde não são reconhecíveis quaisquer sinais de tratamento funerário. O autor
deste capítulo faz questão de ressaltar que o último tipo de enterramento não é
assim tão pouco frequente nos assentamentos rurais altomedievais, uma vez que
se verificam em 44% dos sítios catalães, em 40% dos sítios madrilenos e em 13%
do norte da Meseta. São também tecidas considerações acerca da diversidade
arquitetónica das sepulturas e sobre o facto de, sendo raras as sobreposições e
interceções entre elas, ser possível a existência de marcadores à superfície
que as sinalizassem.
O quarto capítulo, intitulado La arquitectura doméstica en las aldeas meseteñas
altomedievales(pp. 289-328), aborda com detalhe as estruturas domésticas
presentes nos contextos escavados, de acordo com a sua classificação
tipológica. Na Meseta Norte foi possível contabilizar um total de 206 fundos de
cabana (também conhecidos pela literatura internacional por sunken featured
building;grubenhäuser; ou fonds de cabanne), dos quais 49% tinham planta
ovalada e 37% planta subretangular. Foram igualmente registadas 47 estruturas
aéreas, ou seja, aquelas construídas ao nível do solo com embasamentos de pedra
e paredes e coberturas em madeira, telha ou materiais vegetais. Um pouco mais
raro é o caso das longhouses (ou timberhouses), que apesar de atingirem por
vezes os 30 metros de largura, a sua construção totalmente em madeira é mais
difícil de detetar. Sem exceção, os três tipos de contextos domésticos
caracterizaram-se pela presença de estruturas complementares que respondem às
necessidades das distintas unidades domésticas – zonas produtivas sob a forma
de fornos, espaços de produção de tecidos, estábulos, zonas de acumulação de
água e zonas de armazenamento. Este tipo de testemunhos não devem ser estudados
isoladamente, mas antes, como menciona Carlos Tejerizo García, como “unidades
de ocupación”: as referidas unidades constituem meios articuladores para a
organização e para o desenvolvimento do espaço construído, além de
desempenharem a função de núcleos básicos da produção e de mecanismos de
regulação das relações sociais das comunidades.
O capítulo seguinte – El registro faunístico de los asentamientos rurales
altomedievales (pp. 329-344) – trata um dos temas que a arqueologia preventiva
e a arqueologia das comunidades rurais altomedievais põem em discussão. O
estudo das faunas é uma componente fundamental na hora de afinar o registo
bioarqueológico e de debater questões relativas à economia e à alimentação,
sendo possível inclusivamente distinguir os depósitos secundários dos de
origem. Nas aldeias da Meseta abordadas neste volume, a caça não terá
representado um papel determinante na alimentação, assinalando-se ainda assim a
presença de cervo, javali, coelho e lebre. Mais representativos são os animais
de gado caprino (ovelhas e cabras) e bovino (vacas), registando-se também a
presença do porco, do cavalo, do asno, da mula, da galinha, da perdiz, do
ganso, do cão e do gato. A esperança média de vida dos animais ajuda, por
vezes, a perceber a sua vocação produtiva: algumas espécies eram orientadas
para o transporte e para os trabalhos agrícolas (boi, vaca, cavalo), enquanto
outras estavam vocacionadas para a obtenção de produtos secundários como a
carne, o leite e a lã (vaca, cabra, ovelha). Como se constata, as aldeias
altomedievais do centro da Península Ibérica teriam uma atividade ganadeira não
especializada e produziriam o suficiente para suprir as suas necessidades
internas. Idoia Grau Sologestoa, a autora deste texto, sublinha a importância
das análises de isótopos estáveis para determinar a base da dieta destas
comunidades.
O sexto capítulo, designado Antropización en el paisaje vegetal de época
visigoda en el centro peninsular a través del registro paleopalinológico (pp.
345-356), refere-se aos resultados de análises polínicas efetuadas em sítios
arqueológicos e depósitos naturais de três âmbitos geográficos distintos. O
estudo aqui apresentado demonstra que as bacias do Tejo e do Douro e o Sistema
Central revelam grande variabilidade subregional ao nível dos tipos de
paisagem, das espécies vegetais e dos modos como o Homem se apropriou do meio
natural que o envolvia. Uma agricultura pouco especializada aliada a uma
atividade pecuária pouco móvel são os principais motivos para que, em época
visigoda, a paisagem do interior peninsular tenha sido muito modificada. A
desflorestação através de incêndio terá afetado essencialmente as zonas de
bosque e especialmente aquelas onde o pinheiro e o carvalho predominavam. Os
dados obtidos pela Paleopalinologia mostraram-se o cultivo do cereal, da
azeitona, da uva e provavemente da avelã.
Un ensayo de interpretación del registro arqueológico é o título do derradeiro
capítulo desta monografia (pp. 357-399). Alfonso Vigil-Escalera Guirado e Juan
Antonio Quirós Castillo avançaram com uma proposta que visou todos os sítios
arqueológicos analisados, no sentido de proporcionar uma visão mais
esclarecedora acerca da articulação do território mesetenho durante a Alta
Idade Média. Este ensaio teve em conta as limitações do registo arqueológico,
nomeadamente no que diz respeito à relação entre a extensão escavada dos
assentamentos e a extensão que se estima que eles tivessem, e dos próprios
processos formativos, que ainda levantam muitas dúvidas ligadas à natureza dos
depósitos secundários e à residualidade de materiais atribuíveis a outras
cronologias. Apesar das condicionantes, este estudo revela que todos os sítios
partilham de alguns aspetos comuns: ausência de estruturas defensivas,
implantação nas imediações de cursos de água e a utilização durante um período
limitado quer das estruturas habitacionais, quer das estruturas produtivas e de
armazenamento. O sistema económico destas comunidades encontra-se hoje mais
percetível, uma vez que as atividades agropecuárias e artesanais cuja base
assenta na metalurgia, na produção de cerâmica utilitária e arquitetónica e
mais raramente na de vidro são visíveis arqueologicamente. Tudo indica que
esses sítios integrassem redes de produção e de distribuição desses produtos a
diversas escalas, nas quais também fariam parte outros núcleos de hierarquia
política superior e dos quais dependeriam. O achado de materiais de importação
em algumas das aldeias estudadas pode ser prova de relações de tipo vertical
estabelecidas com elites sediadas em “núcleos secundários” ou nos centros
urbanos. Os autores referem que a malha de povoamento altomedieval é até mais
densa que a de época romana e que, embora se veifiquem diferenças regionais, o
território do interior peninsular se encontrava relativamente estruturado. A
partir de meados do século VIII e até meados do século IX assistiu-se a um
ponto de viragem na dinâmica dos estabelecimentos campesinos. Esta investigação
aponta para a concentração das populações rurais junto a centros secundários –
nomeadamente sítios em altura - onde se fixaram as antigas aristocracias,
alheadas do poder dominante: o emirado muçulmano.
Como se constata, esta monografia é sintomática dos desenvolvimentos que a
Arqueologia Medieval e particularmente a arqueologia das comunidades campesinas
altomedievais têm tido nos últimos anos. A publicação deste volume acaba por
ser uma obra de referência para aqueles que se interessem pelo estudo do
povoamento rural de época visigoda (séculos V-IX d.C.), tendo como modelo o
panorama que as investigações arqueológicas no interior da Península Ibérica
proporcionaram. Os textos aqui patentes mostram resultados impressionantes nos
domínios da arquitetura das estruturas domésticas das aldeias mesetenhas, dos
rituais funerários, dos registos faunísticos e polínicos e das dinâmicas de
articulação do território em questão.
O atual estado da investigação e os resultados obtidos através dos progressos
metodológicos promovidos pela arqueologia preventiva posicionam Espanha como um
país de vanguarda, ao nível de outros países europeus. A esperança é de que os
estudos sobre Alta Idade Média em Portugal lhe sigam o exemplo.
COMO CITAR ESTE ARTIGO
Referência electrónica:
MEIRA, Catarina – “Recensão: QUIRÓS CASTILLO, Juan Antonio (ed.) – El
poblamiento rural de época visigoda en Hispania. Arqueología del campesinato en
el interior peninsular. Bilbau: Universidad del País Vasco, “Documentos de
Arqueología Medieval 6”, 2013”. Medievalista [Em linha]. Nº18 (Julho - Dezembro
2015). [Consultado dd.mm.aaaa]. Disponível em http://www2.fcsh.unl.pt/iem/
medievalista/MEDIEVALISTA18\. ISSN 1646-740X.