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BrBRCEEn0104-530X2016000100084

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variedadeBr
ano2016
fonteScielo

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Fusões, aquisições e difusão da lógica financeira sobre as operações de varejo brasileiro

1 Introdução

O setor varejista nacional passa por uma dinâmica envolvendo, por um lado, uma forte aproximação com as instituições financeiras e, por outro, um intenso processo de concentração, atuação de capital estrangeiro, aberturas de capital, internacionalização dos negócios, profissionalização da gestão, impulsionando uma dinâmica financeirizadora do varejo brasileiro.

Este artigo visa contribuir explorando esta dinâmica, descrita aqui segundo a noção bourdiesiana de campo, identificando os novos atores (e as respectivas fontes de capital por eles manipuladas) presentes à construção do campo do Varejo Financeiro Nacional, assim como os novos formatos, impactos e contenciosos organizacionais decorrentes da difusão de uma lógica de inspiração financeira sobre a lógica comercial vigente.

Segundo Alves & Soares (2004), a ampliação do crédito ao consumo, bancarização e inclusão financeira fomentados pelo BID (Feltrim et al., 2009) para a América Latina no início dos anos 2000 flexibilizou a resolução originária da década de 1970, que regulava a atuação dos correspondentes bancários (empresas varejistas) no sistema financeiro brasileiro, ampliando suas atribuições e presenças, intensificando as parcerias entre empresas de varejo e instituições financeiras.

Segundo o último relatório de inclusão financeira do Banco Central do Brasil (BCB, 2011), entre 2007 e 2010, o número de correspondentes bancários cresceu 70,6%, havendo 163.569 CBs presentes em aproximadamente 99,5% dos municípios brasileiros ao final de 2010.

As parcerias entre varejistas e instituições financeiras, a partir de 2000 (Alves & Menezes, 2010) passaram a focar a venda de produtos financeiros, principalmente de cartões de crédito (Private Label ou Co-Branded), logrando, ao mesmo tempo, incluir financeiramente, bancarizar e aumentar suas receitas, simbolizando emblematicamente a aproximação entre atores da esfera financeira e comercial, marcando o início da forte atuação das empresas varejistas no setor financeiro da economia brasileira na última década, e, assim, avançando a discussão da flexibilização do conceito tradicional de empresa (Donadone, 2010).

A união destas empresas, engajadas na cessão de crédito via varejo, mas que operam sob lógicas distintas, levanta a hipótese de que possa haver a subordinação da lógica comercial em relação à financeira direcionando suas estratégias de gestão.

O processo de naturalização e institucionalização de tais estratégias pelas empresas varejistas revela o engajamento de diferentes fontes de capital (produtivo, cultural, político, social, financeiro, etc.), empregadas segundo a posição ocupada por cada ator na formação do campo (Bourdieu, 1998) do Varejo Financeiro Nacional (Saltorato & Domingues, 2010). A compreensão da construção deste campo por meio da abordagem multidisciplinar a da Sociologia Econômica poderia explicar o empenho destes diferentes atores e suas fontes de capital (Fligstein, 1998) na busca pela atuação varejista junto ao Sistema Financeiro Nacional (SFN), assim como a atuação bancária em shoppings e supermercados brasileiros, potencializando contenciosos relativos aos contornos organizacionais envolvidos nesta questão (Saltorato & Domingues, 2011), sintetizados a seguir.

As empresas varejistas que integraram verticalmente as operações ligadas à administração de seus cartões de crédito (desde a emissão até a cobrança, passando pela concessão de crédito), também chamadas administradoras de cartões de crédito são (ou não são) instituições financeiras? O que equivale responder à questão: estariam estas varejistas sujeitas à Lei dos Bancos e à respectiva legislação trabalhista e tributária bancária; ou à Lei da Usura, que limita em 12% a.a. a cobrança de juros por empresas que operam fora do SFN? Os trabalhadores que desempenham atividades ligadas à atuação financeira nestas empresas varejistas são ou não são bancários? Questão diretamente relacionada à repercussão da atuação dos correspondentes bancários na esfera trabalhista, e mais indiretamente, à (in)definição da licitude de um processo de terceirização brasileiro. Quais são os impactos organizacionais relativos à geração de receita proveniente da atuação varejista junto ao setor financeiro superar a geração de receita proveniente de sua atuação varejista tradicional; e quão relacionadas estas situações estão, ao aumento dos flagrantes de trabalho escravo nas terceirizações de mão de obra pelas grandes redes de confecção no Brasil?

O contexto exposto retrata a complexidade de precisar limites ou fronteiras entre o fim dos estabelecimentos comerciais e o início das instituições financeiras. Segundo Donadone (2010), ao conceito tradicional de empresa, tem sido atribuída uma inércia organizacional em oposição à necessidade de adaptação rápida diante dos imperativos do mercado (DiMaggio, 2001), destacando uma necessidade imperiosa de mudança da organização, no sentido de diminuir o seu tamanho e o seu custo (Useem, 1996) e aumentando sua liquidez.

Os dados apresentados a seguir envolvem os resultados de uma pesquisa bibliográfica a fontes oficiais, imprensa de negócios, literatura especializada e relatórios de demonstrativos financeiros relativos à atuação varejista junto ao setor financeiro nacional, revelando parte dos esforços adaptativos destas empresas envolvidas na construção de um novo campo para sua atuação. Tais esforços adaptativos compreendem desde os movimentos de fusão e aquisição empreendidos, passando pela adoção de novos (e conflituosos) formatos organizacionais e pelo envolvimento em novos contenciosos trabalhistas, até a superação das margens brutas das operações varejistas tradicionais pelas margens brutas das operações financeiras nestas empresas.

O artigo está assim dividido: a Seção 2 apresenta os novos players que compõem a cadeia de cessão creditícia após o início da regulamentação do setor de cartões de crédito, destacando que mesmo após quatro anos de regulamentação, persiste um alto grau de concentração em todos os elos da cadeia de cessão creditícia; a Seção 3 apresenta alguns impactos organizacionais decorrentes da aproximação entre as empresas varejistas e as instituições financeiras como: 1.Os principais movimentos de fusões e aquisições (F&A) envolvendo as empresas varejistas e instituições bancárias realizados entre 2000 e 2014, com destaque para a crescente participação de atores do espaço financeiro, tipicamente, fundos de investimentos nacionais e internacionais nos movimentos de F&A de empresas varejistas; 2. Os novos formatos organizacionais adotados pelos grandes varejistas e seus respectivos parceiros para a atuação junto ao Setor Financeiro Nacional (SFN); 3. As aberturas de mercado entre as empresas varejistas e as margens brutas das operações varejistas tradicionais e das operações financeiras de 2008 a 2014 de 7 grandes grupos empresariais, que, apesar de terem suas atuações originadas no segmento de vestuário, calçados e acessórios, têm testemunhado o crescimento da participação da atividade financeira na receita final em detrimento da atividade varejista; e 4. A composição do capital social dos grupos pesquisados donde destaca-se também, a crescente participação acionária majoritária de fundos de investimento financeiros nacionais e internacionais no controle destes grupos. A Seção 4 apresenta a construção social do Varejo Financeiro Nacional segundo a concepção da Teoria de Campo de Bourdieu (1999), marcado pela aproximação entre as empresas varejistas e instituições financeiras, em direção à formação de um subsistema social estruturado segundo os capitais manipulados por cada ator presente ao campo (Raud, 2007), cuja hierarquia se altera a partir de transformações nas relações de poder entre os atores. A Seção 5 conclui o artigo, considerando os resultados apresentados e sugerindo questões para pesquisas futuras, incluindo a hipótese de que a formação do campo estaria fomentando o surgimento de um grupo de agentes intermediários (Donadone et al., 2012) catalisadores de algumas das transformações organizacionais e institucionais em curso no campo.

2 Novos players no varejo financeiro nacional

Os cenários da ampliação do acesso ao crédito para o consumo e redução de juros implícito nas diretrizes da inclusão financeira e bancarização fomentados para a América Latina (Barone & Sader, 2008) impactaram diretamente o aumento das emissões de cartões de crédito na última década no Brasil (ABECS, 2014).

Parte dessas emissões englobam os cartões de crédito Private Label (PL), emitidos pelas varejistas para uso restrito nas lojas emissoras.

O crescimento dos cartões PL na última década foi bastante expressivo, tanto em volume de cartões emitidos, como das transações e de faturamento, e, apesar da dificuldade de estimar com precisão o tamanho do mercado nacional destes cartões, em vista das emissões de centenas de médios varejistas, pode-se afirmar com relativa segurança que as 10 maiores lojas emissoras concentram cerca de 160 milhões deles (ABECS, 2014).

Mais recentemente, porém, a base destes cartões vem sendo substituída pelos cartões Co-Branded, cartões emitidos pelas empresas varejistas em parcerias com instituições bancárias, geralmente contendo as bandeiras Visa ou Mastercard, ampliando sua aceitação para além do varejista emissor. Os cartões Co-Branded são cartões idênticos aos cartões de crédito tradicionais, à exceção das vantagens decorrentes de seu uso junto ao varejista emissor. Até então, estes cartões eram emitidos exclusivamente pelas instituições financeiras. Porém, tanto a desregulamentação, como a da regulamentação de apenas determinados aspectos do setor de cartões de crédito, vêm fomentando a atuação das empresas varejistas como emissoras, administradoras e/ou credenciadoras, processadoras de cartões de crédito ou proprietárias de bandeiras nacionalmente aceitas, ampliando sua atuação junto ao Sistema Financeiro Nacional. Trata-se de um amplo mercado. Segundo a estimativa da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), a movimentação anual dos Private Label e dos Co-branded passe de R$ 60 bilhões em 2014 para R$ 293 bilhões por ano, em 2022, um avanço de 22% ao ano, e o total de operações deve crescer 17% ao ano e atingir três bilhões de transações em 2022.

No entanto, o primeiro passo na direção da regulamentação do setor de cartões de crédito dado em julho de 2010 (Graner & Fernandes, 2010) deixou de fora os cartões Private Label, tendo focado na tentativa de quebra do duopólio no segmento credenciador, no qual duas empresas (Visanet e Redecard) concentravam 93% da participação de mercado (BCB, 2010), incentivando a entrada de novas empresas nacionais e estrangeiras não neste segmento, como também nos demais elos desta cadeia que envolve as bandeiras, as emissoras, as credenciadoras e as processadoras descritas a seguir:

- Bandeiras: Também chamadas proprietárias do sistema referem-se às empresas que detêm os direitos da marca e definem as regras e os padrões para o uso de sua marca e consequente entrada em seu sistema, dentre as principais bandeiras atuantes no Brasil estão Visa, Mastercard e American Express, segmento também bastante concentrado da cadeia. Sobre a atuação de novos atores neste segmento, destaca-se o lançamento pelo Bradesco e o Banco do Brasil em 2011, da Bandeira Elo, 100% nacional (Rodrigues, 2011);

- Emissoras: Estas englobam bancos, financeiras, correspondentes bancários e varejistas. Apesar de a quebra do duopólio no credenciamento incentivar a atuação das empresas emissoras neste segmento, tem sido observado o aumento de concentração no segmento emissor de cartões de crédito em função das transações de fusões e aquisições entre os atores:

Empresas varejistas: GPA (Pão de Açúcar-Ponto Frio-Casas Bahia), Máquina de Vendas (Ricardo Eletro-Insinuante), etc.;

Bancos: Itaú-Unibanco, Santander-Banco Real, etc.;

Bancos e Bancos criados por empresas varejistas para suportar os braços financeiros destas empresas: Bradesco-IBI (C&A), Itaú-Unibanco-CSF (Carrefour Soluções Financeiras), etc.;

Bancos e Financeiras de Rua: HSBC-Losango, Bradesco-Zogbi, etc.;

Participações acionárias dos bancos e empresas varejistas nas financeiras criadas em conjunto: LuizaCred (Magazine Luíza e Itaú-Unibanco), Taií (Lojas Americanas e Itaú-Unibanco), etc.

- Credenciadoras: Às quais cabe ampliar e manter a rede de empresas que aceita os cartões emitidos pelos bancos e lojas. Sua receita provêm 20% do aluguel dos POS (Post Operation System) e 80% das taxas sobre todas as transações com cartões, ambas repassadas ao credenciador pelos lojistas;

- Processadoras: São empresas que operam entre as empresas Credenciadoras e as empresas Emissoras responsáveis por manter toda a rede funcionando, pois possuem os softwares e os equipamentos responsáveis pela transmissão das transações eletrônicas, controle de pagamentos dos clientes, emissão de extratos, prevenção de fraudes e fluxo de caixa do lojista, entre outros (BCB, 2010). Com a quebra do duopólio, estas empresas poderão tanto prestar serviços de processamento para as novas credenciadoras, como associarem-se a varejistas e bancos para criarem suas próprias credenciadoras.

A Tabela 1 a seguir ilustra os principais atores deste e dos demais segmentos no Brasil após o início da regulamentação do setor.

Apesar de o início da regulamentação do setor em 2010 ter incentivado a entrada de novos atores, os dados da Tabela 1 mostram que a concentração do setor ainda permanece alta em todos os elos da cadeia, tendo aumentado em quase todos os segmentos: no das Bandeiras, em que duas empresas, Visa e Mastercard aumentaram sua concentração de 80% para 91,19%; no segmento das Credenciadoras, em que as empresas Cielo e Rede tiveram sua participação de mercado aumentada de 93% para 94,2%; e no segmento da emissão, a concentração passou de 73% para 79,3%; no segmento de processamento, a concentração do setor em torno de cinco principais empresas permaneceu em 91% (Saltorato et al., 2014).

Dentre as razões para a dificuldade dos novos entrantes nos segmentos de processamento e credenciamento aumentarem sua participação no mercado, Marques (2014) destaca as dificuldades ligadas à captura de pagamentos no varejo, à criação de uma rede de distribuição capaz de rivalizar com o Bradesco, Banco do Brasil e Itaú-Unibanco, e à adaptação de estratégias e tecnologias estrangeiras para o cenário brasileiro.

entre os novos atores no segmento da emissão, percebe-se que, entre os 18 maiores emissores, 5 são varejistas, e alguns destes são maiores emissores que bancos, e a participação de mercado do Bradesco é amplamente ancorada na emissão de cartões Private Label e cartões Co-Branded da C&A, por meio do Banco IBI.

Entre as estratégias implementadas por estes novos atores presentes no campo do varejo financeiro nacional, destacam-se a formação de alianças e joint-ventures e a disponibilização de novas tecnologias como: a parceria entre a Elavon com a Caixa Econômica Federal; o acordo firmado entre a Global Payments com o Banco do Nordeste e outros bancos regionais; ou as joint-ventures entre bancos para criação de novas credenciadoras. a First Data promete que um de seus diferenciais estará em um serviço que combina a máquina de captura (POS) com outras funções de automação comercial para lojistas. os atores tradicionais têm buscado a estratégia focada no crescimento inorgânico baseado em fusões & aquisições entre empresas do mesmo elo da cadeia de cessão creditícia (na emissão, por exemplo, a aquisição da Camicado pela Renner) ou entre empresas que atuem em elos diferentes (na emissão e no credenciamento, por exemplo, a compra da Credicard pelo Itaú-Unibanco).

3 Impactos organizacionais da financeirização do varejo

A aproximação entre empresas varejistas e empresas do espaço das finanças tem resultado em impactos organizacionais para as empresas envolvidas, envolvendo estratégias de fusões & aquisições, adoção de novos formatos organizacionais para as parcerias, aberturas de capital, maior participação dos resultados das atividades financeiras em detrimento das atividades varejistas tradicionais, aumento da participação estrangeira nas empresas e na participação acionária de fundos de investimentos nacionais e internacionais no capital social das varejistas, e apresentados na próxima seção.

3.1 Financeirização do varejo: fusões, aquisições e concentração setorial

As transações de Fusão & Aquisição (F&A) entre estes atores têm influenciado a concentração do segmento da emissão, destacando que o volume total de cartões emitidos pelas lojas supera o dos bancos, e que alguns varejistas emitem mais que bancos, caso da C&A em relação ao Banco do Brasil. Em relação à concentração neste segmento, considerando que as emissões de cartões Co-Branded do GPA, Magazine Luíza, Ponto Frio, Americanas, Ipiranga, Marisa são feitas com a intermediação do Banco Itaú, tem-se que o grau de concentração eleva-se, sendo bastante plausível, a hipótese de que a concentração do segmento emissor de cartões de crédito esteja relacionada à aproximação entre varejistas e instituições financeiras, que, ao compartilharem os custos relativos aos financiamentos no varejo, liberaram as varejistas para investir em aquisições, tornando-se, por sua vez, mais atrativas para os bancos, realimentando o processo de concentração na emissão de cartões de crédito, nos setores varejistas e bancário (Caetano & Gianini, 2010).

Tabela 1. Tradicionais e Novos Players da Cadeia de Cartões de Crédito atuantes no Brasil.

Fonte: Banco Central do Brasil (BCB, 2010, 2011), ABECS (2015), Arezzo (2015), Lojas Pernambucanas (2015), Restoque (2015).

Vários estudos (PWC, 2014; KPMG, 2014; Ibevar, 2011 apud Bertão, 2011; Deloitte, 2009) confirmam as tendências de concentração do setor varejista.

Segundo o estudo da Serasa Experian (2009), o faturamento do comércio varejista nacional está cada vez mais concentrado nas grandes empresas.

Este estudo empregou o índice Theil-L para medir a concentração do setor, que, em uma escala de 0 (todas as empresas têm a mesma participação no mercado) a 1 (concentração total), atingiu 0,931 nos ramos super e hipermercadista, moveleiro e eletroeletrônico, tecidos, vestuário, calçados e acessórios. Os Quadros 1, 2 e 3 ilustram as principais transações de Fusão & Aquisição (F&A) realizadas nos últimos 15 anos entre empresas do setor varejista, entre bancos e entre fundos de investimentos e empresas varejistas.

Quadro 1. Principais Fusões entre Empresas Varejistas (2000-2014).

Fonte: Autores (2015).

Quadro 2. Principais Aquisições de Financeiras por Bancos (2000-2014).

Fonte: Autores (2015).

Quadro 3. Principais Aquisições de Varejistas por Fundos de Investimentos (2008-2014).

Fonte: Autores (2015).

A aquisição de empresas varejistas por fundos de investimentos mostrada no Quadro 1 indica que o setor também tem despertado o interesse de outros atores do espaço financeiro nacional e internacional.

A 13ª. Edição da pesquisa internacional Os Poderosos do Varejo Global, realizada pela revista oficial da Federação do Varejo Norte-Americano em parceria com a Deloitte (Saad, 2010) incluía, entre as 250 maiores empresas do mundo do setor, o Grupo Pão de Açúcar, as Casas Bahia e as Lojas Americanas. Na edição de 2014, no entanto, apenas as Lojas Americanas ainda ocupam a 162ª. posição.

Tamanho poderio e os 77 milhões de consumidores desbancarizados (O Globo, 2011), potenciais portadores de cartões de crédito, têm multiplicado na última década as parcerias entre bancos e varejistas e os investimentos associados a elas. O Itaú-Unibanco, por exemplo, investiu R$ 455 milhões na associação com o Grupo Pão de Açúcar, dos quais, R$ 380 milhões, pagos pelo acesso aos 3,3 milhões de consumidores (Salomão, 2004), além de outros R$ 620 milhões para as Joint-Ventures com o Magazine Luiza (R$ 298 milhões), Lojas Americanas e Lojas Marisa; R$ 237 milhões, pelo cartão Hipercard à rede Bompreço e R$ 725 milhões, por 49% do Carrefour Soluções Financeiras (Cotias, 2011). A C&A tem um número de cartões próximo ao número de correntistas do Bradesco; juntas, Renner e Riachuelo têm número de cartões próximo ao número de correntistas do Itaú-Unibanco, e o Grupo Guararapes, dono das Lojas Riachuelo, tem 20% de sua receita gerada de sua atuação no setor financeiro (Pereira, 2010).

Em relação aos resultados das operações financeiras das varejistas, tem-se que, nos nove primeiros meses de 2014, o lucro líquido das cinco operações financeiras de varejistas de capital aberto foi de R$ 597,1 milhões, um avanço de 83,2% diante de igual período de 2013. A cifra inclui os resultados das empresas de Pão de Açúcar, Marisa e Magazine Luiza cuja administração dos cartões é feita pelo Itaú Unibanco e também de Riachuelo e Renner, cuja administração é própria. A operação da Luizacred, parceria entre Itaú e Magazine Luíza obteve lucro líquido de R$ 124,3 milhões nos nove primeiros meses de 2014. A Midway, financeira criada pela Riachuelo, registrou lucro líquido de R$ 136,6 milhões nos nove primeiros meses de 2014, cifra 66% superior à de igual período em 2013. No mesmo período, na Renner, o lucro líquido da operação financeira subiu 31,3% somando R$ 175,5 milhões. A operação do Banco CSF teve lucro líquido de R$ 186,5 milhões no primeiro semestre de 2014, quase o mesmo obtido em 2013 (R$ 212,1 milhões). O Banco Ibi, adquirido pelo Bradesco da C&A não divulga mais resultados.

Segundo Pasin & Matias (2001), tem-se um contexto em que as cifras acima se tornam autoexplicativas em relação ao interesse dos bancos em se aproximarem dos varejistas. Entre os ganhos de sinergia destas aproximações estão a economia dos bancos ao utilizarem a estrutura varejista de distribuição que têm lhes proporcionado aumento de liquidez, redução de custos e aumento da lucratividade para as instituições financeiras justificando estes investimentos. A substituição das estruturas tradicionais das financeiras de rua e agências bancárias, por um lado, eliminam os custos fixos associados à imobilização em imóveis, aluguéis, manutenções prediais, segurança, seguros, portas giratórias, cofres, pessoal, impostos trabalhistas, processo de aquisição de clientes pessoa física, restrição do atendimento ao público de 30 horas semanais, etc.; e, por outro, geram receita por meio da bancarização via produtos e serviços financeiros massificados, cobrança de juros decorrentes das vendas no cartão pelo varejista, ampliação do atendimento ao público, proximidade do local onde se processa o consumo, etc.

3.2 Financeirização do varejo: formatos organizacionais entre varejistas e instituições financeiras

Independentemente do agente emissor do cartão de crédito, banco ou loja, a operação de emissão envolve a realização de um conjunto de atividades; como a aquisição de clientes, a concessão de crédito, a confecção do cartão, seu envio ou entrega, a captura das transações, o faturamento, o recebimento, a cobrança, o pós-atendimento e, consequentemente, a decisão a respeito do grau de centralização/descentralização destas atividades. Segundo Alves & Menezes (2010), a decisão por parte do varejista sobre o grau de integração vertical a adotar para a realização destas atividades está diretamente ligada ao objetivo buscado com a operação de emissão de cartões, demandando a adoção de formatos organizacionais específicos voltados para seu alcance.

As empresas varejistas que têm buscado na emissão de cartões (e na venda de outros produtos e serviços financeiros) uma nova fonte de geração de receita (caso das Lojas Renner, Riachuelo, C&A, Carrefour, Pernambucanas, Marisa e Grazziotin) têm adotado um alto grau de verticalização, internalizando toda a gestão dos negócios ligados aos cartões e outros produtos e serviços financeiros, passando a atuar como uma empresa administradora de cartões de crédito.

As empresas varejistas cujo objetivo principal de operação de emissão de cartões é o compartilhamento dos riscos, custos e receitas associados ao financiamento de suas vendas a prazo têm firmado Joint-Ventures com instituições financeiras visando à criação de holdings que centralizem as atividades relacionadas aos produtos e serviços financeiros oferecidos, casos do Grupo Pão de Açúcar, Magazine Luíza, Casas Bahia, etc.

E as empresas varejistas que buscam na operação de emissão de cartões uma ferramenta para a fidelização de clientes, não compartilhando os custos, riscos e receitas associados à operação com cartões têm terceirizado sua gestão a uma instituição financeira, que passa a remunerar a varejista. Este é o caso da parceria entre Lojas Americanas e Bradesco, da Luigi Bertolli, Colombo, Telha Norte, C&C, Esso, etc. O Quadro 4 ilustra os formatos organizacionais adotados por empresas varejistas nacionais visando à administração de suas operações com cartões de crédito e as respectivas parcerias.

Apesar de os formatos anteriormente citados apresentarem linhas gerais para a tomada de decisão sobre como organizar a emissão de cartões, uma mesma empresa pode adotar um mix de formatos.

Segundo Coelho (2007), um varejista pode adotar um formato para cada produto financeiro oferecido, isto é, adotar o formato verticalizado ou In-House para a emissão de Private Labels e uma Joint-Venture para a emissão dos Cartões Co-Branded, como nos casos das Lojas Marisa, que estabeleceu parceria com o Itaú-Unibanco para a emissão dos Co-Branded e, mais recentemente, das Lojas Renner que firmou parceria com o Indusval & Partners.

O exame do Quadro 4 mostras de que, apesar de a administração das operações com cartões de crédito das empresas varejistas seguir concentrado em arranjos organizacionais firmados com duas grandes instituições financeiras (Itaú-Unibanco e Bradesco), têm surgido novas parcerias em que emissores independentes passam a administrar as operações com cartões tidas como desinteressantes aos grandes bancos. Este é o caso das ex-parcerias dos Supermercados Sonda e Cobal que foram canceladas por iniciativa do Itaú-Unibanco e passaram para a DMCard (Marques & Silveira, 2013). Outra parceria que não se mostrou proveitosa para o Itaú-Unibanco foi a parceria com as Lojas Americanas, criada em 2005, com previsão para durar até 2026 e encerrada em 2012, depois de sucessivos prejuízos. Em 2005, o formato organizacional adotado para reger a parceria foi o de uma joint-venture (FAI), que custou ao banco R$ 250 milhões pagos como uma espécie de adiantamento. Dois anos depois, em novembro de 2014, a participação das Lojas Americanas na financeira FAI foi vendida ao Itaú que, em troca, vendeu para as Americanas o contrato de exclusividade mantido até então com o banco, possibilitando que um novo acordo fosse firmado entre a varejista e o Bradesco (Lüders, 2012). No desenho da nova parceria, o Bradesco pressionou a adoção do formato organizacional terceirizado, em vez da criação de uma nova joint-venture. O Bradesco passou a tratar as Americanas como um correspondente bancário e a remunerar a varejista por produto financeiro vendido, ficando as receitas e os riscos de crédito com o Bradesco, que não pagou qualquer tipo de adiantamento às Lojas Americanas pela parceria firmada (Lüders, 2012). Ao todo, o Itaú-Unibanco cancelou 300 parcerias, estando ainda, a rede C&C entre estas (Marques, 2015).

Quadro 4. Formatos Organizacionais adotados entre Varejistas e Instituições Financeiras.

Fonte: Autores (2015).

Tais cancelamentos expõem a não tão pacífica natureza destas associações, uma vez que em situações de crise e de queda nas vendas, quando os varejistas precisariam aumentar a concessão de crédito ao consumo, aumenta a inadimplência, levando os bancos a serem mais rigorosos na aprovação dos pedidos de crédito. Assim, as parcerias para financiamento do consumo têm passado por remodelagens que vão desde alterações nos formatos organizacionais que as regem, passando por redefinições nas atribuições e nas remunerações de cada uma das partes envolvidas até o aperfeiçoamento dos modelos estatísticos que simulam a capacidade de pagamento dos tomadores.

Assim, em alguns modelos, bancos e varejistas têm optado por dividir o resultado da operação financeira, embora caiba ao banco a aprovação do crédito, pois a possibilidade de manipulação da ficha do cliente, na tentativa de aumentar a aprovação, pode ser um risco em parcerias em que o varejista ganhe comissão por produto financeiro vendido, mas não arque com a inadimplência gerada (Marques, 2015). De forma geral, somente o HSBC ainda mantém parcerias com médios varejistas.

Outro destaque do Quadro 4 cabe ao fim da carreira solo no mundo das finanças das Lojas Renner depois de 41 anos emitindo cartões, ao terceirizar para o Banco Indusval & Partners para a operação de seus cartões Co-Branded no final de 2014. Pelo acordo, o banco cuidará da emissão das bandeiras Visa e MasterCard, enquanto a Renner ficará responsável pela distribuição e relacionamento com os clientes destes cartões e ganhará uma comissão para executar a linha de frente desta operação. O resultado da operação com os Co-branded ficará com o banco, que assegurou por meio de contrato, a garantia de uma rentabilidade mínima sobre o capital envolvido (Alves, 2014).

A Renner, no entanto, continua a adotar o formato organizacional In-House, totalmente verticalizado para administrar as operações de seus cartões Private Label, ou seja, cartões cujo uso se restringe ao uso nas lojas Renner e Camicado (sem as bandeiras Visa ou Mastercard). Tal decisão de terceirização por parte do Grupo Renner deveu-se ao fato do fechamento do cerco que o início da regulamentação do setor deflagrou. No entanto, sua atuação com a operação de Private Labels segue ocorrendo em meio a um vácuo regulatório, ao mesmo tempo que fomenta uma competição entre os dois tipos de cartão no interior das lojas, pois, por um lado, o PL tem se mostrado um produto bastante rentável, porém, por outro, a loja tem uma meta mínima para alcançar para com o banco e, assim, teria que reverter boa parte de sua base de PL em Co-branded, ou vender Co-branded em vez de PLs.

A indefinição da competência legal para supervisionar as administradoras de cartões de crédito está ligada à equiparação (ou não) destas empresas a instituições financeiras, casos em que se incluem ainda as Lojas Marisa, Pernambucanas, Riachuelo, Grazziotin, Martins Distribuidora, etc.

Segundo o Banco Central do Brasil e o Supremo Tribunal Federal (STF), amparados na Lei da Reforma Bancária 4.595/64 e na Lei 7492/86 (Saltorato & Donadone, 2012), que definem crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (SFN), as administradoras de cartões de crédito não são instituições financeiras, mas prestadoras de serviços; exatamente o oposto do que entende o Superior Tribunal de Justiça (STJ), traduzido nas recentes decisões do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que, ao equipararem ex-funcionários de correspondentes bancários à categoria sindical dos bancários, equivale dizer que consideram legítimas a regulamentação e supervisão das administradoras de cartões de crédito pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e pelo Banco Central do Brasil (BCB). Neste caso, a estas empresas, caberia a observância de uma série de procedimentos próprios de instituições financeiras, relativos à supervisão, governança, capital mínimo, autorização para funcionamento, cumprimento da legislação, trabalhista e tributária, específicas para a atuação junto ao SFN.

Controvérsias desta natureza, no entanto, têm emperrado a regulamentação do setor de cartões de crédito, permitindo que as empresas administradoras de cartões de crédito operem em meio a um vácuo regulatório, sem que, no entanto, cessem as ações civis e trabalhistas contra elas (Frisch, 2012).

3.3 Financeirização do varejo: aberturas de capital e novas fontes de remuneração do capital

Outro impacto organizacional relacionado ao processo de financeirização do varejo nacional é o aumento do número de empresas do setor que têm recorrido ao mercado de capitais para financiamento de suas operações. Assim, a abertura de capital de empresas varejistas nacionais tem sido um processo organizacional cada vez mais frequente no setor, tendo ocorrido 26 processos de abertura de capital (IPO) entre 2007 e 2014, envolvendo somente as empresas ligadas ao comércio de móveis e eletrodomésticos, farmácia, vestuário, calçados e supermercados na Bolsa de Valores de São Paulo. Considerando outros segmentos varejistas, o número de varejistas que abriram capital no mesmo período sobe para 55 empresas (BMF & BOVESPA, 2015). Entre as varejistas, foco deste trabalho, que se aproximaram das instituições financeiras e abriram capital, destacam-se A Arezzo, Magazine Luíza, B2W, Via varejo, Hering, Grazziotin, Brazil Pharma, Marisa, Hypermarcas, Restoque, ViaVarejo, RaiaDrogasil.

Apesar de grande número de grandes varejistas terem aberto capital na Bovespa, para as médias e pequenas empresas do setor, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) não tem incentivado tais iniciativas em função do risco embutido no processo. Segundo Luciana Dias, diretora da CVM, apesar de o varejo estar no centro das preocupações, não data definida para uma maior reflexão sobre o assunto, nem tampouco os trabalhos de um grupo destinado a repensar as regras impostas pela CVM para a abertura de capital destas pequenas se iniciarem (Tavares, 2012). Assim, este continua sendo um espaço de atuação para as grandes empresas varejistas, as mesmas que têm se privilegiado da aproximação com as instituições financeiras e fundos de investimentos nacionais e internacionais.

Porém, apesar da adesão a este espaço de atuação, consequente adoção da Governança Corporativa e estreia no Novo Mercado da Bovespa pressupor-se um alto grau de transparência, traduzido, por exemplo, na obrigatoriedade de apresentação dos resultados financeiros segundo os padrões contábeis internacionais do IFRS (International Financial Reporting Standards), que desagrega os resultados por segmento de atuação, ainda não foi possível obter junto aos demonstrativos financeiros de algumas empresas do segmentos de vestuário, calçados e acessórios (como o Grupo Grazziotin) informações suficientes para um melhor entendimento acerca das fontes de remuneração de capital (e a posterior inclusão nas Tabelas 2 e 3 a seguir).

Ainda que os Relatórios das Demonstrações Financeiras das empresas varejistas que passaram a atuar junto ao espaço financeiro do mercado de capitais não possam balizar a equiparação (ou não) das administradoras de cartões de crédito às instituições financeiras, o exame deles revela que o retorno proveniente do desempenho das atividades financeiras tem superado o das atividades varejistas na geração da receita total destas empresas, alimentando a dinâmica da financeirização do varejo.

Uma consulta ao levantamento realizado pela série Maiores e Melhores da Revista Exame (edições de 2009 a 2014) e aos Relatórios de Demonstrativos Financeiros de empresas de capital aberto que se aproximaram de atores do espaço das finanças, seja visando à emissão de cartões de crédito ou por meio da participação acionária na composição de seu capital social (Arezzo e Restoque), possibilitou os cálculos da participação de cada operação (varejista tradicional ou financeira) na receita final após descontar os impostos, ou seja, a margem bruta para cada operação e a posterior elaboração das Tabelas 2 e 3 a seguir.

A aproximação entre as instituições financeiras e as varejistas, presentes às Tabelas 2 e 3, se faz tanto por meio das operações com cartões de crédito como por meio da participação no mercado de capitais decorrente da abertura de mercado delas.

Em relação às operações com cartões de crédito, enquanto Renner, Riachuelo, Marisa, Grazziotin e Pernambucanas organizam suas operações de emissão com cartões segundo o modelo In-House, isto é, verticalizando todas as operações relativas a este produto, a Hering organiza segundo o modelo de parceria, por meio de uma joint-venture com a Losango (do HSBC) para a administração deste produto financeiro.

É possível perceber que a média das margens brutas das operações financeiras nos Grupos Renner, Guararapes (Riachuelo) e Grupo Arezzo, entre 2008 e 2014, foi maior que a média das margens brutas das suas operações varejistas tradicionais no mesmo período, indicando uma tendência de crescimento da atividade financeira em detrimento da operação varejista, isto é, a venda de dinheiro tem sido mais rentável que a venda de roupas ou calçados. Com relação aos Grupos Renner e Guararapes, tem-se que ambas controlam, por meio de suas coligadas toda a operação com cartões (In-House), podendo residir nesta variável a razão para o maior retorno alcançado com o desempenho da atividade financeira por estes grupos. Apesar de o grupo Renner ter, a partir de dezembro de 2014, firmado parceria com o Banco Indusval & Partners para a emissão de cartões Co-branded, os dados da Tabela 3 incluem os resultados de sua atuação verticalizada.

Tabela 2. Margem Bruta da Operação Varejista das Empresas Pesquisadas.

Fonte: Autores (2015). * Indisponibilidade de dados para elaboração dos cálculos.

Tabela 3. Margem Bruta da Operação Financeira das Empresas Pesquisadas.

Fonte: Autores (2015). * Indisponibilidade de dados para elaboração dos cálculos.

As Pernambucanas, ainda que também operem segundo a adoção do modelo In-House verticalizado, não alcançaram, com a atuação no setor financeiro, margens tão altas como a Riachuelo e a Renner. Porém, segundo Leal (2015), em 2014, as Pernambucanas lucraram 160 milhões de reais, mas tiveram prejuízo de 50 milhões de reais no varejo, tendo sido a financeira do grupo, com lucro de 210 milhões de reais, a garantir o resultado positivo. Uma diferença relevante entre estas empresas reside no fato de que as Casas Pernambucanas não abriram seu capital na bolsa de valores, possuindo sob o controle familiar (e muitos conflitos familiares relativos à herança da rede) a administração de seus cartões Private Label. , as Lojas Marisa ainda que operem segundo o modelo verticalizado In-House para operação com Private Labels e uma joint-venture com o Itaú-Unibanco para a emissão de seus Co-Branded e tenham capital aberto na Bovespa, mantêm, assim como as Casas Pernambucanas, uma família no comando do conselho de administração da empresa e teve a margem média alcançada com as operações financeiras próxima da margem média das Pernambucanas.

No caso da Hering, considerando as médias das margens das operações varejista e financeira entre 2008 e 2014 e os respectivos desvios padrão, tem-se que a margem da operação financeira também superaria a margem da operação varejista. Tal superação, porém, não advém somente da operação com cartões pela qual a varejista é remunerada pelo HSBC por produto vendido e sim de sua atuação no mercado de capitais.

Ainda que os formatos organizacionais das parcerias com as instituições financeiras e a administração familiar ou profissionalizada sejam variantes relevantes na interpretação das margens brutas das operações financeiras das empresas varejistas, é importante considerar outras incursões das varejistas no espaço das finanças, após a abertura de capital.

A margem das operações financeiras do Grupo Renner além de contemplar as operações com os cartões que envolvem ganhos financeiros provenientes da cobrança de juros sobre as vendas com cartões, empréstimos pessoais e seguros, também contemplam uma série de investimentos em instrumentos financeiros derivativos (Non Deliverable Forward NDF e swaps), financiamento a importações (FINIMP em parceria com o Banco do Brasil, Bradesco e HSBC), operações de financiamento de operações financeiras variadas (FIDC), assim como investimentos em vários fundos negociáveis pela Bovespa (fundo bovespafix, fundos de opções de compra e venda, fundos de mercado a termo e fundos de lote padrão). Atuações similares neste espaço das finanças se aplicam aos grupos varejistas Guararapes, Marisa, Grazziotin e Hering.

no caso da Arezzo (detentor das marcas Arezzo, Schutz, Alexandre Birman e Anacapri), a alta margem bruta da operação financeira decorre de juros recebidos sobre a aplicação do saldo de caixa, da antecipação de recebíveis, de outras aplicações e outros ativos da companhia e ainda de ganhos e perdas decorrentes da variação cambial sobre a dívida e contas a receber em moeda estrangeira. A Arezzo também é a emissora de dois fundos de investimento: o Fundo Arezzo de Investimento Multimercado de Crédito Privado, que investe em títulos e valores mobiliários e instrumentos financeiros; e do Fundo Arezzo Indústria e Comércio S.A.

Entre as aplicações financeiras do Grupo Restoque (detentor das marcas Le Lis Blanc, Bo.Bô, Rosa Chá, John John, Individual e Dudalina, Base), incluem-se aplicações financeiras que correspondem substancialmente a Certificados de Depósitos Bancários remunerados pela variação dos Certificados de Depósitos Interbancários; títulos de valores mobiliários, divididos em aplicações em fundos de investimentos, em bonds americanos e emissões de debêntures. A parca disponibilidade de dados do grupo, não possibilitou uma conclusão capaz de balizar a comparação com a margem bruta média da operação varejista entre 2008 e 2014.

No entanto, comparando as margens das operações financeiras e varejista em 2009, 2010 e 2011, tem-se que a primeira superou a segunda nestes três anos, apesar de, em 2014, a margem financeira ter sido negativa em decorrência da aquisição da Dudalina.

A estrutura varejista das empresas dos grupos Arezzo e Restoque, ainda se beneficia da utilização de cartões de créditos administrados por terceiros e que impactam positivamente o risco de crédito de vendas direto ao consumidor, ficando os riscos subordinados às políticas de crédito das instituições bancárias que administram os cartões que contemplam as bandeiras Visa, Mastercard e Dinners Club International.

Nestas operações, as instituições financeiras se propõem a arcar com os gastos inerentes às operações realizadas junto às mantenedoras de cartões de créditos a título de comissões, minimizando eventuais problemas decorrentes de inadimplência, transferindo os riscos e impactando as margens alcançadas com as negociações com cartões de crédito. Nas lojas destes grupos, preponderam as operações com cartões de crédito e um estímulo constante para seu uso por meio de programas de fidelização e promoções para uma ou mais bandeiras, colaborando para o impacto na receita gerada.

Outra variável relevante para a alta margem da operação financeira no Grupo Renner e no Restoque tem relação com a participação acionária de fundos de investimentos nacionais e internacionais nestas varejistas como mostrado a seguir.

3.4 Financeirização do varejo: participações acionárias de fundos de investimentos

Outro aspecto organizacional ainda relativo à dinâmica de financeirização do varejo está na presença de atores do espaço financeiro atuando junto ao espaço varejista. A Tabela 4, a seguir, identifica os acionistas majoritários de cada uma das varejistas pesquisadas, separando-os entre atores do espaço financeiro (financistas) ou sócios fundadores, suas respectivas participações acionárias e países de origem.

O exame da Tabela 4 acima revela que a participação de fundos de investimentos nacionais e internacionais no capital social das empresas varejistas é relativamente alta, variando de 14,1% (no Grupo Marisa) até 44,15% (no Grupo Renner).

Uma das consequências da participação acionária destes atores nas varejistas é a influência que eles passam a exercer sobre determinados aspectos da gestão nas empresas aportadas por meio de seus representantes no conselho de administração delas, visando ao retorno do capital investido.

Na Renner, por exemplo, os fundos Aberdeen e Blackrock, com maior participação acionária no capital social do grupo, que possui o controle acionário mais pulverizado, têm pressionado o conselho a respeito de uma potencial fusão com a Riachuelo de Nevaldo Rocha, como meio de alavancar o valor das ações da empresa e capitalizar sua saída do negócio após a valorização de suas ações. Estes mesmos acionistas, por meio de seus representantes no conselho de administração do grupo Renner, restringiram 25% do recebimento do bônus do CEO, José Galló, à formação de sucessores para seu cargo (Leal, 2014). Representantes do fundo de investimentos Aberdeen ainda estão presentes nos conselhos de administração da Hering e da Arezzo, totalizando 34,61% de participação acionária no capital social nestas varejistas do segmento de vestuário, calçados e acessórios. O Aberdeen ainda investe na Multiplan, Bradesco, Iguatemi e Odontoprev. O Blackrock investe na Petrobrás, Ambev, Vale e Cyrela.

Tabela 4. Participação acionária no capital social das empresas varejistas pesquisadas.

Fonte: Sites de Relações com Investidores das respectivas empresas.

Em relação à participação acionária dos sócios fundadores no capital social das varejistas, tem-se que, entre os grupos de capital aberto, o Grupo Guararapes (75,78%), juntamente com o Grupo Marisa (73,98%), possui as mais altas participações acionárias destes atores que se refletem na composição do conselho de administração destas empresas. Dentre as empresas pesquisadas, o Grupo Guararapes é o único que possui uma estrutura integrada verticalmente voltada para a produção de parte de suas confecções no nordeste brasileiro, apesar de também importar a maior parte de suas coleções de países asiáticos.

Se, por um lado, os fundos de investimento impõem determinados posicionamentos em relação à gestão de suas investidas, por outro, possibilitam a elas o financiamento de suas operações varejistas e financeiras impactando o alcance das margens brutas da Tabela 3.

A dinâmica em curso no setor varejista apresentada anteriormente tem se materializado nestes, assim como em outros impactos organizacionais nestas empresas, simbolizando o avanço da lógica de inspiração financista sobre as operações de varejo, que incluem ainda mudanças na organização do trabalho por meio de mudanças nos sistemas de controle e remuneração de funcionários com base no alcance de metas relativas à venda de produtos financeiros, passando pela remodelação das lojas, diminuição de produtos estocados, implementação de práticas just-in-time para administração logística da entrega de mercadorias nas lojas, terceirização (e quarteirização) da produção até o limite da aquisição de produtos de oficinas clandestinas de confecção de roupas flagradas empregando mão de obra em condições degradantes de trabalho. Tal aproximação entre as empresas varejistas e as instituições financeiras, visando à venda de produtos e serviços financeiros nas lojas, pode ser descrita segundo a noção bourdiesiana de campo, apresentada a seguir.

4 Construção do campo do varejo financeiro nacional

A construção do campo do Varejo Financeiro Nacional, marcado pela aproximação entre as empresas varejistas e instituições financeiras originando os chamados Supermercados Financeiros, pode ser descrita segundo a noção bourdiesiana de campo, definido em termos de um subsistema social estruturado segundo a qualidade e a quantidade dos capitais manipulados por cada agente presente ao campo (Raud, 2007). O conceito de campo pode ser associado à metáfora de um campo de batalha, em que cada agente é considerado um jogador dotado de diferentes capacidades, as quais lhes conferem um determinado lugar na hierarquia deste, diretamente relacionado à sua capacidade de exercer poder sobre os demais (Donadone & Grün, 2001). Em função disso, este conceito pode ser usado para descrever a formação e a consolidação do campo relativo ao varejo financeiro no Brasil a partir da década de 2000, por meio da ampliação do crédito ao consumo, por meio da oferta de produtos financeiros pelas redes varejistas, dentre os quais se destacam os cartões de crédito Private Label.

Para melhor compreensão desta dinâmica, faz-se necessária a definição de um momento t1 em que a ação conjunta dos atores pode ser melhor definida em termos cooperativos do que competitivos entre si.

Isto é, durante o momento t1 equivalente à formação do campo, os agentes agem no sentido de suportarem diferentes visões sobre determinado conceito, ainda que estas sejam divergentes entre si, visando ao alcance de um momento t2 de consolidação do campo, durante o qual os agentes se valerão mais explicitamente de seus respectivos capitais e poder, visando impor aos outros agentes suas visões ou interesses na consolidação do campo, resultando em mais competição e menos cooperação (Fligstein, 1998).

No caso da construção do Varejo Nacional, num momento t1 correspondente ao início da década de 2000, observa-se uma crescente tendência de oferta de crédito ao consumo por meio da emissão de cartões Private Label, também chamados cartões de loja.

Nesse momento, passa a haver uma certa aproximação entre bancos e varejistas interessadas em contribuir para o avanço da ampliação do crédito, tendo em vista o acesso à população não bancarizada. Enquanto alguns varejistas optavam por integrar verticalmente todas as operações relativas à sua atuação junto ao setor financeiro nacional (Renner, Riachuelo, Pernambucanas, Grazziotin, Marisa, Casas Bahia e C&A) outros optaram pela formação de parcerias com bancos que se traduziam na formação de Joint-Ventures (Grupo Pão de Açúcar, Walmart, Magazine Luíza, Ponto Frio, Lojas Americanas). Estas parcerias se mostraram bastante vantajosas durante toda a década e, dessa forma, bancos e lojas de varejo desfrutaram dos ganhos de sinergia decorrentes delas, nas quais se destacavam a ausência das bandeiras (Visa e Mastercard) e a falta de regulamentação do setor de cartões de crédito.

No final da década, no entanto, o reinado do Private Label começa a dar mostras de seu declínio, começando a ser substituído pelo Cartão Co-Branded, cartões de crédito tradicionais, ou seja, embandeirados pela Visa ou Mastercard, mas ainda emitidos pelas lojas em parcerias com os bancos. Do ponto de vista da noção bourdiesiana de campo, t2, deflagra uma situação onde agentes dotados de maior poder (bandeiras e bancos) passam a agir demandando sua entrada no campo, fixando as novas regras a vigorar nele. Os bancos e as bandeiras, dotados de grande fonte de capital financeiro conseguem quebrar a resistência histórica dos varejistas em aceitar emitir cartões cujo uso não se restrinja à sua própria loja, ao mesmo tempo que passam a negociar o acesso aos dados dos clientes varejistas, até então, uma importante fonte de capital manipulada pelos lojistas. Assim a entrada destes relevantes atores no campo visando à profissionalização da operação de emissão, ao compartilhamento de custos e riscos, pouco a pouco, canibalizou a base de cartões PL, iniciando sua conversão em cartões Co-Branded Visa ou Mastercard.

Ainda em t2, atores ligados à esfera governamental adentram o campo, por meio da regulamentação do mercado de cartões iniciada em 2010, buscando inicialmente, fomentar a abertura de mercado, incentivando a entrada de novos atores com a possibilidade, por exemplo, dos varejistas tornarem-se autocredenciadores, eliminando os custos cobrados pelas atuais credenciadoras, o que, consequentemente, levaria varejistas e bancos a competirem entre si, no segmento de credenciamento. Essa potencial competição resultaria em um conflito de interesses, na medida em que os bancos que se tornaram parceiros das varejistas no segmento da emissão de cartões Co-Branded, são os proprietários majoritários das credenciadoras (conforme a Tabela 1 ilustra), inibindo assim esta possibilidade de competirem entre si. Este seria o dilema a ser enfrentado pelo Grupo Pão de Açúcar, caso tivesse interesse em atuar no credenciamento de cartões, uma vez que seu parceiro (na emissão de cartões), o Itaú-Unibanco, é o acionista majoritário da empresa Rede (ex-Redecard), que credencia a entrada do GPA no esquema da Visa ou Mastercard.

Ao impor a competição junto ao Itaú no segmento de credenciamento (ou somente excluir os custos desta transação com o Itaú-Unibanco), interessaria ao banco continuar compartilhando os custos da emissão e financiamento das compras junto ao GPA? Ou seja, qual o impacto que competir com o Itaú no segmento credenciamento causaria ao segmento emissão em que ambos atuam como parceiros? Teriam todas as parcerias sido firmadas antecipando-se a potencial quebra de duopólio ocorrida em 2011? Teria, efetivamente, o duopólio no segmento credenciamento sido quebrado? Os dados da Tabela 1 mostram que, ao contrário disso, a concentração de mercado neste segmento passou de 93% para 94,3%. Entre outras expectativas ligadas à regulamentação do setor estava a queda de preços cobrados dos varejistas pelas credenciadoras, o que não ocorreu na proporção esperada, entre 2010 e 2013, passando de 2,96% a 2,76% (nas operações de crédito) e de 1,59% para 1,56% (nas operações de débito).

Porém, no que pode ser associado a um novo momento t3 (ou um t1 recorrente, haja vista que tal dinâmica é cíclica) de construção do campo, a partir de 2012, ou seja, cerca de cinco anos após o boom das parcerias entre bancos e varejistas, alguns bancos começam a cancelar acordos por perceberem que as varejistas estavam lucrando mais com a operação que eles próprios. Assim, o Itaú-Unibanco cancelou mais de 300 parcerias com pequenos e médios varejistas (apesar de as Lojas Americanas e da C&C constar entre estes cancelamentos). Bradesco e Banco do Brasil também estariam fazendo o mesmo (Luca, 2014), restando apenas o HSBC nestas parcerias.

A saída de parte dos bancos destas parcerias fomentou a entrada de novos atores, os emissores independentes, menores como a Sorocred, DMCards, Credz, Ponto Cred, etc., mas que têm crescido na casa dos 40% por ano e para os quais os pequenos varejistas são muito importantes. A emissão de cartões por estes novos atores resultou num produto financeiro híbrido, que por um lado, não leva as bandeiras Visa ou Mastercard e, por outro, não se trata de um cartão Private Label tradicional de uso exclusivo numa única loja, e sim de um cartão com as bandeiras destes emissores visando à aceitação regional.

Neste mesmo momento, para as grandes varejistas, a participação dos ganhos com serviços financeiros (juros e tarifas de cartões, seguros e empréstimos pessoais) vem aumentando cada vez mais. Entre 2012 e 2014, nas lojas Marisa, esta participação passou de 35% para 57% do faturamento total; na rede Pão de Açúcar, a participação dos lucros dos negócios financeiros foi de 11% para 13,4%; e na Riachuelo, cresceu de 21,7% para 23,1% (Boanerges, 2014). Ao final de 2014, o volume de cartões de crédito Private Label emitidos pelas Lojas Renner e Riachuelo alcançou, respectivamente, 25.500.000 e 28.600.000, enquanto o volume de cartões Co-Branded (com bandeiras Visa e Mastercard) emitidos por estas lojas chegou respectivamente a 3.000.000 e 3.600.000. (Renner, 2014; Riachuelo, 2014).

Ainda em t3, outros conflitos de interesse ameaçam as relações de poder e hierarquia dominantes no campo atualmente. Entre estes se destaca aquele ligado à polêmica assinalada pela (in)definição da competência legal para regular as empresas varejistas administradoras de cartões de crédito no campo (Graner & Fernandes, 2010), pois, apesar de o Bacen ser o regulador oficial do setor, desde 2013, ficaram fora do alcance de sua regulamentação as varejistas emissoras de cartões PL. Se equiparadas a instituições financeiras, essas varejistas se regulariam pela Lei dos Bancos, o que as sujeitaria ao cumprimento da legislação que rege tais instituições (inclusive a trabalhista e a tributária); mas, caso não equiparadas a instituições financeiras, estas se regulariam pela Lei da Usura, o que as limitaria à cobrança máxima de 12% a.a. ao operarem fora do SFN (limite claramente não observado por estas empresas). Para regularizar essa indefinição característica dos momentos de consolidação do campo, novas formas de capital foram mobilizadas dando novos contornos ao campo.

Uma destas foi o Projeto de Lei 678 (PL 678/2007) que sugeria enquadrar as administradoras de cartões de crédito como uma espécie de instituição financeira.

Por um lado, estas seriam integrantes legítimas do SFN ao se modificar o artigo 17 da Lei dos Bancos, acrescentando dois parágrafos: um incluindo as emissoras, credenciadoras e bandeiras de cartões de crédito entre as instituições financeiras (e livres da Lei da Usura) e, outro, isentando-as de cumprir todos os requisitos para o funcionamento das instituições financeiras (livres da Lei dos Bancos). O PL 678/2007, porém, foi arquivado em 2014 e o Bacen, apesar de manter o vácuo regulatório em relação aos PL, prossegue a regulamentação coibindo a emissão de cartões Visa e Mastecard por grandes varejistas, motivo pelo qual a Renner firmou parceria com o Banco Indusval & Partners (BI&P) para a emissão de seus Co-Branded.

Apesar de ainda pairar a indefinição acima, atores do Ordenamento Jurídico têm equiparado estas empresas a instituições financeiras condenando-as ao pagamento de verbas trabalhistas indenizatórias ao equiparar seus ex-funcionários à categoria dos bancários em vista do desempenho de atividades ligadas ao setor financeiro, até então exclusivas dos bancários (Frisch, 2012). E para coibir o avanço de tais equiparações, consideradas pelos atores da esfera financeira como práticas abusivas contra as instituições financeiras, e visando mitigar o risco trabalhista, o CMN reeditou em 2011, pela sexta vez, a Resolução original (3.954/70) que regula a atuação dos correspondentes bancários.

Tais polêmicas, indefinições, contenciosos, assim como os processos de reestruturação organizacional presentes na formação do campo do Varejo Financeiro Nacional, têm revelado o surgimento de diversos nichos para a atuação de agentes intermediários interessados em atuar no campo e delinear novas relações de poder internas ao campo:

MBAs voltados para a profissionalização do varejo, responsáveis por formar especialistas em gestão de varejo;

Consultorias especializadas em vender serviços visando à profissionalização das empresas do setor, intermediar as aberturas de capital, aos processos de fusões e aquisições e redesenhar as parcerias entre varejistas e bancos;

Firmas de Auditoria especializadas na emissão de pareceres relativos às demonstrações de resultados financeiros e aconselhamento contábil;

Analistas de mercado especializados na produção de opiniões sobre a performance das empresas, difusão das regras de atuação no campo e reprodução de valores, mitos, ritos e crenças entre os atores presentes à formação do campo;

Fornecedores de soluções automáticas para a gestão varejista (Oracle Retail, SAP Retail, Linx, etc.);

Advogados especializados em defender as instituições bancárias das ações trabalhistas acima citadas (Madeira, 2009), assim como também amparar os processos de consolidação do setor;

Tradicionais e novas entidades de representação de classe, que incluem desde representações sindicais (bancários, lojistas, comércio de gêneros alimentícios, costureiras) até as representações por parte de executivos do varejo e setor financeiro (Instituto Brasileiro de Empresários do Varejo Ibevar; Instituto de Desenvolvimento do Varejo IDV; Associação Brasileira de Cartões de Crédito ABECS; Associação Brasileira de Supermercados ABRAS; Federação Brasileira de Bancos Febraban; Associação Nacional dos Bancos de Investimento ANBID; Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas CNDL; Confederação nacional do Comércio CNC).

Assim, a construção do Varejo Financeiro Nacional, enquanto espaço de aproximação entre empresas varejistas e instituições financeiras, tem passado por uma desconstrução e reconstrução recorrentes a partir da entrada de novos atores no campo e alterações em sua hierarquia resultante da manipulação de fontes de capital econômico, social, financeiro, acadêmico e político pelos atores que o compõem.

5 Conclusão

A construção do campo do varejo nacional marcado pela disputa de poder na definição dos contornos de um espaço de atuação conjunta de varejistas e instituições financeiras promove o avanço da lógica financeira sobre as operações de varejo instaurando uma dinâmica de financeirização do varejo. Vários são os processos institucionais e organizacionais que têm dado forma e sentido à construção deste campo.

Entre os processos institucionais promovidos visando dar forma a este espaço está a regulamentação da indústria de cartões de crédito impulsionada pela ampliação da atuação do setor junto à economia.

Por um lado, a regulamentação buscou promover a entrada de novos atores em todos os segmentos da cadeia de cartões de crédito; e, por outro, impactou o aumento da concentração no segmento emissor, como resultado das transações de fusão e aquisição entre empresas varejistas, entre bancos, entre bancos e financeiras de rua, entre bancos e bancos de loja e em função das joint-ventures entre bancos e empresas varejistas na última década, aproximando varejistas e instituições financeiras.

Esta aproximação está no cerne dos processos organizacionais que dão forma e conteúdo ao campo, levando as empresas varejistas a adotarem diferentes formatos organizacionais em função dos objetivos de suas operações de emissão de cartões de crédito e dos serviços financeiros ofertados, desde a terceirização destas atividades, passando pelas joint-ventures com as instituições financeiras, até a verticalização total das atividades financeiras tornando-se administradoras de cartões de crédito.

A aproximação com as instituições financeiras tem sido a fonte de contenciosos trabalhistas resultantes da equiparação destas empresas a instituições financeiras em várias decisões por parte de atores do Ordenamento Jurídico, condenando-as ao pagamento de verbas indenizatórias trabalhistas a ex-funcionários considerados bancários em função das alterações nos conteúdos do trabalho realizado nos espaços de atuação varejista-financeira.

Nestes espaços, passaram a vigorar desde novas métricas de desempenho, controle e remuneração dos funcionários baseados em venda de produtos financeiros até a percepção de que em certa medida são bancários; passando por novos lay-outs semelhantes aos bancários; operações em mesas de crédito; gestão de estoques just-in-time resultando na extinção dos estoques (último bastião da lógica comercial); a adoção de novos formatos organizacionais (com estruturas comerciais de maior liquidez, que incluem a redução do número de lojas próprias em favor das franquias); aumento das importações chinesas, tailandesas, taiwanesas, vietnamitas, etc.; redução drástica ou abandono da atividade produtiva remanescente por parte das varejistas que antes percebiam nesta atuação uma fonte de agregação de valor (Casas Bahia-Bartira; Hering; Riachuelo; Pernambucanas); e o aumento da quarteirização intermediando a subcontratação de oficinas de costura clandestinas nas quais se multiplica o emprego de mão de obra escrava pelas grandes redes varejistas fast-fashion (Barbosa, 2011; Gonzalez & Nóbrega, 2011; Guerra, 2011a, b; Juliboni, 2011; Oscar, 2011; Petry, 2011; Reis, 2009; Pyl & Hashizume, 2010, 2011a, b, c), potencializando suas inclusões na Lista Suja do Trabalho Escravo mantida pelo Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE).

A exploração das questões acima destacadas, assim como um mapeamento e consequente melhor compreensão dos agentes intermediários e suas respectivas ações na construção do varejo financeiro nacional, e um melhor entendimento das potencialidades de novas parcerias entre bancos, varejo baseadas em novas tecnologias, como a proveniente das companhias operadoras de celular são limitações da atual pesquisa e sugestões para pesquisas futuras.

Apesar de o emprego de mão de obra escrava ser a mais indecorosa característica presente à definição dos contornos relativos à formação do campo do Varejo Financeiro Nacional, outras não ficam muito atrás.

Uma destas foi a proposta arquivada (Projeto de Lei 678/07) que sugeria considerar as administradoras de cartões de crédito instituições financeiras especiais fora do alcance da Lei dos Bancos e da Lei da Usura, legalizando o modo como estas empresas muito tempo operam.

No limite, a questão que a regulamentação do setor de cartões de crédito busca entender é se seriam estas lojas, bancos?. Algo que os relatórios oficiais das demonstrações financeiras emitidos pelas empresas varejistas de capital aberto pesquisadas poderiam ajudar a responder, à medida que uma primeira análise destes revela que a geração de receita proveniente da atuação destas junto ao espaço financeiro cresce a uma taxa anual, em alguns casos, 100% superior à taxa de geração de receita proveniente de sua atuação como varejista, vendendo seus produtos tradicionais não financeiros.

À primeira vista, seria tentador concluir que tais lojas viraram bancos, mas um olhar mais demorado sobre a questão e às estruturas acionárias destas empresas sugere que tais espaços varejistas tenham somente sido colonizados pela lógica financeira, transformando-se em espaços para os quais se estenderam as operações das instituições financeiras, nos quais os brasileiros se acostumaram a comprar dinheiro e levar geladeiras de troco, ou seja, os bancos viraram lojas.

Assim, a construção do campo do varejo financeiro brasileiro irrompe a segunda década do século XXI, numa situação em que o modo de produção escravagista avança rumo à pseudocidade mais rica do país invadindo seus luxuosos shoppings, capitaneada pelas potenciais instituições financeiras especiais, que, por um lado, negam-se a respeitar a legislação bancária (e a legislação trabalhista e a tributária, aplicáveis), por outro, desrespeitam a Lei da Usura (tal qual agiotas) e, por outro ainda, ignoram a legislação sobre terceirização (para não mencionar a Declaração Universal dos Direitos Humanos) ao quarteirizar a obtenção de seus produtos a agentes envolvidos em redes criminosas de trabalho escravo; restando, diante de tal cenário perturbador, conformarmo-nos com a lógica de George Orwell, segundo a qual talvez, realmente, uns sejam mais iguais que outros.


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