Estudo fitoquímico de Unonopsis lindmanii - Annonaceae, biomonitorado pelo
ensaio de toxicidade sobre a Artemia salina leach
INTRODUÇÃO
Muitos laboratórios de Produtos Naturais têm inserido dentro de suas rotinas de
isolamento, purificação e elucidação estrutural, diversos ensaios biológicos
simples, no intuito de selecionar e monitorar o estudo fitoquímico de extratos
de plantas na procura de substâncias bioativas1. Dentre estes bioensaios,
encontra-se a toxicidade sobre Artemia salina (TAS), que se caracteriza por ser
de baixo custo, rápido e não exigir técnicas assépticas. Inúmeros constituintes
bioativos têm sido obtidos de extratos vegetais utilizando este teste na
monitoração de estudos fitoquímicos2,3. Artemia salina é um microcrustáceo de
água salgada que é utilizado como alimento vivo para peixes, sendo seus ovos
facilmente encontrados em lojas de aquaristas. A simplicidade do bioensaio TAS
favorece sua utilização rotineira, podendo ser desenvolvido no próprio
laboratório de fitoquímica2.
Diversos trabalhos tentam correlacionar a toxicidade sobre Artemia salinacom
atividades como antifúngica, viruscida e antimicrobiana4, parasiticida5,
tripanossomicida6, entre outras. McLaughlin e colaboradores2,3,7-10 têm
utilizado sistematicamente este bioensaio na avaliação prévia de extratos de
plantas conhecidas como antitumorais. As frações ou substâncias ativas são
posteriormente testadas em diferentes culturas de células tumorais, obtendo-se
uma boa correlação. .
Várias espécies da família Annonaceae foram estudadas empregando o bioensaio
TAS, juntamente com outros ensaios biológicos7-10. Porém, nenhuma espécie do
gênero Unonopsishavia sido quimicamente investigada utilizando monitoramento
por bioensaio.
A literatura contém poucos dados sobre a composição química do gênero Unonopis,
que é um dos 27 gêneros da família Anonaceae. Apenas as espécies U. Stipitatae
U. guaterioides foram motivo de publicação, sendo que da primeira foram obtidos
alcalóides do tipo bisaporfínico, azafluorenona a oxaporfínicos11, enquanto na
segunda a presença de policarpol12 foi detectada por cromatografia em camada
delgada. Algumas utilizações empíricas do gênero Unonopsis foram descritas por
Schultes, que menciona o uso de plantas desse gênero pelos índios da Floresta
Amazônica no tratamento de demência senil. As mesmas plantas têm utilização
como veneno para ponta de setas e são, também, utilizadas como
antifertilizante13.
U. lindmanii, conhecida popularmente como pindaíva preta, possui porte de
arbusto a arvoreta de 2-5 metros, é encontrado em capoeiras, matas, cerrados e
em mata ciliar alagável e seu fruto, quando maduro, é comido por aves14. Não se
encontrou dados de sua utilização popular, bem como dados relativos à sua
composição química.
O objetivo do presente trabalho é o isolamento de substâncias biologicamente
ativas dos extratos obtidos das folhas, cascas do caule e sementes de Unonopsis
lindmanii - Annonaceae, pelo estudo cromatográfico biomonitorado, utilizando a
Artemia salina como organismo teste.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram submetidos ao bioensaio com A. salinaos extratos de folhas, sementes e de
cascas do caule de U. lindmanii(Tabela_1). Destes, apenas o último foi
considerado ativo (TAS < 1000ppm)7, sendo por isso submetido à partição entre
CHCl3 e MeOH/H2O. A atividade concentrou-se na fração clorofórmica
(TAS=19,4ppm), na qual detectou-se a presença de alcalóides através do reagente
Dragendorff. Outra porção das cascas do caule de U. lindmanii foi submetida à
extração ácido-base, evidenciando-se através do referido bioensaio que o
princípio ativo estava contido no extrato alcaloídico (TAS=13,9ppm).
A fração clorofórmica foi submetida à cromatografia em coluna de sílica,
resultando na obtenção de uma mistura ativa contendo os alcalóides liriodenina
(1) e lisicamina (2) e de uma outra substância, identificada como sendo o
alcalóide bisaporfínico unonopsina (3). Além destes, isolou-se também, uma
mistura dos esteróides b-sitosterol e estigmasterol. As duas primeiras
substâncias já haviam sido isoladas de várias espécies vegetais16, porém 3 foi
obtido apenas de U. spectabilis11,tendo sua estrutura sido elucidada com base
nos seus espectros de RMN 1H e massas. No presente trabalho estão sendo
apresentados pela primeira vez os dados de RMN 13C de 3,cuja atribuição foi
efetuada por comparação com dados da heteropsina17. Vale destacar que a
simetria da estrutura é confirmada pela observação de apenas 17 sinais, no
espectro de RMN 13C, para os 34 carbonos existentes na molécula, bem como pela
integração dos sinais do espectro de RMN 1H, para 11 hidrogênios, excluindo o
sinal alargado do hidrogênio ligado a nitrogênio. Um sinal importante na
confirmação da estrutura dimérica aparece em d 105,7 (carbono não ligado a
hidrogênio) e que foi atribuído a C-7 e C-7'. O espectro de massas é compatível
com a estrutura proposta, mostrando o M+ em m/z 524.
O extrato alcaloídico foi também submetido à cromatografia em coluna,
resultando na purificação de 1, que se mostrou ativo (TAS=2,1ppm), e mistura
de1 e 2. Através de cromatografia em camada delgada preparativa, esta mistura
resultou na obtenção destes constituintes, ainda em misturas, porém em
proporções diferentes do material de partida. A análise dos espectros de RMN
1Hdestas misturas permitiu atribuir os sinais relativos aos hidrogênios da
lisicamina(2).
CONCLUSÃO
Neste trabalho pôde-se observar a validade e a confiabilidade do bioensaio TAS,
onde a toxicidade para Artemia salina convergiu para as frações que continham
uma substância reconhecidamente ativa, o alcalóide oxaporfínico liriodenina
(vide Tabela_1). Os resultados obtidos também demonstraram a sensibilidade da
metodologia, já que nas misturas de liriodenina (1) e lisicamina (2) a
atividade é proporcional à concentração de 1.
O composto ativo foi anteriormente isolado, juntamente com outros alcalóides
aporfinóides, utilizando-se o biomonitoramento por culturas in vitro de células
tumorais humanas, que se constitui num ensaio biológico de maior complexidade
do que o utilizado neste trabalho. O referido alcalóide apresentou atividade
citotóxica contra células tumorais do tipo KB, pulmão e tumor de cólon de
útero18.
PARTE EXPERIMENTAL
Procedimentos Experimentais Gerais: Os espectros de RMN de 1He 13C, de 300 e 75
MHz, respectivamente, foram registrados em espectrômetro DPX-300- Bruker. Os
deslocamentos químicos estão apresentado em partes por milhão (d) relativos ao
tetrametilsilano (d=0,0), sendo CDCl3 utilizado como solvente e padrão interno
(d=7,24 e 77,0). O espectro de massas foi obtido em espectrômetro HP5988A
através de injeção direta. Os solventes e reagentes utilizados tiveram grau de
pureza P.A. Para as cromatografias em camada delgada (CCD) analítica e
preparativa utilizou-se sílica-gel 60 MERCK e para cromatografia em coluna (CC)
utilizou-se sílica-gel 70-230 mesh ALDRICH.
Ensaio biológico: O ensaio de toxicidade sobre a Artemia salina(TAS) foi
executado de acordo com a metodologia proposta por McLaughlin2. Diluições das
amostras e do controle positivo foram feitos pelo método de diluições
aritméticas em solução aquosa de sal marinho sintético (38g/L, Enterprise Co.)
com 1% DMSO (v/v). Todas as etapas foram acompanhadas utilizando-se o sulfato
de quinidina como controle positivo7 e cada avaliação foi repetida pelo menos
duas vezes. Utilizou-se o método Probitos de análise para obtenção das DL50 e
respectivos intervalos de confiança15. Os extratos foram considerados ativos
quando TAS <1000ppm7.
Material vegetal: Folhas, cascas e sementes de Unonopsis lindmanii R. E. Fries
(R. E. Fries) Annonaceae, foram coletadas no Jardim Botânico de Mato Grosso do
Sul (Campo Grande-MS). A planta foi identificada pelo Prof. R. Mello-Silva e
uma exsicata foi depositada no Herbário da UFMS (Campo Grande, MS) sob número
4730.
Obtenção dos extratos: Os pós obtidos a partir das folhas e sementes de U.
lindmanii foram exaustivamente extraídos com hexano em aparelho tipo soxhlet.
As tortas, bem como o pó das cascas secas de U. lindmanii(500g), foram
extraídas com etanol 95% por exaustiva maceração.
O extrato alcaloídico e a fração clorofórmica proveniente do extrato etanólico
das cascas, ambos ativos, foram submetidos a cromatografia em coluna. As
frações originadas deste processo foram reunidas de acordo com o perfil
cromatográfico e testadas.
Mistura de b-sitosterol e estigmasterol: Os dados obtidos dos espectros de IV,
RMN 13C e massas foram idênticos aos valores registrados na literatura19.
Alcalóides: Unonopsina (3), liriodenina (1) e lisicamina (2) foram
identificados por comparação de seus dados espectrais com aqueles registrados
na literatura17,16,20.Liriodenina foi também identificada por comparação direta
com amostra autêntica, cedida pela Profa Mariana H. Chaves (UFPI) e que foi
obtida no seu doutoramento no IQ-USP, sob a orientação da Prof. Nídia F. Roque.
Liriodenina (1): microcristais amarelos (MeOH/CHCl3). RMN 1H (300MHz, CDCl3) d:
8,87 (1H, d, J=5,3Hz, H-5); 8,64 (1H, dl, J=8,0Hz, H-11); 8,57 (1H, dl,
J=8,0Hz, H-8); 7,76 (1H, d, J=5,3Hz, H-4); 7,73 (1H, td, J=7,8 e 2,0Hz, H-10);
7,56 (1H, td, J=7,8e2,0Hz, H-9); 7,18 (1H, s, H-3); 6,38 (2H, s, OCH2O).
Lisicamina (2): microcristais amarelos (MeOH/CHCl3): RMN 1H (300MHz, CDCl3)a d:
9,16 (1H, dl, J=7,9Hz, H-11); 8,88 (1H, d, J=5,2Hz, H-5); 8,56 (1H, dd, J=7,9 e
1,2Hz, H-8); 7,78 (1H, dl, J=5,2Hz, H-4); 7,76 (1H, td, J=7,9 e 1,2Hz, H-10);
7,56 (1H, td, J=7,9 e1,2Hz, H-9); 7,20 (1H, sl, H-3); 4,08 (3H, s, OCH3 em C-
1); 4,00 (3H, s, OCH3 em C-2). aSinais correspondentes à lisicamina na mistura
com liriodenina, na proporção de 85:15.
Unonopsina (3): sólido branco amorfo, RMN 1H (300MHz, CDCl3) d: 3,10 a 3,35
(8H, m, H-4, 4', 5 e 5'); 6.27 (4H, s, OCH2O em C-1, 2 e C-1', 2'); 7,03 (2H,
s, H-3 e 3'); 7,11 (1H, dd, J=8,0 e 1,2Hz, H-8 e 8'); 7,23 (2H, td, J=8,0 e
1,2Hz, H-9 e 9'); 7,33 (2H, td, J=8,0 e 1,2Hz, H-10 e 10'); 9,05 (2H, dd, J=8,0
e 1,2Hz, H-11 e 11'). RMN 13C (75MHz, CDCl3) d: 30,5 (C-4 e 4'); 41,3 (C-5 e
5') 101,1 (OCH2O, em C-1, 2 e C-1', 2'); 105,7 (C-7 e 7'); 108,0 (C-3 e 3');
117,6 *(C-3b e 3'b); 118,1* (C-11b e 11'b); 122,8 (C-10 e 10'); 123,5 (C-8 e
8'); 124,3 (C-11a e 11'a); 127,3 (C-9 e 9'); 127,6 (C-11 e 11'); 128,1 (C-3a e
3'a); 132,8 (C-7a e 7'a); 140,1 (C-6a e 6'a); 142,1 (C-1 e 1'); 145,7 (C-2 e
2'). EM m/z (int. rel.): 524 (100), 262(30), 261(30).
*Valores que podem ser permutados.