Agentes complexantes: podante, coronante e criptante classificação e
nomenclatura
1. INTRODUÇÃO
A química dos compostos de complexação já é conhecida desde o século passado.
No decorrer dos anos, substâncias como a hemina (1) e a ftalocianina (2) foram
isoladas, sintetizadas e estudadas suas propriedades1. Eles são potentes
antibióticos devido sua propriedade de formar complexos com íons metálicos.
Desde então, várias outras substâncias possuindo estas características foram
estudadas com o objetivo de se obter compostos que fossem seletivos para
determinados tipos de cátions.
Os agentes complexantes também são chamados de ionóforos, que significa
transportadores (foros) de íons. Eles podem ser substâncias orgânicas cíclicas
ou acíclicas contendo átomos como oxigênio, nitrogênio, enxofre, etc., que
possuem elétrons livres, ou seja, pares eletrônicos não compartilhados. De
acordo com a posição desses heteroátomos, obtém-se uma conformação (3) que
apresenta uma cavidade, permitindo a entrada de íons metálicos, resultando na
formação do complexo (3-M+n).
Os íons que possuem carga positiva são atraídos pelos pares eletrônicos livres,
dispostos simetricamente em relação à cavidade, se "ligando" ao
composto devido à ação de forças eletrostáticas, como por exemplo, a formação
do complexo de íon potássio com dibenzo-18-coroa-6 (4-K+X-)2:
O complexo formado transporta os íons de um meio para outro (figura_1), devido
às mudanças em suas propriedades físicas e através de meios adequados
(solventes)3.
Em 1967, quando o químico norte-americano C. J. Pedersen (ganhador de Prêmio
Nobel de 1987) tentava sintetizar o 2-(o-hidroxifenóxi)etil éter (5) a partir
da reação do 1,5-dicloro-3-oxapentano com sal de sódio de catecol, obteve, como
subproduto uma pequena quantidade de cristais brancos fibrosos. Tais cristais
foram identificados como sendo o 2,3,11,12-dibenzo 1,4,7,10,13,16-
hexaoxacicloctadodeca-2,11-dieno, atualmente conhecido como dibenzo-[18]-coroa-
6 (4)2.
Compostos como estes são chamados "éteres de coroa", pois formam uma
espécie de coroa quando complexam com um íon metálico (exemplo 3-M+). Através
da análise do composto, notou-se que ele é muito pouco solúvel em metanol, mas
na presença de sais de sódio sua solubilidade aumentava consideravelmente
devido à formação do complexo do poliéter com íon sódio (4-Na+). Verificou-se,
também, a capacidade de formação de complexos estáveis com muitos sais de
metais alcalinos, alcalinos terrosos e alguns metais de transição4. Essa
particular propriedade levou Pedersen a estudar a utilização desse composto
como uma espécie de catalisador de transferência de fase que promovesse a
solubilização de sais inorgânicos, como por exemplo KCl, KF, KMnO4, em
solventes orgânicos apolares, tornando possível uma série de reações desses
sais, que de maneira usual não ocorreriam4.
Esses poliéteres complexantes foram denominados ionóforospor apresentarem
capacidade de transferir íons de um meio aquoso para uma fase hidrofóbica, que
pode ser um solvente apolar em contato com um solvente polar (clorofórmio e
água). A partir dos resultados apresentados por Pedersen, abriu-se uma nova
perspectiva na química dos agentes complexantes.
As propriedades do dibenzeno-[18]-coroa-6 (4) levaram vários pesquisadores a
sintetizar uma série de compostos relacionados, primeiramente variando o
tamanho do anel e o tipo dos heteroátomos doadores de elétrons e, depois,
preparando compostos bicíclicos tais como (6)5 e oligocíclicos.
2. IONÓFOROS
2.1. Considerações Gerais
Atualmente, os ionóforos são classificados quanto ao número de ciclos. Os
monocíclicos ligados a qualquer tipo de átomos doadores são chamados de
Coronantes (compostos de coroa). O termo "éter de coroa" é reservado
para os oligoéteres cíclicos que contêm exclusivamente oxigênio como átomo
doador. Compostos oligocíclicos esféricos são denominados Criptantes e
compostos acíclicos Podantes6,7. Esta classificação está ilustrada na figura_2.
Cada ilustração representa o número mínimo de átomos doadores e a
característica das cadeias de cada classe de compostos.
2.2. Coronante
O primeiro ionóforo, sintetizado por Pedersen em 19672, foi o 2,3,11,12-
dibenzo-1,4,7,10,13,16 hexaoxaciclo-octadodeca-2,11-dieno (4), que foi chamado
de uma maneira abreviada de dibenzo[18]-coroa-6. "Dibenzo" significa
que existem dois benzenos ligados ao anel, enquanto que 18 entre colchetes
simboliza o número de átomos no anel e 6 o número de átomos doadores3,4. Esta
notação é normalmente utilizada para descrever poliéteres cíclicos cujos átomos
de oxigênio estão separados por grupo etileno e possuem benzeno ou ciclo-hexano
ligados ao anel.
As notações de Pedersen apresentam equívocos quanto a posição de átomos
doadores, de núcleo benzeno, de unidade ciclo-hexano (tabela_1 compostos 8/8a)
e de outros componentes cíclicos. Foi proposta em 1980 uma nomenclatura para
esses tipos de compostos, englobando o método descrito por Pedersen e
generalizando para todos os outros compostos. A regra é especificada da
seguinte maneira8:
1. o número que antecede os colchetes angulares (< >) indica o tamanho do
anel. No caso da presença de grupos aromáticos e heteroaromáticos ligados
ao anel, considera-se o menor caminho que une os dois átomos doadores.
2. Dentro do colchete angular a especificação obedece a seguinte ordem:
a) heteroátomos doadores expressos pelo símbolo do elemento;
b) pontes entre átomos doadores, que podem ser unidades de núcleo
aromático, heterocíclico...etc. (com posição marcada dentro do
parênteses) ou ser de cadeia carbônica, indicado pelo número de átomo de
carbono entre os átomos doadores; e o subscrito descreve o número total
de pontes deste tipo. No caso de só existir um tipo de cadeia unindo os
átomos doadores, e se esta for o etileno, o mais comum, a designação 2 é
omitida (veja o nome dos compostos 4 e 7);
c) o nome da classe do composto (coronante, criptante, etc.);
d) o número total dos heteroátomos doadores. Caso estejam presentes
na cadeia oxigênio, nitrogênio, enxofre, etc., a ordem dos átomos
doadores é dada segundo as regras da IUPAC. Os compostos substituídos
e grupos funcionais são indicados por prefixos e sufixos.
Uma ilustração desta nomenclatura é dada na tabela_1.
Com o andamento das pesquisas sobre os éteres de coroa, variações foram feitas
quanto a distribuição, número de heteroátomos doadores e tipos de sítios de
complexação, dando origem a novos compostos2,4,9-12:
a) ligantes com diferentes números de grupos arila. São reduzidas a
basicidade e a capacidade doadora do átomo de oxigênio, compostos (8)
vs. (4);
b) variação no tamanho da cadeia, compostos (4) vs. (9);
c) arranjo geométrico dos átomos doadores no anel, compostos (4, 9-
10);
d) enxofre e nitrogênio como alternativa de sítios doadores, composto
(11);
e) coronantes com diversos átomos doadores (N, O, S, P). Algumas
propriedades especiais são obtidas quando nitrogênio ou enxofre são
introduzidos em diferentes sítios, composto (12,13);
f) coronantes heteroaromáticos. Um novo conceito de coroa foi obtido
introduzindo no anel do éter de coroa um núcleo heteroaromático
(piridina, furano, etc.), composto (13);
g) sítios doadores incorporados ao grupo funcional. Este conceito
combina três importantes características: ligação rígida, grande
polarização e áreas de coordenação seletiva, composto (14);
h) compostos com vários sítios de complexacão, {n}Coro-nantes. Podem
ser lineares, angulares, radiais e esféricos, composto (15).
2.3. Criptantes
A adição de uma cadeia de um oligoéter aos éteres de coroa conduz a um novo
tipo de ligante. Lehn, seu descobridor, deu o nome de "criptante"
(proveniente da palavra grega cryptosque significa cavidade) para expressar sua
forma geométrica particular5.
Normalmente esses compostos apresentam dois átomos de nitrogênio, os quais são
ligados por três cadeias (oligoéteres) de diferentes tamanhos e números de
átomos doadores5,13(exemplo compostos 6, 16). Os criptantes que não possuem
átomos de nitrogênio (17)14 também são conhecidos.
Compostos nos quais o enxofre substitui átomos adicionais de nitrogênio foram
também sintetizados e alguns são disponíveis comercialmente (16). A
substituição de alguns sítios doadores por anéis heteroaromáticos (18)15
provoca algumas variações. A introdução de cadeias adicionais também
possibilita a formação de sofisticados ligantes tricíclicos (19)16.
Uma notação simples é utilizada na descrição de compostos bicíclicos. Esta
notação depende do número de ligações e do número de oxigênios doadores em cada
cadeia que une dois nitrogênios. Foi aplicada com êxito aos coronantes e
estendida para os criptantes apenas acrescentando algumas regras:
- dentro do parêntese angular, coloca-se primeiramente o símbolo do
elemento de maior importância (cabeça da ponte) que está ligado pelas
cadeias de heteroátomos (pontes);
- a seguir, encontra-se a seqüência dos elementos de cada ponte,
começando pela de maior prioridade; a ponte que possui o maior número
de átomos doadores possui maior prioridade, quando o número de
doadores é igual, a prioridade é determinada primeiramente pelo
heteroátomo e depois pelas substituições;
- encontra-se o símbolo do elemento (2a.cabeça de ponte) ligado pelas
pontes ao primeiro elemento (1a. cabeça de ponte);
- o nome da classe à qual o composto pertence;
- o número total de átomos doadores no ligante.
As pontes adicionais para sistemas oligocíclicos são expressas antes da classe
do composto, dentro de colchetes, com um índice especificando sua localização
no composto. Em alguns casos para ficar mais claro, pode ser expressa
informação topológica entre chaves ({ }). Para o composto (6) (n,m=1) temos <N
[O2]3N-criptante-8>, para o composto (16) temos <N[O2][S2]2N-criptante-8> e
para o composto (19) temos {3} <N[ONO]2[O]N<[O]7,19-criptante-10>>.
2.4. Podantes
De uma maneira geral, pode-se dizer que a classe dos podantes inclui todos os
ligantes que possuem as características de um oligoéter de cadeia aberta ou que
possuem cadeias cujos heteroátomos estão dispostos de uma maneira particular.
A tendência atual, estimulada pelo interesse comercial, está direcionada à
produção de éteres de coroa de cadeia aberta, simples e de baixo custo.
Apesar dos efeitos de solvatação e complexação dos oligoetilenoglicoldimetil
éteres (glymes) com os íons de metais alcalinos e alcalinos terrosos serem
conhecidos, complexos cristalinos definitivos resultantes desses compostos
ainda não tinham sido obtidos. O primeiro éter de coroa de cadeia aberta, com
estrutura semelhante à do "glyme", obtido foi o bis(quinolina)
oligoéter (conhecido comercialmente como Kriptofix-5) (19)17.
Após a descoberta das propriedades de complexação dos compostos de coroa de
cadeia aberta, o conceito de grupo doador terminal (localizado no fim da
cadeia) aliado à idéia dos criptantes resultou no aparecimento de criptantes de
cadeia aberta com três ou quatro "braços" (ramificações). Essas
ramificações podem crescer enquanto estiverem
presentes núcleos multifuncionais como benzênicos, triazina, heterocíclicos,
etc. Com isso é possível sintetizar ligantes com seis ou mais ramificações
chamadas de "tentáculos" (21)18.
Combinando com as notações citadas anteriormente, a nomenclatura desta classe
de compostos pode ser descrita com os seguintes acréscimos:
- um número entre chaves { }expressa a quantidade de ramificações
existentes;
- inicia-se a numeração do composto pelo átomo doador de maior
prioridade localizado no final de uma das cadeias. A cadeia que
contém o maior número de átomos doadores é a principal, sendo sua
nomenclatura dada segundo as regras descritas anteriormente. As
outras cadeias são indicadas por ordem decrescente de prioridade,
levando-se em conta as regras da IUPAC para o número e o tipo de
átomos doadores e para a prioridade dos grupos terminais.
Como exemplo, tem-se os compostos (22) e (23) e suas respectivas nomenclaturas.
3. CONCLUSÕES
O interesse prático e científico de compostos monocíclicos, bicíclicos e
oligocíclicos como agentes complexantes é indiscutível. A química dos ionóforos
está se desenvolvendo cada vez mais. Novas moléculas com características e
propriedades dos éteres de coroa estão sendo constantemente sintetizadas e
novas aplicações estão sendo descobertas. Serão apresentados nos próximos
trabalhos a preparação, propriedades e as conseqüências destas propriedades
características e as suas aplicações práticas.