O uso de calorimetria em ecologia
INTRODUÇÃO
Nos dias de hoje, é inegável o marcante teor de benefícios que provém das
atividades relacionadas à Química em nossa sociedade, muito embora sérios
dissabores possam ser acarretados pelo uso indevido de produtos químicos. Na
maioria das vezes, esses efeitos são causados por profissionais pouco
habilitados, ou mesmo, por aqueles que desconhecem a potencialidade da ação
deste ramo da ciência.
O descarte em rios e lagos, o lançamento na atmosfera e o uso indiscriminado de
produtos químicos no solo são atividades que merecem um controle adequado,
principalmente numa sociedade que exige a cada momento, maior atenção das
autoridades para prevenção do meio ambiente1, o que aumenta a importância do
papel do químico, devido ao conhecimento sobre os vários efeitos causadores de
danos.
Dos aspectos enumerados acima, vamos nos ater mais diretamente ao último, uma
vez que o largo uso, principalmente de defensivos agrícolas, faz com que ocorra
um acúmulo no solo, afetando o ambiente2. Os vários produtos químicos usados
afetam o desenvolvimento de microrganismos, já que esses são na realidade os
agentes responsáveis pela degradação de vários substratos, cujo estágio final
produz nutrientes altamente enriquecedores da fertilidade do solo3.
O controle do uso de compostos químicos no solo pode ser acompanhado por várias
técnicas, mas, o presente enfoque será direcionado às medidas calorimétricas.
Em especial, a microcalorimetria desempenha um papel fundamental na aquisição
de dados relacionados aos vários aspectos ambientais. Assim, potencialmente os
ecossistemas formados por solo ou água, plantas e animais, por fauna ou flora
especiais, de vida e particularmente àquela relacionada à vida microbiológica
em diferentes temperaturas, com ingredientes distintos e suprimento de oxigênio
ou em diferentes gradientes geográficos ou elevação podem ser efetivamente
estudados através desta técnica4. O objetivo desta publicação consiste em
apresentar alguns dados que possam elucidar o entendimento do uso de compostos
químicos num ecossistema, dando sempre que possível, uma abordagem quantitativa
aos fenômenos observáveis.
UMA PANORÂMICA ENERGÉTICA NUM ECOSSISTEMA
A obtenção de dados quantitativos confiáveis exige, inicialmente, que se
estabeleça um sistema bem definido. Nele delimita-se um ambiente no qual o
nível das populações e dos grupos das espécies que pertencem ao ecossistema, as
quais têm um relacionamento direto com a biosfera, o que caracteriza a
ecologia, sendo que esta trata da ciência do habitat. Neste ambiente se
encontram condições de vida dos seres e as interações de quaisquer naturezas
entre seres vivos e seu meio5,6.
No âmbito macroscópico, o sistema em apreço contém uma paisagem agradável, com
clima temperado e constituída de florestas, rios, lagos e montanhas, que
recebem diretamente radiações solares. A incidência dos raios provoca o
aparecimento de fenômenos de características macroscópicas observáveis e de
fácil compreensão. Casos mais simples envolvem a evaporação da água dos leitos
e a fusão do gelo, que foi depositado no período invernal no topo da montanha.
Para cada mol do líquido ou sólido (18,02 g) nas condições padrões (1atm =
101,325 kPa a 298,15 K), o ambiente é resfriado pelo consumo de energia nos
processos endotérmicos7, como representados abaixo:
H2O(l) = H2O(g); DvHm = 44,01 kJ mol-1
H2O(s) = H2O(l); DfusHm = 6,01 kJ mol-1
Nesse ecossistema o fluxo do efeito térmico dos raios solares e a distribuição
da água contribuem para a parte cultivável do solo. A produção diária do efeito
térmico sobre o solo varia de 300 a 710 kJ m-2. A evaporação da água em
camadas8 entre 0,42 a 0,98 mm do solo, implica no acréscimo de um fluxo diário
de cerca de 1000-2400 kJ m-2.
A biomassa real deste sistema complexo pode ser conhecida através do processo
de combustão completa. A partir do teor obtido em micro escala pode-se inferir
o efeito produzido pela destruição de toda uma floresta, que como se sabe, os
gases expelidos na atmosfera afetam os aspectos climáticos do ecossistema.
Porém, por esta mesma técnica pode-se também determinar a energia produzida
pela matéria orgânica originada nos processos metabólicos. Por exemplo, a
combustão completa da celulose produzida pelas plantas dá uma entalpia
exotérmica de -5,86 kJ g-1, cujo valor é muito semelhante àquele da glicose9.
A energética de nutrição dos alimentos retirados pelos seres racionais ou
irracionais do ecossistema pode ser simulado em laboratório, através da
combustão. Neste caso, necessita-se de uma etapa posterior para que se possam
comparar os resultados obtidos in vitro com aqueles dos animais. Após a
subtração dos compostos insolúveis e indigestos, os resultados dão uma visão
mais realística, porém, não tão precisa6. Os críticos ressaltam que os animais
ensaiados não são bombas calorimétricas10, já que este dispositivo é acoplado a
um calorímetro, para que se obtenha o teor energético do alimento selecionado.
No entanto, foram avaliados os efeitos térmicos gerados por microrganismos em
queijos6 e frutas em processo de decomposição11, bem como a relação entre a
atividade microbiana com o conteúdo de água no alimento12.
A mobilidade inevitável do homem no ecossistema afeta de maneira drástica o
meio ambiente. Basta considerar que um automotor consumindo um mol de etanol
(46,07 g ou 58,4 cm3) produz, em combustão completa, dióxido de carbono e água
gasosa, num processo altamente exotérmico7, cuja energia resultante da reação é
utilizada para mover o auto, conforme mostra a reação:
C2H5OH(l) + 3O2(g) = 2CO2(g) + 3H2O(g); DcHm = -1235 kJ mol-1
Os produtos gasosos desta reação lançados na atmosfera do ecossistema alteram o
equilíbrio existente. Mesmo não entrando no mérito da controvertida discussão
do efeito estufa, no qual a molécula de dióxido de carbono é tida como uma das
substâncias com ativa participação. Este efeito está relacionado ao recebimento
da radiação solar pelo ecossistema, cuja radiação é composta predominantemente
de pequenos comprimentos de onda, nas regiões do visível e ultravioleta com 98
e 2%, respectivamente. Parte desta radiação ao atingir a superfície é
reirradiada para o espaço em comprimentos de onda maiores, na região do
infravermelho, e passa a ser absorvida por moléculas, que reirradiam em todas
as direções. Neste processo a superfície do ecossistema perde menos calor para
o espaço e tende a permanecer mais quente13, o que implica em readaptação de
todos os seres frente à nova situação.
A vida vegetal no ecossistema está associada à presença da luz, água e energia
solar, no conhecido processo da fotossíntese, que provoca a extraordinária
reação redox, convertendo o dióxido de carbono e água em carboidrato e
oxigênio14. Este fenômeno é dependente dos pigmentos verdes das plantas em cuja
composição está a clorofila. Como se sabe, a raiz da planta absorve a água
através dos vasos para levá-la até as folhas onde penetra nos cloroplastos.
Dentro dos mesmos as clorofilas possibilitam a quebra da molécula de água
devido à radiação solar, para liberar oxigênio. Este é utilizado em parte pela
planta e todos os outros seres no processo da respiração. Por outro lado, a
molécula de gás carbônico, aparentemente inerte, disponível no ambiente, entra
nos cloroplastos, que em presença de certas enzimas se ligam ao hidrogênio,
para produzir moléculas complexas, como celulose e açúcares. Estas são
transferidas dos cloroplastos para as outras partes da planta para dar
inclusive, sustentação à mesma.
A dinâmica provocada pela tríade luz, água e energia contribui para a
sobrevivência e interações dos seres vivos no meio ambiente. Neste particular,
a participação de seres vivos macroscópicos é extremamente importante, pois, em
princípio, são eles os agentes dominantes sobre a superfície. Após esta
visualização de alguns aspectos energéticos macroscópicos, o enfoque agora será
dirigido à população de seres de dimensões microscópicas, que habitam o subsolo
e que são extremamente sensíveis à presença de substâncias químicas no meio
ambiente.
MONITORAMENTO DE EXPERIMENTOS
O fluxo de efeito térmico no ecossistema pode ser monitorado pelo consumo de
oxigênio, pela produção de dióxido de carbono, ou pelo acompanhamento de algum
substrato, contendo elementos nuclearmente marcados. Esta última técnica, além
de bastante dispendiosa, exige condições experimentais adequadas15.
O acompanhamento da produção de dióxido de carbono pode ser seguido através da
denominada calorimetria indireta. A calorimetria direta embora seja um método
não específico que detecta qualquer efeito térmico envolvido, é a única maneira
de quantificar o metabolismo aeróbio e não aeróbio em um sistema15,16. A
calorimetria é fundamental para o conhecimento do sistema e tem características
técnicas vantajosas, pelo fato de que a medida em si independe das condições de
opacidade do ambiente, o que a difere da maioria das técnicas
espectrofotométricas. Além do mais, é não destrutiva e permite obter medidas
por longo período6,15-18. Dai, as mudanças entálpicas verificadas num
ecossistema são fundamentalmente obtidas via calorimetria. Estes dados podem
ser associadas ao processo respiratório por acompanhamento da evolução de
dióxido de carbono6,15-18.
Do ponto de vista termodinâmico as populações de organismos contidas num
sistema aberto podem trocar matéria, energia e informações com a vizinhança.
Todas estas atividades produzem um fluxo de efeito térmico, que provém de
processos metabólicos relacionados com reações do meio e acarretam em mudança
de entalpia. Desta maneira, no processo metabólico uma série reações se
completa ou atinge um estágio estacionário após longo período, e portanto,
devido a estas características, o processo de estudo do avanço lento da reação
requer, mais especificamente, o uso da microcalorimetria6,15-23.
A calorimetria direta oferece as melhores condições para a obtenção global do
fluxo térmico, muito embora as influências tóxicas e não-específicas possam
dificultar as medidas. Por isso o assunto é relativamente pouco explorado6. Por
outro lado, recomendam-se cuidados especiais para tratar o problema porque os
efeitos interativos exigem a manutenção da vizinhança de vivência dos
microrganismos, o que implica em considerar sempre a influência do mundo
microscópico do ecossistema na medida6.
O equilíbrio dinâmico da vida neste ecossistema é diretamente afetado pela
participação do homem, que pode adicionar substâncias químicas, materiais
descartáveis ou ainda injetar radiações no solo. Somente os primeiros serão
considerados já que são usados com frequência como defensivos em nosso meio,
com o intuito de propiciar maior produção agrícola, visando atender um
crescente aumento populacional humano. Dentre estes defensivos temos
fundamentalmente os herbicidas e os fungicidas, que no solo residem tempos
diversos antes de chegar à total decomposição. Durante esta permanência esses
produtos afetam a água, o poder de troca e uso de cátions livres do solo pelas
plantas e ainda a conversão da possível biomassa existente em combustível6.
Um fato relevante que vem ao encontro da obtenção de dados energéticos através
da calorimetria está relacionado às falhas detectadas por processos puramente
bioquímicos, provenientes dos fluxos de energia, que fluem num ecossistema.
Estes dados indicam que até o momento, 60% do total energético são
perfeitamente explicados através de caminhos bioquímicos. A calorimetria
permite a obtenção do efeito global, além de abranger todas as questões da área
ecológica, fisiológica e toxicológica15. Por isto mesmo, esta técnica torna-se
muito importante no estudo de problemas toxicológicos, provenientes da presença
de substâncias químicas no meio ambiente.
O SOLO
Do ponto de vista químico o solo é um sistema complexo em constituição, aberto,
multicomponente e biogeoquímico, formando um conglomerado de sólidos, líquidos
e gases. Por ser aberto pode trocar matéria e energia com a atmosfera, biosfera
e hidrosfera, sofrendo contínuas transformações químicas e biológicas. O fluxo
de matéria e energia depende das variáveis tempo e espaço, mas, em geral este
fluxo causa o desenvolvimento do perfil do solo e governa a fertilidade24.
As regiões geográficas próximas podem apresentar população microbiana variável,
dependendo de ser o solo natural sem cultivo, estensivamente usado na
agricultura ou contendo sedimentos aquáticos25. O teor de matéria orgânica
existente no solo correlaciona-se em grande parte com as substâncias húmicas,
cuja população microbiana decresce com a profundidade de coleta da amostra4,25.
Do ponto de vista pedológico, o latossolo que tem propriedades ácidas, é um
solo comum em nosso país, cobrindo um pouco mais da metade do território
brasileiro, apresentando-se com características diversas, sendo o roxo o que
possui constituição orgânica mais abundante. A diversidade de população é bem
marcante, especialmente no solo roxo, que abrange 15% do estado de São Paulo26.
Algumas propriedades de solos brasileiros23 são comparadas com solos indianos27
como na tabela_1. O teor de matéria orgânica e a capacidade de troca catiônica
são mais pronunciadas em nossos solos. Os solos indianos têm características
tendendo a pH > 7, o que é marcante nos solos do hemisfério norte. As
características de pH do solo brasileiro propiciam a troca iônica, como
demonstram os ensaios realizados em processo de batelada, sendo que a saturação
é atingida rapidamente. Nesta troca o solo libera prótons ao meio, que
originalmente estavam ligados à matriz inorgânica ou aos ácidos húmicos que
fazem parte dos componentes orgânicos do solo. Assim, o grau de troca é sempre
acompanhado por uma variação de pH28, que está ilustrada em função da
concentração de cátions sobrenadantes, como mostra a figura_1. Por outro lado,
o conhecimento do pH do solo propicia condições para o ajuste do meio na
efetivação do plantio. Em nosso país o pH é corrigido com adição de calcáreo,
enquanto que o oposto ocorre no hemisfério norte, onde são usadas soluções de
ácidos. De um modo geral, as amostras compostas de solo são coletadas a uma
profundidade de 5 a 10 cm, após a remoção da camada da superfície. As mesmas
são peneiradas na granulometria desejada, secas ao ar e acondicionadas em sacos
plásticos23.
ATIVIDADE MICROBIANA NO SOLO
A atividade microbiana no ecossistema depende da população vivente no meio.
Qualquer perturbação causa uma reação, que vem sempre acompanhada da evolução
de um efeito térmico29. Esta reação pode ser estimulada através de adição de
uma fonte de carbono degradável. A permanência da celulose por mais de 50 h no
solo não surtiu qualquer efeito térmico, porém, o inverso foi verificado com
açúcares. Os dados mostram que a atividade microbiana no solo de aluvião frente
a diferentes açúcares apresenta respostas que seguem a ordem: glicose (92 kJ
mol-1) > sacarose > lactose > frutose > galactose > manose (64 kJ mol-1)21.
A simulação experimental da degradação do açúcar é sempre feita na presença de
outro componente, além da manutenção de umidade constante23. Vários
xenobióticos à base de fosfatos, carbonatos e sulfatos foram testados neste
mister, porém, o que apresenta melhor resultado é o sulfato de amônio19,20,23.
Em condições propícias a degradação ocorre à temperatura constante, através da
microcalorimetria, que pode estar associada à respirometria15, cujos resultados
dependem da temperatura e umidade do meio23,30. A figura_2 mostra a degradação
de amostras de glicose e sulfato de amônio em 53% de umidade em duas diferentes
temperaturas. Os sinais calorimétricos foram registrados numa curva de potência
em função do tempo. Os efeitos térmicos para um dado experimento foram
calculados através da integração das áreas das curvas, que foram comparadas com
aquelas obtidas por calibração elétrica. Assim, os efeitos térmicos observados
para ambas as temperaturas, correspondem às respectivas áreas dos picos, os
quais forneceram para a degradação de 6,0 mg de glicose e 6,0 mg de sulfato de
amônio, 22,5 e 29,9 cm2 a 298 e 306 K, respectivamente23. No acompanhamento de
degradação de amostras de solo por respirometria, o valor limite encontrado de
21,1 J cm-3 de dióxido de carbono coletado estabelece que existe larga
participação de um metabolismo aeróbio31. O decréscimo em atividade está ligado
ao aumento do processo anaeróbio, que depende em larga extensão do tipo de
habitat e da umidade. Para que seja comprovado o efeito da umidade na produção
do respectivo efeito térmico, deve-se levar em conta, portanto, amostras de
solos de mesma procedência.
Em condições experimentais aérobias duas ampolas idênticas contém em comum,
1,50 g de solo e mesmo teor de 53% de umidade. Uma delas atua como branco e a
outra como amostra, que receberá adições de nutrientes, podendo ou não estar na
presença do inibidor. O sinal resultante é comparado ao branco23. Nestas
condições a degradação da glicose pode ser escrita como:
C6H12O6(aq) + 6O2(aq) = 6CO2(aq) + 6H2O(l); DrHm = -2802 kJ mol-1
Esta entalpia da reação em fase condensada foi corrigida para as condições
experimentais23, resultando DrHm = -2762 kJ mol-1. A quantidade de glicose
consumida (mcons) devido ao crescimento da população microbiana pode ser
calculada pela expressão:
mcons= Qobs(MM)/DrH
Qobs é o resultado entálpico experimental e MM é a massa molar da glicose
(180,16 g mol-1). Para uma série de ensaios com quantidades variáveis de
nutrientes, os tempos máximos de obtenção dos picos de degradação
correlacionam-se com as respectivas entalpias, conforme mostram os dados da
tabela_2. Em todas determinações os cálculos indicam um consumo de glicose de
aproximadamente 10% do total de glicose adicionado ao sistema num período de 50
h. Porém, este percentual muda para 90 no final de 300 h32.
A atividade demonstrada por amostras naturais de solo contendo sedimentos
aquáticos, que foram coletadas em vizinhanças aeróbias, comprova que os efeitos
térmicos dependem da profundidade do sedimento33. O fluxo total do efeito
térmico é uma indicação da queda da energia química originalmente fixada pela
fotossíntese e representa o fluxo de energia bêntica34. Estes dados de produção
dos efeitos térmicos podem correlacionar com os métodos que se baseiam em
outras atividades biológicas, como por exemplo, a concentração de ATP com a
atividade de transporte de elétrons no sistema. Por outro lado, a estocagem por
longo tempo do sedimento resulta num decréscimo da produção de efeito térmico,
devido à exaustão das fontes de alimentação ou variação na composição
microbiana do meio35.
A alta atividade microbiana em florestas foi determinada sem quaisquer
estímulos de aditivos por microcalorimetria, respirometria e concentração de
ATP nos horizontes superiores, que mostraram um decréscimo com a profundidade.
Da mesma maneira, a umidade de chuva ou de irrigação e adubação estimulam a
atividade, enquanto as chuvas ácidas reduzem a bioatividade. Em geral,
removendo a limitação de água e misturando as camadas de solo, a atividade
microbiana é novamente reconstituída36.
Um outro aspecto relacionado ao estudo de solo de floresta consiste em
acompanhar simultaneamente os efeitos térmicos e as respectivas perdas de massa
de amostras com umidade constante, durante o período de 210 dias. Quando a
estas amostras é inoculada uma quantidade calculada de suspensão de
microrganismos, os resultados mostram a existência de três fases do
metabolismo: a) um aumento do efeito térmico devido ao processo de catabolismo
até 42 dias, b) um catabolismo médio de 42 até 120 dias e c) um baixo nível de
atividade entre 120 e 210 dias, devido à presença de polímeros recalcitrantes à
decomposição. Nestas fases a perda de massa segue paralela ao efeito térmico16,
como mostra a figura_3.
As tendências sazonais afetam os efeitos térmicos no ecossistema. Isto foi
comprovado em países com estações climáticas bem definidas, sendo que as curvas
calorimétricas variam para um microcosmo marinho6. Com amostras de solos
brasileiros colhidas em diferentes estações do ano, os resultados apresentaram-
se perfeitamente concordantes.
EFEITOS TÓXICOS
Nestes últimos dez anos surgiu uma nova sistemática para detectar poluentes
através do uso de bioindicadores. Desta forma, a simples existência de
microrganismos no ecossistema facilita o monitoramento das atividades
desenvolvidas, quando os mesmos são submetidos a estímulos. Assim, a técnica
microcalorimétrica é preferencialmente usada para ensaiar o potencial tóxico de
certos xenobióticos. Com este objetivo destacam-se os estudos feitos com metais
pesados37,38, nitrofenol39, pentaclorofenol16,18, complexos metálicos do grupo
da platina40, antibióticos17, herbicidas32 e fungicidas32. Os chamados efeitos
tóxicos afetam a fase de crescimento logarítmico das culturas microbiológicas
puras, em meio de cultura sintética ou em relação a organismos não-crescentes.
Este fenômeno pode ser visualizado na curva de potência em função do tempo,
onde o experimento em si é efetuado em meio, onde o solo é o componente que
sofre a adição do aditivo e do agente tóxico. Aliás, efeito semelhante foi
também observado na produção de populações microbianas em meio de cultura
sintético41.
O aumento progressivo da adição de cádmio, mercúrio, ácido selênico e ácido
iodoacético ao solo contendo glicose causa um decréscimo da área da curva do
registro potência-tempo, o que se reflete num efeito inibidor do crescimento
microbiano, em que o máximo da curva exponencial é deslocado para tempos
maiores37, como está delineado na figura_4. Os resultados obtidos com compostos
de cobre, que são largamente utilizados na proteção de frutas e árvores,
mostram um comportamento idêntico aos quatro compostos anteriores42. Este fato
também foi observado com a adição de certos herbicidas e fungicidas32.
O interessante é o modelo cinético ajustado a estes tipos de sistemas, durante
o acompanhamento da decomposição da glicose em um meio de cultura37. A
degradação da glicose em presença do cobre obedece a uma equação de primeira
ordem, o que o difere dos demais compostos metálicos42. Porém, a umidade usada
foi de 53%, valor que se afasta dos 20 e 40 % utilizados em outras
investigações. Este é um fator importante a ser considerado já que, a umidade
afeta drasticamente a forma da curva e conseqüentemente, a entalpia do
processo32. Uma visualização desta variação entálpica em função do tempo é
apresentada na figura_5, com e sem presença do cobre a 53% de umidade.
Soluções contendo os herbicidas paraquat (dicloreto de 1,1'-dimetil-4,4'-
bipiridínio) e diquat (dibrometo de 1,1'-etileno-4,4'-bipiridínio) são
empregadas em larga escala na agricultura para eliminar ervas daninhas, no
conhecido emprego como mata-mato. Quando teores variáveis de herbicidas foram
adicionados ao solo contendo glicose com umidade constante, as curvas
calorimétricas apresentaram-se com perfis bastante semelhantes32. A cinética de
degradação da glicose segue bem de perto o comportamento observado com o cobre.
Porém, ambos os herbicidas diferem nos valores das variações dos efeitos
térmicos na mesma degradação. Por outro lado, as variações dos teores dos
herbicidas provocam efeitos térmicos praticamente constantes com a variação da
massa dos mesmos. O fungicida fosfamidon (2-cloro-2-dietilcarboil-1-
metilvinila) causa um decréscimo no valor entálpico, que é diretamente
proporcional à massa adicionada ao solo32.
O pentaclorofenol (PCP) já foi intensivamente usado como pesticida contra
fungos, bactérias, insetos, algas, moluscos, ervas, como desfolhante, além de
protetor de madeira, porém, causa ação poluente ao solo15,16. Do ponto de vista
das atividades biológicas e bioquímicas o PCP tem a capacidade de transferir a
energia química do substrato ao ATP, de maneira não acoplada, o que implica na
existência de menos ATP formado do que o necessário para manter o organismo em
condições metabólicas normais. Conseqüentemente, consome oxigênio da
vizinhança, com o aumento da produção de efeitos térmicos16. Este fato foi
ilustrado pelo tratamento de solo de floresta em ambiente hermeticamente
fechado. Ao ser adicionao o PCP, ocorre imediatamente uma queda do efeito
térmico para atingir um patamar. Ao ser aberto o recipiente acontece a aeração.
Logo, o efeito térmico volta ao estado inicial e aí permanece por longo tempo,
mostrando a dependência do efeito com o oxigênio do ambiente18, fato que é
ilustrado na figura_6. Em outras circunstâncias, a adição do PCP acarreta um
significante e imediato estímulo ao metabolismo, que cresce sempre em função da
concentração, o que até certo ponto contraria os demais comportamentos de
aditivos ao solo.
Pequenos animais extraídos do solo do ecossistema também foram submetidos a um
banho de solução de PCP em tolueno, sendo a minhoca (Eisenia foetida) um
exemplo bastante ilustrativo. Quando embebida nestas soluções de concentrações
variando de zero a 60 mg por grama de solo, ocasiona ao animal manifestações,
cujos sinais registrados indicam um aumento do efeito térmico em função do
tempo18. A figura_7 mostra este fenômeno. A linha base ondulada significa a
mobilidade do animal no recipiente calorimétrico. Este mecanismo pode ser
explicado por provocar fosforilação oxidativa, consumindo energia da célula sem
produzir a equivalente energia em forma de ATP, necessária para os processos
celulares. O metabolismo aumenta no sentido de retirar energia do organismo,
através do consumo de oxigênio e produção de efeitos térmicos crescentes
proporcionais à concentração de PCP aplicada. No entanto, concentrações altas
produzem um forte metabolismo inibidor ou podem levar o animal a morte18.
Os fungos e as bactérias fazem parte da grande composição populacional
microbiana existente no solo. Estes microrganismos estão acompanhados de
actinomicetos e da própria flora. O número de bactérias em apenas dez gramas de
um solo rico foi estimado como sendo igual à população humana no nosso
planeta24. Contudo, as atividades de bactérias e fungos podem ser distinguidas
desde que sejam isolados e aplicados em solos devidamente esterilizados e que
contenham um meio de cultura conveniente. Os dados mostram que as bactérias
apresentam maior atividade, cujo acompanhamento pode ser facilmente seguido por
respirometria32. A figura_8 mostra as medidas respirométricas durante o consumo
de glicose a 53% de umidade.
Considerando os componentes microbianos, é possível distinguir as atividades
individuais através da contribuição do efeito térmico em função de um agente
químico conveniente. Assim, a adição de actidiona evidencia somente a atividade
de bactérias, enquanto penicilina/estreptomicina permite verificar somente a
atividade de fungos. A ação conjunta de ambos os inibidores torna-se útil para
saber a total inibição no sistema17. Normalmente, para esses tipos de
experimentos, a calorimetria pode ser plenamente complementada por ensaios
paralelos de microscopia.
CONCLUSÃO
Nesta apreciação da contribuição da calorimetria ao estudo de um ecossistema,
os dados ilustram que esta técnica pode dar marcantes subsídios ao entendimento
da ecologia, voltada neste caso, para a atividade microbiológica do sistema.
Evidencia-se a substancial vantagem da microcalorimetria por ser rápida e de
simples realização quando comparada com tradicionais bioensaios, que exigem um
contínuo monitoramento de efeitos. A calorimetria permite o registro de
respostas sub-letais e até reações inesperadas. É de rápida resposta com
metodologia não específica, para quantificar a variação de entalpia durante o
metabolismo, permitindo seguir a cinética da reação e a variação das atividades
metabólicas sem que seja necessário monitorar um elemento específico do
sistema. Pode ainda ser aplicada com vantagem em sistemas aeróbios, anaeróbios
ou mistos.
Os resultados calorimétricos obtidos podem ser associados a outras técnicas
para comprovação e, em muitos casos, é bastante desejável, destacando-se neste
caso a respirometria. Em todas as determinações a calorimetria dispensa o uso
de soluções opticamente claras, o que permite obter dados em suspensões e mesmo
em sistemas altamente heterogêneos como são os solos.
A maioria dos dados apresentados trata dos efeitos que certos aditivos causam à
ecologia de todo sistema. Neste caso, o homem é altamente responsável, embora
em muitas situações sem estar consciente do fato. O alvo atingido é sempre a
população dos microrganismos, que em muitas vezes recebem doses letais.
Os agentes atuantes no ecossistema abrangem a enorme gama de compostos feitos
pelo homem, que necessita de esclarecimentos para não comprometer a sociedade.
Por outro lado, os exemplos servem para divulgar o expressivo potencial atuante
que exercem os xenobióticos na natureza e ainda chamar a atenção para o uso
adequado dos mesmos, no sentido de preservar este fantástico mundo microscópico
e vastamente rico em população.