Estudo químico-computacional da reatividade de aziridinona e diaziridinona
através de cálculos semi-empíricos
INTRODUÇÃO
A compreensão do comportamento químico de moléculas orgânicas polifuncionais
apresenta-se como um desafio ao químico. Mesmo em moléculas relativamente
simples, muitas vezes, o conhecimento da química dos grupos funcionais
presentes não é suficiente, sozinho, para esclarecer todos os aspectos
relacionados ao padrão de reatividade encontrado, e em moléculas polifuncionais
que associam tensão anelar esta situação é ainda mais complexa. O emprego do
tratamento típico da teoria de ligação de valência, com ligações localizadas e
deslocamento de pares de elétrons, é infrutífero em moléculas com este grau de
complexidade estrutural1, 2.
Por outro lado, o estudo de moléculas polifuncionais pode ser adequadamente
abordado empregando-se os métodos baseados na teoria dos orbitais moleculares.
Tais métodos fornecem dados estruturais e eletrônicos extremamente úteis na
compreensão da reatividade química1, 2, 3.
Aziridinonas (1, a-lactamas) e diaziridinonas (2) são heterocíclos de três
membros, tensionados e densamente funcionalizados, que apresentam em comum uma
carbonila e um nitrogênio no anel, e têm sido empregados como intermediários em
síntese orgânica4,5. Entretanto, comparados a outros compostos cíclicos de três
membros como, por exemplo, trans-di-tert-butilciclopropanona, 1 e 2 são pouco
reativos frente a nucleófilos. As reações com álcoois e aminas requerem refluxo
prolongado e os rendimentos são baixos ou moderados4. Estas mesmas reações são
consideravelmente aceleradas quando catalisadas por metais de transição, e os
produtos sugerem coordenação através do átomo de nitrogênio de 1 e 2 , mesmo
com metais duros4.
Para racionalizar estes fatos, procurou-se lançar mão de dados estruturais e
eletrônicos descritos na literatura, mas nenhum dos cálculos disponíveis6
apresenta propriedades eletrônicas tais como coeficientes dos orbitais de
fronteira, cargas, etc., necessários no estudo da reatividade química1,2,3.
Além disso, não há nenhum cálculo para diaziridinona, e para aziridinona os
cálculos são, na sua maioria, cálculos ab initio para moléculas modelos, sem
existência real.
Nosso interesse pela reatividade de anéis de três membros7 motivou o presente
trabalho, onde estuda-se teoricamente a aziridinona e a diaziridinona,
avaliando-se qual método semi-empírico representa melhor as propriedades
moleculares de 1 e 2 , empregando-se os parâmetros eletrônicos assim obtidos
para racionalizar suas reatividades.
Detalhes Computacionais
Todos os cálculos foram realizados usando os métodos semi-empíricos AM18, PM39
e MNDO10 implementados no pacote de cálculos SPARTAN 4.011, em uma estação de
trabalho IBM RISC System/6000. Todas as geometrias foram otimizadas sem nenhuma
restrição, usando-se o método BFGS12-15, e representam mínimos de energia pela
análise de suas matrizes de Hess.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na busca do método semi-empírico mais adequado para estudar os sistemas
aziridinona e diaziridinona, procurou-se avaliar qual método (MNDO, AM1, PM3)
reproduz melhor os parâmetros estruturais experimentais de 1 e 2 , validando-
se, assim, o método semi-empírico mais adequado para calcular as propriedades
eletrônicas. Os dados de raio X da 1,3-diadamantilaziridinona (3)16 e da bis-
(p-bromo,a,a-dimetilbenzil)-diaziridinona (4)17 são apresentados nas Tabelas_1
e 2, respectivamente, e comparados com os resultados obtidos nos cálculos semi-
empíricos.
Os três métodos apresentam uma boa concordância na reprodução dos parâmetros
estruturais experimentais, mas os dados dos cálculos AM1 e PM3 são, em geral,
ligeiramente superiores aos dados do cálculo MNDO, e quando se compara os
potenciais de ionização de 1 (Tabela 3)18, a mesma tendência é observada. A
análise dos erros médios na reprodução dos parâmetros estruturais e eletrônicos
(ver Tabelas_1, 2 e 3) favorece o emprego dos métodos AM1 e PM3, mas como o
método AM1 apresentou a maioria de erros médios menores, foi o selecionado para
calcular as propriedades eletrônicas de 1 e 2, corroborando nosso estudo
anterior que demostrou a melhor adequação do método AM1 para anéis de três
membros densamente funcionalizados7. Para simular a interação dessas moléculas
com ácidos de Lewis, as propriedades estruturais e eletrônicas das moléculas
protonadas (1a, 1b, 1c, 2a e 2b) foram calculadas, e os resultados são
apresentados conjuntamente na Tabela_4.
Aziridinona (1) e diaziridinona (2) são moléculas bidentadas cuja coordenação à
espécies catalíticas pode ocorrer no oxigênio ou no nitrogênio. Aplicando-se o
princípio de dureza/moleza1, a protonação destas espécies deve ocorrer
preferencialmente no oxigênio (a aziridinona admite duas formas de protonação
no oxigênio de igual estabilidade, 1b, com o proton cis ao nitrogênio, e 1c,
com o hidrogênio trans, Tabela_4); todavia, o cálculo da estabilidade relativa
revela que as espécies N-protonadas (1a, 2a) são cerca de 20 Kcal/mol mais
estáveis que as espécies O-protonadas (1b, 1c, 2b). Os valores dos coeficientes
de funções atômicas no HOMO de 1 e 2 também favorecem a N-protonação, pois é
sobre os átomos de nitrogênio que se encontram os maiores valores (Tabela_4), o
que leva a interações mais estabilizantes.
O grau de pirimidização, que refere-se à geometria tetraédrica do átomo central
com relação aos seus ligantes, no átomo de nitrogênio de 1 e 2 é evidenciado
pelos cálculos e sugere um forte caráter de hibridação sp3. Nas espécies N-
protonadas de 1, o ângulo de pirimidização j permanece praticamente inalterado
quando comparado à espécie neutra, mas nas espécies O-protonadas este ângulo
tende a zero (Fig._1). A ordem de ligação N_C carbonílico também aumenta de
1,00 para 1,53 (1®1b, Tabela_4), evidenciando conjugação do nitrogênio com a
carbonila. Estes dados sugerem hibridação sp2 para o nitrogênio na espécie O-
protonada (1b e 1c), o que proporciona um aumento considerável da tensão anelar
no anel da aziridinona, sendo que este é o fator responsável pela pequena
energia de ressonância de 1 (12,5 Kcal/mol)6c, Figura_2. Para a diaziridinona,
a pirimidização dos dois átomos de nitrogênio é significativa tanto na molécula
neutra como nas formas protonadas. Aqui, nem mesmo a O-protonação hibridiza o
nitrogênio a sp2, uma vez que o ângulo de pirimidização j de 2b é 46,8 e a
ordem de ligação N-C carbonílico praticamente não se altera quando comparado à
espécie neutra (Tabela_4, 2®2b, de 0,94 para 1,09). Esta resistência à
hibridação sp2 do nitrogênio nas espécies O-protonadas deve relacionar-se à
presença de quatro elétrons p no anel, o que levaria a um núcleo antiaromático.
Dessa forma, os argumentos cinéticos, termodinâmicos e estruturais acima
discutidos favorecem a coordenação de 1 e 2 com ácidos de Lewis no nitrogênio
do anel, em detrimento à O-coordenação, independente de sua natureza duro/mole,
o que vem ao encontro dos dados experimentais. Esta N-coordenação aumenta a
reatividade de 1 e 2 frente a nucleófilos pois, além de abaixar a energia do
LUMO dessas espécies, elimina a repulsão entre o par de elétrons do nitrogênio
e o nucleófilo que se aproxima. A racionalização aqui apresentada, da forma
como esta catálise ocorre, proporcionando reações rápidas e seletivas, aumenta
o potencial de aziridinonas e diaziridinonas como intermédiários em síntese
orgânica.