Análise de naftoquinonas em extratos brutos de raízes de Zeyheria montana M.
(bolsa-de-pastor)
INTRODUÇÃO
Extratos de produtos naturais têm sido largamente usados como medicamento desde
tempos antigos. Muitas substâncias têm sido isoladas e purificadas e suas
estruturas identificadas. Entretanto, extratos de plantas ainda são usados como
medicamentos sem um conhecimento do perfil cromatográfico e sem averiguação da
presença das substâncias ativas ou comumente encontradas na espécie vegetal.
As plantas medicinais necessitam de uma padronização dos seus extratos para
serem empregadas na fitoterapia ou na preparação de fitoterápicos. Esta
padronização deve ser rápida, eficiente e permitir a identificação das
substâncias presentes no extrato vegetal. A cromatografia líquida de alta
eficiência (CLAE) tem prestado grande auxílio nesta padronização, uma vez que
ela é capaz de mostrar um perfil cromatográfico do extrato, tornando possível a
averiguação das substâncias normalmente presentes e/ou responsáveis pela
atividade farmacológica, mesmo em pequenas concentrações.
As naftoquinonas são descritas como principais constituintes do gênero Tabebuia
da família Bignoniaceae por serem freqüentes e algumas vezes abundantes em
várias espécies deste gênero1.
Zeyheria montana M.2é uma Bignoniaceae nativa no Brasil conhecida como bolsa-
de-pastor, cujas raízes são usadas na medicina popular contra as doenças de
pele3. Esta espécie, anteriormente denominada Z. digitalis, teve sua madeira
estudada e dos extratos benzênico e etanólico foi isolada uma única
naftoquinona, o lapachol (1)4.
No presente estudo, além do lapachol, mais três outras naftoquinonas foram
isoladas das raízes desta espécie: a-lapachona (2a), desidro-a-lapachona (3) e
4-hidroxi-a-lapachona (2b). As estruturas químicas desses compostos estão
representadas na Figura_1.
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O estudo por CLAE desta espécie focalizou as naftoquinonas, uma vez que elas
estão associadas a várias atividades biológicas. Os extratos de espécies dessa
família tiveram suas atividades antimicrobianas comprovadas5; o lapachol
apresentou ação antiinflamatória em ratos6 e atividade antineoplásica com baixa
toxicidade em pacientes humanos7.
Publicação prévia de condições utilizadas na CLAE, para separação de uma
mistura de lapachol, a-lapachona, b-lapachona e desidro-a-lapachona foi
descrito por Awang et al., utilizando fase móvel isocrática [acetonitrila
(MeCN) com 0,25% de sol. aquosa de ácido acético], a qual não foi testada em
extratos brutos de plantas8. Kreher descreveu a identificação e quantificação
de lapachol, desidro-a-lapachona e outras naftoquinonas presentes em Tabebuia
avellanedaeutilizando como fase móvel um gradiente de MeCN - água (10-60% MeCN)
em 30 min. Desta forma foram quantificados a desidro-a-lapachona (7,0 mg) e o
lapachol (0,2 mg) em 100 g da planta seca9. Condições semelhantes foram usadas
no presente trabalho.
O objetivo principal desse trabalho foi desenvolver um método utilizando CLAE,
em fase reversa, para separação dos constituintes químicos e análise
quantitativa das principais naftoquinonas presentes no extrato etanólico das
raízes de Z. montana. O estudo fitoquímico das raízes foi realizado previamente
para isolamento de constituintes químicos.
PARTE EXPERIMENTAL
Material vegetal
A planta foi coletada durante a primavera de 1993 em São Gotardo, Minas Gerais,
Brasil e identificada por J. L. Pedersoli, do Departamento de Botânica, da
Universidade Federal de Minas Gerais. Uma exsicata encontra-se no Herbário do
Museu de História Natural, Belo Horizonte, Brasil (n° 4466).
Instrumentação e parâmetros da separação por CLAE
As análises por CLAE foram feitas em um cromatógrafo líquido HP 1090 com
detector de diode-array HP 1040 (Hewlett-Packard, Waldbronn, Alemanha) coluna
de fase reversa Lichrospher 100 RP-18 (12,5 cm x 1,0 cm) com partículas de 5 µm
(Merck, Darmstadt, Alemanha). Para separação dos compostos empregou-se um
gradiente linear dos solventes A (H2O + 1% H3PO40,1 N) e B (acetonitrila + 1%
H3PO4 0,1 N); 10% - 95% B em 55 min.; fluxo 1 mL/min. A detecção foi realizada
no comprimento de onda de 210 nm.
Obtenção dos compostos de referência
Os compostos de referências foram obtidos do extrato etanólico, previamente
preparado por percolação das raízes secas de Z. montana. O extrato etanólico
(12 g), depois de concentrado a vácuo, foi dissolvido em água/etanol (3:7) e
extraído com hexano. O extrato hexânico, depois de concentrado a vácuo (3,0 g),
foi cromatografado em coluna de sílica gel com eluentes de polaridades
crescentes (hexano, diclorometano e metanol). Isolaram-se o ác. esteárico (40
mg) e quatro naftoquinonas: lapachol (140 mg), a-lapachona (40 mg), desidro-a-
lapachona (7 mg) e 4-hidroxi-a-lapachona (7 mg). Estas substâncias foram
identificadas pela comparação com amostras autênticas, isoladas das raízes de
Z. tuberculosa, por cromatografia em camada delgada de sílica10. As estruturas
das substâncias foram confirmadas comparando-se os dados das espectrometrias no
IV, RMN1H e 13C e de massas com aqueles da literatura11,12. A pureza dos
compostos isolados foi testada em CLAE de fase reversa (RP-18).
Preparação das substâncias de referência
Pesaram-se exatamente 10 mg de cada padrão das naftoquinona (lapachol, a-
lapachona e desidro-a-lapachona), que foram dissolvidos em balão volumétrico de
10 mL completando o volume com acetonitrila. Uma alíquota de 1 mL da solução
estoque foi retirada e diluída para um volume final de 10 mL de acetonitrila.
Volumes desta solução, variando de 0,06 µL até 1,0 µL foram injetados para
construção das curvas de calibração, pelo método do padrão externo.
Preparação do extrato da planta para injeção em CLAE
Raízes secas de Z. montana foram pulverizadas e o pó (3 g) foi extraído
exaustivamente com EtOH, durante 2 horas, em extrator de Soxhlet. O extrato
etanólico foi evaporado até secura e o resíduo foi retomado, quantitativamente,
com 10 mL de acetonitrila. Uma alíquota de 1 mL desta solução foi filtrada
através de cartucho Sep-Pak RP18, precondicionado com acetonitrila e 10 µL
desta solução foram injetados no cromatógrafo para quantificação.
Quantificação
A quantificação das naftoquinonas foi feita segundo o método do padrão externo.
As curvas de calibração para as naftoquinonas foram obtidas pela injeção de
volumes crescentes das soluções-padrão [0,06* µL, 0,08* µL, 2 µL, 4 µL, 6 µL, 8
µL, 10 µL (*= apenas para desidro-a-lapachona)]. Cada volume foi injetado 5
vezes e utilizou-se a média aritimética das áreas para construção das curvas de
calibração.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Tanto a planta em estudo como outras espécies do gênero Tabebuia apresentam
naftoquinonas na sua composição química. Com o objetivo de quantificar algumas
naftoquinonas nos extratos brutos de Z. montana e de outras espécies procuramos
desenvolver um método de CLAE, de fase reversa, no qual obtivéssemos uma
separação satisfatória dos picos e boa reprodutibilidade dos cromatogramas.
Procuramos desenvolver uma fase móvel que permitisse uma separação adequada
tanto dos compostos polares quanto apolares, usualmente presentes em extratos
brutos.
Dentre os compostos mais apolares foi isolado o ácido esteárico nas primeiras
frações da coluna cromatográfica do extrato hexânico das raízes de Z. montana
(eluente:hexano) que foi identificado pela aparência oleosa, pelo espectro no
IV e pelo espectro de massas. Este ácido foi injetado no cromatógrafo, tendo
apresentado tempo de retenção de 46,8 min.
As naftoquinonas isoladas: a-lapachona, desidro-a-lapachona e lapachol, foram
separadamente injetadas no cromatógrafo e os tempos de retenção e seus
espectros no UV "on line" obtidos pelo detector de diode-array
(Figura_2). O extrato bruto de Z. montana foi injetado posteriormente e o
perfil cromatográfico pode ser observado na Figura_3. Os picos correspondentes
às três naftoquinonas podem ser identificados no cromatograma do extrato bruto
por comparação com o tempo de retenção de cada uma delas, obtido separadamente:
24,17 min. para a-lapachona, 25,77 min. para desidro-a-lapachona e 29,75 min.
para o lapachol. A quantificação das naftoquinonas nos extratos brutos foi
feita tomando como base a área dos picos obtidos nas amostras-padrão.
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Os gráficos de calibração linear (Figura_4) foram obtidos através da área dos
picos das naftoquinonas (y), usadas como padrão externo, versus a quantidade
injetada (x µg). As equações de regressão e os coeficientes de correlação
obtidos foram y = 8 547 000x - 116 900 (r=0,9939) para o lapachol, y = 7 780
000x + 45 670 (r=0,9998) para a a-lapachona e y = 8 992 000x - 629,9 (r=0,9999)
para a desidro-a-lapachona. A média das concentrações obtidas, em 100 mg das
raízes da planta, foram de 0,011 (+ 0,0012)% de lapachol, 0,0061 (+ 0,0002)% de
a-lapachona e 0,0043 (+ 0,0002)% de desidro-a-lapachona.
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Os valores das áreas determinadas por CLAE, referentes às três naftoquinonas
presentes nas raízes de Z. montana estão representados na Tabela_1.
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CONCLUSÕES
Lapachol, desidro-a-lapachona e a-lapachona foram quantificados no extrato
etanólico das raízes de Z. montana. Destas, o lapachol é o componente
majoritário. O cromatograma do extrato mostra picos correspondentes a várias
outras substâncias. A 4-hidroxi-a-lapachona, também isolada, corresponde ao
pico com tempo de retenção de 17,30 min. e a substância com maior pico no
extrato, nas condições de análise, foi identificada como ácido esteárico com
tempo de retenção igual a 45,56 min. A metodologia desenvolvida para Z. montana
permite a quantificação de naftoquinonas usualmente presentes em extratos de
espécies do gênero Tabebuia, também usadas como fitoterápicos, o que viabiliza
a utilização de extratos brutos de plantas com rigoroso controle de qualidade.