Superação in vitro da dormência de embriões do porta-enxerto de macieira M9
(Malus pumilla Mill.)
SUPERAÇÃO IN VITRO DA DORMÊNCIA DE EMBRIÕES DO PORTA-ENXERTO DE MACIEIRA M9
(Malus pumilla Mill.)1
INTRODUÇÃO
O período juvenil na macieira pode ser significativamente reduzido, acelerando-
se o crescimento das plântulas por enxertia em porta-enxertos anões e pela
seleção para um período juvenil curto (Viser, 1970). Mesmo quando o período
juvenil é encurtado por tais meios, ocorre um longo intervalo de tempo a partir
do cruzamento até a germinação, tornando mais difícil e longo o programa de
melhoramento genético para esta espécie (Roen, 1994).
Com o desenvolvimento de técnicas de cultivo in vitro, tornou-se possível,
entre outras, obter-se plântulas viáveis em menos tempo. Isto pode ser obtido
mediante o isolamento do embrião e seu cultivo asséptico em meios de cultura
adequados que permitam a superação da dormência, o desenvolvimento embrionário
e a germinação (Nakayama et al., 1974). Embora a excisão de embriões a partir
de sementes seja uma operação onerosa e demorada, plântulas originadas a partir
do cultivo in vitro de embriões florescem mais precocemente, e podem servir
como progenitores em futuros cruzamentos, reduzindo assim o ciclo de gerações
(Roen, 1994).
As sementes da macieira apresentam dormência e necessitam de um ótimo de
temperatura para sua superação. Normalmente, são necessários entre 75 a 90 dias
em temperaturas de 2-6°C para que se inicie a germinação (Seeley e Damavandy,
1985). Estas condições podem ser substituídas pelo isolamento de embriões e
pelos tratamentos com giberelinas, isoladamente ou em combinação com
citocininas, e aplicados durante o tratamento a frio (Come e Durand, 1971) ou
durante a germinação (Bulard, 1985; Durand et al., 1976).
Perino e Côme (1991) confirmam a existência, durante o processo de germinação
de embriões de macieira, de duas principais fases: uma fase denominada sensu
stricto e outra, chamada de fase de crescimento. A fase mais crucial é a da
germinação sensu stricto, onde a transição para o crescimento da plântula é
mediada por respostas na sensibilidade a fatores externos e a substâncias que
possam ativar o metabolismo no embrião.
A superação da dormência da semente é acompanhada por pronunciadas mudanças no
equilíbrio hormonal, envolvendo as giberelinas (Halinska et al., 1987), as
auxinas (Côme, 1981) e as citocininas (Zhang e Lespinasse, 1991). As mudanças
no equilíbrio hormonal podem resultar na influência exercida de um
fitorregulador sobre níveis endógenos de outro, assim como em respostas
morfogenéticas (Rudnicki et al., 1972). Além disto, as interações entre estes
fitorreguladores afetam a superação da dormência e a subseqüente germinação das
sementes (Dunlap e Morgan, 1977).
O meio mais utilizado para o cultivo de embriões é o MS (Murashige e Skoog,
1962) com algumas variações na sua suplementação com fitorreguladores. Contudo,
as respostas dependem do genótipo da planta-matriz e do estágio de
desenvolvimento do embrião. De uma forma geral, a taxa de germinação é tanto
menor quanto mais jovem for o embrião (Bruck e Walker, 1985).
O objetivo deste trabalho foi estudar o efeito de diferentes combinações de
fitorreguladores e outras substâncias orgânicas suplementadas ao meio de
cultura MS, visando a superar a dormência de embriões e a promover a
subseqüente germinação in vitro a partir de sementes maduras do porta-enxerto
M9, oriundas da polinização aberta.
MATERIAL E MÉTODOS
Os frutos foram colhidos maduros, ao acaso, oriundos da polinização aberta do
porta-enxerto M9 (Malus pumilla Mill.), em plantas-matrizes cultivadas na
EPAGRI ¾ São Joaquim (SC). O porta-enxerto M9, de hábito ananizante, é bastante
utilizado em plantios de macieira em sistema de cultivo de alta densidade, por
causa de sua precocidade e produtividade (Webster, 1997).
A etapa laboratorial foi conduzida no Laboratório de Fisiologia do
Desenvolvimento e Genética Vegetal da Universidade Federal de Santa Catarina.
Em câmara de fluxo laminar, os frutos foram submetidos a uma esterilização com
etanol 960 por 10 minutos, seguida de hipoclorito de sódio a 2% por 20 minutos.
Assementes foram removidas mediante corte transversal do fruto, sendo
submetidas a uma desinfestação em álcool 70% por 30 segundos e hipoclorito de
sódio 1,25% por 15 min, seguidas de três lavagens com água esterilizada e
autoclavada. Os embriões foram então retirados das sementes e inoculados em
tubos de ensaio, contendo 10 ml de meio MS, acrescido de sacarose (30 g.L-1),
ágar, (6 g.L-1) (meio basal) e suplementado com os seguintes fitorreguladores e
compostos orgânicos: A) ácido 3-indolacético (AIA) (14 µM), ácido giberélico
(GA3) (1,5 µM) e caseína hidrolisada (CH) (500 mg.L-1); B) AIA (14 µM), GA3
(1,5 µM) e CH (500 mg.L-1) e cinetina (Kin) (5 µM); C) AIA (14 µM), GA3 (1,5
µM) e CH (500 mg.L-1) e isopenteniladenina (2iP) (12 µM); D) AIA (14 µM), GA3
(1,5 µM) e água de coco (AC) (15%); E) AIA (14 µM), GA3 (1,5 µM ), CH (500
mg.L-1) e 6-benzilaminopurina (BAP) (4 µM); F) MS/2, CH (500 mg.L-1) e AC
(15%).
As culturas foram mantidas no escuro por 10 dias e, após este período, foram
transferidas para sala de crescimento sob regime de 16 horas de luz e
temperatura de 25 ± 2°C. Após 60 dias, os embriões foram coletados e avaliados
quanto à percentagem de contaminação, oxidação e germinação, número e
comprimento de brotações e de raízes, percentagem de calo formado nas raízes e
cotilédones. Utilizou-se o delineamento experimental inteiramente ao acaso, com
cinco embriões por parcela e cinco repetições por tratamento. Os dados foram
submetidos à Análise de Variância e ao teste de separação de médias SNK, a 5%
de probabilidade.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Análise da Variância apresentou efeitos significativos para o fator meio de
cultura nas variáveis percentagem de germinação, percentagem de calos formados
nas raízes e nos cotilédones, número de brotações, número de gemas e número de
raízes (dados não mostrados).
A maior percentagem de germinação (75%) foi obtida no tratamento B, em meio de
cultura basal suplementado com CH, AIA (14 µM), GA3 (1,5 µM) e Kin (5 µM).
Entretanto, quando, neste meio basal, ocorreu a substituição da Kin pelo 2-iP
(2 µM), observaram-se os maiores valores médios para percentagem de indução de
calos (tratamento C). Também nestes mesmos tratamentos, se observou uma maior
percentagem de indução de calos originados nos cotilédones (Figura_1). Em
relação a B, as taxas de germinação dos tratamentos A e F alcançaram valores
relativos de 66,6% e os tratamentos C e E, 83,3%.
Badizadegen e Carlson (1967) observaram que embriões maduros de macieira
cultivados em meios de cultura suplementados com 25 ppm de BAP resultaram em
66% de germinação para cv. MacIntosh e 50% para a cv. Wealthy. Já, Ivanicka e
Mokra (1982) obtiveram 80% de germinação em embriões de Prunus avium cultivados
em meio de cultura MS suplementado com AIA (5 mg.L-1), AG3 (0,5 mg.L-1) e de CH
(500 mg.L-1).
O tratamento A, cujo meio de cultura basal foi suplementado com AIA (14 µM),
GA3 (1,5 µM) e CH (500 mg.L-1), induziu a formação de calos nas raízes. Tem
sido sugerido que as auxinas podem, dependendo da concentração utilizada,
estimular a produção de calos (Grattapaglia e Machado, 1998). Este aspecto é
corroborado pelo fato de que, no presente trabalho, os embriões cultivados no
meio de cultura sem AIA não formaram calos. Apesar de alguns efeitos
morfogenéticos inibitórios, as auxinas, em concentrações baixas, podem promover
o crescimento do primórdio radicular, e o AIA, em baixas concentrações, pode
estimular o desenvolvimento de embriões de algumas espécies (Rietsema et al.,
1953; Krikorian, 1993).
O meio de cultura suplementado com AIA (14 µM), AG3 (1,5 µM) e CH e o meio de
cultura MS/2 suplementado com CH e AC (tratamento A e F, respectivamente)
resultaram nas menores percentagens de germinação (25%). Van Overbeck et al.
(1941) obtiveram respostas positivas à AC, adicionada ao meio de cultura, na
germinação de embriões de Datura sp. Boase et al. (1993) observaram que a AC
promoveu aumento no número de brotos e de gemas in vitro de Actinidia
deliciosa. Tem sido sugerido que a AC, adicionada ao meio de cultura basal,
forneça açúcares, vitaminas, aminoácidos, fitorreguladores e outros metabólitos
essenciais às culturas (Caldas et al., 1998).
Não foram observadas diferenças em relação aos efeitos da CH quando comparados
aos efeitos atribuídos aos meios de cultura isentos deste composto.
Contrariamente, Raganwamy (1961) reportou que a CH (400 mg.L-1) foi essencial
para a germinação de embriões de Citrus microcarpa, X Triticosecale (Bajaj,
1980), Oryza sativa(Shome e Bhaduri, 1982) e Prunus persica (Nakayama et al.,
1974).
Em relação ao número de brotações e gemas produzidas, a melhor resposta foi
observada com o meio de cultura basal suplementado com BAP (4 µM) (tratamento
E), o qual promoveu a neoformação de 2,3 brotos por embrião e 12,3 gemas por
brotação (Figura_2). Quanto ao número de brotos, os outros tratamentos
resultaram em valores inferiores, em torno de 30% do tratamento E. Já em
relação ao número de gemas, os tratamentos B e D resultaram em valores de 70%
do tratamento E, e os tratamentos A, C e F, de 45%.
Estes resultados podem ser atribuídos ao efeito citocinínico forte do BAP
(Krikorian, 1993), em relação às outras citocininas (Kin e 2-iP) empregadas no
presente trabalho. De acordo com Fiorino e Leva (1983) e Berardi et al. (1993),
o BAP é a citocinina mais ativa e mais utilizada na multiplicação de brotações
e de gemas em macieira e pereira.
Em relação ao comprimento das brotações, não houve diferença estatística
significativa entre os tratamentos. Entretanto, foi observado maior valor no
tratamento A, constituído pelo meio de cultura suplementado com AIA, GA3 e CH.
O menor valor foi observado no tratamento F, constituído pelo meio de cultura
MS/2 suplementado com CH e AC, apresentando 2,4 cm de comprimento nas brotações
após 60 dias de cultivoin vitro (Figura_2).
O número de raízes foi maior nos meios de cultura suplementados com AIA, AG3 e
isentos de citocininas (tratamentos A, E e D). Já para o comprimento de raízes,
não houve diferenças estatísticas significativas, porém os tratamentos A, B e E
apresentaram mais de 2,0 cm de comprimento (Figura_3). A característica
comprimento de raízes é importante para a aclimatização destas plântulas em
viveiro.
Neste trabalho, pode-se verificar que a suplementação in vitro com os
fitorreguladores AG3,AIA e diferentes fontes de citocininas foi determinante
para a superação da dormência dos embriões do porta-enxerto M9. Segundo
Hartmann et al. (1990), o AG3 é importante para a superação da dormência
fisiológica em embriões, estimulando a germinação. Entretanto, Bewley (1997) e
Khan (1994) observaram que o AG3 não parece estar envolvido no controle da
dormência per se, mas tem importância vital na promoção e manutenção da
germinação. O AG3é conhecido como um promotor da germinação em oposição à ação
inibitória do ABA, e em combinação com citocininas promove a superação da
dormência promovida pelo ABA.
CONCLUSÕES
Em macieira, poucos trabalhos têm reportado sucesso no resgate, cultivo e
germinação de embriões maduros em meios de cultura, suplementados ou não com
fitorreguladores ou complexos naturais, como AC e CH. No presente trabalho,
foram alcançadas taxas expressivas de superação in vitro da dormência do porta-
enxerto de macieira M9, por meio da técnica resgate de embriões. A
suplementação do meio de cultura basal, com os fitorreguladores AG3, AIA, 2-iP,
BAP e Kin e os complexos naturais CH e AC, aumentou significativamente as taxas
de sucesso na obtenção de plântulas, comparativamente aos meios isentos destes
compostos. Estes resultados são relevantes porque demonstraram que esta técnica
se constitui numa alternativa eficiente e rápida à superação da dormência de
embriões de macieira comparativamente ao tratamento convencional a frio.
Os resultados indicam o potencial de uso desta biotecnologia, como técnica
auxiliar efetiva nos programas de melhoramento genético de porta-enxertos de
macieira, notadamente quando há a necessidade da utilização de embriões
oriundos de cruzamentos.