Estádio da meiose do micrósporo como marcador do final da endodormência em
pessegueiro
ESTÁDIO DA MEIOSE DO MICRÓSPORO COMO MARCADOR DO FINAL DA ENDODORMÊNCIA EM
PESSEGUEIRO1
INTRODUÇÃO
As condições climáticas das regiões produtoras de pêssego no Brasil são muito
variáveis, principalmente no que se refere ao frio hibernal necessário para a
adaptação da cultura. Em geral, caracterizam-se por invernos amenos com grande
oscilação de temperatura e freqüentes geadas tardias em algumas microrregiões,
principalmente nos meses de agosto e setembro. As cultivares mais adaptadas
para este clima são as que necessitam de menor acúmulo de frio (entre 150 a
500h). Uma vez satisfeita a necessidade de frio, as plantas florescem assim que
tenham atendidas suas necessidades de calor. As geadas tardias têm contribuído
enormemente para a redução ou, até mesmo, perda total na produção anual de
algumas cultivares. Dois fatores têm sido propostos para explicar o tempo
requerido desde a entrada em dormência até o florescimento: o acúmulo de frio,
necessário para a superação da endodormência, e o requerimento em calor, após a
endodormência, para o florescimento (Richardson et al., 1975; Raseira, 1986, e
Citadin, 1999). Assim, poderá haver diferença no período de floração de
diferentes cultivares, dependendo do número de unidades de calor requeridas
para florescer, ainda que estas apresentem a mesma necessidade de frio para
superar a fase de endodormência.
Desde os trabalhos realizados por Chandler & Tufts (1933), tem-se procurado
relacionar o estádio de desenvolvimento do grão de pólen com o final da
dormência. Pesquisas realizadas consideraram o final da meiose, marcado pela
formação das tétrades, como sendo o final da fase de dormência no gênero Prunus
(Young & Hauser, 1980). Após esta fase, o desenvolvimento fenológico está
relacionado com as unidades de calor acumuladas (Monet & Bastard, 1971). Em
pessegueiros, as células-mãe dos grãos de pólen avançam da fase pré-meiótica
para o estádio de tétrades em apenas dois dias (Young & Hauser, 1980). Em
cerejeiras, foram também observadas divisões meióticas em 48 horas, porém as
gemas foram submetidas à temperatura constante de 15ºC (Whelan et al., 1968).
O objetivo deste trabalho foi verificar a validade do uso da técnica da meiose
polínica como marcador da fase final da endodormência em pessegueiro, nas
condições de inverno subtropical.
MATERIAL E MÉTODOS
Os trabalhos foram conduzidos na Embrapa Clima Temperado, localizada na BR 392
km 78, Pelotas (latitude 32º 45' S, longitude 52º 30' W e altitude de 60
metros), RS, em 1997 e 1998.
Foram coletadas quinze gemas florais por planta adulta desenvolvidas em
condições de campo, das cultivares Precocinho, Eldorado, Sunlite, BR-1, Della
Nona e Planalto. As gemas foram coletadas desde o início de maio até o final da
meiose de cada planta, do segundo terço superior de ramos de um ano,
localizados nas partes externa e mediana da árvore e distribuídos em todo o seu
perímetro. Conforme o desenvolvimento das gemas, se ainda bem dormentes ou já
em início de divisão meiótica, as coletas eram mais ou menos espaçadas,
variando de duas a três vezes por semana. O critério de escolha das cultivares
baseou-se no período de floração, ou seja, foram escolhidas cultivares de
floração precoce ('Precocinho'), intermediária ('Sunlite' e 'Eldorado') e
tardia ('BR-1', 'Planalto' e 'Della Nona'). Estima-se que a necessidade de frio
hibernal das cultivares utilizadas esteja entre 200 e 400 horas, com
temperaturas abaixo de 7,2ºC (Raseira & Nakasu, 1998). Após a coleta, as
gemas foram colocadas em fixador, composto de uma mistura de duas partes de
álcool e uma parte de ácido propiônico e foram mantidas em refrigerador, a 5
ºC, até que as anteras dessas gemas fossem observadas. Com o auxílio de uma
lupa binocular, foram retiradas de cada gema 4 a 5 anteras. Estas foram
colocadas em lâmina e preparadas pelo método de Smear and Squash (maceramento).
Como corante, foi utilizado o carmim propiônico. As lâminas foram observadas ao
microscópio óptico, verificando-se o estado das gemas (necrosadas ou não) e a
fase em que se encontravam, ou seja, se dormentes (GD), células-mãe de pólen
(CM) ou tétrades + pólen (T + P). Foi considerado como final da meiose e
conseqüentemente da endodormência, quando, em 80 % das gemas, era possível
observar pelo menos uma célula no estádio de tétrades ou pólen. Foram
registradas as datas do final da meiose para cada repetição das cultivares
estudadas. Foram coletados dados de temperatura e umidade relativa do ar
utilizando-se de termohigrógrafo, marca Wilh. Lambrecht GmbH Göttingen,
instalado no local onde foi realizado o experimento. A partir dos dados de
temperaturas horárias, registrados pelo aparelho, foi determinado o número de
unidades de calor (GDHºC) acumuladas desde 1º de maio até o final da meiose
polínica (80 % de tétrades) e destas até 10 e 50 % de florescimento, de acordo
com o método desenvolvido por Richardson et al. (1975). Foi calculada, também,
a quantidade de horas de frio acumuladas desde 1º de maio até o final da meiose
polínica, ou seja, o período de tempo em que a temperatura do ar foi igual ou
inferior a 7,2 ºC. Esses dados foram correlacionados à variável percentual de
tétrades + pólen para cada data de observação das anteras.
Foram computadas as temperaturas acima de 4,5 ºC deste 1º de maio, pois se
desejava verificar a influência do calor acumulado sobre a meiose do
micrósporo.
As percentagens de GD, de CM e de gemas necrosadas (GN), quando presentes,
foram apresentadas apenas como variáveis secundárias, complementares do
percentual de T+P, ou seja, servem para explicar o estado das gemas quando
nestas não se encontravam células em tétrades e/ou pólen.
O delineamento experimental utilizado foi o inteiramente casualizado, com três
repetições e uma planta por repetição, exceto para as cultivares Planalto e
Sunlite, que foram representadas por duas repetições. O esquema fatorial foi
composto por 6 cultivares e 2 anos, constituindo 12 tratamentos. As correlações
foram feitas, separadamente, para cada ano. Os resultados foram submetidos à
análise da variação. Foi utilizado o teste de Duncan, a 5 % de probabilidade de
erro, para a comparação entre as médias dos tratamentos.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
O padrão de evolução de células-mãe para tétrades e pólen, em 1997 (Figura_1),
foi mais homogêneo do que em 1998 (Figura_2). A maior quantidade de horas de
frio, ocorrida em 1997, pode ter contribuído para isso (Tabela_1).
As cultivares Della Nona e Planalto apresentaram uma maior heterogeneidade na
evolução de células-mãe para tétrades e pólen do que as demais cultivares, nos
dois anos de observação. Este comportamento é atribuído à insuficiente
quantidade de frio acumulada, em ambos os anos, para satisfazer as necessidades
destas cultivares e para homogeneizar as diferenças de suas gemas. As mesmas
cultivares apresentaram os menores coeficientes de correlação linear entre
percentual de tétrades + pólen versus horas de frio, em 1998 (Tabela_2), ano
que ocorreu o menor número de horas de frio. As cultivares Precocinho, BR-1,
Sunlite e Eldorado apresentaram comportamento similar quanto à evolução de
células-mãe para tétrades + pólen, nos dois anos de observação (Figuras_1 e 2),
demonstrando que a quantidade de horas de frio acumulada, em cada ano de
observação, foi suficiente para as suas necessidades.
Pelo acompanhamento histológico das gemas de pessegueiro, foi observado que as
células-mãe de grãos de pólen evoluíam mais rapidamente a tétrades quando, no
campo, ocorria temperatura superior a 20 ºC e boa condição de luminosidade,
logo após um período de baixas temperaturas (temperatura do ar £ 7,2 ºC). O
contrário, ou seja, céu encoberto e temperaturas baixas, por um período
prolongado, diminuía a taxa de evolução das células meióticas. Felker et al.
(1983) observaram, em gemas de cerejeira (Prunus cerasus, cultivar
Montmorency), que a meiose polínica não ocorria antes que as gemas atingissem
os estádios ponta verde ('green tip') e 'meio verde' ('half green tip') -
(equivalente ao aparecimento das sépalas), o que acontecia muito tempo após a
superação da dormência. Whelan et al. (1966) e Whelan & Hornby (1969), em
experimentos realizados com cerejeira-doce, observaram que a divisão meiótica
ocorria após 48 horas, quando submetidas a 15 ºC. Isto demonstra que a meiose é
dependente de calor e que, possivelmente, ocorre após a superação da
endodormência.
Foi observado que as cultivares Planalto e Della Nona apresentaram abertura
errática de gemas vegetativas e floríferas, em condições de campo, nos dois
anos em que foi conduzido o experimento. O erratismo caracteriza-se por baixa
taxa de gemas axilares entrando em crescimento e por um pronunciado
escalonamento de abertura das gemas florais (Balandier, 1992). Este
comportamento é característico de cultivares que não tiveram as necessidades em
frio satisfeitas. Assim, conclui-se que a quantidade de horas de frio,
acumulada até o final da meiose polínica, em 1997 e 1998 (Tabela_1), foram
insuficientes para suprir as necessidades de frio das cultivares Planalto e
Della Nona.
Pelos dados apresentados na Tabela_1, observa-se que a quantidade de horas de
frio não é o único fator determinante para que as gemas florais de pessegueiro
atinjam o final da meiose, caso contrário, as cultivares Planalto e Della Nona
dificilmente atingiriam tal estádio de evolução das gemas, pois são as que
apresentam maior necessidade em frio, no grupo das cultivares estudadas
(Raseira & Nakasu, 1998). Assim, o insuficiente acúmulo de frio faz com que
algumas cultivares necessitem acumular maior quantidade de calor como
'compensação' pela falta do frio, ocasionando abertura de gemas florais
escalonada no tempo (erratismo), conforme observado nestas cultivares. Por
outro lado, foi observado que 'BR-1' e 'Eldorado' apresentaram florescimento e
brotação homogêneos tanto em 1997 como em 1998, com 187 e 86 horas de frio,
respectivamente, para atingir o final de meiose. O comportamento destas
cultivares parece não ser alterado, mesmo em anos em que ocorre um baixo
acúmulo de frio, especialmente no que se refere à data de início e de plena
floração (Citadin, 1999).
As determinações do número de GDHºC, desde 1º de maio de cada ano até o final
da meiose (Tabela_3), da correlação entre o percentual de tétrades + pólen
versus GDHºC e do percentual de tétrades + pólen versus horas de frio (Tabela
2) demonstram a influência do calor acumulado na evolução histológica das
gemas, a partir do estádio de célula-mãe a tétrades. Para a variável GDHºC,
acumulados de 1º de maio até final de meiose, houve efeito significativo dos
fatores cultivar e ano e da interação cultivar x ano. A cultivar Della Nona foi
a que apresentou maior necessidade de calor acumulado para o final da meiose
(Tabela_3), seguida de 'Planalto' e 'Sunlite', que não diferiram entre sí, nos
respectivos anos. Observa-se que, para todas as cultivares, exceto
'Precocinho', ocorreu um aumento significativo na quantidade de GDHºC acumulado
para atingir o final de meiose no ano de 1998 em relação a 1997. Isto sugere
que a evolução do estádio de células-mãe para tétrades é dependente da
quantidade de frio e calor acumulados, ocorrendo uma relação inversa, mais ou
menos pronunciada, entre estas variáveis, dependendo da cultivar (genótipo).
Foi observada correlação positiva entre percentual de tétrades + pólen versus
GDHºC e entre percentual de tétrades + pólen versus número de horas de frio
(Tabela_2). Isto reforça a hipótese de que frio e calor estão correlacionados à
evolução da célula-mãe à tétrades. As cultivares Planalto e Della Nona
apresentaram um baixo coeficiente de correlação entre o percentual de tétrades
+ pólen versus número de horas de frio (Tabela_2), exceto para 'Della Nona', em
1997. Estes resultados, possivelmente, estejam relacionados ao insuficiente
acúmulo de frio para atender às necessidade destas cultivares, que ocorreu
durante os anos em que foi conduzido o experimento. Já as cultivares
Precocinho, Eldorado, BR-1 e Sunlite, apresentaram altos coeficientes de
correlação entre percentual de tétrades + pólen e número de horas de frio. Isto
sugere que a quantidade de frio que ocorreu em 1997 e 1998, foi suficiente para
atender às necessidades destas cultivares e que estas não diferem muito, quanto
à necessidade de frio. Logo, as diferenças entre elas, quanto à época para
atingir o estádio final da meiose e o florescimento, podem ser devidas às
diferenças quanto à necessidade de calor.
Analisando os resultados obtidos no ano de 1997 (Tabela_4), não foram
observadas diferenças entre cultivares quanto ao acúmulo de calor para atingir
10 % de florescimento. Porém, para atingir 50 % das gemas florais abertas,
neste mesmo ano, observou-se que a cultivar Planalto foi a que apresentou a
maior necessidade de calor, diferindo significativamente das demais, exceto de
'Della Nona'. Foram observados aumentos significativos na quantidade de GDHºC
acumulado pela cultivar Planalto, para atingir 10 % de florescimento, e pela
cultivar Della Nona, para atingir 50% de florescimento em 1998, em relação a
1997. Para as demais cultivares, o aumento não foi significativo (Tabela_4).
Numa análise comparativa entre os dados apresentados nas Tabelas_3 e 4,
observa-se que as diferenças entre as cultivares e anos, quanto ao acúmulo de
GDHºC, ocorrem principalmente antes do final da meiose e não após esta. Desta
forma, se realmente existe um intervalo descontínuo entre acúmulo de frio
(endodormência) e calor (ecodormência), este intervalo deve estar situado antes
do final da meiose polínica, não sendo este o ponto referencial para
caracterizá-lo.
Além do acúmulo de frio, é necessário que ocorra, também, acúmulo de calor para
que as células-mãe dos grãos de pólen evoluam para o estádio de tétrades. Isto
corrobora com a hipótese de Raseira (1986), que comparou a necessidade de frio
das cultivares Capdebosq, Diamante e Magno, em Arkansas, EUA (inverno frio e
uniforme) e Pelotas, Brasil (inverno ameno e com flutuações térmicas), tendo
como parâmetro o final da meiose polínica. Esta pesquisadora considerou a
hipótese de que o final da meiose polínica não é um bom método para determinar
final de dormência em pessegueiro, não servindo, também, para estimar a
necessidade de frio nesta espécie.
CONCLUSÃO
O emprego do método da meiose polínica para identificar o final do período de
endodormência (acúmulo de frio) e o início da ecodormência (acúmulo de calor)
não é adequado e subestima as reais necessidades de calor para a antese em
algumas cultivares de pessegueiro.