Qualidade pós-colheita de goiabas 'Branca de Kumagai', tratadas com cloreto de
cálcio
INTRODUÇÃO
A goiaba 'Branca de Kumagai' é a cultivar de mesa mais cultivada no Estado de
São Paulo. Apresentando frutos brancos e firmes, é bastante adequada para o
consumo 'in natura', tanto para o mercado interno como para a exportação (Piza
Jr. & Kavati, 1994). Entretanto, segundo Akamine & Goo (1979), por
serem frutos climatéricos, as goiabas passam pelo processo de amadurecimento
rapidamente e entram logo em senescência, o que reduz o seu período de
conservação.
O papel do cálcio em retardar a maturação e a senescência em frutos e
hortaliças tem sido relatado por vários autores. O cálcio tem um papel especial
na manutenção da estrutura da parede e membrana celular, ativação de enzimas e
interação com fitoormônios (Bangerth, 1979; Gleen & Poovaiah, 1990;
D'auzac, 1994; Picchioni et al., 1998).
Em goiabas 'Sardar', Singh et al. (1981) verificaram que a imersão dos frutos
em solução a 1% de nitrato de cálcio proporcionou menor perda de massa fresca,
redução da taxa respiratória e manutenção das qualidades organolépticas dos
frutos por mais de 6 dias, enquanto aqueles não tratados se mantiveram em
condições aceitáveis para o consumo por apenas 3 dias.
Em mangas 'Julie' tratadas com solução de cloreto de cálcio pela metodologia da
temperatura diferenciada (frutos a 28ºC e solução a 5ºC), Mootoo (1991)
verificou aumento no período de conservação de 5 para 14 dias, menor perda de
massa fresca e de firmeza, e desenvolvimento mais lento da coloração da casca.
Segundo Betts & Bramlage (1977), o maior incremento do teor de cálcio dos
frutos através do tratamento de maçãs com solução de cloreto de cálcio a baixa
temperatura foi devido a uma contração dos gases dos espaços intercelulares.
Em goiabas 'Branca de Kumagai', Carvalho et al. (1998) constataram aumento do
teor de cálcio na polpa e epiderme dos frutos através da aplicação de cloreto
de cálcio em solução à temperatura de 48ºC. Entretanto, os frutos apresentaram
aparência externa prejudicada pela presença de manchas marrons na epiderme, e a
polpa com aspecto gelatinoso e de coloração creme.
Baseando-se nos benefícios do cálcio na conservação de frutos, este trabalho
objetivou estudar os efeitos do tratamento pós-colheita com cloreto de cálcio
pela metodologia da temperatura diferenciada, em goiabas 'Branca de Kumagai' .
MATERIAL E MÉTODOS
As goiabas da cultivar Branca de Kumagai foram obtidas em pomar comercial, com
14 anos de idade, localizado no município de Campinas-SP. Os frutos foram
colhidos no estádio de maturação verde-escuro, segundo Ahwalat et al. (1980).
Posteriormente, estes foram selecionados, proporcionando amostras homogêneas,
sendo em seguida lavados em água e secos ao ar.
O delineamento experimental foi inteiramente casualizado, com 10 repetições
para as avaliações não destrutivas e 3 repetições para as avaliações
destrutivas. As parcelas experimentais das avaliações não destrutivas e
destrutivas foram constituídas de um e três frutos, respectivamente.
Para a aplicação pós-colheita de cloreto de cálcio, foi utilizada a metodologia
da Temperatura Diferenciada descrita por Mootoo (1991). Após a lavagem e
secagem dos frutos, a temperatura da polpa foi estabilizada em 26ºC através da
manutenção dos frutos em incubadora B.O.D. à mesma temperatura. Depois de 24
horas da colheita, os frutos foram imersos em solução de cloreto de cálcio
diidratado (CaCl2.2H2O, com 76% de CaCl2) e 0,1% de espalhante adesivo Tween
20â a 5ºC, por 2 horas. Em seguida, os frutos foram retirados da solução, secos
ao ar, e colocados em caixas de papelão telescópica e mantidos sob condições
ambiente (temperatura média de 25,3ºC e umidade relativa média de 71,2%).
Os tratamentos consistiram de 5 concentrações de CaCl2.2H2O (0%, 0,5%, 1,5%,
2,5% e 3,5%) e a testemunha foi representada por frutos que não receberam
qualquer tipo de aplicação.
Amostra destrutiva
Do homogeneizado de três frutos de cada uma das repetições, foram realizadas as
seguintes análises:
1.Teor de sólidos solúveis totais: utilizando-se de refratômetro de mesa ATAGO-
3T, com autocompensação de temperatura (Lutz, 1985).
2. Acidez total titulável: uma alíquota de 5 g da polpa em 100ml de água
destilada foi titulada com NaOH 0,1 N, utilizando-se de três gotas de
fenolftaleína 10g.L-1 como indicador, sendo os resultados expressos em
porcentagem de ácido cítrico (Lutz, 1985).
3. Teor de ácido ascórbico: o conteúdo de ácido ascórbico (após a oxidação a
ácido deidroascórbico) foi determinado pelo método colorímetro com 2,4
dinitrofenil hidrazina, segundo Pearson (1976). A leitura foi realizada em
espectrofotômetro e os resultados expressos em mg/100g de polpa.
Estas análises foram realizadas aos 0; 3; 6 e 9 dias após a aplicação de
cloreto de cálcio.
Amostra não destrutiva
Os frutos da amostra não destrutiva foram pesados diariamente para o cálculo da
perda de massa fresca acumulada expressa em porcentagem, assim como
estabeleceu-se o número de dias em cada fruto que permaneceu em condições
aceitáveis para comercialização.
Os frutos foram considerados impróprios para comercialização quando
apresentavam sintomas de podridões, como depressões e frutificações de
patógenos na epiderme, ou amolecimento acentuado da polpa, verificado pela
deformação sofrida pelos frutos durante o seu manuseio.
Avaliou-se também a alteração da coloração da epiderme através da observação
visual, conferindo a cada fruto notas, numa escala de 1 a 5, de acordo com os
índices sugeridos por Ahlawat et al. (1980): 1-verde-escuro; 2-verde-escuro
início verde-claro; 4-verde-claro início verde-amarelo-claro; e 5-verde-
amarelo-claro. Para a análise estatística, comportaram-se os dias necessários
para cada fruto atingir a nota máxima 5.
Para a determinação da taxa respiratória, realizada diariamente, três frutos
foram retirados aleatoriamente de cada tratamento e colocados individualmente,
por uma hora, em campânula de vidro, sob fluxo contínuo de ar isento de CO2. A
taxa respiratória expressa em mg de CO2.kg-1.h-1 foi determinada através da
titulação de solução de KOH a 0,1N, com solução de HCl 0,1 N, calculando-se o
peso de CO2 liberado pela respiração dos frutos, seguindo metodologia adaptada
de Bleinroth et al. (1976).
Os resultados foram submetidos a análises de variância para experimento
inteiramente casualizado, e teste de Tukey, ao em nível de 5% de probabilidade,
excetuando-se os dados de taxa respiratória, para os quais se estudou-se a
regressão polinomial.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para os dados de período de conservação apresentados na Tabela_1, embora não
tenha havido diferenças significativas entre os tratamentos e a testemunha, a
aplicação de cloreto de cálcio, a 0,5%, aumentou em 34,8% (3,2 dias) o período
de conservação. Resultados semelhantes foram constatados por Mootoo (1991) em
mangas, e por Singh et al. (1981) em goiabas. Para a coloração da epiderme,
esta tendência voltou a se repetir, ou seja, os frutos do tratamento a 0,5% de
cloreto de cálcio atingiram a coloração máxima (índice 5), em média, 1,6 dia
após a testemunha.
Quando se utilizou apenas água, sem adição de cloreto de cálcio, o período de
conservação foi, em média, de apenas 6,6 dias, sendo significativamente
inferior ao tratamento com cálcio na concentração de 0,5%. Possivelmente, houve
um efeito prejudicial da baixa temperatura (5ºC), causando um tipo de
"chilling injury". Observando-se a Figura_1, nota-se que a taxa
respiratória destes frutos permaneceu alta. Alterações na taxa respiratória e,
portanto, no metabolismo dos fruto, provocadas por baixas temperaturas, foram
relatadas por Castro & Sigrist (1991) em goiabas híbridas (brancas).
Nos tratamentos em que se adicionou o cálcio, percebe-se que o efeito
prejudicial do frio foi anulado. Chaplin & Scott (1980) também verificaram
redução de incidência de "chilling injury" em abacates tratados com
cloreto de cálcio.
Constatou-se ainda que o incremento na concentração de cálcio não proporcionou
aumento na conservação dos frutos. Singh et al. (1981) também verificaram
melhores resultados em termos de conservação pós-colheita de goiabas com
soluções a 0,5% e 1,0% de cloreto de cálcio, enquanto as concentrações de 1,5%
e 2,0% foram menos efetivas.
Conway et al. (1995) sugerem que as paredes celulares se saturam de íon cálcio,
ou seja, há um limite de sítios de ligação. Desta forma, maiores concentrações
de cloreto de cálcio na solução resultam em aumento no conteúdo total de cálcio
livre, porém há um menor aumento de cálcio ligado à parede celular, podendo
resultar em injúrias aos frutos, além de fitotoxidez.
Os fatores que contribuíram para reduzir o período de conservação dos frutos
foram o amolecimento da polpa e a ocorrência de podridões. Os patógenos
causadores de podridões foram identificados como sendo Macrophoma sp e
Colletotrichum gloeosporioides. A manutenção da firmeza da polpa e a menor
ocorrência de podridões nos frutos tratados com cálcio podem estar relacionadas
ao papel deste cátion em ligar os componentes pécticos da parede celular,
principalmente na lamela média (Gleen & Poovaiah, 1990). Além disso, o
cálcio aumentaria a estabilidade das membranas, principalmente por atrasar o
processo catabólico dos componentes lipídicos, mantendo o turgor das células
(Picchioni et al., 1998).
Analisando ainda os dados apresentados na Figura_1, observa-se que todos os
tratamentos com cálcio reduziram a taxa respiratória, principalmente na fase
pré-climatérica, ou seja, até os 4 dias. O tratamento na concentração de 0,5%
possibilitou também um atraso no pico climatérico, que ocorreu somente no 12º
dia após imersão dos frutos, quando a taxa respiratória atingiu 55,52mg.kg-1.h-
1. Segundo Bangerth et al. (1979), a redução da respiração, observada em frutos
tratados com cálcio, poderia ser parcialmente explicada pelas alterações na
permeabilidade das membranas celulares, assim como pelo seu efeito direto nas
enzimas respiratórias.
Embora não tenha havido diferenças significativas entre os tratamentos em
termos de porcentagem de perda de massa fresca acumulada, observa-se, na Tabela
2, uma tendência de menor perda de massa fresca dos frutos tratados a 0,5% e
1,5% de cloreto de cálcio, estando de acordo com os relatos de outros autores
(Singh et al.,1981; Mootoo, 1991). Por outro lado, os tratamentos a 3,5% e 2,5%
provocaram maior perda de massa fresca, refletindo o efeito prejudicial de
doses mais elevadas de cloreto de cálcio.
Para os dados das análises de acidez total titulável e teor de ácido ascórbico
(Tabelas_4 e 5), não houve diferenças significativas entre os tratamentos pós-
colheita e a testemunha. Nota-se, entretanto, que o teor de sólidos solúveis
totais da testemunha e do tratamento na concentração de 0% de cloreto de cálcio
apresentou valores ligeiramente inferiores no 9º dia de avaliação (Tabela_3).
Segundo Singh et al. (1981), isto pode ocorrer em função do processo mais
acelerado de oxidação dos açúcares devido às maiores taxas respiratórias.
CONCLUSÕES
1. Os frutos de goiaba 'Branca de Kumagai' são sensíveis à baixa temperatura
quando tratados em solução a 5ºC, por 2 horas, levando a um distúrbio
fisiológico, ou seja, um tipo de "chilling injury", verificado pelo
aumento nas taxas respiratórias e menor conservação pós-colheita.
2. Entre os efeitos dos tratamentos pós-colheita com cálcio em goiabas 'Branca
de Kumagai', destacam-se: aumento do período de conservação pós-colheita,
redução da taxa respiratória e redução da suscetibilidade dos frutos a
distúrbios fisiológicos causados por baixas temperaturas.
3. Entre as doses de cloreto de cálcio testadas, a solução a 0,5% foi a mais
eficiente, sendo que doses mais elevadas reduziram a conservação pós-colheita
dos frutos.