Conservação de germoplasma de fruteiras tropicais com a participação do
agricultor
COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA
O Nordeste brasileiro apresenta condições climáticas favoráveis ao cultivo de
diversas espécies frutíferas de clima tropical, o que é evidenciado pela
expressiva diversidade de espécies nativas encontradas na região, ao lado de
outras, exóticas, introduzidas de ecossistemas equivalentes e que se adaptaram
bem, comportando-se de modo semelhante ao do material nativo, a exemplo da
jaqueira, fruta-pão, sapotizeiro, mangueira, entre outras.
A exploração de fruteiras nativas no Nordeste do Brasil ocorre na maioria das
vezes de forma extrativista, em razão da falta de conhecimento de quem as
utiliza, pois muitos não têm noção do que são recursos genéticos e da
importância da conservação de germoplasma. Muitas árvores são transformadas em
lenha para atender a olarias, casas-de-farinha e padarias, causando a redução
da biodiversidade, provocada pelo desmatamento de áreas com vegetação nativa.
Neste contexto, além disso, a formação de pastagens é, sem dúvida, o principal
fator responsável pela perda de recursos genéticos, tanto de origem vegetal
como animal.
Muitas espécies frutíferas encontradas no Nordeste, notadamente aquelas
exploradas de forma extrativista, dentre as quais tem-se o umbuzeiro,
umbucajazeira, jenipapeiro, jaqueira, cajazeira, grumixameira, guabirobeira,
jabuticabeira, cagaiteira, diversos araticuns, palmeiras e várias outras
mirtáceas, apresentam grande escassez ou mesmo ausência de dados relativos à
sua morfologia, produção, características fisiológicas e fenologia. Estas
informações são importantes para a descrição e caracterização de genótipos de
diversas fruteiras, possibilitando a incorporação de muitas espécies aos
sistemas produtivos comerciais, também contribuindo, desta forma, para a
conservação dos recursos genéticos.
Arruda & Nolasco (1986) consideram que a existência de um grande número de
espécies frutíferas vegetando no Brasil, principalmente no Nordeste, sem as
informações necessárias sobre o seu desenvolvimento vegetativo, início de
produção, época de floração, incidência de pragas e doenças, além da descrição
botânica, constitui uma lacuna importante que deve ser preenchida o mais
rapidamente possível.
Giacometti & Goes (1986) comentam que o germoplasma de espécies frutíferas
envolve genótipos selecionados e mantidos pelos agricultores, cultivares
avançadas obtidas a partir de programas de melhoramento e, o mais importante,
populações silvestres cujos produtos são colhidos e eventualmente
comercializados. Segundo esses autores, a conservação do germoplasma destas
espécies tem por objetivo manter indefinidamente a diversidade genética e
garantir o maior número possível de genótipos para os programas de melhoramento
genético.
Allard (1971) cita que a formação de bancos de germoplasma é fundamental na
introdução de plantas, considerando-se esta um método de melhoramento, desde
quando a importação de variedades superiores de outras áreas pode atingir os
mesmos propósitos que aqueles de desenvolver variedades-elite a partir de
programas de melhoramento genético. Este autor também argumenta que a
introdução de germoplasma, no futuro, terá um papel de menor importância na
produção de variedades com interesse comercial, mas será fundamental na criação
de reservatórios de genes que ficarão à disposição dos melhoristas.
Song (1980), Alcazar (1983) e Camargo et al. (1974) consideram que o passo
inicial para o desenvolvimento de um programa de melhoramento genético é a
formação de uma coleção de genótipos, onde as espécies em estudo estejam
representadas por diversos acessos, que deverão ser catalogados e avaliados,
permitindo, inclusive, o intercâmbio de germoplasma entre instituições.
Formar um banco de germoplasma implica um custo relativamente alto,
considerando todas as etapas de coleta, multiplicação, implantação e
conservação do material no campo ao longo do tempo, exigindo a necessidade de
recursos de forma ininterrupta. Diversos aspectos devem ser considerados na
dinâmica da manutenção de uma coleção, começando por uma criteriosa
caracterização morfológica, fenológica e de produtividade, tentando reduzir
materiais duplicados e buscar disponibilizar alguns genótipos promissores
diretamente para os agricultores. Vale ressaltar que há casos em que o
aproveitamento dessas coleções se restringe basicamente a noticiários em meios
de comunicação, na tentativa de justificar as ações de algumas instituições de
pesquisa, de forma que os agricultores, principalmente os de baixa renda, mesmo
aqueles de áreas próximas a esses repositórios de diversidade vegetal, não têm
acesso a este germoplasma, o que poderia contribuir para melhorar a qualidade
de vida desses produtores.
O elevado custo de manutenção de muitas coleções constitui um fator
preocupante, verificando-se, em inúmeros casos, a falta de recursos em
determinados períodos, normalmente provocados por alterações de prioridades,
dependentes da política nacional e/ou estadual ou até de mudanças de
dirigentes, que entendam a conservação de recursos genéticos como um tema de
menor importância. Uma coleção de germoplasma, entretanto, não pode ficar na
dependência de atitudes isoladas, que possam determinar o seu destino. Daí a
necessidade do envolvimento do maior número possível de pessoas na conservação
do patrimônio genético disponível, que pertence não só às gerações presentes,
como futuras.
Grande parte das unidades de pesquisa encontra-se atualmente próxima a centros
urbanos, o que leva sistematicamente a invasões destas áreas por moradores em
busca de alimento, o que poderá comprometer os resultados experimentais, além
de colocar em risco o processo de conservação de germoplasma, pela depredação
das plantas.
Em vista dessas exposições, o envolvimento do agricultor no processo de
conservação de germoplasma torna-se uma ação importante, pois seu
comprometimento na execução desta tarefa acabará por interessar a todos os
membros da comunidade em que tal ação se desenvolve, incluindo os jovens que,
desde cedo, passarão a se sentir responsáveis pela conservação dos recursos
naturais. Estas idéias devem ser transferidas gradativamente por meio de
visitas de pesquisadores e educadores, despertando em todos a importância da
preservação ambiental. Neste contexto, a introdução de espécies frutíferas na
propriedade rural poderá, além de constituir uma nova fonte de renda, melhorar
o nível alimentar do agricultor, em razão de um aumento qualitativo na
disponibilidade de nutrientes. Estes genótipos estarão, assim, sendo
conservados com maior interesse e segurança ao longo do tempo, evitando a
dependência de recursos financeiros inseguros.
Fundamentando-se nestas questões, que constituem uma realidade na conservação
de germoplasma, foi proposta a realização deste trabalho, que pretende
contribuir com a conservação do patrimônio genético de frutíferas tropicais,
segundo uma conotação prática, objetiva, com baixos custos e eficiente.
Dentre as ações em curso, parte está sendo realizada em área experimental da
Escola de Agronomia da Universidade Federal da Bahia - AGRUFBA, localizada em
Cruz das Almas, município do Recôncavo baiano, onde predominam solos do tipo
Latossolo Amarelo, de textura média na camada de 0 a 30cm, sendo considerados
de baixa fertilidade. A região encontra-se a uma altitude de 220m, apresenta
temperatura e precipitação médias anuais de 24ºC e 1200 mm, respectivamente,
com umidade relativa do ar em torno de 80%, estando a 12º40'39''de latitude sul
e 39º06'23'' de longitude oeste de Greenwich.
Outro segmento do trabalho está sendo conduzido em propriedades particulares,
pertencentes a agricultores do município de São Felipe, também localizado no
Recôncavo baiano. Inicialmente, foram selecionados dois agricultores que
demonstraram pleno interesse em desenvolver a atividade, além de serem
considerados pontos de referência na região, condição fundamental para a
posterior divulgação do trabalho, a saber:
Agricultor I: Irineu Barbosa, 62 anos, natural de São Felipe, Bahia, casado,
três filhos.
Propriedade: Fazenda Pau d'Alho, com área de 53,9 ha, ocupada principalmente
com pastagens, possuindo pequena área com fruticultura, culturas de
subsistência e 5,2 ha de Mata Atlântica.
Agricultor II: Clemente Alves, 70 anos, natural de São Felipe, Bahia, casado,
três filhos.
Propriedade: Sítio com 10,9 ha, localizado na comunidade de Conceição Velha,
ocupada com culturas de subsistência e algumas frutíferas, como jaqueira,
fruta-pão e bananeiras.
Espécies frutíferas foram coletadas em diversas regiões do Estado da Bahia, na
forma de sementes, sendo estas, após selecionadas, colocadas em sacos de
polietileno, previamente cheios com uma mistura formada por terra vegetal e
esterco de curral curtido. As mudas foram conduzidas no viveiro da AGRUFBA e
transferidas para o campo ao atingir o porte apropriado. No campo, o
espaçamento foi variável, dependendo da espécie considerada, sendo de 4m x 4m
para aquelas de menor porte, como a ateira, gravioleira e pitangueira, e de até
8m x 8m no casos do jenipapeiro e abieiro.
As primeiras mudas foram levadas a campo em junho de 1996, tanto na AGRUFBA
como nas áreas dos agricultores. A cada ano, nesta mesma época, que corresponde
ao período chuvoso, a coleção é ampliada, com a introdução de novos acessos
oriundos de coletas mais recentes. No momento do plantio, as mudas recebem uma
adubação básica com esterco de curral curtido, numa dose de 2 kg por cova,
acrescido de 100g de superfosfato simples.
Normalmente, são realizadas três a quatro capinas manuais ao ano, a depender da
incidência de plantas daninhas, e duas adubações em cobertura, utilizando
cloreto de potássio (60 kg/ha) e uréia (40kg/ha), aplicando-se 100g da mistura
por planta.
No caso da umbucajazeira, levantamento de genótipos localizados em áreas de
produtores foi iniciado em março de 2000, compreendendo as principais regiões
produtoras do Estado da Bahia, que se concentram nos municípios de Santa
Teresinha, Itatim, Castro Alves, Iaçu, Amargosa, Rafael Jambeiro, Santo
Estêvão, Tanquinho, Santa Bárbara, Milagres e Irará. Nas coletas, as plantas
foram localizadas com o emprego do aparelho GPS (Global Position System). Os
frutos coletados são encaminhados ao Laboratório de Tecnologia de Alimentos da
Embrapa Mandioca e Fruticultura, onde são submetidos a análises físicas
(comprimento, largura e peso de frutos, densidade da polpa e relação polpa/
semente, teor de sólidos solúveis totais), químicas ( acidez total titulável,
teor de vitamina C) e físico-químicas (pH), segundo metodologia recomendada
pela A, O, A, C, (1995). Os genótipos que se destacarem como promissores, a
partir dessas avaliações, serão coletados, propagados vegetativamente e
conservados.
O segmento do trabalho que inclui a participação do agricultor, conduzido no
município de São Felipe, compreendia até a última avaliação realizada, em
fevereiro de 2000, 22 espécies frutíferas, representadas por um total de 26
acessos, como se pode verificar na Tabela_1. O aspecto vegetativo das plantas
indica que o manejo está sendo realizado de forma eficiente pelos agricultores,
em comparação com o que se verifica atualmente na coleção instalada no campo
experimental da AGRUFBA. Algumas espécies iniciaram a frutificação entre dois a
três anos após a implantação, conforme se verificou com a gravioleira,
pitangueira, fruta-do-conde e com a talineira. O sapotizeiro, por se tratar de
material propagado de forma assexual, chegou a frutificar com apenas um ano
após sua implantação em campo, o que despertou o interesse de toda a comunidade
local e circunvizinhanças, pois esta planta, tradicionalmente, frutifica entre
seis a oito anos após o plantio, normalmente realizado por sementes.
Os frutos produzidos estão sendo comercializados no próprio sítio, ou na feira
livre mais próxima, localizada na cidade de São Felipe. No caso da gravioleira
e pitangueira, os frutos também estão sendo fornecidos a um pequeno fabricante
de polpas, localizado acerca de 20 km do local de produção. A comercialização é
realizada com o material excedente, pois parte considerável da colheita é
consumida pelas próprias famílias de produtores, na forma natural, sucos,
licores, além do consumo da polpa, que é armazenada após sua retirada.
O que mais desperta a atenção é a motivação dos agricultores vizinhos, que
demonstram interesse em participar do programa, principalmente por se tratar de
plantas desconhecidas para a comunidade, além da metodologia de propagação
vegetativa utilizada para algumas fruteiras, a exemplo do sapotizeiro, que
reduz substancialmente o tempo entre o plantio e o início de produção.
As visitas realizadas a estas coleções são acompanhadas por vários membros da
comunidade local, que também pretendem participar do trabalho, além de
solicitarem a presença de técnicos em suas propriedades, na tentativa de
solucionar problemas com outras culturas. Verifica-se, assim, que o pequeno
agricultor realmente é colocado em planos inferiores quando se trata de
assistência técnica, principalmente em relação às informações geradas nos
centros de pesquisa, a cujo acesso ainda têm dificuldades. A simples informação
sobre a propagação de uma planta frutífera, por exemplo, pode contribuir de
forma marcante para o desempenho financeiro de uma família na zona rural,
podendo promover a melhoria de sua qualidade de vida.
Os resultados referentes à conservação de germoplasma no campo experimental da
AGRUFBA encontram-se registrados na Tabela_2, onde se observa a presença de 28
espécies frutíferas, num total de 52 acessos, cada qual representado por um
número variável de plantas. Esta variação se deve a vários fatores, entre os
quais a disponibilidade de material de propagação vegetativa e o porte, pois
algumas espécies, como a sapucaieira, cajazeira, cajaraneira, jatobazeiro e o
baruzeiro podem ultrapassar 15m de altura, tornando difícil, mais tarde, sua
manutenção.
Vale ressaltar que a coleção está aumentando a cada ano, à medida que as
coletas vão disponibilizando novos acessos. Desta forma, a coleção, iniciada em
1995/1996, vem desse período em diante, nos meses de abril, maio e junho de
cada ano, sendo sistematicamente ampliada.
As primeiras plantas a entrar em produção foram as do grupo das anonáceas, à
exceção de um tipo de araticum coletado no município de Lagarto - SE, que
floresce todos os anos, mas não frutifica, talvez por questão de adaptação,
visto que sua região de origem apresenta um clima tendendo para semi-árido, ao
contrário de Cruz das Almas, que apresenta elevada umidade. A primeira safra da
cajazeira ocorreu em maio de 2000, cinco anos após o plantio, via sexuada, da
mesma forma que o jenipapeiro.
Entre as mirtáceas, o jambo-rosa frutificou pela primeira vez em 1998, três
anos após o plantio, via sexuada, enquanto a pitangueira começou a produzir
logo aos dois anos. A cabeludinha e a grumixameira floraram pela primeira vez
em março de 2000, aos cinco anos de idade. Vale ressaltar que as plantas
presentes na coleção da AGRUFBA não têm recebido um manejo adequado devido à
falta de recursos financeiros. Muitas vezes, verificou-se o ataque de formigas,
e as adubações e capinas normalmente foram atrasadas. Espera-se que, à medida
que as produções de frutos aumentem, o resultado financeiro com a venda das
mesmas possa auxiliar nos custos relativos à sua manutenção.
Como considerações finais, pode-se destacar que a conservação de germoplasma de
fruteiras tropicais em parceria com o agricultor é segura e apresenta custos
relativamente baixos; a introdução de novas espécies no meio rural constitui
uma fonte alternativa de renda para o agricultor, contribuindo para a melhoria
da qualidade de vida de sua família; a presença de técnicos em visitas às
coleções mantidas pelo produtor rural constitui um estímulo para a comunidade
envolvida no processo de conservação.