Influência da irrigação no ciclo do abacaxizeiro cv. Pérola em área de
tabuleiro costeiro da Bahia
INFLUÊNCIA DA IRRIGAÇÃO NO CICLO DO ABACAXIZEIRO CV. PÉROLA EM ÁREA DE
TABULEIRO COSTEIRO DA BAHIA
1
INTRODUÇÃO
Mesmo sendo uma planta com necessidades hídricas relativamente baixas, quando
comparada a outras espécies cultivadas, o abacaxizeiro [Ananas comosus (L.)
Merrill] apresenta uma demanda permanente por água, variável ao longo do ciclo
e dependente do seu estádio de desenvolvimento.
Um cultivo comercial de abacaxi requer, em geral, uma precipitação mínima na
faixa de 80 a 100 mm/mês (Py et al., 1987). Segundo Neild & Boshell (1976),
em áreas com pluviosidade inferior a 500 mm/ano, o abacaxi só deve ser
cultivado com irrigação. Mesmo em áreas com pluviosidade total anual acima
desse limite, a irrigação é necessária, se ocorrer um período de três meses
consecutivos com chuvas inferiores a 15 mm/mês ou de quatro meses com menos de
25 mm/mês ou, ainda, cinco meses com chuvas inferiores a 40 mm/mês (Almeida
& Reinhardt, 1999).
Portanto, uma boa distribuição das chuvas é imprescindível para satisfazer as
exigências do abacaxizeiro, de modo a permitir produções econômicas. Trabalhos
experimentais conduzidos em muitos países produtores têm evidenciado a
importância de um suprimento adequado de água, para o crescimento e
desenvolvimento do abacaxizeiro, com reflexos na produção quantitativa e
qualitativa de frutos (Tay, 1974; Medcalf, 1982; Asoegwu, 1987; Asoegwu, 1988).
No que diz respeito ao Brasil, dados pluviométricos das principais regiões
produtoras de abacaxi, reunidos por Giacomelli & Py (1981), caracterizam
bem a necessidade de irrigação para a cultura, seja por índices pluviométricos
abaixo da faixa mais adequada, seja pela ocorrência de períodos secos
acentuados. De forma coerente com essa constatação, resultados experimentais
obtidos no semi-árido brasileiro e na região dos Tabuleiros Costeiros têm
comprovado a influência benéfica da irrigação na cultura do abacaxi (Souto et
al., 1998; Souza et al., 1998; Almeida et al., 1999).
Em Cruz das Almas, local onde foi executado o presente estudo, a precipitação
pluviométrica média é de 1170 mm/ano. Contudo, devido a suas características
edáficas, baixo armazenamento de água, a ocorrência de oito meses de déficit
hídrico (agosto a março) impede que as plantas expressem todo seu potencial
produtivo, sem o uso da irrigação (Almeida, 1991a, 1991b, 1991c; Almeida &
Souza, 1994).
O ciclo do abacaxizeiro, que é dividido nas fases vegetativa ou de crescimento
vegetativo, reprodutiva ou de formação do fruto e propagativa ou de formação de
mudas, pode ser influenciado pelo material propagativo utilizado, pelas
condições ambientais e pelo manejo da cultura, onde se inclui a irrigação
(Reinhardt et al., 1986; Reinhardt, 2000).
Neste estudo, objetivou-se avaliar a influência da irrigação sobre o ciclo do
abacaxizeiro cv. Pérola, nas condições edafoclimáticas dos Tabuleiros Costeiros
do Nordeste Brasileiro.
MATERIAL E MÉTODOS
O trabalho foi conduzido na área experimental da Embrapa Mandioca e
Fruticultura, em Cruz das Almas, Bahia, situada a 12o 40' 19" de latitude Sul e
39 o 06' 22" de longitude Oeste de Greenwich. A altitude é de 220m acima do
nível do mar, com pluviosidade média anual de 1.170 mm e temperatura média de
24,50C. O solo da área é um Latossolo Amarelo Distrófico A moderado textura
franco argilo-arenosa fase transição floresta tropical subperenifólia/
subcaducifólia, anteriormente cultivado com citros, com as seguintes
características químicas, na profundidade de 0 a 20 cm: pH (em água)=6,2;
fósforo (extrator de Mehlich)=12 mg/dm3; potássio (extrator de Mehlich)=90 mg/
dm3; cálcio=2,0 cmolc/dm3; magnésio=1,1 cmolc/dm3; sódio=0,13 cmolc/dm3; soma
de bases=3,46 cmolc/dm3; alumínio=0,0 cmolc/dm3; hidrogênio=2,23 cmolc/dm3;
CTC=5,69 cmolc/dm3 e saturação por bases=61 %.
O plantio ocorreu em setembro/94, utilizando-se de um delineamento experimental
em blocos casualizados, com quatro repetições. Foram estudados cinco níveis de
irrigação, por aspersão convencional, com aspersores tipo ZED-30, com bocais de
diâmetro de 5,0 x 6,0 mm dispostos em linha ("line source"), espaçados de seis
metros, de acordo com a metodologia proposta por Hanks et al. (1976). A medição
das lâminas de água aplicadas por irrigação, em cada uma das parcelas, foi
feita mediante coletas em pluviômetros, distribuídos em cada bloco
experimental, transversal à linha de aspersores, três em cada parcela, sendo a
lâmina definida pela média dos três pluviômetros. As lâminas aplicadas estão
apresentadas na Tabela_1, juntamente com os dados pluviométricos do período de
condução da pesquisa. O controle da umidade do solo foi feito por três baterias
de dois tensiômetros, instalados nas profundidades de 0,15 e 0,25 m, em dois
blocos do experimento e as irrigações iniciadas sempre que a tensão de água no
solo, no tensiômetro instalado a 0,15 m de profundidade e na segunda parcela a
contar da linha de aspersores, indicava 50 kP.
A adubação básica constou de 250 kg de N + 40 kg P2O5 + 120 kg de K2O/ha/ciclo,
utilizando-se como fontes da torta de mamona, uréia, superfosfato simples e
cloreto de potássio.
Utilizou-se o espaçamento de 0,90 m x 0,40 m x 0,30 m, em fileiras duplas
(51.282 plantas/ha). As subparcelas úteis ocuparam uma área de 11,70 m2 (2,60m
x 4,50m), com 60 plantas em cada.
Durante a condução do experimento, foram efetuados os tratos culturais e
fitossanitários preconizados para a cultura, constatando-se baixa incidência de
pragas e doenças. A indução artificial de floração foi feita em 03-07-95 (10º
mês após o plantio), utilizando 25 ml de Ethrel + 2 kg de uréia + 35 g de Ca
(OH)2 para 100 litros de água. Em razão do estágio de maturação dos frutos, a
colheita foi feita em sete etapas, no período de 23-11-95 a 03-01-96.
Foram avaliados dados referentes ao florescimento, assim como as quantidades e
os pesos dos frutos, nas sete colheitas realizadas, usando-se procedimentos da
estatística descritiva para a interpretação dos resultados.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Influência da irrigação no florescimento natural
O efeito das lâminas de irrigação no florescimento natural do abacaxizeiro-
'Pérola' está evidenciado na Figura_1, onde se observa que a floração natural
alcançou um valor próximo a 30% na maior lâmina, reduzindo-se gradativamente,
até 2%, na menor lâmina.
A avaliação do florescimento natural foi efetivado em 08-08-95, na 5ª
semana após a indução artificial da floração, visto que, segundo Matos &
Sanches (1989), é necessário um período de seis semanas após o tratamento de
indução para que a inflorescência do abacaxizeiro-'Pérola' se torne visível no
centro da roseta foliar. Uma segunda avaliação, realizada na 7ª semana
(dia 22-08-95), quando, de acordo com Matos & Sanches (1989), já estariam
também visíveis as inflorescências resultantes da indução artificial, alterou
completamente a situação dos percentuais de florescimento, destacando
claramente a elevada eficiência do tratamento de indução e evidenciando que o
mesmo praticamente anulou as diferenças decorrentes dos efeitos das lâminas de
irrigação.
Tay (1974) constatou efeitos positivos de lâminas e de maiores freqüências de
irrigação no florescimento natural do abacaxizeiro-'Masmerah'. Observou ainda
diferenças no tempo de resposta da planta à indução artificial em função da
influência de lâminas (na melhor lâmina a resposta à indução completou-se em
cinco semanas, enquanto nas demais lâminas foram necessárias de uma a três
semanas a mais para a completa resposta das plantas ao florescimento).
Entretanto, as informações constantes da Figura_1, referentes à floração total,
não permitem detectar diferenças nas respostas das plantas ao tratamento de
indução, em função das lâminas d'água aplicadas.
Também Asoegwu (1978) observou que irrigações mais freqüentes reduziram o
número de dias necessários para 50% do florescimento em plantas do abacaxi-
'Smooth Cayenne'.
O desencadeamento do processo de diferenciação floral, que estabelece o início
da fase reprodutiva, é um momento particularmente interessante no ciclo do
abacaxi, visto que determina basicamente quando deverá ocorrer a colheita dos
frutos. A influência da irrigação neste processo deve ser considerada nos
plantios comerciais, tendo em vista as perspectivas de oferta da produção nos
períodos de safra ou entressafra.
Influência da irrigação na antecipação da colheita dos frutos
Como pode ser observado na Figura_2, a irrigação teve influência marcante na
antecipação da época da colheita dos frutos, visto que, nas três primeiras
colheitas, praticamente foram colhidos frutos apenas das parcelas submetidas às
maiores lâminas d'água, enquanto, em relação às menores lâminas, as colheitas
tornaram-se mais expressivas apenas nas etapas finais do processo.
Na Tabela_2, os dados estão apresentados de forma cumulativa, ao longo das sete
colheitas realizadas.
Segundo Matos & Sanches (1989), o início da maturação dos frutos do
abacaxi-'Pérola', sob condições de sequeiro, na região de Coração de Maria, na
Bahia, ocorreu na 23ª semana após a indução do florescimento. No
presente estudo, a 23ª semana após o tratamento de indução foi
alcançada no dia 12-12-95, quando se atingiu a colheita de 75% do total de
frutos colhidos na lâmina correspondente a 608 mm/ano (Tabela_2). No extremo
oposto, na parcela irrigada com 334 mm/ano, que mais se aproxima das condições
de sequeiro, tal índice de colheita não passou de 3,8%, concordando portanto
com os resultados de Matos & Sanches (1989), no que se refere ao início da
maturação na ausência da irrigação.
Praticamente metade dos frutos das parcelas submetidas às duas maiores lâminas
d'água foi colhida com uma antecipação de um mês, em relação ao final da
colheita, e mais de 70% dos totais colhidos naquelas parcelas tiveram a
colheita antecipada em 22 dias, em relação ao final do processo. Constatou-se,
também, que as maiores lâminas de irrigação permitiram uma distribuição mais
eqüitativa da colheita, no período em que ela ocorreu. De modo inverso, nas
menores lâminas, o período de colheita foi bem mais concentrado.
A antecipação da colheita apresenta a vantagem de reduzir o tempo de ocupação
da terra, enquanto a distribuição mais escalonada da mesma pode facilitar o
processo de comercialização. São aspectos que podem resultar em ganhos
econômicos significativos, na abacaxicultura irrigada.
A influência das diferentes datas de colheita no peso médio do fruto está
apresentada na Figura_3.
Como se pode observar na Figura_3, a antecipação da colheita, nas duas maiores
lâminas de irrigação, não resultou em prejuízo para o peso médio do fruto.
Apenas nas lâminas de 525 e 468 mm/ano verificou-se um ligeiro aumento no peso
médio dos frutos, nas colheitas subseqüentes à primeira. Para todas as lâminas,
verificou-se redução no peso médio dos frutos das duas últimas colheitas.
O peso fresco da folha 'D', coletada por ocasião da indução floral, indicativo
do vigor das plantas, variou na seguinte ordem, da mais alta lâmina de
irrigação para a mais baixa: 74,4g; 74,0g; 78,9g; 60,6g e 52,0g. Seguindo a
mesma ordem (da lâmina mais alta para a mais baixa), as estimativas de
produtividade final para cada tratamento foram de 47,5 t/ha; 46,8 t/ha; 49,6 t/
ha; 43,1 t/ha; e 35,8 t/ha (Souza et al., 1998), o que reflete a estreita
relação entre lâmina de água, vigor da planta e produção. Os resultados obtidos
mostram ainda que o maior vigor das plantas, em função das lâminas de água mais
altas, tornou-as mais sensíveis aos estímulos naturais para o florescimento,
com a conseqüente antecipação na colheita dos frutos.
CONCLUSÕES
1. Houve efeito positivo das lâminas crescentes de irrigação sobre a
diferenciação floral natural e antecipação no período de colheita do fruto, o
que resultou no encurtamento do ciclo da planta.
2. A antecipação do florescimento e da colheita não prejudicou o peso médio do
fruto, nas parcelas submetidas às maiores lâminas d'água.
3. As maiores lâminas de irrigação permitiram uma distribuição mais eqüitativa
da colheita, no período em que ela ocorreu.