Liberação de micronutrientes de uma escória aplicada em um Argissolo Vermelho-
Amarelo cultivado com mudas de goiabeira (Psidium guajava L.)
LIBERAÇÃO DE MICRONUTRIENTES DE UMA ESCÓRIA APLICADA EM UM ARGISSOLO VERMELHO-
AMARELO CULTIVADO COM MUDAS DE GOIABEIRA (Psidium guajava L.)1
INTRODUÇÃO
A indústria siderúrgica brasileira produz ferro-gusa e aço e, como resíduo do
processo, a escória, com propriedades corretivas da acidez do solo e fonte de
alguns nutrientes (Prado & Fernandes, 2001). O quadro atual do uso agrícola
da escória siderúrgica no Brasil é muito restrito, diferentemente de alguns
países, como Japão, China e Estados Unidos, nos quais o número de pesquisas e
utilização desse material são consideráveis (Prado et al., 2001).
O maior desenvolvimento dessa atividade siderúrgica no Brasil ocorreu na década
de 80, com a expansão do parque industrial nacional. A produção destas
siderúrgicas está centrada, basicamente, em aço e ferro-gusa. Cada tonelada
desse tipo de ferro gera em torno de 750 kg de resíduo, constituído de um
silicato de cálcio (Campus Filho, 1981).
Essas escórias apresentam, geralmente, teores elevados de micronutrientes;
entretanto, apesar do grande volume gerado pela indústria e de estarem
disponíveis, são pouco comercializadas em nosso mercado. Por outro lado, sabe-
se que os solos deficientes em micronutrientes são muito comuns no Brasil
(Lopes, 1975), especialmente a camada subsuperficial, à qual tem sido usada
como substrato para a produção de mudas (Picheth, 1987), pois, devido à
ausência de estruturas de propagação de doenças, pragas e ervas daninhas, como
a tiririca, enquadra-se dentro das exigências do Ministério da Agricultura para
a produção de mudas certificadas (Brasil, 1977).
Desse modo, a aplicação da escória, além de corrigir a acidez do solo, fornece
micronutrientes (Amaral et al., 1994), e isso é uma vantagem em relação ao
calcário, visto que a escória apresenta, em sua composição, quantidades
suficientes para ser considerada fonte de micronutrientes. Esse aspecto ficou
comprovado no trabalho de Valadares et al. (1974), que analisaram duas
escórias, observando teores superiores de micronutrientes em comparação com
dezesseis calcários de diferentes naturezas.
Desta maneira, quando se opta pelo uso do calcário para a neutralização da
acidez do solo, os teores já baixos dos micronutrientes, devido à pobreza
original do solo, podem diminuir ainda mais pela elevação do pH; entretanto,
quando se utiliza a escória como material corretivo, este aspecto da redução da
disponibilidade dos micronutrientes no solo é minimizado, devido à presença
desses elementos na constituição química da escória.
Na literatura nacional, são poucos os trabalhos que avaliaram as escórias como
fontes de micronutrientes. Assim, torna-se oportuno o estudo das taxas de
liberação de micronutrientes desse resíduo para o solo e, deste, para a planta.
Outro aspecto de interesse com vista à preservação ambiental é o manejo
adequado da escória, reciclando esse resíduo e obtendo efeito favorável desse
material na reação do solo e no fornecimento de micronutrientes.
Existem algumas indicações do benefício dos micronutrientes, especialmente do
Zn, no crescimento das plantas e na redução de doenças foliares de goiabeiras
adultas (Vasudeva & Raychaudhuri, 1954; Prasad et al., 1966).
Diante do exposto, o presente trabalho procurou avaliar o efeito da aplicação
da escória em um Argissolo Vermelho-Amarelo ácido, na disponibilidade de alguns
micronutrientes no solo e no acúmulo desses micronutrientes nas mudas da
goiabeira.
MATERIAL E MÉTODOS
A presente pesquisa foi desenvolvida em um viveiro comercial de mudas, telado,
localizado na Rodovia Washington Luiz, km 333,8, no município de Taquaritinga,
São Paulo, Brasil, no período de outubro de 2000 a abril de 2001.
O solo utilizado foi um Argissolo Vermelho-Amarelo. A análise química do solo
foi realizada de acordo com o método descrito por Raij et al. (1987),
apresentando os seguintes valores: pH (CaCl2) 4,3, M.O.= 6 g dm-3, H+Al=25,
Ca=6, Mg=3, K=0,7 e SB=9,7 todos em mmolcdm-3e V=28%, B=0,10, Cu=0,17, Mn=0,5,
Zn=0,3 todos em mg dm-3, analisados em extrato de DTPA 0,005 mol L-1 a pH 7,3,
conforme o método descrito por Lindsay & Norwell (1978), exceto para o B,
que foi pelo método da água quente (Bataglia & Raij, 1990).
Utilizou-se escória de aciária, proveniente de uma indústria siderúrgica do
município de Piracicaba, São Paulo, Brasil, com as seguintes características
químicas: Cu= 0,4, Zn= 0,9, B= 0,3, Mn= 24,7 e Fe= 261,8 todos em g kg-
1,analisados em extrato de DTPA, exceto o B, que foi pelo método da água
quente, e CaO= 257 g kg-1; MgO = 64 g kg-1; PN e PRNT=61%. A reatividade da
escória foi considerada 100% (material<0,03mm).
O delineamento experimental foi em blocos ao acaso, com cinco repetições. As
doses de escória foram aplicadas objetivando elevar em meia, uma vez, uma vez e
meia, duas vezes e duas vezes e meia a saturação por bases do solo a 70%,
correspondendo a 1,68; 3,36; 5,04; 6,72 e 8,40 g por vaso de 2,8 dm-3, além da
testemunha.
Após a aplicação da escória, o solo ficou incubando por 90 dias e, em seguida,
foi realizada uma nova análise química para avaliar as condições químicas do
solo, no momento do plantio das mudas (Tabela_1). Esta incubação do solo com a
escória, antes do plantio das mudas, teve por objetivo permitir a reação de
solubilização da escória e a neutralização da acidez do solo.
tab01
Utilizaram-se uma mudas de goiabeira, obtidas a partir de propagação vegetativa
de estacas herbáceas de matrizes selecionadas da cv. Paluma. As estacas
compostas de um segmento com um par de folhas, correspondendo a um internódio,
foram acondicionadas em substrato à base de vermiculita, em câmara de
nebulização, por 90 dias, até enraizarem. Após o enraizamento inicial, as
estacas foram podadas, ficando com cerca de 10 cm, eliminando-se todas as
folhas, obtendo-se assim as mudas.
Após o período de incubação, realizou-se o plantio das mudas de goiabeira,
cultivando-as por 110 dias. Ainda por ocasião do plantio, cada unidade
experimental recebeu doses de N, P, K, de 300; 100; 150 mg dm-3,
respectivamente, tendo como fontes o sulfato de amônio, o superfosfato triplo e
o cloreto de potássio.
Aos 110 dias após o transplante das mudas, realizou-se o corte das plantas, que
foram divididas em parte aérea e raiz para a determinação dos micronutrientes,
de acordo com a metodologia de Bataglia et al. (1983). Nesse mesmo período (200
dias após a incorporação da escória ao solo), realizou-se nova amostragem de
solo dos vasos e novas análises químicas, conforme descrito anteriormente.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Aos 200 dias após a aplicação da escória, houve efeito significativo e positivo
do resíduo na reação do solo, com um aumento quadrático dos valores pH (Y=4,24-
0,0716x+0,0237x2) R2=0,97**) e saturação por bases (V%)
(Y=24,17+2,357x+0,2936x2, R2=0,99**). Esses resultados indicam que a escória
utilizada comportou-se eficientemente como corretivo da acidez, o que pode ser
justificado pelo seu poder de neutralização devido à presença dos ânions
silicato. Resultados semelhantes foram obtidos por Prado & Fernandes
(2000;2001).
Para as doses de escória, houve efeito significativo na disponibilidade dos
micronutrientes analisados (Figura_1). Tendo em vista que esse material
apresenta reação lenta no solo (Prado & Fernandes, 2000), possivelmente com
maior tempo de incorporação (além dos 200 dias), poderia haver maior reação da
escória no solo e, conseqüentemente, maior liberação de micronutrientes.
fig01
Para a disponibilidade de B, observou-se um efeito linear significativo e
positivo, com a aplicação da escória. No caso do Cu, esse efeito foi
quadrático, atingindo a maior disponibilidade na dose de 6,3 g por vaso (Figura
1a). Para o Zn e Mn, observou-se também efeito quadrático, proporcionando maior
disponibilidade nas doses de 5,8 e 7,5 g por vaso, respectivamente (Figura_1b).
Esses resultados concordam com os de Amaral et al. (1994), que observaram que a
escória de alto forno liberou Mn e Zn em dois Latossolos e, com os de Carter et
al. (1951), que observaram incremento de B no solo com a aplicação desse tipo
de resíduo.
Como a escória afetou positiva e significativamente a disponibilidade de
micronutrientes, a reação do solo e, conseqüentemente, a saturação por bases, o
estudo das relações entre essas variáveis mostrou-se oportuno. Pelos resultados
obtidos, observa-se uma relação quadrática do valor pH e da saturação por bases
(Figura_2) nas concentrações de Mn, Zn, B e Cu disponíveis. De maneira geral, o
valor pH e V%, a partir de determinados valores, estiveram associados a uma
redução da disponibilidade dos micronutrientes. Tal comportamento pode estar
relacionado à solubilidade da escória em função do valor pH do solo. Em
condições mais ácidas, haveria maior liberação de micronutrientes da escória,
enquanto, com a elevação do valor pH, haveria um equilíbrio na disponibilidade
dos micronutrientes. De acordo com Kinniburgh et al. (1976), quando o ambiente
tende à neutralidade, a disponibilidade destes elementos diminui, tendo em
vista o favorecimento da formação de óxidos dos cátions divalentes e a formação
de complexos de superfície (adsorção) desses cátions com sesquióxidos de Fe e
de Al do solo.
fig02
Com base nas equações obtidas, pode-se estimar que, em geral, valores pH e de
saturação por bases superiores a 5,3 e 65%, respectivamente, acarretaram
redução na disponibilidade dos micronutrientes metálicos. Esses valores para o
Zn, Cu, Mn e B foram, respectivamente, para o valor pH e saturação por bases,
de 4,9 e 51%; 5,0 e 53%; 4,9 e 55%; 5,3 e 65%. Portanto, o B foi o menos
afetado, quando comparado com Zn, Cu e Mn, em função da reação do solo. Quanto
ao boro, Pavan & Corrêa (1988) encontraram resultados semelhantes,
observando aumento considerável na adsorção de B somente em valores pH (água)
mais elevados (acima de 6,5). O efeito desses atributos químicos, especialmente
do valor pH, na disponibilidade dos micronutrientes metálicos, é amplamente
discutido na literatura (Malavolta,1981).
Tendo em vista o aumento da concentração de micronutrientes no solo pela
aplicação da escória, avaliaram-se os reflexos desses elementos na parte aérea
e nas raízes das mudas de goiabeira. Houve alteração significativa nos teores
(Figura_3) e no acúmulo (Figura_4) dos micronutrientes, com efeito quadrático
(exceto para o B, que teve efeito linear), em função do incremento das doses do
resíduo. Observaram-se maiores teores de B, Cu e Zn nas raízes, ao passo que,
para o Mn, ocorreu o inverso, concentrando-se mais na parte aérea (Figura_3).
Resultados semelhantes foram obtidos por Salvador et al.(1999), trabalhando com
goiabeira em solução nutritiva. Esses autores verificaram que a ordem de
exigência das plantas por micronutrientes era: Mn>Zn>B>Cu.
fig03
fig04
O incremento de micronutrientes nas plantas, devido à aplicação da escória, foi
obtido por Amaral et al. (1994) e Prado et al. (2002) na cultura da alface, por
Piau (1995) e Aciolly et al. (2000) na cultura do milho e por Prado et al.
(2001) na cultura da cana-de-açúcar.
Observou-se, ainda, que as concentrações de micronutrientes no solo, que
estiveram associadas ao maior acúmulo de matéria seca das mudas de goiabeira
para B, Cu, Mn e Zn, foram: 0,32; 0,23; 2,3 e 1,2 mg dm-3 (Figura_5). Segundo
Raij et al. (1996), essas concentrações de micronutrientes no solo são
consideradas médias (exceto para o Cu, que é considerado baixa).
fig05
CONCLUSÕES
1) A escória propiciou um efeito favorável na reação do solo e no fornecimento
e disponibilidade de Zn, Cu, Mn e B.
2) Houve efeitos quadráticos nas concentrações de Zn, Cu e Mn do solo, que, por
sua vez, estiveram associadas às doses de escória superiores a 5,8; 6,3 e 7,5 g
por vaso, respectivamente, enquanto, para o B, esse efeito foi linear.
3) A saturação por bases do solo entre 51 e 55% resultou em maior
disponibilidade dos micronutrientes metálicos Zn, Cu e Mn em um Argissolo
Vermelho-Amarelo, ao passo que, para o B, esse valor foi de 65%.
4) Da mesma forma que ocorreu no solo, a aplicação da escória apresentou um
efeito quadrático nos teores de Zn, Cu e Mn da parte aérea e das raízes das
mudas de goiabeira, enquanto, para o B, esse efeito foi linear.