Efeito da autofecundação em cultivares de abacaxi
COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA
Efeito da autofecundação em cultivares de abacaxi1
Effects of self pollination in pineapple cultivars
José Renato Santos CabralI; Antônio da Silva SouzaI; Aristoteles Pires de
MatosI; Ranulfo Corrêa CaldasI
IEmbrapa Mandioca e Fruticultura, CP 007, 44380-000, Cruz das Almas, BA,
jrenato@cnpmf.embrapa.br
A demanda de abacaxi tem aumentado nos últimos anos no mercado internacional de
frutas. A produção mundial de abacaxi em 2000 foi de 13.095.799 toneladas. A
produção brasileira cresceu nos últimos cinco anos, alcançando 1.340.220
toneladas em 2000, obtidas em uma área de 56.776 hectares (Fao, 2001).
Apesar da existência de diversas cultivares de abacaxi, os plantios comerciais
em todo o mundo são formados predominantemente com 'Smooth Cayenne'. Esta
estreita base genética é desfavorável à sustentabilidade da cultura, fazendo-se
necessário uma diversificação de cultivares (Cabral, 1999).
Os programas de melhoramento genético do abacaxizeiro, fundamentados na
hibridação direta, não têm sido eficientes na geração de novas cultivares. Uma
das causas responsáveis para a ocorrência deste problema é a heterozigose dos
parentais que são normalmente usados nos cruzamentos. O elevado nível de
segregação que ocorre em progênies oriundas desses cruzamentos e o grande
número de caracteres usados na seleção reduzem a chance de obter-se um híbrido
com combinações favoráveis, fazendo-se necessária a produção de descendências
muito grandes para obter-se sucesso na seleção (Coppens D'Eeckenbrugge &
Duval, 1995).
A utilização da autofecundação para obter-se parentais com maior grau de
homozigose, visando a sua utilização em hibridações, é uma estratégia sugerida
para aumentar a eficiência dos programas de melhoramento genético do
abacaxizeiro (Leal & Coppens D'Eeckenbrugge, 1996). A auto-
incompatibilidade que existe em abacaxi não é completa, podendo ocorrer certo
nível de autofecundação que pode ser obtida mediante proteção de
inflorescências antes da antese. As sementes formadas produzem plantas, nas
quais se podem observar os efeitos da autofecundação (Coppens D'Eeckenbrugge
& Duval, 1995).
Uma geração de autofecundação, produzindo plantas com 50% de genes homozigotos,
possibilita eliminar alelos não dominantes desfavoráveis e identificar alelos
recessivos favoráveis. Por outro lado, foi observada depressão por endogamia em
uma progênie da autofecundação de um mutante autofértil de 'Smooth Cayenne'.
Plantas oriundas dessa progênie evidenciaram perda de vigor, que foi recuperado
mediante retrocruzamentos com 'Smooth Cayenne' (Collins, 1960). Os efeitos da
autofecundação são pouco conhecidos em outras cultivares de abacaxi (Leal &
Coppens D'Eeckenbrugge, 1996).
A autofecundação tem sido pouco utilizada em programas de melhoramento genético
do abacaxizeiro, mas esta estratégia pode proporcionar avanços significativos
no melhoramento desta planta. Assim, teve-se como objetivo observar os efeitos
da autofecundação em outras cultivares de abacaxi.
As inflorescências das variedades Primavera, Perolera, Roxo-de-Tefé, Pérola e
Smooth Cayenne foram protegidas antes da antese para ocorrência de
autofecundação.
Os frutos oriundos das inflorescências protegidas foram colhidos para a
extração das sementes obtidas. A germinação foi realizada em placas de Petri,
usando-se como substrato o meio MS (Murashige & Skoog, 1962), suplementado
com 30 g.L-1 de sacarose e gelificado com 2 g.L-1 de Phytagel (Sigma Chem. Co,
USA), colocadas em câmara de crescimento, com temperatura variando de 27±1ºC,
fotoperíodo de 16 horas de luz e intensidade luminosa de 1.500 lux.
Após a germinação, as plantas obtidas foram transplantadas para canteiros
móveis de isopor, contendo como substrato uma mistura de três partes de terra
vegetal e uma de vermiculita, mantidas em casa de vegetação por um período de 6
a 8 meses e, posteriormente, aclimatadas em canteiros a pleno sol, onde
permaneceram por 8 a 10 meses, até atingirem o tamanho adequado para plantio em
condições de campo.
Como pode ser observado na Tabela_1, a variedade Primavera apresentou a maior
formação de sementes por inflorescência (15,7), comportando-se como a mais
autofértil. 'Perolera' produziu 3,2 sementes por inflorescência e Roxo-de-Tefé
1,5. As variedades Pérola e Smooth Cayenne apresentaram os menores índices de
sementes por inflorescência: 0,12 e 0,02, respectivamente, comportando-se como
as variedades com o maior grau de auto-incompatibilidade e, conseqüentemente,
menor nível de autofertilidade. Esses resultados foram semelhantes aos obtidos
na Martinica por Coppens d'Eeckenbrugge et al. (1993).
A porcentagem de germinação observada na cultivar Roxo-de-Tefé foi de 44,44%,
em Primavera 6,96% e em Perolera 6,57%,. A porcentagem de germinação das
cultivares Pérola e Smooth Cayenne foi zero e, conseqüentemente, não se obteve
nenhuma planta.
A maior porcentagem de sobrevivência de plantas em fase de viveiro ocorreu na
progênie da variedade Primavera (56,58) e a menor na de 'Roxo-de-Tefé (10,09),
como pode ser observado na Tabela_1. As baixas porcentagens de germinação e de
sobrevivência em viveiro sugerem que houve depressão por endogamia nestas fases
de desenvolvimento, comportamento semelhante constatado por Colins (1960), em
progênie obtida de autofecundação de 'Smooth Cayenne'.
Na progênie de autofecundação de 'Primavera', observou-se que todas as plantas
apresentaram folhas verdes e sem espinhos nos bordos ("piping"),
semelhante ao parental. Na progênie de 'Perolera', todas as plantas
evidenciaram folhas de cor verde, mas se constatou que houve segregação para
presença de espinhos no bordo da folha, com três plantas apresentando folhas
lisas e duas com folhas espinhosas. Em cruzamentos de 'Primavera' com outros
parentais com qualquer tipo de bordo de folha, Cabral et al.(1997) obtiveram
progênies em que todas as plantas apresentaram folhas lisas, enquanto
cruzamentos de 'Perolera' com os outros parentais com qualquer tipo de bordo de
folha originaram progênies nas quais se observou segregação para o caráter
"piping" ( folhas sem espinhos nos bordos e com faixa prateada).
Estes resultados evidenciam que 'Primavera' é homozigota para o gene dominante
que controla o caráter "piping" e a 'Perolera' é heterozigota. Na
progênie de 'Roxo-de-Tefé', verificou-se que todas as plantas apresentaram
folhas com espinhos nos bordos, como no parental, resultados semelhantes aos
observados por Cabral et al. (1997).
As plantas resultantes de autofecundação têm apresentado crescimento lento nas
condições de Cruz das Almas ' BA, permanecendo de oito a dez meses em casa de
vegetação e de dez a quinze meses em viveiro, evidenciando baixo vigor nestas
fases de desenvolvimento. As plantas que sobreviveram a fase de viveiro e
atingiram o porte adequado para o plantio definitivo foram transferidas para o
campo. Até o presente, 30 plantas de 'Primavera', seis de 'Roxo-de-Tefé' e
quatro de 'Perolera' foram levadas para o campo e estão apresentando
crescimento lento.
Plantas obtidas de autofecundação das cultivares Primavera e Perolera, e
plantas destas cultivares parentais, oriundas de propagação vegetativa, foram
avaliadas aos 120 dias após o plantio, com relação às variáveis: altura da
planta do solo até a folha mais alta, comprimento e diâmetro de folha
"D". Observou-se que as plantas obtidas de autofecundação de
'Primavera' e 'Perolera' apresentaram menor altura da planta, comprimento e
largura da folha "D" do que as cultivares parentais, conforme pode
ser visualizado na Tabela_2. Estes resultados indicam que plantas obtidas de
autofecundação também têm crescimento mais lento em condições de campo do que
as cultivares parentais. O crescimento mais lento em campo, das plantas
oriundas de autofecundação de 'Primavera' e 'Perolera', sugere que houve
depressão por endogamia. Essas plantas serão avaliadas com relação a outros
caracteres de interesse para o melhoramento genético e as que apresentarem
maior número de caracteres favoráveis serão utilizadas em cruzamentos para
analisar-se as capacidades geral e específica de combinação dos parentais
envolvidos nos cruzamentos.
Os resultados obtidos, embora preliminares, poderão contribuir para o avanço
dos programas de melhoramento genético do abacaxizeiro, visto que se tem a
expectativa de obtenção de populações mais homogêneas, que possibilitem índices
de seleção superiores aos que são atualmente conseguidos.