Conservação refrigerada de lima ácida 'Tahiti': uso de 1-metilciclopropeno,
ácido giberélico e cera
COLHEITA E PÓS-COLHEITA
INTRODUÇÃO
A lima ácida 'Tahiti' apresenta peculiaridades quanto à sua comercialização, se
comparada com outras frutas cítricas. Entre elas, a manutenção da cor verde da
casca, que é extremamente desejável durante toda a vida útil pós-colheita desta
fruta. O aparecimento da coloração amarela, total ou parcialmente, reduz sua
aceitação pelo mercado consumidor.
Na prática, esta fruta é colhida com coloração verde, após alcançar o pleno
desenvolvimento, e comercializada enquanto a cor da casca permanece nesta
condição. Entretanto, os processos de degradação da clorofila e síntese de
carotenóides continuam ocorrendo mesmo durante a comercialização sob condições
ambientais e culminam com o desverdecimento da fruta. Mesmo sob refrigeração,
estas alterações continuam ocorrendo, embora mais lentamente (Baldwin, 1994).
As condições recomendadas para a conservação refrigerada de lima 'Tahiti' são
temperatura entre 10 e 12oC e umidade relativa (UR) entre 85-95%. Nestas
condições os frutos podem ser armazenados por 4 a 8 semanas. Longos períodos de
temperatura abaixo de 8oC induzem o aparecimento de injúrias pelo frio,
caracterizadas por depressões superficiais e aumento na incidência de doenças
(Chitarra & Chitarra, 1990; Kluge et al., 2001).
Alguns tratamentos auxiliares à refrigeração têm sido testados ou aplicados em
lima 'Tahiti', visando à manutenção da coloração verde da casca e aumento no
período de transporte e comercialização. Estes tratamentos incluem o uso de
reguladores vegetais e cera.
A giberelina é um hormônio relacionado a juvenilidade, ao contrário do etileno
e ácido abscísico, que são hormônios ligados à senescência, portanto
antagônicos a giberelina (Dilley, 1969). Assim, a aplicação de giberelina pode
adiar processos relacionados com o envelhecimento e senescência do fruto,
incluindo a degradação da clorofila (Schechter et al., 1989). Barros et al.
(1991) aplicaram ácido giberélico (GA) em lima 'Tahiti', na concentração de
40mg.L-1, tendo verificado um retardamento no aparecimento de coloração amarela
dos frutos. Os autores observaram que o desverdecimento dos frutos tratados
começou a ocorrer após 35 dias de conservação refrigerada, enquanto que nos
frutos controle este processo iniciou-se aos 7 dias. Silva & Donadio (1997)
apontam o tratamento com GA (20mg.L-1) como uma obrigatoriedade para a
exportação desta espécie cítrica, como forma de manter a cor verde da casca e
retardar o envelhecimento do fruto durante o transporte. Spósito et al. (2000)
trataram limas 'Tahiti' com GA (10mg.L-1), tendo observado manutenção da
coloração da casca dos frutos por até 45 dias a 11oC.
O uso de ceras tem objetivo de reduzir a perda de massa (umidade) e,
conseqüentemente, o amolecimento e o murchamento. A aplicação de cera também
tem por finalidade dar maior brilho à fruta, melhorando a qualidade visual da
mesma (Kaplan, 1986). Apresenta também uma ação antifúngica e minimiza
desordens na casca e colapso do tecido próximo ao pecíolo (Waks et al., 1985).
Em limas armazenadas a 8-10oC e 80-95% de UR, foi constatada redução na perda
da umidade após o armazenamento (Fioravanço, 1992).
O 1-MCP (1-metilciclopropeno) é um composto gasoso que tem demonstrado ser um
eficiente inibidor da ação do etileno. O 1-MCP se liga ao sítio de recepção do
etileno, atuando como antagonista. Esta substância apresenta grande potencial
de aplicação comercial para o controle da maturação de frutas e hortaliças, e
da senescência de flores (Sisler & Serek, 1997).
Embora frutos não climatéricos, como os citros, apresentem apenas o sistema 1
de produção de etileno, ou seja, baixa produção de etileno (Vendrell &
Palomer, 1997), isso não implica que não haja interferência do etileno sobre a
maturação do fruto. Goldschmidt (1997) afirma que o etileno, mesmo que em baixa
concentração em frutos não climatéricos, está envolvido em eventos associados à
maturação, como a degradação da clorofila da casca. Assim, é possível que a
aplicação do 1-MCP retarde o desverdecimento da casca de lima ácida, devido a
sua influência na ação do etileno. Já foi constatado que o 1-MCP aumentou a
conservação de morangos (Ku et al., 1999), um fruto tipicamente não
climatérico. Além disso, o 1-MCP tem retardado o amadurecimento de produtos
climatéricos (Blankenship & Dole, 2003).
A partir destas considerações o objetivo do presente trabalho foi de avaliar o
efeito do 1-MCP, associado ao uso de ácido giberélico e cera, durante a
conservação refrigerada de lima 'Tahiti', visando ampliar seu período de
armazenamento.
MATERIAL E MÉTODOS
A colheita foi realizada em pomar comercial, localizado no município de Mogi-
Guaçu, SP, sendo os frutos transportados imediatamente para o Laboratório de
Pós-colheita do Departamento de Ciências Biológicas da ESALQ/USP. Foram
utilizados frutos com diâmetro médio de 50mm (+ 3mm) e com coloração verde
intenso. Após a seleção, os frutos foram submetidos aos seguintes tratamentos:
T1: Controle: frutos sem nenhum tratamento;T2: frutos submetidos ao tratamento
com 1-MCP; T3: frutos submetidos à aplicação de cera; T4: frutos submetidos à
aplicação de ácido giberélico (GA); T5: 1-MCP + Cera; T6: 1-MCP + GA; T7: GA +
Cera; T8: 1-MCP + GA + Cera e T9: T2 + reaplicação de 1-MCP após 30 dias de
armazenamento.
A aplicação de cera à base de polietileno (Citrosolâ) foi na proporção de 0,1mL
por fruto, correspondendo a 1L.t-1, feita manualmente, com auxílio de uma
pipeta graduada. A aplicação de ácido giberélico foi feita através de imersão
dos frutos em solução contendo 10mg. L-1 de GA, durante 10 segundos, seguindo-
se de uma secagem em ar ambiente por 30 minutos. E a aplicação do 1-MCP foi
realizada em caixas plásticas herméticas, com capacidade de 1880 litros. Para
gerar a concentração de 1,0mg.L-1 foi utilizado o produto comercial
SmartFreshTM, na forma de pó molhável, contendo 0,14% de ingrediente ativo 1-
MCP. Assim, quantidades de SmartFreshTM pré-determinadas foram pesadas e
colocadas em frascos com tampa. Adicionou-se a estes frascos 20mL de água
destilada aquecida a 50oC, agitando-os até a completa dissolução. Os frascos
foram abertos no interior das câmaras, as quais foram fechadas imediatamente
para evitar a perda do gás. Os frutos ficaram expostos ao tratamento durante 12
horas sob temperatura de 20oC.
O delineamento experimental adotado foi inteiramente ao acaso, com nove
tratamentos e quatro repetições de dez frutos por parcela.
Os frutos foram armazenados a 10ºC durante 30 e 60 dias, sendo que após cada
período de armazenamento, os mesmos foram colocados em temperatura ambiente
(20ºC) durante três dias, sendo então avaliados.
As análises realizadas foram: a) coloração da casca: através do Minolta Chroma
Meter CR-300, sendo determinados os valores de ângulo de cor (ho) e chroma
(C*); b) perda de massa: foi determinada pela diferença, em %, entre a massa
inicial e a massa após tratamentos e armazenamento; c) taxa respiratória:
amostras de 10 frutos foram colocadas em jarros de vidro com capacidade de 5L,
permanecendo hermeticamente fechados por períodos de três horas. Em cada tampa
dos jarros foi colocado um septo de borracha através do qual foi retirada a
amostra de gás. Com uma seringa de 1mL foi coletada uma amostra de cada jarro e
injetada em analisador de CO2 Dansensor CR300. Os resultados foram expressos em
mL de CO2.kg-1.h-1; d) porcentagem de suco: cada repetição foi pesada e, em
seguida, extraído o suco dos frutos. A porcentagem de suco foi calculada
através da fórmula: % de suco = (MS/MF) x 100, onde MS = massa do suco (g) e MF
= massa do fruto; e) teor de sólidos solúveis totais (SST): determinado em
refratômetro digital, com os resultados expressos em oBrix; f) acidez total
titulável (ATT): a 10mL do suco foram adicionados 90mL de água destilada, sendo
realizada titulação com NaOH 1N até pH 8,10. Os resultados foram expressos % (g
de ácido cítrico/100ml da amostra); g) "ratio": calculado pela divisão do teor
de SST pela ATT; h) índice tecnológico (I.T.): calculado através da fórmula:
I.T. = (SST x % de suco)/100; i) teor de vitamina C: uma alíquota de 10mL de
suco foi colocada em erlenmeyer contendo 50mL de solução de ácido oxálico a 1%.
A titulação foi efetuada com DCFI (2,6-diclorofenol indofenol) até atingir a
coloração rosada persistente por 15 segundos. Os resultados foram expressos em
mg de ácido ascórbico/100mL de suco.
Os dados coletados foram submetidos à análise de variância (Teste F) e, em caso
de significância as médias foram comparadas pelo teste de Tukey a 5% de
probabilidade.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Após 30 dias de armazenamento os frutos do tratamento controle apresentaram
maior perda de coloração verde em relação aos demais tratamentos, tendo sido
observados valores menores do ângulo de cor (ho) e valores maiores de croma
para estes frutos sem tratamento (Tabela_1). Valores de ho mais distantes de
90o representam frutos mais verdes ao passo que, quanto mais próximos a 90o,
mais amarelos são os frutos. O croma define a intensidade da cor, assumindo
valores próximos a zero para cores neutras (cinza) e ao redor de 60 para cores
vívidas (McGuire, 1992). Assim, no presente trabalho, maiores valores de croma
significaram maior intensidade da cor amarela. Tanto o 1-MCP quanto o ácido
giberélico e a cera, isoladamente ou em conjunto, reduziram a perda de
coloração. Em relação ao ácido giberélico os resultados encontrados são
semelhantes aos observados por Spósito et al. (2000).
Os frutos tratados com cera apresentaram menor perda de massa (Tabela_1),
devido, principalmente à diminuição da perda de água. Frutos não tratados ou
tratados apenas com GA ou 1-MCP, por sua vez, obtiveram maiores valores para
perda de massa. De fato, efeitos isolados do 1-MCP ou GA não eram esperados
para esta variável, considerando que possuem efeitos diferentes da cera. A
perda de massa pela transpiração ocorre principalmente da água existente nas
células da casca, flavedo e albedo dos frutos. Considerando que a cera promove
um revestimento sobre a casca dos frutos, bloqueia os estômatos e de certa
forma, promove uma modificação das trocas gasosas dos frutos, sua eficiência na
redução da transpiração é maior (Petracek et al., 1998). Resultados semelhantes
com uso de cera foram obtidos por Fioravanço (1992).
De modo geral, os tratamentos não interferiram na taxa respiratória, teor de
sólidos solúveis totais, acidez total titulável, 'ratio', índice tecnológico e
teor de vitamina C (Tabelas_1 e 2). A porcentagem de suco foi menor em frutos
tratados com cera, embora não tenha diferido significativamente do controle e
dos frutos tratados com GA e 1-MCP. Este resultado é explicado devido ao fato
de que, como houve menor perda de massa do fruto tratado com cera, houve menor
proporção de suco em relação à massa total do fruto.
Os frutos não se apresentavam comercializáveis após 60 dias de conservação,
principalmente devido à presença de odor e sabor estranhos e a perda da
coloração verde da casca de alguns tratamentos, que provocaram a perda da
coloração semelhante ao controle, como foi o caso do 1-MCP e GA (Tabela_3). A
cera reduziu a perda da cor verde em relação ao controle e aos tratamentos
isolados de 1-MCP e GA, ao passo que a reaplicação de 1-MCP não favoreceu a
manutenção da coloração verde.
De igual forma ao verificado após 30 dias de conservação, poucas alterações
físico-químicas ocorreram nos frutos após 60 dias de armazenamento (Tabela_4),
à exceção da perda de massa que foi menor em frutos tratados com cera.
Um dos grandes entraves que impedem um maior período de conservação e
comercialização de lima 'Tahiti' é a perda de coloração verde da casca. Neste
sentido têm-se buscado tratamentos adicionais à refrigeração que evitem o
desverdecimento dos frutos. Observa-se, na prática, que o ácido giberélico é
muito utilizado no caso de exportação, sendo que seu modo de ação está em
atrasar a senescência do fruto por ser antagônico ao etileno. Mesmo em frutos
não climatéricos, como a lima 'Tahiti', o etileno produzido em baixas
concentrações parece regular o processo de senescência, incluindo a taxa de
degradação de clorofila (Goldschmidt, 1997). A aplicação de ácido giberélico
aumenta os níveis endógenos desse hormônio e parece retardar os efeitos do
etileno na senescência (Dilley, 1969; Abeles et al., 1997).
O 1-MCP tem mostrado ser um inibidor efetivo da ação do etileno, ligando-se ao
sítio do mesmo e impedindo os seus efeitos (Sisler & Serek, 1997). O 1-MCP
tem sido aplicado com êxito em frutos climatéricos como forma de retardar o
amadurecimento (Blankenship & Dole, 2003). Embora a lima 'Tahiti' seja um
fruto não climatérico, tem sido relatado que o etileno produzido, mesmo que em
baixas concentrações, pode regular a sua taxa de senescência (Goldschmidt,
1997). Neste sentido, o uso de bloqueadores de etileno poderia também reduzir a
senescência deste fruto. Em brócolis, por exemplo, foi verificado que a
aplicação de 1-MCP retardou a perda de coloração verde, estando isso associado
com menor atividade da clorofilase (Ku et al., 1999; Fan & Mattheis, 2000).
No caso da lima 'Tahiti', as alterações indesejáveis estão associadas também
com o desverdecimento. Sendo assim, é possível que o 1-MCP tenha reduzido
indiretamente a atividade da clorofilase, através do bloqueio da ação do
etileno. Por outro lado, esperava-se que a reaplicação do 1-MCP após 30 dias de
conservação pudesse preservar a coloração dos frutos até 60 dias, o que não
ocorreu. Possivelmente novos sítios receptores de etileno foram produzidos
durante o armazenamento, permitindo a ação do hormônio na indução da
senescência. Sabe-se que os sítios receptores do etileno são complexos
protéicos identificados em Arabidopsis talhiana como ETR1, sendo estes
sintetizados durante a senescência de plantas e frutos (Taiz & Zeiger,
2002).
A aplicação de cera, por sua vez, possui como objetivo principal reduzir a
perda de água a partir da casca (flavedo e albedo) e conferir brilho aos
frutos. Entretanto, a depender da concentração utilizada pode alterar
drasticamente a atmosfera interna nos frutos, com reduções excessivas de O2 e
aumentos demasiados de CO2, o que pode conduzir ao processo de respiração
anaeróbica e provocar alterações indesejáveis e distúrbios fisiológicos
(Petracek et al., 1998). No presente trabalho, embora a cera tivesse reduzido a
perda de coloração verde, foi detectada a presença de odor e sabor estranhos
nos frutos. Provavelmente isto está associado com a modificação drástica da
atmosfera interna, o que pode ter gerado teores elevados de etanol e
acetaldeído. Em frutos cítricos, a presença de etanol e acetaldeído é aceitável
em certos níveis, entretanto, altas concentrações destes produtos de
fermentação podem causar sabores e odores desagradáveis que depreciam a
qualidade do produto (Cohen et al., 1990). Cabe ressaltar que a quantidade de
cera aplicada foi recomendação fornecida pela empresa fabricante. Assim,
menores quantidades ou diluições da cera em questão devem ser estudadas em
novos experimentos.
As poucas alterações físico-químicas, como teor de sólidos solúveis, acidez
titulável, teor de vitamina C, taxa respiratória, entre outras, indicam que a
ação dos produtos aplicados é restrita ao albedo e flavedo do fruto, não
havendo, possivelmente, uma difusão mais interna destes produtos. De fato, o
fruto cítrico, além destas barreiras iniciais, apresenta a sua estrutura
interna segmentada, com membranas semi-permeáveis envolvendo estes segmentos e
dificultado a entrada e saída de moléculas (Ting & Roussef, 1986).
CONCLUSÕES
1) A cera é suficiente para retardar a perda de coloração verde da casca sob
refrigeração a 10ºC. Entretanto, novas doses e diluições devem ser testadas
para evitar alteração no sabor e aroma dos frutos.
2) O uso 1-MCP mantém a coloração verde até 30 dias de conservação refrigerada,
enquanto que sua reaplicação após 30 dias não apresenta efeito para a
manutenção da coloração verde da casca.
3) A aplicação de ácido giberélico mantém a coloração verde da casca até 30
dias de conservação a 10ºC.