Erradicação de escleródios de Sclerotium rolfsii em substratos tratados em
coletores solares, em Campos dos Goytacazes-RJ
DEFESA FITOSSANITÁRIA
Erradicação de escleródios de Sclerotium rolfsii em substratos tratados em
coletores solares, em Campos dos Goytacazes-RJ1
Eradication of Sclerotium rolfsii sclerotia in substrate treated in solar
collector devices in Campos dos Goytacazes-RJ
Marlon Vagner Valentim MartinsI; Silvaldo Felipe da SilveiraII; Almy Junior
Cordeiro de CarvalhoII; Elias Fernandes de SouzaIII
IEng. Agr., M.Sc., Doutorando, UENF/CCTA/LPP, Campos, RJ, CEP 28013-600. E-
mail: varresai@uenf.br
IIEng. Agr., D.Sc., Professor Associado, UENF/CCTA, Campos, RJ, CEP 28013-600
IIIEng. Agla, D. Sc., Professor Associado, UENF/CCTA, Campos, RJ, CEP 28013-600
INTRODUÇÃO
A Podridão-de-Escleródio ou Murcha-de-Escleródio, causada por Sclerotium
rolfsii Sacc., afeta uma vasta lista de espécies de plantas hospedeiras,
incluindo dicotiledôneas e monocotiledôneas (Punja, 1985; Punja e Rahe, 1993).
O patógeno pode causar tombamento em mudas e podridão do coleto e de raízes em
plantas mais velhas, resultando em murcha, o que, na maioria das vezes, culmina
com a morte da planta. S. rolfsii é amplamente distribuído pelas regiões
tropicais e subtropicais do mundo, sendo favorecido por condições de
temperaturas médias em torno de 27oC e alta umidade relativa do ar (Punja,
1985). Na ausência de hospedeiros, o fungo sobrevive no solo por meio de
escleródios e pelo crescimento micelial saprofítico, e sua disseminação é
feita, principalmente, pelo transporte de solo infestado. Áreas altamente
infestadas por S. rolfsii podem ficar comprometidas para o cultivo de muitas
culturas.
No Norte Fluminense, em área onde predominava o cultivo da cana-de-açúcar, a
fruticultura vem se tornando muito importante no desenvolvimento regional,
principalmente através do cultivo do maracujazeiro, goiabeira e abacaxizeiro.
Com a franca expansão dessa atividade, muitos agricultores tendem a se tornar
viveiristas ou produzir suas próprias mudas. A desinfestação do solo se torna
muito importante uma vez que fungos como Rhizoctonia, Pythium e Phytophthora
não possuem especificidade de hospedeiro, pois atacam desde de olerícolas até
fruteiras. Estes fungos, por serem bastante agressivos, matam as plantas
rapidamente através de enzimas e, conseqüentemente, diminuem a produção do
viveiro (Bedendo, 1995). Daí surge a necessidade de mudas de qualidade, isenta
de patógenos e também de plantas daninhas.
Com a proibição dos produtos fumigantes e esterilizantes, como o brometo de
metila, que afeta a camada de ozônio (Albregts et al., 1996), a desinfetação de
substratos para a produção de mudas pode ficar comprometida. Entretanto, devido
às altas temperaturas verificadas na região do Norte Fluminense e pelas
dificuldades no controle de doenças causadas por patógenos do solo, o uso da
energia solar via solarização do solo pode ser uma alternativa promissora à
esterilização química, no tratamento de solo e substratos para a produção de
mudas em geral. Os patógenos de solo são controlados pelo aquecimento do solo
em profundidade, por meio da cobertura do solo úmido com filme de polietileno
transparente e exposição à radiação solar (Katan, 1980). Para o tratamento de
substratos, a solarização pode ser efetuada em coletores solares (Ghini, 1991).
A desinfestação de substratos em coletores solares foi, inicialmente, testada
na Embrapa Meio Ambiente, por R. Ghini e W. Bettiol (1991). O aparelho foi
eficiente no controle de patógenos de solo, como S. rolfsii e Pythium
aphanidermatum (Edson) Fitzpatrick (Ghini, 1991; Ghini e Bettiol, 1991; Ghini,
1993).
Este trabalho objetivou adaptar e testar coletores solares na erradicação de S.
rolfsii em substratos para produção de mudas, no Norte Fluminense.
MATERIAL E MÉTODOS
O trabalho foi realizado na Universidade Estadual do Norte Fluminense, UENF,
situada no município de Campos dos Goytacazes, Estado do Rio de Janeiro.
Produção de escleródios: Micélio de S. rolfsii do isolado Sr-1, originado de
tomateiro doente, foi repicado do meio batata-dextrose ágar (BDA) para o meio
de aveia (100 g de grãos de aveia, 50 mL de água destilada, 100 mL de meio de
Ágar- 15 g dm-3) e incubado a 27oC, por 8 dias (Punja e Grogan, 1981). Após o
crescimento do fungo, o manto micelial juntamente com o meio foi posto sobre
camada de solo não esterilizado, em recipiente tipo-gerbox® e incubado a 30oC,
por 14 dias (Punja e Grogan, 1981). Os escleródios foram recuperados do
substrato por peneiramento úmido (Punja e Grogan, 1981). Após a recuperação em
peneira de 65 meshes, os escleródios foram secos em papel-toalha e armazenados
em tubos (50 mL) com 1 g de sílica-gel, a 22-27oC, até a execução dos
experimentos.
Construção dos coletores solares: Os coletores foram feitos em madeira Aparaju,
com 1,52x0,90x0,24 m (Figura_1). Internamente alojou-se a um dos coletores seis
tubos de irrigação de ferro-galvanizados, de 6" de diâmetro e 0,90 m de
comprimento e num outro coletor utilizaram-se seis tubos de irrigação de
alumínio, de 5" de diâmetro e 0,90 m de comprimento. A caixa coletora foi
pintada com piche e os tubos com tinta preta fosca automotiva. Na parte
superior, foi colocado um filme de polietileno transparente de 50 ìm de
espessura. O ângulo de inclinação do coletor foi de 33o (Ghini e Bettiol,
1991).
Erradicação dos escleródios nos coletores solares: Efetuaram-se três ensaios
nas datas de 6 e 25/10 e 13/12 de 2000. Testaram-se dois substratos. O primeiro
substrato testado nos dois primeiros ensaios foi uma mistura de duas partes de
solo (Argissolo Amarelo) com uma parte de areia. O segundo substrato testado no
terceiro ensaio foi terra de lavagem da cana-de-açúcar. Para os primeiros e
segundos ensaios foram introduzidas, em três pontos do tubo, três pequenas
bolsas de nylon (10 mL) com 5 g do substrato infestado com 45 escleródios. Para
o terceiro ensaio, as bolsas de nylon foram colocadas na posição mediana dos
tubos 2, 3, 4 e 5. Os substratos foram umedecidos de acordo com o valor do
potencial hídrico (-1/3 bar), referente à capacidade de campo. Para os ensaios,
os coletores foram abastecidos ao entardecer anterior ao dia de tratamento.
Como testemunha, quatro repetições de 45 escleródios misturados aos substratos
foram colocados em cápsulas de alumínio de 100 mL e mantidos em laboratório
durante o mesmo período dos tratamentos.
Monitorou-se o aquecimento do substrato no período de 8 às 17 h, por meio de
sensores de solo (termopar). As temperaturas foram registradas a intervalos de
25 min, em coletor de dados (Watch Dog - Model 425 Spectrum Tecnology®). Nos
primeiro e segundo ensaios, foram colocados três sensores dentro de um dos
tubos centrais nos 2 coletores, nas posições superior, mediana e inferior de
cada tubo. No terceiro ensaio, colocou-se um sensor na posição mediana dos três
tubos centrais. A radiação solar global (W m-2) e a temperatura do ar externo
foram obtidas pela Estação Climatológica da UENF (Estação Automática THIES
CLIMA®).
Teste de Trifenil Cloreto de Tetrazólio: O teste de Trifenil Cloreto de
Tetrazólio (TCT), utilizado em análise do vigor de sementes, foi utilizado em
paralelo com o teste de germinação em meio de cultura, com objetivo de
certificar a viabilidade dos escleródios de S. rolfsii tratados nos coletores
solares. Para isso, utilizou-se uma solução do sal de TCT 0,5% em água
destilada, pH 6,3 a 6,5 (Brasil, 1992) e de cada parcela, 20 escleródios
permaneceram imersos em 2 mL da solução de TCT por 24 h, a 30oC, em vidros de
ensaio recobertos por papel alumínio. Em seguida, os escleródios foram lavados
em água destilada, secos em papel-toalha, cortados ao meio e visualizados sob
microscópio estereoscópio.
Germinação dos escleródios em meio de cultura: Após 14 a 18 h dos tratamentos
nos coletores, os escleródios recuperados do substrato por peneiramento úmido
permaneceram por 72 h em dessecadores contendo sílica gel até a realização dos
testes de viabilidade. Posteriormente, os escleródios foram desinfestados em
álcool 70% e hipoclorito de sódio (NaOCl) 20 g L-1, por 30 s (Punja e Rahe,
1993), lavados por três vezes em água esterilizada e semeados em meio BDA-
salino-cloranfenicol (BDASC: composto de BDA-Sigma® (pH= 5,8), NaCl a 0,08% e
cloranfenicol a 250 ìg mL-1), espaçados entre si de 1 cm. Após 72 h a 30 +/
- 1oC, avaliou-se a porcentagem de escleródios germinados (presença de hifas) e
não-germinados (ausência de hifas) sob microscópio estereoscópio.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os dois coletores solares testados foram igualmente eficientes no aquecimento
do substrato e na erradicação de escleródios de S. rolfsii. No primeiro ensaio
do dia 06 de outubro de 2000, a radiação solar global atingida nas horas mais
quentes do dia foi de 812 a 749 W m-2, entre 10 h e 13 h, e a temperatura
máxima interna do substrato no interior dos canos alcançou 45oC (Figura_2).
Mesmo o dia estando nublado, os coletores foram eficientes na erradicação de
100% dos escleródios. Os escleródios tratados não foram capazes de germinar em
meio BDASC (Tabela_1). Observou-se, no entanto, 100% de colonização dos
escleródios por bactérias. Não se observou, ainda, diferença entre canos e
posições das amostras nos canos quanto à erradicação dos escleródios do
patógeno. Os escleródios das testemunhas misturados ao substrato, mas não
submetidos ao aquecimento, germinaram em meio de cultura, no mesmo período de
incubação (Tabela_1).
Nos segundo e terceiro ensaios, efetuados nos dias 25 de outubro e 13 de
dezembro de 2000, a radiação solar global às 13 h foi de 877 e 908 W m-2,
respectivamente, o que provocou um aquecimento elevado em ambos os coletores
(Figuras_3 e 4). Constatou-se, também, que o número de horas com temperaturas
do substrato acima de 50oC foi de aproximadamente 7 h, em ambos os coletores,
nos dois ensaios (Figuras_3 e 4). As temperaturas máximas atingidas pelos
coletores nos dois ensaios foram de 60 a 80oC, o que foi suficiente para
erradicar 100% dos escleródios do patógeno, conforme constatado pela ausência
de germinação em BDASC e coloração por TCT (Tabela_1).
Não houve diferença entre os dois coletores, entre posições dos canos e
posições das amostras dentro dos canos, bem como entre os dois substratos
quanto ao aquecimento e quanto à eficiência de erradicação do patógeno. Os
escleródios não-tratados apresentaram 95 e 100% de escleródios germinados em
meio de BDASC e, 95 e 85% de escleródios coloridos por TCT, nos segundo e
terceiro ensaios, respectivamente (Tabela_1).
Apesar das altas temperaturas atingidas dentro dos canos dos coletores solares,
pôde-se observar que não houve esterilização do substrato, em vista do
crescimento de bactérias nos escleródios em meio de cultura.
Observou-se, no primeiro ensaio, que apesar da temperatura máxima atingida
durante o período de tratamento ter sido baixa (45oC), o tempo de exposição a
essa temperatura foi relevante no enfraquecimento dos escleródios de S.
rolfsii. Segundo Lifshitz et al. (1983), o aquecimento subletal enfraquece os
escleródios, tornando-os vulneráveis à contaminação por bactérias antagonistas.
Os autores observaram que o aquecimento prolongado pode causar rachaduras na
superfície externa dos escleródios, possibilitando o vazamento de conteúdo
celular para o meio e facilitando o crescimento bacteriano (Lifshitz et al.,
1983). Exemplos análogos com outros patógenos demonstraram os efeitos de
temperaturas subletais na redução da capacidade infectiva e na viabilidade de
inóculos (Freeman e Katan, 1988; Tjamos e Fravel, 1995).
Em experimentos de solarização do solo, o número de horas acumuladas tem papel
fundamental na erradicação de escleródios de S. rolfsii, como demonstrado por
Malathrakis e Loulakis (1989) e Ristaino et al. (1996). Apesar da baixa
temperatura atingida pelos coletores solares no primeiro ensaio, o período de
um dia foi suficiente para erradicar os escleródios do patógeno submetidos ao
aquecimento. Na solarização do solo, foram necessários de 40 a 60 dias, para a
erradicação de S. rolfsii à temperatura do solo de 42oC (Malathrakis e
Loulakis, 1989). Talvez, em vista da energia absorvida pelos coletores solares
não se dissipar facilmente para o ambiente, não seja necessário mais que um dia
de tratamento, como ocorre com a solarização do solo no campo. A variação de
umidade do solo durante o extensivo tempo de tratamento de solarização pode
alterar a distribuição do calor no solo, o que talvez não aconteça nos
coletores solares. Por outro lado, poderia haver outros efeitos não térmicos
(Stapleton et al., 1985) envolvidos na erradicação do fungo. O filme de
polietileno é pouco permeável a gases e, assim, ocorre acúmulo de CO2, amônia
ou até mesmo de enxofre. A presença desses gases foi relatada no controle de
patógenos de solo (Katan, 1981).
O coletor solar da EMBRAPA testado na desinfestação de substrato provocou a
morte de S. rolfsii em um dia de tratamento (Ghini, 1993). O resultado obtido
pelo coletor solar produzido pela UENF confirma o ocorrido com o protótipo
pioneiro. Constatou-se que as temperaturas alcançadas pelos coletores solares
nos dois últimos ensaios ultrapassaram aquelas exigidas para a morte dos
escleródios de S. rolfsii, que é de 52oC/30 min em ensaio in vitro (Martins,
2001).
O umedecimento dos substratos até sua capacidade de campo em ensaio in vitro
pode melhorar a condução de calor e favorecer a erradicação dos escleródios de
S. rolfsii (Martins, 2001). Porém, os coletores solares podem não perder
eficiência na erradicação do patógeno e apresentarem resultados semelhantes,
com substratos umedecidos a teores de umidade abaixo aos da capacidade de
campo.
Martins (2001), em estudos in vitro, obteve boa correlação entre germinação e
coloração dos escleródios pelo TCT. Neste trabalho, a ausência de coloração no
teste de TCT confirmou a inativação dos escleródios tratados nos coletores. A
falta de coloração vermelha dos escleródios indica que houve desnaturação
protéica e inibição da atividade de desidrogenases.
Os coletores solares testados nas presentes condições foram eficientes na
erradicação dos escleródios de S. rolfsii. Porém, os coletores ainda necessitam
ser testados para outros patógenos de solo de importância econômica para a
região, os quais podem ser mais tolerantes ao calor, como Fusarium spp.
(Freeman et al., 1989), por exemplo. Há, também, necessidade de se testar o
efeito do aquecimento contra microorganismos benéficos, antagonistas de
fitopatógenos e simbiontes de plantas, como os fungos micorrizos e Rhizobium.
Necessita-se, ainda, investigar a eficiência dos coletores testados em
diferentes épocas do ano, condições de clima e substratos, para expandir a
utilização do aparelho. E, finalmente, avaliar precisamente as alterações dos
constituintes químicos de substratos, após o aquecimento nos coletores solares,
visto que durante a solarização do solo ou pelo tratamento a vapor, ocorrem
mudanças na disponibilidade de elementos minerais do solo (Chen e Katan, 1980;
Katan, 1981; Stapleton et al., 1985).
CONCLUSÕES
Os dois coletores utilizados foram igualmente eficientes na erradicação de S.
rolfsii, nos três ensaios efetuados. Para isto, recomenda-se utilizá-los
preferencialmente em dias ensolarados, iniciando-se o tratamento pela manhã a
partir das 8 h, prosseguindo-se até às 16 h .