Armazenamento de sementes de camu-camu (Myrciaria dubia) com diferentes graus
de umidade e temperaturas
FITOTECNIA
Armazenamento de sementes de camu-camu (Myrciaria dubia) com diferentes graus
de umidade e temperaturas1
Storage of camu-camu (Myrciaria dubia) seeds with different moisture contents
and temperatures
Sidney Alberto do Nascimento FerreiraI; Daniel Felipe de Oliveira GentilII
IDr., INPA CPCA, Caixa Postal 478, 69011-970, Manaus AM, e-mail:
sanf@inpa.gov.br
IIM. Sc., INPA COAD, E-mail: gentil@inpa.gov.br
INTRODUÇÃO
O camu-camu (Myrciaria dubia (H.B.K.) McVaugh - Myrtaceae), também conhecido
como caçari e araçá-d'água, é uma espécie frutífera que ocorre espontaneamente
nas margens de rios e lagos de água escura da Amazônia, entre as regiões
oriental do Peru e central do Estado do Pará, no Brasil. Seus frutos apresentam
elevado conteúdo de ácido ascórbico, entre 1.420 e 2.994 mg/100 g de polpa
(Roca, 1965; Silva & Andrade, 1997), sendo superior ao encontrado na
maioria das frutas.
A propagação do camu-camu, embora possa ser conduzida com a utilização de
métodos assexuados (Enciso & Villachica, 1993; Ferreira & Gentil,
1997), é realizada basicamente por via sexuada. O período de semeadura,
todavia, está restrito a poucos dias ou a alguns meses após a colheita dos
frutos, em decorrência da pequena longevidade das sementes.
A sensibilidade à dessecação constitui um dos fatores relacionados à
conservação das sementes de camu-camu, que perdem a viabilidade com a redução
do grau de umidade a valores iguais ou inferiores a 19%, sendo este um
importante indicativo do comportamento recalcitrante (Gentil & Ferreira,
2000). Por isso, durante o armazenamento, tem sido sugerida a manutenção do
grau de umidade em níveis elevados, através da imersão em água substituída a
cada três dias, que pode preservar o desempenho fisiológico das sementes por
algumas semanas (Enciso & Villachica, 1993).
Embora a secagem de sementes recalcitrantes resulte no declínio da viabilidade
(Roberts, 1973), a literatura tem reportado, entre as espécies, considerável
variação na sensibilidade à dessecação. Farrant et al. (1988), admitindo esta
variação, propuseram a separação das sementes recalcitrantes nas categorias
altamente recalcitrantes (pequena tolerância à dessecação), moderadamente
recalcitrantes (moderada tolerância à dessecação) e minimamente recalcitrantes
(elevada tolerância à perda de água). A secagem parcial pode contribuir para a
conservação de sementes recalcitrantes (Chin, 1988), mesmo das que toleram
dessecação a valores ligeiramente inferiores ao do grau de umidade original.
Na secagem de sementes recalcitrantes, devem ser considerados o grau de umidade
de segurança, o grau de umidade crítico e o grau de umidade letal para cada
espécie. O grau de umidade de segurança corresponde à umidade que pode ser
atingida com a secagem, sem prejuízos à viabilidade das sementes (Hong &
Ellis, 1992). O grau de umidade crítico refere-se ao grau de umidade no qual é
detectado o início da perda de viabilidade (Andrade & Cunha, 1996). O grau
de umidade letal significa o limite a partir do qual todas as sementes perdem a
viabilidade (Hong & Ellis, 1992). No caso das sementes de camu-camu, Gentil
& Ferreira (2000) verificaram que o grau de umidade crítico pode estar
situado entre 46 e 37% e o grau de umidade letal em torno de 19%.
As sementes recalcitrantes apresentam, ainda, sensibilidade a baixas
temperaturas de armazenamento, muito embora a temperatura mínima tolerada possa
variar entre as espécies (Chin, 1988). Conforme Farrant et al. (1988), as
sementes altamente e moderadamente recalcitrantes são sensíveis a baixas
temperaturas, enquanto as minimamente recalcitrantes apresentam maior
tolerância, desde de que a temperatura seja superior a 0°C. A redução da
temperatura, associada à secagem parcial, pode evitar a germinação das sementes
e a proliferação de microrganismos no armazenamento (King & Roberts, 1979).
Assim, visando contribuir para o estabelecimento de métodos de conservação de
sementes de camu-camu, o presente trabalho foi realizado com o objetivo de
avaliar a qualidade fisiológica das sementes dessa espécie, com diferentes
graus de umidade, submetidas a diferentes condições e períodos de
armazenamento.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi conduzido nas dependências da Coordenação de Pesquisas em
Ciências Agronômicas (CPCA), do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
(INPA), em Manaus, Amazonas (03°08' S; 60°02' W).
Os frutos, em ponto de "colheita comercial", ou seja, com a casca apresentando
entre 25 e 100% de coloração púrpura ou vermelha, foram colhidos em plantio
(243 indivíduos) estabelecido em ecossistema de terra firme (Estação
Experimental de Fruticultura Tropical do INPA) e mantidos em condições de
ambiente natural por oito dias, quando então foi realizada a extração manual
das sementes. Em seguida, as mesmas foram lavadas em água corrente, tratadas
com solução fungicida (Cuprosan a 0,1%) e colocadas sobre peneiras, visando
eliminar a umidade superficial excessiva. Posteriormente, as sementes foram
acondicionadas em saco plástico duplo e mantidas em ambiente com temperatura
média de 26,5°C, por 16 dias.
Passado esse período, as sementes foram divididas em dois lotes, sendo um
destinado ao armazenamento imediato (46% de umidade) e o outro à secagem, em
ambiente com médias de temperatura de 26,5°C e de umidade relativa do ar de
85%, por cinco dias, a fim de ser obtido o grau de umidade de 40%. Em seguida,
os mesmos foram divididos em amostras de aproximadamente 200 sementes, que
foram acondicionadas em saco plástico duplo, sendo lacrado sem deixar espaço
vazio entre a massa de sementes e a borda da embalagem. Posteriormente,
amostras de cada grau de umidade (lote) foram armazenadas sob diferentes
condições: temperatura ambiente (média de 26,5°C), câmara a 20°C e câmara a
10°C. Antes de serem submetidas ao armazenamento, a viabilidade das sementes
era de 91%.
Aos 30, 60, 90, 120 e 150 dias de armazenamento foram retiradas amostras dos
tratamentos graus de umidade de cada condição de armazenamento para as
avaliações do grau de umidade das sementes (4 repetições de 25 sementes) e da
emergência de plântulas (4 repetições de 25 sementes). A determinação do grau
de umidade foi realizada pelo método de estufa a 105 + 3°C por 24 horas, sendo
os resultados expressos na base úmida (Brasil, 1992). A semeadura foi conduzida
em caixas de madeira, utilizando o substrato serragem parcialmente decomposta,
peneirada e úmida, alocadas em viveiro com 50% de luminosidade e temperatura
não controlada. A irrigação foi feita sempre que necessária, de modo a manter o
substrato umedecido.
A emergência das plântulas foi observada diariamente, a partir do aparecimento
da parte aérea acima do nível do substrato, que teve início aos 19 dias da
semeadura. Aos dois meses e meio da semeadura, foi encerrado o teste de
emergência de cada período de armazenamento, quando foram avaliados a altura, o
diâmetro do colo, o número de folhas e a massa seca de 10 plântulas, por
repetição, escolhidas ao acaso. A massa seca foi determinada após a secagem das
plântulas em estufa a 75°C, por 48 horas. A partir dos dados de emergência
foram calculados o índice de velocidade de emergência IVE (Maguire, 1962) e o
tempo médio de emergência - TME (Edwards, 1934).
O delineamento adotado foi o inteiramente casualizado, em esquema fatorial 2 x
3 x 5 (dois graus de umidade, três condições de armazenamento e cinco períodos
de armazenamento), com quatro repetições. Na análise estatística, as dados de
emergência foram transformados em arco seno raiz quadrada de x/100 e os de
número de folhas em raiz quadrada de (x + 0,5). A comparação das médias foi
realizada pelo teste de Tukey, ao nível de 5% de probabilidade.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Durante o armazenamento das sementes de camu-camu, os graus de umidade (Tabela
1) se mantiveram próximos aos teores iniciais. Desse modo, a embalagem
utilizada demonstrou eficiência na manutenção da identidade dos graus de
umidade das sementes, independentemente do ambiente de armazenamento.
As médias das variáveis-resposta apresentaram, em geral, diferenças
estatísticas significativas para os efeitos isolados de grau de umidade,
ambiente e período de armazenamento (Tabela_2), e as médias de IVE e TME para a
interação entre grau de umidade e período de armazenamento (Tabela_3).
A redução do grau de umidade, de 46% para 40%, afetou negativamente a
viabilidade e o vigor das sementes armazenadas (Tabela_2). Com isso, ocorreu a
redução da porcentagem e da velocidade de emergência, da altura, do diâmetro do
colo, do número de folhas e da massa seca das plântulas, além do aumento do
tempo médio de emergência das plântulas. Em trabalho paralelo, realizado com
sementes da mesma procedência (data e local) que as utilizadas no presente
estudo, Gentil & Ferreira (2000) também verificaram os efeitos prejudiciais
do decréscimo do grau de umidade, de 46% para 37%, sobre a qualidade
fisiológica das sementes, sugerindo que o grau de umidade crítico estivesse
situado entre esses valores. Entretanto, considerando que foram observados
danos provocados pela dessecação às sementes com 40% de umidade, é mais
provável que o grau de umidade de segurança e o grau de umidade crítico estejam
localizados entre 46 e 40% de umidade.
No que se refere ao fator ambiente de armazenamento, tanto para a emergência
quanto para o vigor das sementes (Tabela_2), a temperatura de 10°C apresentou,
na maior parte das variáveis avaliadas, resultados significativamente
inferiores em relação as demais condições. Isso pode indicar o efeito deletério
provocado por baixa temperatura às sementes de camu-camu, o que é comumente
constatado em sementes recalcitrantes (Chin, 1988). Por outro lado, estes
resultados se opõem à recomendação de Enciso & Villachica (1993), que
indicaram a temperatura de 5ºC para o armazenamento de sementes de camu-camu.
Entre a temperatura ambiente (média de 26,5ºC) e a câmara a 20°C, não foram
observadas diferenças significativas entre as médias das variáveis; todavia,
deve-se dar preferência à temperatura de 20°C quando for armazenar as sementes,
pois as temperaturas "subambiente" concorrem para a redução da velocidade da
deterioração e, com isso, podem aumentar o período de conservação.
Quanto ao fator período de armazenamento, a emergência das plântulas não foi
afetada significativamente, tendo a viabilidade permanecida elevada pelo
período de cinco meses (Tabela_2). Por outro lado, as variáveis de vigor
comportaram-se de maneiras distintas com o aumento do período de armazenamento
(Tabela_2): o IVE, o número de folhas e a massa seca tenderam a aumentar; o TME
e o diâmetro do colo diminuíram; e a altura das plântulas manteve-se
inalterada.
Através do comportamento das variáveis índice de velocidade de emergência (IVE)
e tempo médio de emergência (TME) (Tabela_2), evidenciou-se a ocorrência de
dormência nas sementes de camu-camu e que a mesma foi sendo reduzida no
decorrer do armazenamento. Por conseguinte, as plântulas que emergiram mais
rápido fotossintetizaram mais cedo, emitiram mais folhas e acumularam mais
matéria seca. Comportamento similar a esse foi observado em outras espécies que
apresentam sementes recalcitrantes, quando armazenadas com graus de umidade
elevados por curto período de tempo (Farrant et al., 1989). Segundo Farrant et
al. (1989), o armazenamento nessas condições resultou na iniciação de eventos
metabólicos típicos da germinação, como o aumento das atividades respiratória e
subcelular, tendo como conseqüência o aumento da velocidade de germinação. Em
sementes recalcitrantes de Euphoria longan, a dormência parcial também foi
superada após o armazenamento sob condição úmida, por curto período de tempo
(Xia et al., 1992).
Apesar do aumento no índice de velocidade de emergência das plântulas de camu-
camu, o tempo médio de emergência não foi inferior a 30 dias (Tabela_2). Os
efeitos de interação, encontrados entre os fatores grau de umidade e período de
armazenamento nas variáveis IVE e TME (Tabela_3), reafirmaram os resultados
obtidos para os fatores isolados. Assim, é possível que essa característica
esteja relacionada à ecologia da espécie, cujas sementes são dispersas através
de cursos d'água e de espécies da ictiofauna no período da cheia dos rios
amazônicos (Mera, 1987), quando o ambiente está temporariamente inadequado ao
estabelecimento das plântulas.
CONCLUSÃO
As sementes de camu-camu devem ser armazenadas com grau de umidade elevado
(próximo a 46%) e, preferencialmente, sob temperatura de 20°C, para manter a
viabilidade e o vigor pelo período de cinco meses.