Qualidade de frutos de videira 'Niagara Rosada' em cultivo intercalar com
gramínea e leguminosas
FITOTECNIA
INTRODUÇÃO
O Estado de São Paulo é o maior produtor de uvas para mesa e as cvs americanas,
como a 'Niagara Rosada', são cultivadas nas regiões de Jundiaí, Louveira,
Indaiatuba, Jales e São Miguel Arcanjo, por produtores com mão-de-obra familiar
(Pommer et al., 1998; Amaro, 2002).
Dentre os tratos culturais visando à prevenção e ao controle da erosão, à
manutenção de umidade e temperatura adequadas no perfil do solo e ao controle
do mato, tem-se a cobertura morta nas ruas, com restos vegetais, como capim-
gordura, bagaço de cana-de-açúcar e serragem, dentre outros (Pommer et al.,
1998; Terra et al., 1998). Atualmente, observa-se um aumento no custo de
produção com a adoção dessa prática, sendo interessante a utilização de
alternativas, como adubação verde intercalar, que pode ser igualmente
vantajosa.
Também, é desejável a manutenção da qualidade do produto, já que uvas ácidas ou
degranadas não são aceitas pelos consumidores (Amaro, 2002). Em Louveira ' SP,
e com apenas um ano de adubação verde intercalar no outono-inverno, com as
leguminosas chícharo (Lathyrus sativus L.) e tremoço (Lupinus albus L.), em
ruas alternadas do parreiral, alguns frutos produzidos apresentaram bagas
maiores, com casca mais grossa e sobretudo firmes, particularidade muito
interessantes ao transporte da uva na sua comercialização (Manera, 1986).
Como os estudos dos efeitos da cobertura do solo relacionados às
características de qualidade de frutos da videira ainda são quase inexistentes
no Brasil, no presente trabalho, objetivou-se avaliar diferentes coberturas
vegetais intercalares em sucessão, no parreiral, durante o ano, em substituição
à cobertura morta e seu efeito nos teores de sólidos solúveis totais (SST),
expressos em ºBrix, no pH e acidez total titulável (ATT) e na relação SST/ATT,
em frutos da videira de mesa 'Niagara Rosada'.
MATERIAL E MÉTODOS
Os experimentos foram instalados nas regiões de Jundiaí e Indaiatuba-SP, em
áreas representativas das condições de exploração agrícola da videira 'Niagara
Rosada'. O clima é do tipo Cwa - tropical de altitude, com inverno seco, e os
solos são Cambissolo latossólico, com fertilidade média. Ao início da
experimentação, nas análises dos solos cultivados com a videira, obtiveram-se
valores respectivos, em Indaiatuba e Jundiaí, de 28 e 18g.dm-3 de matéria
orgânica; 5 e 5,2 de pH; 46 e 67% de saturação por bases (V%); 102 e 155mg.dm-
3 de P e 2,9 e 9,3 de K; 38 e 35 de Ca e 4 e 15 de Mg, estes três últimos em
mmolc.dm-3.
Os parreirais estavam conduzidos em espaldeira, sobre porta-enxerto IAC-766
'Campinas', com cobertura morta de capim Brachiaria decumbens. O experimento
foi iniciado em abril de 1999, em parreiral com 1,5 ano de idade, no
espaçamento de 1,7m x 1m em Indaiatuba e de 8 anos, com 2m x 1m, em Jundiaí.
O delineamento experimental foi o de blocos ao acaso, com 4 repetições e 6
tratamentos, distribuídos nas ruas do parreiral, sendo 1: ruas mantidas no
limpo o ano todo; 2: cobertura com vegetação espontânea do local, roçada quando
necessário; 3: cobertura morta com Brachiaria decumbens o ano todo; 4: aveia-
preta (Avena strigosa) de março/abril a outubro e mucuna-anã (Mucuna
deeringiana) de outubro a março; 5: chícharo (Lathyrus sativus) de março/abril
a outubro e mucuna-anã de outubro a março; 6: tremoço (Lupinus albus) de março/
abril a outubro e mucuna-anã de outubro a março. A vegetação espontânea do
tratamento 2 foi composta, predominantemente, pelas espécies picão-preto
(Bidens pilosa), nabiça (Raphanus raphanistrum) e amendoim-bravo (Ephorbia
heteroplylla), em Indaiatuba, e por tiririca (Cyperus rotundus), picão-branco
(Galinsoga parviflora), beldroega (Portulaca oleracea) e caruru (Amaranthus
deflexus), em Jundiaí.
O canteiro correspondeu a 2 e 3 linhas da videira de 8m de comprimento, em
Indaiatuba e Jundiaí, respectivamente, totalizando áreas de 16 e 32m2. Foram
semeadas, sem adubação, 4 linhas de chícharo, tremoço e mucuna-anã, espaçadas
0,5m entre si, com 15 sementes por metro de linha e 7 linhas de aveia-preta,
espaçadas 0,25m entre si, com 40 sementes por metro de linha, em uma rua da
videira no primeiro local e em duas ruas por canteiro no segundo.
Realizaram-se 2 a 3 colheitas parciais a cada safra e localidade, entre a
última quinzena de dezembro e a primeira de janeiro nos anos agrícolas de 1999-
2000, 2000-2001 e 2001-2002. Em Indaiatuba, colheu-se ainda uma 4ª safra, em
duas ocasiões, em dezembro de 2002. No canteiro, colheram-se todos os frutos de
6 plantas, amostrando-se aleatoriamente 2 cachos de uva por planta, num total
de 12 cachos, para a realização das análises qualitativas dos frutos.
As bagas foram destacadas dos engaços, amostrando-se, ao acaso, 10 bagas/cacho,
totalizando 120 bagas por canteiro. Estas foram trituradas, extraindo-se o suco
para as determinações, com 4 repetições analíticas, dos seguintes atributos de
qualidade: teores de sólidos solúveis totais (SST), expressos em ºBrix, pH e
acidez total titulável (ATT), expressa em % de ácido tartárico, conforme normas
analíticas do Instituto Adolfo Lutz (1985). Calculou-se também a relação SST/
ATT.
Os dados foram comparados por local, pelo teste de Duncan, a 5% de
probabilidade, e aqueles obtidos em percentagem foram transformados em arco-
seno de v%. Para fins de avaliação conjunta de todos os dados determinados,
relacionados aos atributos de qualidade dos frutos e, para cada localidade de
cultivo, aplicou-se a técnica de análise de componentes principais - ACP,
utilizando-se do programa computacional Pirouette (2001).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados médios dos teores de SST e pH, ATT e SST/ATT dos frutos de
videira 'Niagara Rosada', determinados em 4 safras, em Indaiatuba, e em 3 em
Jundiaí, constam das Tabelas_1 e 2, respectivamente. Os dados médios mensais
pluviométricos em Indaiatuba e Jundiaí, e os de temperaturas da região de
Jundiaí, no período da brotação à colheita dos frutos, nas quatro safras
avaliadas, estão na Tabela_3.
Devido à quase inexistência de padrões de referência estabelecidos para alguns
dos atributos de qualidade da uva 'Niagara Rosada', como os deste trabalho,
adotaram-se limites analíticos vigentes na legislação brasileira para algumas
características de sucos de uva (Brasil, 1974), relacionados em Rizzon et al.
(1998) e por Rizzon & Miele (1995). Segundo Rizzon et al. (1998), as
composições químicas do suco de uva e do fruto são muito pouco diferentes entre
si, exceto quanto aos conteúdos de fibra bruta e óleo no fruto, determinados em
maior quantidade nas sementes. Além disso, por ser um produto natural, há uma
estreita relação entre as características finais do suco e a qualidade da uva.
Conforme os dados da Tabela_1, observou-se significância para teores de sólidos
solúveis entre tratamentos apenas em Indaiatuba, nas safras de 00-01 e 01-02.
Na análise conjunta por local, observaram-se diferenças apenas entre anos nos
dois locais. Em ambas as localidades, os valores médios foram assemelhados aos
verificados em 'Niagara Rosada', nessa mesma região, por Botelho (2002). Em
geral, os valores de SST, sobretudo os de Indaiatuba, estão muito próximos de
14°Brix (Tabela_1), considerado o mínimo ideal para colheita, estabelecido em
regulamento técnico nacional de qualidade (Benato, 2002; Maia, 2002), como a
Portaria nº371 do Ministério da Agricultura, de 10 de setembro de 1974 (Brasil,
1974) e em normas internacionais de comercialização (Kader, 1992; Barros et
al., 1995). Entretanto, em sua grande maioria, são maiores do que 12,8°Brix,
teor considerado mínimo dentre as características analíticas dos sucos de uva
brasileiros (Rizzon; Mielle, 1995).
Nas análises individuais dos índices de pH, observaram-se diferenças
significativas entre tratamentos em 00-01 e 01-02, nos 2 locais. Na análise
conjunta dos dados por local, houve diferença estatística significativa entre
anos e, em Indaiatuba, também entre tratamentos, destacando-se aqueles com
cobertura de capim e de tremoço/mucuna-anã, apesar de só diferirem da cobertura
com aveia-preta/mucuna-anã (Tabela_1). Em geral, os valores em ambos os locais
foram superiores aos obtidos por Alvarenga (2001) e Orlando et al. (2002), mas
podem ser considerados adequados, estando na faixa de variação entre 2,80 e
3,43, teores mínimo e máximo, respectivamente, estabelecidos para sucos de uva
(Rizzon; Miele, 1995).
Conforme a Tabela_2, os valores médios da ATT nos tratamentos, no parreiral
localizado em Indaiatuba, foram significativos apenas no 2º ano. Em Jundiaí, a
significância entre tratamentos foi verificada no 1º e 3º anos. Na análise
conjunta dos dados, em Indaiatuba, só houve significância entre anos, com menor
acidez dos frutos no 1º e maior no 2º ano (Tabela_2). Os valores médios em
todos os tratamentos foram similares aos observados por Botelho (2002), na
mesma região, e estão na faixa de variação entre 0,41 e 1,01g de ácido
tartárico/ 100mL de suco, estabelecidos, respectivamente, como teores mínimo e
máximo em sucos de uva (Rizzon; Miele, 1995). Por sua vez, são um pouco
inferiores ao limite máximo de 0,9, definido na legislação brasileira (Brasil,
1974).
Em Jundiaí, houve diferença significativa entre anos, na interação ano x
tratamento, e entre tratamentos, observando-se menor acidez no tratamento com
cobertura de aveia-preta/mucuna-anã, que foi estatisticamente diferente apenas
do tratamento mantido no limpo e daquele com cobertura de capim (Tabela_2). Na
média das 3 safras, em Jundiaí, os valores foram bem superiores aos obtidos em
Indaiatuba e aos observados por Botelho (2002), em Jundiaí, assemelhando-se
porém aos relatados pelo autor, em Junqueirópolis-SP. À exceção do observado na
3ª e última safra nessa localidade, os valores de acidez nas demais safras e na
média dos anos foram elevados, sendo maiores do que o teor máximo anteriormente
mencionado, estabelecido por Rizzon & Miele (1995) e também definido na
legislação brasileira (Brasil, 1974).
Na Tabela_2, têm-se diferenças significativas para a relação SST/ATT entre os
tratamentos na 2ª e 3ª safras, em Indaiatuba, e na 1ª e 3ª safras em Jundiaí.
Na 2ª safra de Indaiatuba, destacou-se o valor do tratamento com cobertura de
aveia-preta/mucuna-anã, que só diferiu daqueles com vegetação espontânea roçada
e com cobertura morta de capim. Na análise conjunta dos dados de Indaiatuba, só
houve diferenças estatísticas entre os anos, sendo o maior valor obtido na 4ª e
última safra (Tabela_2). Os valores médios dessa relação foram similares aos
relatados por Botelho (2002) nessa mesma região e um pouco maiores do que o
limite mínimo de 15 estabelecido na legislação brasileira (Brasil, 1974).
Em Jundiaí, além do efeito entre anos, que foi maior no 3º, também houve efeito
dos tratamentos e da interação ano x tratamento. O maior valor médio observado
no tratamento com cobertura de aveia-preta/mucuna-anã só foi significativamente
distinto daqueles dos tratamentos com ruas mantidas no limpo e com cobertura
morta de capim (Tabela_2). Os valores médios dessa relação em Jundiaí foram
numericamente bem inferiores aos de Indaiatuba e aos verificados na mesma
região por Botelho (2002), sendo bastante inferiores ao limite mínimo de 15
estabelecido na legislação (Brasil, 1974).
Na avaliação conjunta de todos os dados de pH, SST, ATT e SST/ATT, obtidos na
análise qualitativa dos frutos para todos os tratamentos, em ambas as
localidades, e, por meio da análise de componentes principais, verificam-se
diferenças expressivas na qualidade dos frutos em relação aos anos agrícolas
(Figuras_1a e 1c).
![](/img/revistas/rbf/v26n1/a25fig1c.gif )
Na Figura_1a, referente aos dados obtidos em Indaiatuba, tem-se um
posicionamento à direita no gráfico de escores dos resultados da safra de 2002,
representados pelo agrupamento simbolizado por "+". Isso se deve aos maiores
valores de SST dos tratamentos, conforme Figura_1b e Tabela_1, com valor médio
de 15,5oBrix, aos baixos teores de ATT, de cerca de 0,76%, em média, e aos
maiores índices de SST/ATT, com valor médio de 20,5 (Tabela_2). Por outro lado,
os dados das safras 99-00 (), de 01-02
(?) e de 00-01, em "x", estão agrupados e posicionados à esquerda do mesmo
gráfico, em ordem crescente, de acordo com os índices de ATT, com médias
respectivas de 0,71%; 0,90% e 1,02% (Figura_1b, Tabela_2) e, decrescente, em
relação aos valores de SST/ATT, com médias respectivas de 18,3; 16,0 e 13,7
(Tabela_2).
Em Jundiaí, representado na Figura_1c, os maiores valores de SST/ATT, com média
de 15,2 (Figura_1d, Tabela_2), e as menores porcentagens de ATT (Tabela_2)
referem-se à safra de 01-02, agrupados e representados pelo símbolo (?). Já os
frutos das safras de 99-00 (<formula/>) e 00-01 (x)
apresentaram-se mais ácidos e, portanto, com menores valores da relação SST/ATT
(Tabela_2). Em 99-00, também se obtiveram maiores teores de SST, com valor
médio de 14,2 ºBrix (Tabela_1).
Visto que, em todos os tratamentos avaliados, os teores de pH foram
aproximados, com pequenas variações entre 3,21 a 3,59, em ambos os locais, a
diferenciação entre os anos agrícolas foi decorrente da influência dos teores
de SST e, principalmente, da acidez dos frutos, com faixa de variação entre
0,69% a 1,25%, maior do que a do pH. Em conseqüência dessa maior variação da
acidez, houve influência nos valores de SST/ATT.
Segundo Carvalho & Chitarra (1984), a determinação da relação açúcares/
ácidos é o melhor indicativo do grau de maturação das uvas. Durante o processo
de amadurecimento, o teor de sólidos solúveis aumenta e o de ácidos orgânicos
diminui. Esses processos são independentes, sendo influenciados por fatores
genéticos e ambientais (Lizana, 1995).
O clima é importante fator relacionado à duração do ciclo, à qualidade do
produto, à fitossanidade e à produtividade da videira (Sentelhas & Pereira,
1997). A qualidade dos frutos é bastante influenciada pela luminosidade/
radiação, água e temperatura do ar (Sousa, 1996), sendo este último fator muito
importante para o crescimento da planta e acúmulo de açúcares nas bagas de uva
(Coombe, 1987). Conforme visualizado nas Figuras_1a e 1c, a influência do
ambiente foi nitidamente constatada.
A faixa de variação das temperaturas consideradas ótimas nas diferentes fases
fenológicas da videira é entre 10° a 13°C na brotação, entre 15° a 25°C durante
o desenvolvimento vegetativo, o florescimento e o desenvolvimento da baga e
entre 20 a 30°C na maturação dos frutos (Nemet, 1972; Galet, 1983; Pedro Júnior
et al., 1993). De maneira geral, essas condições foram observadas na região de
Jundiaí, durante o período considerado (Tabela_3).
Em média, a quantidade de água necessária durante o ciclo da videira situa-se
entre 240 a 384mm, sendo de 94mm da brotação até o início da floração, de 25mm
da floração até a fecundação, 135mm da fecundação até o início do
amadurecimento e 130mm do amadurecimento até a maturação (Gobbato, 1940).
Conforme os dados da Tabela_3, no período da poda até a colheita dos frutos, e
naqueles anos de precipitações pluviais além das necessidades da cultura, como
os de 2000 e 2001, houve uma tendência para a redução dos valores de qualidade.
Em 1999, a quantidade total de chuvas foi satisfatória, entretanto a sua
distribuição foi bastante irregular no período.
Sob condições de excesso de chuvas, é promovida diluição dos açúcares e
elevação da acidez nos frutos (Abrahão, 1984). Isso pode ser constatado,
sobretudo, quanto aos teores de SST nas safras de 00-01 e 01-02 em relação à de
99-00 em Jundiaí e nessas mesmas safras em relação à última, em 2002, em
Indaiatuba (Tabela_1, Figura_1). A mesma tendência foi observada em relação à
ATT (Tabela_2, Figura_1).
CONCLUSÕES
A cobertura morta de capim, tradicionalmente utilizada nas ruas do parreiral,
pode ser substituída pelo cultivo intercalar de aveia-preta e/ou de chícharo e/
ou de tremoço, no outono-inverno, seguidos de mucuna-anã, na primavera-verão,
sem alteração negativa dos teores de sólidos solúveis totais, do pH e da acidez
total titulável dos frutos de videira 'Niagara Rosada'.