Influências da temperatura de armazenamento e de extratores na determinação de
glomalina em solos Paraibanos
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Introdução
A glomalina é uma glicoproteína hidrofóbica, termoestável e recalcitrante
produzida por fungos micorrízicos arbusculares (FMA). Em estudos de campo sobre
indicadores da atividade dos FMA, a quantificação do teor de glomalina no solo
apresenta-se como uma avaliação rápida, barata, objetiva e relativamente fácil
de ser realizada em comparação às outras variáveis, como densidade de esporos,
comprimento de hifas, colonização radicular e número mais provável de
propágulos infectivos de FMA no solo (PURIN; RILLING, 2007).
Embora seja utilizado forte extrator e alta temperatura no processo de extração
da glomalina das hifas e do solo, a estrutura desta glicoproteína não é
afetada, o que demonstra que a molécula é muito estável (WRIGHT et al., 1996).
Numerosos solubilizadores de proteínas incluindo detergentes, ácidos, bases,
solventes e agentes caotrópicos não são eficientes em solubilizar glomalina do
micélio fúngico (DRIVER et al., 2005). De forma semelhante, extratores
quelantes como EDTA ou EDDHA, não tiveram sucesso em liberar a glomalina
adsorvida aos minerais de argila (GONZÁLEZ-CHAVÉZ et al., 2004).
A solubilização de glomalina na hifa ou no solo é efetuada através do uso de
citrato de sódio 20-50 mM, pH 7,0 ou 8,0, em elevada temperatura (121 ºC)
(WRIGHT; UPADHYAYA, 1996; WRIGHT et al., 1996). O citrato atua como um quelante
do ferro associado à glomalina (WRIGHT; UPADHYAYA, 1998) e desta forma, auxilia
a solubilização da molécula (WRIGHT et al., 2006). A glomalina pode também ser
liberada de complexos organominerais por ação do sódio que dispersa óxidos de
Fe e Al que atuam como ligantes entre a proteína e minerais de argila (CLAPP;
HAYRES, 1999).
Além do extrator utilizado, a eficiência da extração da glomalina depende do pH
da solução extratora e da temperatura durante o processo de extração.
Possivelmente, características químicas e físicas dos solos, bem como,
temperatura e período de armazenamento das amostras, podem influenciar na
quantidade de glomalina extraída. Neste sentido, o presente trabalho teve como
objetivo avaliar a eficiência do citrato de sódio e pirofosfato de sódio como
extratores da glomalina, bem como o efeito da temperatura de armazenamento, ao
longo de um período de 15 meses, sobre a quantidade dessa proteína extraída de
amostras de dois tipos de solo da região semiárida paraibana.
Material e métodos
Amostras de um Neossolo Flúvico (A1) e um Luvissolo (A2), da região semiárida
paraibana foram coletadas, de forma aleatória em caminho zig zag, na
profundidade de 0-15 cm. Após coletados, os solos foram secos ao ar,
destorroados, homogeneizados e peneirados em peneira de 2 mm. O A1 é um solo
degradado de textura areia franca, que está, há muitos anos, sob cultivo
agrícola, sem insumos, localizado no município de Taperoá, semiárido paraibano,
que tem precipitação média anual de 558 mm e temperatura média anual de 26 ºC.
O A2 é um solo de textura franco argilo arenosa, que se encontra sob vegetação
de caatinga, utilizado como pasto, localizado no município de Patos, semiárido
paraibano, que tem precipitação média anual de 600 mm e temperatura média anual
de 32,8 ºC.
Foi realizada a caracterização química e física da camada de 0-15 cm dos solos
(TAB._1), de acordo com metodologias propostas pela Embrapa (1997): pH em H2O
(solo: 2,5 água, v/v) por potenciometria; Ca+2 e Mg+2 extraídos por KCl e
determinados por absorção atômica; P, K+ e Na, extraídos com solução de Mehlich
I e determinados por fotometria de chama (K+ e Na) e por colorimetria (P); C
orgânico (C.O.), determinado por oxidação úmida em dicromato de potássio;
matéria orgânica (M.O.), estimada multiplicando-se o conteúdo de C orgânico por
1,724; e granulometria pelo método do densímetro.
Em subamostras dos dois solos, foi realizada também a quantificação inicial de
glomalina, pelo método de Wright e Upadhyaya (1998), no qual 0,25 g de solo
foram autoclavados por 30 minutos a 121 ºC com 2 mL de citrato de sódio (20 mM;
pH 7,0), e em seguida centrifugados a 10.000 rpm, durante 5 min. O sobrenadante
foi coletado para quantificação do teor de glomalina (mg g de solo-1), pelo
método de Bradford (1976), utilizando como padrão albumina bovina sérica.
Amostras dos dois solos foram transferidas para sacos plásticos e submetidas a
duas condições de armazenamento, sendo parte acondicionada à temperatura
ambiente (± 25 ºC) e outra parte em refrigerador (± 4 ºC), durante 15 meses.
Após este período, foi quantificado o teor de glomalina nas amostras dos dois
solos submetidos às duas condições de armazenamento, utilizando como soluções
extratoras citrato de sódio e pirofosfato de sódio (ambas a 20 Mm com pH
ajustado para 7,0).
O ensaio foi conduzido em delineamento de blocos ao acaso, esquema fatorial 2 x
2 x 2, sendo dois tipos de solo, duas temperaturas de armazenamento das
amostras (ambiente e refrigerada) e dois extratores (citrato de sódio e
pirofosfato de sódio), com quatro repetições. Os resultados obtidos foram
submetidos à análise de variância e as médias comparadas através do teste de
Tukey, ao nível de 0,05 de probabilidade, utilizando o programa estatístico
SISVAR (FERREIRA, 2000).
Resultados e discussão
Verificou-se que independente da temperatura de armazenamento das amostras e do
extrator utilizado, o solo A2 apresentou maiores teores de glomalina que o A1
(TAB._2). Maiores teores de glomalina em A2 são possivelmente explicados pelo
pH de 6,08. Alguns autores (HADDAD; SARKAR, 2003; RILLING et al., 2003)
observaram correlação negativa entre concentrações de glomalina e pH do solo.
Fungos tendem a predominar em solos ácidos, pois em solos alcalinos existe
maior concorrência com bactérias e outros organismos (BRADY, 1990). Como a
glomalina é produzida por FMA, é de se esperar que haja maior produção desta
proteína em solos ácidos em virtude de maior atividade fúngica nestas condições
(HADDAD; SARKAR, 2003).
Observa-se, ainda, que o solo A2 possui menor teor de P disponível (4,21 mg kg-
1) do que o solo A1 (58,21 mg kg-1). Loverlock et al. (2004) verificaram que
solos com altas concentrações de P apresentaram menores concentrações de
glomalina. Em condições de maior disponibilidade de nutrientes, principalmente
N e P, sinais moleculares emitidos pela planta hospedeira são afetados,
inibindo a associação micorrízica, e conseqüentemente, a produção de glomalina
pelos FMA.
O solo A2 apresentou maior teor de C orgânico (13,63 g kg-1) do que o solo A1
(10,03 g kg-1). O C orgânico é um dos indicadores mais consistentes da
concentração de glomalina nos ecossistemas. Correlações positivas entre as
frações de glomalina e o teor de carbono orgânico, têm sido registradas tanto
em solos cultivados quanto não cultivados (BIRD et al., 2002; FRANZLUEBBERS,
2000; NICHOLS; WRIGHT, 2005; RILLING et al., 2003; WRIGHT et al., 1996).
Além dos fatores edáficos que favorecem a simbiose micorrízica, e
conseqüentemente maior produção de glomalina pelos FMA, o solo A2 apresenta
maior teor de argila (269 g kg-1) que o A1 (147 g kg-1), que pode atuar na
proteção da glomalina, reduzindo a ação de micro-organismos decompositores. A
decomposição da glomalina pode ser influenciada pelo conteúdo de argila, uma
vez que estes minerais promovem proteção física no interior dos agregados
(NICHOLS; WRIGHT, 2005), ou ainda pelo grau com que a molécula encontra-se
ligada às partículas do solo (TRESENDER; TUNER, 2007).
Após 15 meses de armazenamento em temperatura refrigerada (4 ºC), utilizando
citrato de sódio como solução extratora, verificou-se que amostras dos solos A1
e A2 apresentaram maiores teores de glomalina (47,6 e 41,2%, respectivamente)
do que as amostras destes solos armazenadas em temperatura ambiente (25 ºC).
Não houve diferença significativa entre a quantidade de glomalina nas amostras
armazenadas em temperatura ambiente e refrigerada do solo A1, quando utilizado
o extrator pirofosfato de sódio. Contudo, amostras do A2 apresentaram maior
teor de glomalina (38,4%) quando armazenadas em temperatura refrigerada.
Rilling et al. (2003) demonstraram que 57% da glomalina permaneceu após 413
dias de incubação do solo a 25 ºC, em laboratório, indicando que certa
quantidade desta proteína pode ser uma fração recalcitrante do C do solo.
Steinberg e Rilling (2003) observaram que após 150 dias de incubação do solo a
18 ºC, a concentração de glomalina diminuiu em 25%.
Embora a glomalina seja uma biomolécula relativamente estável (WRIGHT;
UPADHYAYA, 1998), o armazenamento das amostras de solo em temperatura ambiente
pode ter favorecido a atividade microbiana, com degradação de hifas e esporos
(DRIVER et al., 2005), e utilização da glomalina como fonte de substrato para
seu crescimento (RILLING et al., 2003).
Não houve efeito significativo da temperatura de armazenamento das amostras
sobre a quantidade de glomalina extraída dos solos A1 e A2 pelos extratores
citrato de sódio e pirofosfato de sódio. Tendo em vista que o citrato de sódio
é um extrator padrão utilizado para extração da glomalina de solos (WRIGHT;
UPADHYAYA, 1998), os resultados demonstraram que o pirofosfato de sódio surge
como uma opção a mais para ser utilizada na extração desta proteína. Wright et
al. (2006) verificaram inclusive, que pirofosfato de sódio foi mais eficiente
do que borato de sódio e citrato de sódio (todos na concentração 100 mM; pH
9,0) na extração de glomalina, em sete solos.
Conclusões
1. Recomenda-se a refrigeração das amostras de solo a 4 ºC após a coleta para
quantificação mais precisa da glomalina, uma vez, que quando armazenadas à
temperatura ambiente (25º C), apresentaram menor teor desta proteína;
2. O pirofosfato de sódio foi tão eficiente quanto o citrato de sódio na
extração de glomalina nos dois solos.
Agradecimento
O presente trabalho foi parcialmente financiado com recursos do IAI (CRN2-014);
do CNPq (Edital MCT/CNPq/MDA/SAF/MDS/SESAN 36/2007- Agricultura Familiar -
Processo 551731/07-9); e do Edital Facepe PPP 2006 (Processo APQ-0633-5.01/06).
Os autores também agradecem ao CNPq pela concessão de bolsa de doutorado e de
produtividade de pesquisa.