Dimensionamento amostral para avaliar firmeza de polpa e cor da epiderme em
pêssego e maçã
===============================================================================
Introdução
A maçã e o pêssego são frutos climatéricos e, portanto, podem ser colhidos
ainda imaturos, a fim de prolongar a sua vida útil, desde que corretamente
armazenados. Dentre os métodos de armazenamento, destacam-se o armazenamento
refrigerado, com controle da temperatura da câmara e a atmosfera controlada,
com controle de temperatura e da concentração de O2e CO2, mantendo as
qualidades físico-químicas e sensoriais dos frutos com menores índices de
ocorrência de podridões e distúrbios fisiológicos (BRACKMANN; WACLAWOVSKY;
LUNARDI, 2000). Ainda, a absorção do etileno com permanganato de potássio, ou
sua inibição com 1-metilciclopropeno, retarda o amadurecimento dos frutos
armazenados (BLANKENSHIP; DOLE, 2003). No entanto, o 1-metilciclopropeno é
absorvido pela madeira ou papelão das embalagens, e por isso, em alguns casos o
efeito de sua adição não é satisfatório (VALLEJO; BEAUDRY, 2006).
Após o armazenamento dos frutos, quando estes são transportados e
comercializados, ocorrem alterações da textura, representada pela perda
progressiva da firmeza de polpa e da cor de fundo da epiderme, em função da
degradação da clorofila, bem como pela síntese de outros pigmentos (CHITARRA;
CHITARRA, 2005). Estes são os principais atributos utilizados para avaliar a
qualidade e a maturação dos frutos.
Em pesquisas agrícolas, o dimensionamento da amostra necessária para a
estimação da média de determinada variável é importante quando a população não
pode ser mensurada ou demanda excessivo tempo, recursos financeiros e humanos.
O tamanho de amostra é diretamente proporcional à variabilidade dos dados e à
confiabilidade desejada na estimativa, sendo inversamente proporcional ao erro
de estimação permitido a priori pelo pesquisador (BARBETTA et al., 2004;
BUSSAB; MORETTIN, 2004; SPIEGEL et al., 2004). Quanto maior for o tamanho de
amostra, maior será a precisão do experimento, com redução da variância da
média amostral, embora a demanda por recursos também seja elevada. Por outro
lado, tamanho de amostra pequeno pode reduzir a precisão experimental
(FERNANDES; SILVA, 1996). O dimensionamento do tamanho de amostra adequado
melhora a eficiência da pesquisa, permitindo a obtenção de estimativas com
precisão desejada (BUSSAB; MORETTIN, 2004; SPIEGEL et al., 2004).
Desta forma o tamanho de amostra para caracteres morfológicos, fenológicos e
produtivos de diversas culturas agrícolas, como: milho (FERNANDES; SILVA, 1996;
SILVA et al., 1993; STORCK et al., 2007), milho pipoca (CATAPATTI et al.,
2008), cana-de-açúcar (LEITE et al., 2009), soja (CARGNELUTTI FILHO et al.,
2009), crambe (CARGNELUTTI FILHO et al., 2010b), mamoneira (CARGNELUTTI FILHO
et al., 2010a) e feijão-de-vagem (HAESBAERT et al., 2011), tem sido pesquisado.
Ainda, trabalhos foram conduzidos para determinar o tamanho de amostra na
quantificação de lesões de doenças, como o cancro cítrico (BELASQUE JÚNIOR et
al., 2008), na quantificação de pragas, como o ácaro-do-bronzeado (LÚCIO et
al., 2009) e na estimação do coeficiente de correlação de Pearson entre
caracteres de milho (CARGNELUTTI FILHO et al., 2010) e de Crambe abyssinica
(CARGNELUTTI FILHO et al., 2011). Contudo, trabalhos que determinam o tamanho
de amostra necessário para avaliar a firmeza de polpa e a cor de fundo da
epiderme de frutos de pêssego e de maçã após o armazenamento em condições
controladas não foram encontrados na literatura.
Assim, o objetivo deste trabalho foi determinar o tamanho de amostra necessário
para avaliar a firmeza de polpa e a cor de fundo da epiderme, em pêssego
'Eragil' e maçã 'Royal Gala' submetidos a diferentes formas de armazenamento.
Material e métodos
Foram conduzidos dois experimentos no Núcleo de Pesquisa em Pós-Colheita do
Departamento de Fitotecnia da Universidade Federal de Santa Maria. Um
experimento foi conduzido com frutos de pêssego cultivar Eragil e o outro com
frutos de maçã cultivar Royal Gala, nos anos de 2009 e 2007, respectivamente.
Ambos os experimentos foram conduzidos em minicâmaras de 0,23 m3, alocadas
dentro de uma câmara frigorífica de 45 m3 com temperatura controlada. Os
pêssegos permaneceram durante oito semanas na temperatura de -0,5 ºC, mais
quatro dias à temperatura de 20 ºC. Os oito tratamentos foram compostos por
diferentes formas de armazenamento dos frutos de pêssego (armazenamento
refrigerado, atmosfera controlada com diferentes concentrações de O2 e CO2, e
com ou sem absorção de etileno) (TAB._1). Para os diferentes tratamentos e
variáveis mensuradas, foram utilizados de 30 a 57 frutos.
![](/img/revistas/rca/v42n4/a27tab01.jpg)
Para estabelecer as condições de atmosfera controlada (AC) definidas para cada
tratamento em pêssego, procedeu-se a varredura das minicâmaras com gás
nitrogênio a fim de diminuir a concentração de O2 até a condição desejada. O N2
foi gerado em um equipamento que funciona pelo princípio "Pressure Swing
Adsorption" (PSA). A concentração desejada de CO2 foi obtida pela injeção deste
gás proveniente de cilindros de alta pressão. As pressões parciais de O2 e CO2
foram monitoradas e corrigidas diariamente com o auxílio de um equipamento
automatizado da marca Kronenberger-Climasul®. A absorção de etileno foi
realizada por meio da colocação de sachês de permanganato de potássio no
interior da minicâmara. Para o tratamento que recebeu aplicação de 1-MCP,
utilizou-se o produto SmartFresh®, na formulação pó (0,14% ingrediente ativo),
na dose de 900 nL L-1. Esse produto foi solubilizado em água e liberado no
interior da minicâmara, onde reagiu com os frutos durante 24 horas.
Os frutos de maçã permaneceram armazenados durante quatro meses na temperatura
de 0,5 ºC, mais sete dias a 20 ºC, sendo os tratamentos compostos por doses de
1-MCP combinados com diferentes tipos de tábuas de madeiras (TAB._1), a fim de
avaliar se a possível absorção do 1-MCP pela madeira altera o tamanho de
amostra. O número de frutos de maçã avaliados para as diferentes variáveis e
formas de armazenamento variou entre 78 e 101 frutos.
Para a mensuração da firmeza de polpa, dos frutos de pêssego e maçã,
previamente foi retirada a epiderme em dois lados opostos da porção equatorial
dos frutos. Em seguida, os frutos foram perfurados com auxílio de um
penetrômetro manual com uma ponteira de 7,9 mm de diâmetro para o pêssego e 11
mm para a maçã. Os dados foram expressos em Newtons (N).
Nos frutos de pêssego e de maçã a cor de fundo da epiderme foi determinada com
o auxílio de um colorímetro eletrônico marca Minolta, modelo CR310, que utiliza
o sistema tridimensional de cores CIELAB, sendo as medições de cor de fundo da
epiderme expressas em termos de valor L, C e hº. O valor L representa a
luminosidade, variando da coloração preta (L = 0) na base do eixo vertical da
escala tridimensional, até branca (L = 100) no topo do mesmo eixo. O chroma (C)
representa a intensidade ou saturação de cor, possuindo valor zero no centro do
esquema tridimensional e aumentando à medida que se afasta do centro. O valor
hue (hº) é definido pelo ângulo de localização da cor no diagrama, mostrando a
tonalidade da cor, no qual o ângulo 0º representa o vermelho puro; 90º
representa o amarelo puro; 180º o verde puro e 270º o azul. Dessa forma, frutos
ainda verdes apresentam valores de hº um pouco superiores a 90º e, à medida que
vão amadurecendo, com a degradação da clorofila, esses valores vão diminuindo,
uma vez que a coloração da epiderme vai ficando amarelo/alaranjado. Esses três
elementos são os atributos de cor que, conjuntamente, melhor representam a cor
de fundo da epiderme.
A partir dos dados da firmeza de polpa e da cor de fundo da epiderme
(luminosidade, intensidade e tonalidade de cor) dos frutos de pêssego e de
maçã, de cada um dos oito tratamentos, foram calculadas as estatísticas: número
de frutos mensurados, valores mínimo e máximo, média aritmética, mediana,
desvio-padrão, coeficiente de variação, assimetria e curtose. Também foi
verificada a normalidade dos dados, por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov.
Essas estatísticas foram calculadas com a finalidade de caracterizar o banco de
dados e verificar a sua adequação para o estudo do dimensionamento amostral,
com base na distribuição t de Student.
Para cada variável mensurada, tomando-se por base o total de frutos armazenados
em cada tratamento, foi calculado o tamanho de amostra (h) para as
semiamplitudes do intervalo de confiança (erro de estimação) iguais a: 1;
2;...; 10% da estimativa da média (m), com grau de confiança (1-α) de 95%, por
meio da expressão
[/img/revistas/rca/v42n4/a27equ01.jpg]
(BARBETTA et al., 2004; BUSSAB; MORETTIN, 2004; SPIEGEL et al., 2004), sendo
tα/2 o valor crítico da distribuição t de Student, cuja área à direita é igual
aα/2, isto é, o valor de t, tal que P(t > tα/2) =α/2, com (n-1) graus de
liberdade, comα= 5% de significância de erro, e s2 é a estimativa de variância.
Posteriormente, fixou-seηcomo o total de frutos por tratamento para o cálculo
do erro de estimação em percentagem da estimativa da média (m) para cada uma
das variáveis, por meio da expressão
[/img/revistas/rca/v42n4/a27equ02.jpg]
(BARBETTA et al., 2004; BUSSAB; MORETTIN, 2004; SPIEGEL et al., 2004), em que s
é a estimativa do desvio padrão amostral.
Resultados e discussão
Em todos os tratamentos nas culturas de pêssego e maçã, o número de frutos
avaliados quanto à firmeza de polpa foi superior ao número de frutos avaliados
para as características de cor de fundo da epiderme (luminosidade, intensidade
e tonalidade de cor). Isso se deve à incapacidade técnica do colorímetro
eletrônico de mensurar estas características em alguns frutos que apresentavam
grande parte da epiderme recoberta de cor vermelha, o que impossibilita a
determinação da cor de fundo que representa a evolução na maturação.
Em relação à variável firmeza de polpa para a cultura de pêssego 'Eragil', as
médias dos tratamentos foram semelhantes, com exceção do tratamento com
aplicação de 1-MCP (Tratamento 8), que apresentou maior firmeza de polpa em
relação aos demais, indicando um retardo da maturação dos frutos, devido à
inibição da ação do etileno (BLANKENSHIP; DOLE, 2003). As médias de
luminosidade, de intensidade e de tonalidade de cor dos frutos de pêssego,
foram semelhantes entre os tratamentos, indicando pouca interferência das
diferentes formas de armazenamento (TAB._2).
Conforme Pimentel-Gomes (1990), se o coeficiente de variação (CV%) for inferior
a 10%, diz-se que o CV% é baixo, ou seja, o experimento tem alta precisão; de
10 a 20%, são considerados médios e de boa precisão; valores superiores
caracterizam baixa precisão experimental e alta variabilidade. Embora essa
classificação tenha sido proposta para experimentos a campo ela tem sido
extensivamente utilizada. Assim, de maneira geral, na cultura de pêssego, a
firmeza de polpa apresentou elevada variabilidade entre os frutos (CV >
20,48%), sendo que os frutos que permaneceram em armazenamento refrigerado
(Tratamento 1) apresentaram a maior variação (CV = 54,33%) (TAB._2). A
variabilidade existente entre os frutos nas variáveis luminosidade, intensidade
e tonalidade de cor foi inferior (CV < 11,19%) em relação à variabilidade
observada na determinação da firmeza de polpa (CV > 20,48%), sugerindo que em
pêssego, para a estimação da média, com uma mesma precisão, o tamanho de
amostra para características de cor de fundo da epiderme seja menor em relação
à firmeza de polpa. Em alguns casos, comportamentos assimétricos e curtose
diferente de três foram verificados, não interferindo, contudo, na distribuição
normal dos dados (P > 0,0443) (TAB._2), conferindo adequabilidade dos mesmos
para a estimação do tamanho de amostra com base na distribuição t de Student.
O tamanho de amostra (número de frutos), para a estimação da média de firmeza
de polpa, com semiamplitude do intervalo de confiança igual a 1% da estimativa
da média, foi de 11.933 frutos para pêssegos em armazenamento refrigerado e em
média, de 3.012 frutos para pêssegos armazenados em atmosfera controlada (TAB.
3), confirmando a elevada variabilidade desta variável, especialmente, em
condições de armazenamento refrigerado. Embora o número de frutos a serem
avaliados para a determinação da firmeza de polpa, com esse nível de confiança
seja elevado, em culturas agrícolas é comum a obtenção de tamanhos de amostra
com essa variabilidade. Em caracteres morfológicos e produtivos, da cultura de
crambe, Cargnelutti Filho et al. (2010b) verificaram que nesse nível de
confiança, é necessário avaliar de 1.516 a 15.241 plantas. Para estimar o
diâmetro das lesões de cancro cítrico, Belasque Júnior et al. (2008) indicam a
mensuração de 591 a 1.229 lesões para obter estimativas de média com
semiamplitude do intervalo de confiança de 1%. Já em mamoneira, Cargnelutti
Filho et al. (2010a), observaram que para semiamplitude do intervalo de
confiança igual a 2% da estimativa da média, em alguns caracteres é necessário
avaliar 6.077 plantas.
Estes elevados tamanhos de amostra, geralmente inviabilizam a coleta de
informações neste nível de confiança. Assim, tamanhos de amostra com maior erro
de estimação foram calculados. Para a firmeza de polpa, 121 frutos são
suficientes para a estimação da média, com uma semiamplitude do intervalo de
confiança (erro de estimação) de 5% em atmosfera controlada, e a 10% para
frutos em armazenamento refrigerado (TAB._3).
Conforme discutido anteriormente, as características de cor de fundo da
epiderme (luminosidade, intensidade e tonalidade de cor) apresentaram
variabilidade menor entre os frutos de um mesmo tratamento e, mesmo entre os
tratamentos, em relação à firmeza de polpa. Desta forma, o tamanho de amostra
destas variáveis também foi menor. Neste caso, 517 e 21 frutos, são suficientes
para a estimação da média de cor de fundo da epiderme para semiamplitude do
intervalo de confiança de 1 e 5%, respectivamente. A ampla variabilidade do
tamanho de amostra entre as diferentes variáveis mensuradas já foi descrita
para as culturas de milho (STORCK et al., 2007), de soja (CARGNELUTTI FILHO et
al., 2009), de mamona (CARGNELUTTI FILHO et al., 2010a) e de crambe
(CARGNELUTTI FILHO et al., 2010b).
Na cultura de maçã 'Royal Gala' a variabilidade entre frutos foi inferior à
observada para a cultura do pêssego, principalmente para a firmeza de polpa,
sendo que os valores de coeficiente de variação foram semelhantes entre os
diferentes tratamentos e para as diferentes variáveis (firmeza de polpa,
luminosidade, intensidade e tonalidade de cor) (5,20 < CV% < 11,68). Desta
forma, espera-se que o tamanho de amostra também seja semelhante. Em geral,
todas as variáveis apresentaram comportamento simétrico e curtose não diferindo
de três, com distribuição normal (P > 0,2074) (TAB._4), conferindo
adequabilidade dos dados para estimativa do tamanho de amostra pela
distribuição t de Student.
O tamanho de amostra (número de frutos), para a estimação da média de firmeza
de polpa e cor de fundo da epiderme com semiamplitude do intervalo de confiança
de 1% da estimativa de média variou de 107 a 597 frutos (TAB._5), sendo que
maiores tamanhos de amostra são necessários para a estimação da média de
firmeza de polpa seguido da tonalidade de cor. Caso o pesquisador permita um
erro de estimação de 5%, 24 frutos são suficientes para a estimação da média da
firmeza de polpa e da cor de fundo da epiderme dos frutos de maçã 'Royal Gala'.
A semelhança entre os tamanhos de amostra dos oito tratamentos indica que as
diferentes doses de 1-MCP utilizadas e a possível absorção do 1-MCP pelas
tábuas de madeira (VALLEJO; BEAUDRY, 2006), não alteram o tamanho de amostra.
Com os frutos avaliados nesse experimento, em nenhum caso, o erro de estimação
da média foi superior a 2,43%, confirmando a baixa variabilidade dos frutos de
maçã, comparados aos frutos de pêssego, especialmente, para a variável firmeza
de polpa.
Diferentes tamanhos de amostra são esperados, devido à variabilidade intrínseca
entre as variáveis e entre as culturas, cabendo ao pesquisador, avaliar dentro
de sua disponibilidade de tempo, recursos financeiros e humanos, qual o limite
de erro tolerado e por consequência, qual o dimensionamento de amostra
adequado, com base nos resultados deste trabalho.
Conclusões
1. Para a mensuração da firmeza de polpa e da cor de fundo da epiderme do
pêssego 'Eragil', 121 frutos são suficientes para a estimação da média com um
erro de estimação de 5% da média em atmosfera controlada e de 10% em
armazenamento refrigerado;
2. Em maçã 'Royal Gala', 24 frutos são suficientes para a estimativa da média
da firmeza de polpa e da cor de fundo da epiderme, com erro de estimação de 5%
da média.
Agradecimentos
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelas
bolsas concedidas.