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BrBRCVHe0004-28032003000400002

BrBRCVHe0004-28032003000400002

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0004-2803
ano2003
Issue0004
Article number00002

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Hipertensão portal esquistossomótica: influência do fluxo sangüíneo portal nos níveis séricos das enzimas hepáticas ARTIGO ORIGINALORIGINAL ARTICLEINTRODUÇÃO A Organização Mundial de Saúde estima que a esquistossomose acometa mais de 200 milhões de pessoas em todo o mundo, representando a principal causa mundial de hipertensão portal e acometendo geralmente indivíduos jovens(24, 30). No Brasil, é estimado o número de 8 a 18 milhões de infestados pelo Schistosoma mansoni(30), atingindo principalmente uma faixa de contínua endemicidade que se estende pelos Estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e Minas Gerais(10).

A hemorragia digestiva alta por varizes esofagogástricas é a principal manifestação da hipertensão portal esquistossomótica (HPE) e, também, a principal complicação com altos índices de morbimortalidade(12, 29).

Para evitar o ressangramento, existem na atualidade duas técnicas cirúrgicas mais praticadas e estudadas: a desconexão azigoportal com esplenectomia (DAPE) e a derivação esplenorrenal distal (DERD). O tratamento cirúrgico ideal ainda não foi atingido, estando as opções cirúrgicas entre o eficiente controle da recidiva hemorrágica, contudo com proibitivos índices de encefalopatia hepática (no caso da DERD), e o não aparecimento de encefalopatia, mas com taxas maiores de ressangramento digestivo (DAPE)(1, 5, 14, 30, 31).

A avaliação da hemodinâmica hepática pode esclarecer sobre a fisiopatogenia e sobre as alterações observadas nos diferentes tipos de cirurgias(9, 31). Os métodos mais usados para esta avaliação utilizam-se de medidas invasivas.

Entretanto, através do surgimento da ultra-sonografia Doppler duplex, houve a possibilidade de obtenção de medidas não-invasivas da velocidade sangüínea, permitindo o cálculo do fluxo sangüíneo. Desta forma, obteve-se um exame de simples execução, baixo custo e não-invasivo, apresentando-se bastante útil na avaliação, planejamento terapêutico e acompanhamento do paciente com hipertensão portal(8, 15, 17, 19, 26, 32, 38).

Muitos trabalhos têm estudado, em pacientes com hipertensão portal cirrótica, a dependência da função hepática ao fluxo sangüíneo hepático e ao fluxo sangüíneo portal (FP)(11, 18, 20, 21, 28). Esses trabalhos evidenciam uma interferência importante do FP na atividade funcional do fígado. É conhecido, entretanto, que a hipertensão portal cirrótica é localizada nos sinusóides (hipertensão portal sinusoidal) e que se associa à lesão hepatocelular importante. Deste modo, a função destas células está comprometida e estas se tornam lábeis às mudanças de sua perfusão. os pacientes com HPE têm, geralmente, a arquitetura lobular e a função hepática mantidas, sendo as alterações vasculares hepáticas e do sistema porta os aspectos fundamentais mais expressivos na fisiopatologia da HPE(9, 23). Estes aspectos transformam a HPE num bom modelo para estudo da fisiologia do FP na atividade funcional do fígado.

Neste sentido e observando que existem poucos estudos na literatura abordando a relação da função hepática com o FP na HPE(7), elaborou-se a presente pesquisa que teve como objetivos: 1) determinar se correlação significativa entre o perfil hepático (avaliado através das dosagens de albumina (ALB), TGO, TGP, bilirrubina direta (BD) e indireta (BI), FA, GGT e tempo de protrombina (TP) e o FP, e 2) identificar qual a variável do perfil hepático mais representativa da influência do FP na atividade funcional hepática nos pacientes com HPE.

PACIENTES E MÉTODOS Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do hospital e um consentimento escrito foi obtido de cada paciente. Realizou-se estudo retrospectivo com 64 pacientes com HPE, sendo 19 (29,69%) não-operados, 23 (35,94%) submetidos a DAPE e 22 (34,37%) submetidos a DERD. Os dados foram coletados no período entre maio de 1996 e maio de 1999. Os pacientes foram agrupados e avaliados em quartis de acordo com o FP, conforme ilustrado na Figura_1.

A composição da casuística dos diferentes quartis foi homogênea, não havendo diferença significativa referente às médias de idade, peso e altura dos pacientes (P >0,05) nos diferentes quartis, bem como referente ao tempo de pós- operatório (P= 0,1145).

Para compor os grupos, foram utilizados os seguintes critérios de inclusão: 1) idade entre 15 e 70 anos, 2) diagnóstico de esquistossomose hepatoesplênica com hipertensão portal, confirmado pelo achado endoscópico de varizes esofagogástricas, 3) antecedente de hemorragia digestiva alta, 4) intervalo mínimo de 15 dias entre o episódio hemorrágico e os exames de FP e do perfil hepático.

Consideraram-se critérios de exclusão: 1) antecedente de alcoolismo, 2) presença de cardiopatia ou pneumopatia clinicamente importantes, 3) evidência de qualquer outra hepatopatia, 4) presença de febre ou processo infeccioso agudo, 5) presença de trombose de veias esplênica ou mesentérica superior, 6) presença de trombose de anastomose esplenorrenal.

O perfil laboratorial hepático dos pacientes foi avaliado através dos valores obtidos com a dosagem sérica da ALB, transaminase glutâmico-oxalacética (TGO), transaminase glutâmico-pirúvica (TGP), BD e BI, fosfatase alcalina (FA) e gama- glutamil transferase (GGT). Essas dosagens foram realizadas pelo método colorimétrico automatizado do Cobas Mira Plus Chemistry System® (Roche Diagnostic System Incorporated). O TP(36) também foi utilizado, sendo realizado o teste de Quick(25).

O FP foi mensurado através do Doppler duplex colorido (Toshiba SSH 140 com transdutor eletrônico convexo de 3,75 MHz, indicado para o estudo de vasos em profundidade no organismo) realizado sempre pelo mesmo profissional e o mesmo aparelho para todos os pacientes, evitando o risco de variação entre observadores(33). As medições foram feitas em triplicata (considerou-se a média das três aferições) e obtidas no tronco da veia porta antes da bifurcação, através de corte oblíquo subcostal direito(26, 37). Considerando a influência da fase digestiva sobre o fluxo venoso esplâncnico, cada paciente foi orientado a comparecer em jejum de 12 horas e a tomar 40 gotas de Luftal® (Bristol-Myers Squibb Brasil S/A, São Paulo, SP) na noite anterior e na manhã do exame. A posição padronizada para o estudo foi o decúbito dorsal horizontal assumido após 15 a 30 minutos de descanso (sentado sem atividade), para obviar a interferência postural e da atividade física(33).

Os planos de corte ultra-sonográficos foram sempre os mesmos para todos os pacientes e seguiram a padronização da Organização Mundial da Saúde no uso da ultra-sonografia para avaliação do fígado, baço e sistema vascular esplâncnico na HPE(38). Acrescente-se o fato de que os cortes aludidos foram sempre obtidos durante a mesma fase da respiração, evitando as variações com o ciclo respiratório.

Cada variável do perfil laboratorial hepático foi correlacionada com o FP.

Os resultados foram analisados através de regressão linear, coeficiente de correlação de Pearson, teste do qui-quadrado e análise de variância de um via (one-way ANOVA), seguido do teste de Tukey. Os resultados foram significativos quando P <0,05. Foi utilizado o programa PRISM®, versão 3.02, 1999, da GraphPad Software Incorporated.

RESULTADOS O FP dos 64 pacientes avaliados apresentou média de 1.194,38 mL/min ± 700,57 mL/min, tendo como valor mínimo 317,25 e máximo de 3.181,36 mL/min. A mediana foi de 1.093,52 mL/min, o 25º percentil foi de 672,79 mL/min e o 75º percentil foi de 1.523,25 mL/min.

Quando correlacionadas as provas de perfil laboratorial hepático e o FP, somente a GGT apresentou correlação positiva significativa (P= 0,0379; r = +0,3214), conforme observado na Figura_2. No cotejo dos quartis, também somente a GGT mostrou resultado significativo, donde se constatou que o quarto quartil (4Q) foi diferente estatisticamente do primeiro quartil (1Q) e do terceiro quartil (3Q), conforme ilustrado na Figura_3.

DISCUSSÃO Atualmente, muito se tem estudado sobre o FP nos pacientes com hipertensão portal(11, 18, 19, 20, 21, 28). referências de que a esquistossomose hepatoesplênica é a principal causa de hipertensão portal no mundo(24, 30).

Nota-se, contudo, que os estudos na literatura correlacionando o FP com a função hepática abordam destacadamente o fígado cirrótico(11, 18, 20, 21, 28).

Provavelmente, isso decorre do fato de ser a cirrose mais comum nos países desenvolvidos e que nitidamente são pacientes com comprometimento hepático mais acentuado.

foi demonstrado que os pacientes esquistossomóticos apresentam FP superior aos indivíduos normais (controle)(4, 5, 19). Desta forma, teriamda GGT no 4Q foi significativamente maior em comparação com o 1Q e o 3Q. Tal elevação da atividade sérica da GGT nos pacientes com esquistossomose hepatoesplênica havia sido relatada na literatura. MANSOUR et al.(22) sugeriram que a avaliação da GGT associada à da monoamina-oxidase (MAO) aperfeiçoaria a capacidade de diferenciar bioquimicamente entre a infecção precoce pelo Schistosoma mansonie a forma crônica hepatoesplênica com seu associado envolvimento hepático.

A GGT está presente em quantidades decrescentes no túbulo proximal do néfron, fígado, pâncreas (dúctulos e células acinares) e intestinos. No entanto, a GGT sérica ativa é originária primariamente do fígado(35).

Consideram-se causas mais importantes da elevação da GGT a estimulação crônica do sistema microssomal (ocasionado pela indução e liberação da GGT da fração microssomal do hepatócito) e a presença de colestase.

A causa microssomal foi afastada em pacientes portadores da forma hepatointestinal da esquistossomose, mas não da forma hepatoesplênica(23).

A segunda causa de aumento da GGT é a colestase, melhor avaliada junto com a FA (27, 34). Nesta pesquisa, ficou evidente que a FA acompanha o aumento da GGT em relação ao FP (Figura_2A). No entanto, essa alteração mostrou tendência, não apresentando resultado estatisticamente significativo (P >0,05). Provavelmente, este fato ocorreu porque a GGT foi mais sensível do que a FA em detectar colestase. Alguns estudos que corroboram com tal assertiva demonstraram que a GGT está 12 vezes mais alta na colestase e a FA apenas 3 vezes(3, 32). Diversos autores propuseram que as alterações na árvore biliar, decorrentes da fibrose do espaço porta, poderiam ser o substrato anatômico para o aumento de FA e GGT nos pacientes com esquistossomose hepatoesplênica(6, 13, 16, 23).

A análise da composição do 4Q, que apresentou os maiores valores de GGT, revela que este é formado em sua maior parte por pacientes não operados, conforme ilustrado na Figura_1 (81,25% ' 13 pacientes). Pode-se pensar, desta forma, que a elevação de GGT no 4Q foi devida aos altos valores de GGT dos pacientes com esquistossomose hepatoesplênica não submetidos a cirurgia e, portanto, com maior comprometimento hepático (maior congestão).

Poderia ser questionado se a carga parasitária alteraria os níveis de GGT. No entanto, recentemente, AMARAL et al.(2) demonstraram não haver correlação significativa entre a carga parasitária e os níveis séricos de GGT. A relação encontrada por esses autores entre GGT elevada e índice de protrombina elevado poderia sugerir que a GGT se alteraria em formas mais avançadas da doença e não como resultado de indução microssomal. Além disso, a elevação da GGT, para aqueles pesquisadores, poderia estar presente antes do estabelecimento da forma hepatoesplênica. Os resultados daquele trabalho também evidenciam que a GGT sérica é mais sensível do que a FA em sugerir colestase.

Se a elevação de GGT, encontrada nos resultados do presente estudo, fosse ocasionada pelas alterações na árvore biliar decorrente da fibrose do espaço porta, seria de se esperar que essas também estivessem presentes nos demais quartis. Isso porque, possivelmente, tratam-se de pacientes com esquistossomose hepatoesplênica com semelhantes graus de fibrose no espaço porta. Entretanto, não é o que se nota neste trabalho, no qual os grupos em que maior participação de pacientes que foram operados apresentam menores valores de GGT do que o 4Q.

WIDMAN et al.(39) demonstraram, por análise ultra-sonográfica, que redução significativa no calibre da veia porta em pacientes operados por DAPE em relação a pacientes não-operados acometidos da forma hepatoesplênica da esquistossomose. Não obstante, relacionaram essa diminuição do calibre no pós- operatório à diminuição da pressão do FP.

É provável que a fibrose do espaço porta não seja a única responsável pelo grau de colestase encontrado na casuística deste trabalho, e que o regime de maior fluxo e pressão nos ramos da veia porta também concorra para a colestase.

Contudo, a hipótese de indução microssomal como causa da elevação da GGT no paciente com esquistossomose hepatoesplênica não foi devidamente afastada(23).

O que fica evidente, entretanto, é que a elevação da GGT tem correlação positiva com valores do FP.

A análise das outras variantes do perfil hepático não revelou alterações, o que sugere que a função hepatocelular está preservada ou minimamente comprometida na HPE, conforme cabalmente demonstrado(7). Desta forma, relaciona-se o comprometimento hepático nesta patologia como de ordem predominantemente vascular.

Em conclusão, pode-se inferir que, nesta casuística de pacientes com HPE: 1) quanto maior o FP, maior foi o nível sérico de GGT; 2) a GGT foi a variável da avaliação do perfil hepático mais representativa da influência do FP na atividade funcional hepática nos pacientes com esquistossomose hepatoesplênica, e 3) é possível que as cirurgias, através de suas modificações hemodinâmicas (diminuição da congestão), sejam também benéficas por diminuírem o grau de colestase presente ou em regredirem a indução microssomal. Tal possibilidade, no entanto, requer a realização de novas investigações com diferente metodologia para devida ratificação.


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