Eficácia do regime terapêutico empregando a associação de pantoprazol,
claritromicina e amoxicilina, durante uma semana, na erradicação do
Helicobacter pylori em pacientes com úlcera péptica
INTRODUÇÃO
A relação etiopatogênica entre o Helicobacter pylori, a gastrite crônica e a
úlcera péptica tem sido amplamente demonstrada(6). Nesta última, a erradicação
do microrganismo se acompanha de redução drástica das recurrências clínicas e
de suas complicações(23).
Os esquemas terapêuticos atualmente preconizados para a erradicação do H.
pylori incluem um inibidor de bomba protônica em combinação com dois
antibióticos(4). A inclusão de uma droga anti-secretora nos regimes
terapêuticos induz uma elevação do pH intra-gástrico com diminuição do volume
da secreção gástrica. Como o crescimento do H. pylori é mais pronunciado em uma
faixa estreita de pH (entre 5 e 7), esta terapêutica adjuvante, além de
promover melhor atividade dos antimicrobianos pH-dependentes, irá facilitar a
replicação bacteriana, fase esta em que os microrganismos se tornam mais
vulneráveis à ação de alguns antibióticos, como, por exemplo, a claritromicina,
que interfere na síntese protéica, e a amoxicilina que age na parede celular
(27). A redução do volume da secreção gástrica pelos anti-secretores também
contribui para uma ação mais eficaz dos antimicrobianos ao aumentar sua
concentração na mucosa gástrica(12, 17). Entre os antibióticos mais
freqüentemente empregados, destacam-se a claritromicina, a amoxicilina e o
metronidazol. Estudos recentes realizados em países desenvolvidos, envolvendo o
pantoprazol associado à claritromicina e amoxicilina, têm demonstrado índices
elevados de erradicação em pacientes portadores de úlcera péptica ou dispepsia
funcional(8, 10, 11, 19). Existem poucos estudos avaliando este regime
terapêutico em países em desenvolvimento, com perfil de resistência bacteriana
potencialmente diferente daquele observado nos países desenvolvidos(24).
O presente estudo teve por objetivo verificar a eficácia da associação de
pantoprazol 40 mg, claritromicina 500 mg e amoxicilina 1.000 mg, duas vezes ao
dia, por 7 dias, na erradicação do H. pylori, em pacientes brasileiros
portadores de úlcera péptica.
PACIENTES E MÉTODOS
Pacientes
Os pacientes, com faixa etária de 18 a 75 anos, foram recrutados nos
ambulatórios de gastroenterologia de três centros universitários de duas
cidades brasileiras, Porto Alegre, na região sul, e Belo Horizonte, na região
sudeste. Em todos os pacientes havia confirmação endoscópica de úlcera duodenal
ou gastroduodenal, sendo a presença de H. pylori confirmada por, pelo menos,
dois dos seguintes métodos diagnósticos: teste rápido da urease, histologia e
teste respiratório com 13C-uréia. Não foram incluídos no estudo pacientes com
úlceras complicadas, com esofagite de refluxo graus II a IV da classificação de
Savary-Miller, com síndrome de Zollinger-Ellison, mulheres grávidas ou em
lactação e aquelas em idade fértil que não estavam em uso de métodos
contraceptivos seguros há, pelo menos, 3 meses antes do início do estudo.
Também não foram admitidos no estudo pacientes com tratamento prévio para H.
pylori e aqueles em uso de inibidores da bomba protônica, antagonistas dos
receptores H2, antibióticos ou preparações contendo bismuto por período
superior a 3 dias nos 30 dias precedentes ao início do estudo. Não foi também
permitido o emprego concomitante de corticosteróides, antiinflamatórios não-
esteróides ou drogas cuja absorção fosse pH dependente. Para os pacientes
sintomáticos, o emprego de antiácidos foi permitido apenas no período entre a
primeira visita e a inclusão no estudo.
O protocolo do estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa das três
Instituições envolvidas no estudo e todos os pacientes assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido.
Métodos
Delineamento do estudo
Estudo aberto multicêntrico em pacientes ambulatoriais. Na primeira visita, os
pacientes foram submetidos ao teste respiratório com 13C-uréia e endoscopia
digestiva com biopsias para pesquisa de H. pylori, através do teste rápido da
urease e histologia. Os pacientes incluídos no estudo eram reexaminados após 7
dias de tratamento antibacteriano para avaliação dos sintomas
gastrointestinais, presença de eventos adversos e aderência ao tratamento. Nova
endoscopia com biopsias e teste respiratório com 13C-uréia foram repetidos 60
dias após o final do tratamento para determinação das taxas de erradicação do
microrganismo. Foram considerados H. pylori positivos os pacientes que
revelassem resultado positivo em pelo menos dois dos três testes realizados
(teste da urease, histologia e teste respiratório com 13C-uréia). Foram
considerados H. pylori negativos os pacientes com, pelo menos, o teste
respiratório e mais um (teste da urease ou histologia) negativos.
Sintomatologia
Os sintomas clínicos gerais e gastrointestinais eram registrados em ficha
clínica antes da inclusão no estudo e nas duas visitas subseqüentes, sendo sua
intensidade classificada em leve, moderada ou intensa. Foram considerados como
leves os sintomas dificilmente percebidos, com comprometimento leve do bem-
estar, como moderados aqueles percebidos claramente, mas toleráveis e sem
necessidade de alívio imediato, e intensos, aqueles com desconforto intenso,
com necessidade de alívio imediato. Seguindo as normas de Boa Prática Clínica
todos os sintomas referidos após o início do tratamento foram registrados como
eventos adversos.
Endoscopia
Esofagogastroduodenoscopia foi realizada em todos os pacientes à admissão no
estudo e 60 dias após o final do tratamento. No exame endoscópico foram
coletadas seis amostras de biopsias gástricas, sendo três do antro e três do
corpo gástrico. Um espécime do antro e um do corpo foram utilizados para a
realização do teste rápido da urease. Os quatro fragmentos restantes foram
acondicionados em frascos com fixador de formaldeído a 10% e corados com
hematoxilina-eosina e Giemsa modificada para estudo histopatológico e pesquisa
de H. pylori.
Teste respiratório com 13C-uréia
Todos os pacientes realizaram o teste respiratório com 13C-uréia à admissão no
estudo e 60 dias após o final do tratamento. Os exames foram realizados em um
único centro (BH), sendo as amostras de Porto Alegre enviadas por via aérea.
Foi empregado um espectrômetro infravermelho (IRIS, Wagner Analysen Technik,
Bremen, Alemanha). O teste respiratório com 13C-uréia foi previamente validado
no Brasil, considerando-se positivas as amostras com DOB (delta-over-baseline)
acima de 4%(2).
Exames de sangue
Todos os pacientes realizaram antes do início do estudo e 60 dias após o final
do tratamento os seguintes exames complementares: hemograma e determinações de
uréia, creatinina, bilirrubinas, fosfatase alcalina, gama-glutamil transferase
e transaminases (AST e ALT) no sangue periférico, através de punção de veia
cubital.
Terapêutica anti-H. pylori
Todos os pacientes usaram, conjuntamente, um comprimido de revestimento
entérico de 40 mg de pantoprazol, duas cápsulas de 500 mg de amoxicilina e uma
drágea de 500 mg de claritromicina, duas vezes ao dia, durante 7 dias. Os
pacientes foram instruídos a usarem a medicação rigorosamente nos horários
previstos (12 em 12 horas), com os comprimidos ingeridos inteiros, com água.
Todas as embalagens usadas eram devolvidas ao final do estudo para verificação
de adesão ao protocolo.
Análise estatística
Os testes estatísticos empregados foram o teste t de Student, teste exato de
Fisher e teste de Wilcoxon para amostras pareadas, o teste de Friedman para
avaliação dos sintomas ao longo do estudo e teste do sinal para comparação dos
resultados da pesquisa de H. pylori. Em todas as análises foi adotado nível de
significância de 5%.
RESULTADOS
Setenta e três pacientes foram inicialmente incluídos no estudo. Dois deles
abandonaram-no antes de iniciarem o tratamento: um após a primeira visita
devido à ocorrência de evento adverso, e dois não compareceram à última visita.
Assim, 71 pacientes foram considerados para a avaliação dos resultados por
intenção de tratamento e 69 por protocolo. A idade média foi de 41,9 anos,
variando de 19 a 71 anos, sendo 36 mulheres e 35 homens. A Tabela_1 apresenta
os dados demográficos dos pacientes estudados. Em 27 (39,1%) pacientes a crise
atual constituía a primeira ocorrência de úlcera, com 11 (16,4%) pacientes já
tendo apresentado previamente complicações.
Ao final do estudo 60/69 (87%, 95% = 78,9-94,8) pacientes erradicaram o H.
pylori na análise por protocolo e 60/71 (84,5%, 95% = 76-92,9) na análise por
intenção de tratamento (Tabela_2). Não foi observada diferença estatisticamente
significativa nas taxas de erradicação entre homens (85,7%) e mulheres (83,3%)
e, embora no grupo de não-fumantes a taxa de erradicação tenha sido maior
(91,3%) do que no grupo dos fumantes (72,7%), esta diferença não foi
estatisticamente significativa (P = 6%). A Tabela_3 exibe as taxas de
erradicação por protocolo (82,9% x 93,3% x 92,3%) e por intenção de tratamento
(79,1% x 93,3% x 92,3%), nos três diferentes centros participantes do estudo,
não havendo diferenças estatisticamente significantes entre elas (P < 0,05).
Um paciente interrompeu o tratamento devido à diarréia. No total, 89 eventos
adversos foram observados em 44 (62%) pacientes. Em 12 deles (16,9%) os eventos
foram definitivamente relacionados às medicações. Alteração do paladar,
diarréia, náuseas e sialorréia foram os sintomas mais freqüentemente
observados. Em sua maioria, tais sintomas foram considerados de leve
intensidade. Apenas dois pacientes apresentaram pequena alteração de ALT após o
final do tratamento (Tabela_4).
DISCUSSÃO
Este estudo multicêntrico realizado no Brasil confirma achados realizados em
outras regiões do mundo, demonstrando que a associação de pantoprazol com
amoxicilina e claritromicina por 1 semana induz à erradicação do H. pylori em
87% dos pacientes analisados por protocolo e em 84,5% por intenção de
tratamento(8, 10, 11, 19). Apesar de recomendado como regime preferencial a ser
empregado na terapêutica anti-H. pylori, poucos estudos têm sido realizados
entre nós. VIEIRA et al.(29), em Belo Horizonte, analisando 70 pacientes com
úlcera péptica e infecção por H. pylori, encontraram taxas de eradicação de 89%
e 97%, quando analisadas por intenção de tratamento e por protocolo,
respectivamente, ao empregarem a associação de lansoprazol, claritromicina e
amoxicilina durante 10 dias. PINHEIRO et al.(25), em Porto Alegre, ao
compararem a associação de subcitrato de bismuto coloidal, tetraciclina e
metronidazol durante 14 dias, com a associação de omeprazol, claritromicina e
amoxicilina por 7 dias, encontraram taxas de erradicação semelhantes (87,5% e
88,1%, respectivamente), analisadas por protocolo em 101 pacientes ulcerosos.
Ao estudar 25 crianças e adolescentes em São Paulo, KAWAKAMI et al.(15)
encontraram índices de erradicação inferiores (64%) com a associação de
omeprazol, claritromicina e amoxicilina durante 7 a 10 dias.
Os achados da presente série adquirem maior relevância no continente latino-
americano, onde a elevada resistência aos derivados imidazólicos, restringe
esta outra importante opção terapêutica para a erradicação do H. pylori(3, 7).
Como alternativa ao emprego do metronidazol, estudos nacionais têm demonstrado
que a associação de furazolidona e inibidores protônicos pode se constituir em
alternativa eficaz quando empregada com macrolídeos (claritromicina e
azitromicina)(4, 5, 9) e, em terapia quádrupla, com tetraciclina e bismuto(22).
Embora com menor custo financeiro e com índices de erradicação semelhantes
àqueles observados com os regimes empregando amoxicilina e claritromicina,
deve-se salientar a maior prevalência de efeitos adversos nos regimes
empregando furazolidona.
Considerando as dimensões continentais do Brasil, é importante salientar que os
resultados foram similares em todos os centros envolvidos e que as duas cidades
participantes encontram-se a 1.700 quilômetros de distância entre si, o que
sugere que tais resultados possam expressar a realidade do país como um todo.
Com uma única exceção, todos os pacientes completaram o estudo, sendo os
eventos adversos considerados leves na maioria deles. Diarréia e alteração do
paladar ocorreram em ¼ dos pacientes, achados compatíveis com estudos
anteriores envolvendo penicilinas de amplo espectro e claritromicina,
respectivamente(20, 21). Embora recomendações recentes sugiram que a duração do
tratamento anti-H. pylori deva ser estendida a 10 ou 14 dias(16, 18), os
achados da presente série confirmam estudos comparando regimes de 7, 10 ou 14
dias, demonstrando que a duração de 1 semana é adequada, especialmente na
população ulcerosa(1, 14). Embora não delineado como estudo comparativo, os
resultados deste estudo sugerem que, pelo menos na população ulcerosa, a dose
de 500 mg de claritromicina, 2 vezes ao dia, foi adequada, confirmando os
achados recentes de estudo de meta-análise realizada por HUANG e HUNT(13). Em
investigação anterior*, ao se empregar em pacientes ulcerosos a associação de
pantoprazol 40 mg, metronidazol 400 mg e claritromicina 250 mg, duas vezes ao
dia por 7 dias, os índices de erradicação obtidos na investigação preliminar
dos primeiros 47 pacientes (52%) foram considerados inaceitáveis, o que
determinou a interrupção do estudo.
Os resultados deste estudo foram também semelhantes àqueles empregando
amoxicilina e claritromicina associados a outros inibidores da bomba protônica
(14, 18, 20, 21), demonstrando que, embora existam entre eles diferenças em seu
metabolismo, elas são irrelevantes do ponto de vista clínico. Confirmando estas
observações, estudo de meta-análise recente(28), envolvendo 78 trabalhos
publicados, encontrou taxas de erradicação semelhantes em regimes empregando
terapêutica tríplice com diferentes inibidores de bomba protônica.
CONCLUSÃO
A associação de pantoprazol, amoxicilina e claritromicina por 7 dias constitui
alternativa eficaz e bem tolerada para a erradicação do H. pylori em portadores
de úlcera péptica no Brasil.