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BrBRCVHe0004-28032004000300001

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variedadeBr
ano2004
fonteScielo

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Nutrição enteral precoce em transplante hepático EDITORIAL

Nutrição enteral precoce em transplante hepático

Early enteral nutrition after liver transplantation

O transplante hepático mudou substancialmente o prognóstico de inúmeros pacientes adultos e pediátricos com doença hepática terminal. Os candidatos a transplante hepático freqüentemente apresentam profundas alterações do metabolismo dos macro e micronutrientes. Independentemente da etiologia da hepatopatia, a desnutrição protéico-calórica pode ser detectada em cerca de 20% dos pacientes com doença hepática compensada e em 80% daqueles com cirrose descompensada. O fígado é o maior órgão do metabolismo orgânico e integra inúmeros processos metabólicos complexos, incluindo carboidratos, proteínas e lipídios. Estas alterações no metabolismo dos macronutrientes foi objeto de publicação recente, onde elas foram analisadas em detalhe(4). Além disso, o fígado exerce papel fundamental de depósito e ativação de vitaminas e detoxicação e excreção de produtos tóxicos do metabolismo, como a amônia(2). A presença de desnutrição protéico-calórica é associada a maior incidência de complicações pós-operatórias, maior tempo de internação e, conseqüentemente, maiores custos do procedimento.

A despeito das constatações acima, o tratamento nutricional adequado dos pacientes portadores de doença hepática terminal, candidatos a transplante, permanece controverso. Alguns dos fatores que dificultam o consenso incluem: a) as limitações dos métodos de avaliação do estado nutricional desses pacientes, b) o caráter emergencial do procedimento quando o doador é cadavérico, e c) os poucos estudos randomizados disponíveis na literatura que avaliaram o uso de nutrição enteral ou parenteral após transplante hepático.

Com relação à avaliação nutricional dos hepatopatas, os métodos antropométricos são inadequados porque a retenção de fluidos influencia o peso corporal e a determinação das pregas cutâneas. Estes mesmos fatores tornam a análise da impedância bioelétrica (bioimpedância) igualmente inadequada para avaliar a composição corpórea, pois a retenção líquida, particularmente ascite e edema, altera a condutividade elétrica. Os parâmetros bioquímicos também não são confiáveis. A doença hepática terminal resulta em redução da síntese de albumina, independentemente do estado nutricional. A resposta imunológica também se encontra alterada, sendo comuns a linfopenia e resposta inadequada aos testes cutâneos de sensibilidade retardada. Face às limitações dos métodos objetivos normalmente utilizados, alguns autores sugeriram a utilização da avaliação global subjetiva (AGS) como método preferencial para a avaliação nutricional dos hepatopatas. Este método se baseia na história nutricional, alterações recentes do peso corpóreo e achados do exame físico e classifica os pacientes em bem nutridos, desnutridos moderados ou em risco de desnutrição e gravemente desnutridos. HASSE et al.(8) demonstraram especificidade de 96% quando o teste da AGS foi aplicado em hepatopatas, porém o teste foi menos sensível em um grupo de portadores de doença hepática alcoólica.

Outro aspecto característico do transplante hepático de doador cadavérico é o seu caráter emergencial. Este aspecto é relevante porque dificulta o preparo nutricional antes do transplante. Não surpreende, portanto, a escassez de estudos prospectivos avaliando a eficácia do preparo nutricional antes do transplante. O aumento do número de transplantes realizados a partir de doadores vivos poderá mudar este panorama, uma vez que esses são realizados em condição eletiva ou semi-eletiva. Até o momento não foram publicados estudos prospectivos e randomizados avaliando a eficácia do suporte nutricional perioperatório nesses pacientes. Entretanto o incremento substancial de transplantes hepáticos inter-vivos deverá mudar este panorama. Pode-se antever a possibilidade de realização de estudos prospectivos controlados avaliando a terapia nutricional pré-transplante nos candidatos a transplante de doador vivo.

Neste número dos ARQUIVOS de GASTROENTEROLOGIA, ÁLVARES-da-SILVA et al.(1) relatam sua experiência com a nutrição enteral precoce em pacientes submetidos a transplante hepático cadavérico. Os autores avaliaram prospectivamente 35 pacientes consecutivos nos quais foi colocada sonda nasoenteral ao término do procedimento cirúrgico, posicionada pelo cirurgião no duodeno. No pós- operatório imediato foi administrada solução contendo glutamina diluída em água. Nutrição enteral foi iniciada em até 12 horas após o transplante, com volumes progressivamente maiores de uma dieta polimérica líquida completa. Os autores referem que a tolerância à nutrição enteral foi bastante adequada. A partir do segundo ou terceiro dia de pós-operatório foi liberada dieta oral, que foi evoluída nos dias subseqüentes. Os autores referem evolução pós- operatória satisfatória, porém 28,6% dos pacientes apresentaram infecção respiratória e em dois casos houve broncopneumonia com aspecto aspirativo.

Algumas considerações referentes a esse estudo parecem pertinentes.

Inicialmente, o método utilizado para a avaliação do estado nutricional foi selecionado adequadamente pois, como mencionados anteriormente, a avaliação global subjetiva tem sido o método preferencial de avaliação nutricional desses pacientes (4). Segundo este método de avaliação, 77% dos pacientes estavam desnutridos, o que está de acordo com a literatura internacional(2). Os autores também utilizaram o método de dinamometria mediante a força do aperto de mão.

Por este método dinâmico todos os pacientes foram considerados desnutridos, ressaltando a alta prevalência da desnutrição em candidatos a transplante hepático.

Para a terapia nutricional foi utilizada a nutrição enteral precoce por sonda nasoenteral. Este é o método preferencial porque utiliza precocemente o intestino, preservando a fisiologia intestinal. Tem sido demonstrado que a nutrição enteral precoce reduz as complicações infecciosas e metabólicas, mantém o trofismo do trato gastrointestinal, previne translocação bacteriana e tem menor custo quando comparada com a nutrição parenteral(9). No pós- operatório imediato, os autores infundiram solução contendo glutamina. Não comentam este aspecto na Discussão. Trata-se de proposta interessante, tendo em vista as inúmeras funções da glutamina no organismo, em particular por melhorar o trofismo intestinal e por estimular imunologicamente o indivíduo. Em estudos experimentais no nosso laboratório demonstramos os benefícios da adição de glutamina na cicatrização de anastomoses intestinais(5), bem como na redução da ocorrência de translocação bacteriana(10).

A ocorrência de infecção pulmonar em 28,6% dos pacientes é elevada, porém comparável a outras séries e deve-se, provavelmente, à combinação de diversos fatores: cirurgia de grande porte do andar superior do abdome, desnutrição prévia e imunossupressão. Pelo desenho do estudo em questão é impossível saber se essa incidência seria ainda maior sem o uso da nutrição enteral precoce, uma vez que o estudo não foi controlado. Por outro lado, a ocorrência de pneumonia aspirativa em dois casos é grave, que esta complicação pode ser fatal. O posicionamento da sonda no duodeno (pós-pilórica) reduz, mas não evita, a ocorrência desta grave complicação(3). Vale a pena ressaltar que, algumas vezes, a sonda pode deslocar-se do duodeno e retornar ao estômago, favorecendo a ocorrência de aspiração(7). Por esta razão é fundamental certificar-se rotineiramente da posição da sonda.

O tempo de nutrição enteral exclusiva foi em média de apenas 2,3 dias. Na nossa opinião os potenciais benefícios advindos desta conduta foram provavelmente decorrentes da utilização precoce do intestino, mantendo a fisiologia intestinal, e não pelo suprimento adicional de nutrientes, uma vez que os pacientes receberam dieta oral a partir do terceiro ou quarto dia de pós- operatório. Esta questão somente poderá ser elucidada mediante estudos prospectivos e controlados, nos quais o grupo controle seria mantido em jejum até o início da dieta por via oral.

Esperamos que esse trabalho seja um estímulo para que esta e outras equipes de transplante hepático realizem tais estudos de forma prospectiva e randomizada.

Por fim, vale a pena ressaltar que a prática cada vez mais freqüente em nosso meio do transplante hepático intervivos poderá suscitar a realização de estudos sobre os efeitos da suplementação pré-transplante de nutrientes, o que poderia resultar em benefícios ainda maiores neste subgrupo de pacientes, como demonstrado em outros grupos de pacientes submetidos a cirurgia gastrointestinal de grande porte(6).

Antonio Carlos L. CAMPOS Jorge Eduardo F. MATIAS Júlio Cezar U. COELHO


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